AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000860-90.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO
AGRAVANTE: L. M. A., M. M. A.
REPRESENTANTE: DANIELA LUZADO MARTINS
Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIANA FERNANDES FABRICIO - SP214508,
Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIANA FERNANDES FABRICIO - SP214508,
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SAO PAULO
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000860-90.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO AGRAVANTE: L. M. A., M. M. A. Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIANA FERNANDES FABRICIO - SP214508, AGRAVADO: UNIAO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SAO PAULO OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência requerida para compelir a parte ré (União Federal, Estado de São Paulo e Município de São Paulo) a custear o fornecimento do medicamento ZOLGENSMA (Onasemnogene abeparvovec). É narrado na inicial que as autoras Lorena Martins Assad e Maitê Martins Assad, irmãs gêmeas nascidas em 26/10/2018, são portadoras de atrofia muscular espinhal tipo 1 (CID 10: g 12.0), também conhecida por Doença Werdinig-Hoffamann, que se caracteriza como doença neuromuscular de origem genética, autossômica recessiva, que resulta em atrofia muscular progressiva, condição clínica grave que gera reduzida expectativa de vida, com a maioria dos pacientes vindo a óbito entre 2 e 3 anos de idade Informa ainda que o tratamento para a doença da qual as autoras são portadoras é realizado sob duas acepções. A primeira, de abordagem interruptiva da degeneração, é realizada através do medicamento Nusinersena (Spinraza), devidamente registrado junto a ANVISA em data recente, do qual as menores já fazem uso através de seu convênio médico por meio de tutela obtida junto à 29ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital, em autos de número 1092126-82.2019.8.26.0100, em ação movida contra a operadora de plano de saúde Amil Assistência Médica Internacional LTDA. Aduz, entretanto, que não ocorreu a melhora esperada pela ministração do medicamento Nusinersena (Spinraza), emergindo a necessidade de tratamento suplementar por meio de terapia curativa de tipo genético, que busca reparar o gene defeituoso, através da recém-lançada medicação Zolgensma (onasemnogene abeparvovec-xioi), produzida pela empresa Novartis AG, ainda sem registro na ANVISA, porém aprovada pelo “FDA-USA” (Food and Drug Administration) desde 24/05/2019. Justifica o ajuizamento da ação de origem na qual busca compelir o Poder Público, com base na concretização de direito fundamental à saúde, a custear a referida terapia genética, já que a operadora do plano de saúde não está juridicamente, em base contratual, obrigada a custear fármacos alheios ao registro na ANVISA, além do que o medicamento Zolgensma é de altíssimo custo, alcançando mais de dois milhões de dólares cada aplicação. A d. juíza federal Tatiana Pattaro Pereira indeferiu o pedido de tutela de urgência, constando da decisão agravada a seguinte fundamentação: “Não obstante seja a saúde direito fundamental da pessoa humana, constante do rol de direitos sociais, art. 6º da Constituição, integrante da Seguridade Social, art. 194 da Carta, sendo intrinsecamente ligado aos direitos individuais à vida e à dignidade humana, é incabível o fornecimento de medicamentos ou tratamentos de forma arbitrária e indiscriminada qualquer que seja o produto pedido e o problema de saúde posto, visto que os recursos com tal destinação não são inesgotáveis, se prestam ao atendimento de necessidades concretas relativas à integridade física e psíquica da pessoa, por meios eficazes e com o melhor custo benefício. Dessa forma, aplicações desnecessárias, inadequadas ou desproporcionais podem levar ao prejuízo de toda a coletividade em favor de interesses individuais ilegítimos. De fato, sendo limitado o orçamento da saúde, o deslocamento de verba para aquisição de medicamento não inserido na listagem do Ministério da Saúde decerto acarretará deficiência na prestação de outro serviço vinculado ao SUS, por falta de verba. Assim, pleitos dessa natureza não podem ser analisados sem que seja verificado se o medicamento pretendido é efetivamente necessário, tem eficácia comprovada, está entre os medicamentos fornecidos pelo SUS ou é por um deles intercambiável. A propósito, vale lembrar que o E. Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no julgamento do REsp nº 1.657.156, sob o rito dos recursos repetitivos, com relação ao fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, conforme segue: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO. 1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018 - grifado) Por sua vez, o E. Supremo Tribunal Federal, na tese de Repercussão Geral nº 500, concluiu que: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União” No presente caso, o medicamento pleiteado pelas Autoras não é aprovado pela ANVISA, tendo sido aprovado somente pelo FDA (Food and Drug Administration), órgão americano responsável por avaliar medicamentos. A propósito da análise da aprovação do medicamento pelo FDA, vale citar alguns trechos do parecer apresentado pela União (ID 26521133) “(...) Aspectos regulatórios O Food and Drug Administration (FDA) aprovou a comercialização nos Estados Unidos do onasemnogene abeparvovec-xioi, com o nome comercial de Zolgensma®, em maio de 2019. A indicação na bula americana incluiu o uso para o tratamento de AME em pacientes pediátricos com menos de dois anos de idade com mutações bi-alélicas no gene SMN1 [US-FDA 2019a]. O onasemnogene abeparvovec-xioi ainda não foi avaliado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não pode ser comercializado no mercado brasileiro. Até o momento de elaboração deste PTC ainda também não havia sido aprovado pela European Medicines Agency (EMA) para comercialização na Europa. Informações econômicas A estimativa do custo mensal e/ou anual referente ao tratamento com o Zolgensma® no Brasil foi estabelecida a partir da conversão em reais de seu custo dos Estados Unidos, uma vez que o medicamento ainda não tem aprovação para ser comercializado no País. O custo da dose única de Zolgensma® seria de aproximadamente oito milhões de reais. Disponibilidade no SUS O onasemnogene abeparvovec-xioi não está disponível no SUS. Disponibilidade na Saúde Suplementar O onasemnogene abeparvovec-xioi não está disponível na Saúde Suplementar. Descrição de tecnologias alternativas (comparadores) Atualmente, as opções terapêuticas disponíveis para AME no SUS incluem terapias não medicamentosas multidisciplinares incluindo medidas gerais de suporte com intervenções de fisioterapia, cuidados respiratórios, terapia nutricional suplementar, fonoaudiologia, etc). Em abril de 2019, a Conitec recomendou a incorporação do nusinersena para a AME tipo 1 subtipos B/C, forma mais grave e mais prevalente da doença, que representa 58% dos casos diagnosticados no Brasil [Conitec 2019]. Para os tipos II e III, o Ministério da Saúde disponibiliza o nusinersena sob a modalidade de compartilhamento de risco. Nestes casos, todos os pacientes serão acompanhados por especialistas, terão seus dados clínicos coletados rotineiramente durante três anos para permitir a avaliação dos efeitos do medicamento. O nusinersena é um medicamento administrado por via intratecal. Cada frasco de 5 mL contém 12 mg de nusinersena (2,4 mg/mL). A posologia recomendada é de 12 mg (5 mL) por dose administrada nos dias 0, 14, 28 e 63. Posteriormente, deve-se administrar uma dose de manutenção a cada quatro meses. (...) Aspectos de eficácia e segurança Foram identificados dois estudos finalizados (coortes experimentais únicos, sem grupo comparador – estudos de fase 1/2) e seis estudos em andamento. Os resultados disponíveis dos dois estudos finalizados (NCT02122952 com dados de 12 participantes e NCT03306277 com dados de 22 participantes) mostram algum efeito do onasemnogene abeparvovec-xioi para pacientes com AME em fases iniciais. No entanto, a falta de um grupo comparador direto, limita a avaliação de sua eficácia e segurança. O risco de viés dos dois estudos é alto para quase todos os critérios avaliados. Outros seis estudos em andamento foram identificados e seus resultados estarão disponíveis m breve. Sobre os critérios metodológicos, este PTC identificou aspectos críticos no planejamento, na condução e no relato dos estudos clínicos que se propõem a avaliar os efeitos do onasemnogene abeparvovec-xioi no tratamento de pacientes com AME. Tais aspectos se associam a elevado risco de viés, o que repercute na certeza que temos no corpo final das evidências existentes até o momento. Nenhum dos estudos identificados no PTC (finalizados ou em andamento) tem o delineamento de um ensaio clínico randomizado duplo-cego, considerado o desenho de estudo primário mais adequado para avaliar efeitos de intervenções em saúde. Todo os estudos são abertos, sem mascaramento, sem grupo comparador paralelo e não são randomizados. Muitas vezes, o fato de a condição de interesse ser rara é apontado, muitas vezes, como justificativa para a escolha de diferentes desenhos de estudo [Riera 2019]. Entretanto, estudos meta-epidemiológicos têm mostrado que a ausência ou a deficiência nos métodos de randomização, de manutenção do sigilo de alocação e de mascaramento são capazes de alterar a estimativa do efeito de uma intervenção, seja na direção ou no tamanho [Moher 1998]. Outras limitações metodológicas, que contribuem para a redução da confiabilidade no processo de condução, análise e relato dos dados, dizem respeito (a) à discutível relevância clínica de muitos dos desfechos relatados pelos autores dos estudos e (b) à redefinição dos desfechos ao longo da execução do estudo. Pontua-se aqui que, na ausência de estudos com grupos para comparação direta, os resultados dos dois estudos finalizados têm sido comparados indiretamente com dados de coortes históricas de pacientes com AME. Os resultados das comparações indiretas parecem mostrar algum benefício com o uso do onasemnogene abeparvovec-xioi. No entanto, as mesmas limitações metodológicas apresentadas acima estão presentes em estudos de comparações indiretas, adicionando-se a presença de diferenças entre as características dos dois grupos indiretamente comparados que não podem ser ignoradas, pois não houve um processo de randomização. Quanto à aplicabilidade dos achados (validade externa), é importante salientar que os efeitos do onasemnogene abeparvovec-xioi ainda não foram investigados para casos avançados de AME, o que limita a extrapolação dos resultados existentes para essa subpopulação de pacientes. Além disso, os efeitos no longo prazo e os efeitos associados ao uso de mais de uma dose do medicamento ainda também não são conhecidos. (...) CONCLUSÕES Conclusões finais de eficácia e segurança. As evidências disponíveis sobre a eficácia e a segurança do onasemnogene abeparvovec-xioi para o tratamento da AME são insuficientes para qualquer conclusão válida. Deste modo, a recomendação para seu uso é INCERTA, sendo que os resultados dos estudos em andamento podem mudar qualquer conclusão.” Cumpre, ainda, registar trecho do artigo médico juntado pela União que informa que “de acordo com divulgação da FDA, aproximadamente um mês após a aprovação do medicamento, a agência foi informada pela AveXis Inc. sobre um problema de manipulação de dados dos testes do produto realizados em animais na fase pré-clínica dos estudos7. Essa informação não fez com que a FDA retirasse a aprovação do medicamento, pois consideraram que isso não alterou os resultados positivos que sustentam o perfil de risco/benefício dos estudos em humanos.” (ID 26521135). E mais adiante o artigo suscita que “A discussão em torno da aprovação do Zolgensma® pela FDA levanta uma discussão paralela sobre os critérios metodológicos assumidos por agências regulatórias mundiais para aprovação da comercialização de medicamentos, especificamente no cenário de doença raras, e medicamentos órfãos, com custos extremamente elevados. Nesse sentido, podem ser identificados pontos críticos relacionados aos métodos usados na condução dos estudos clínicos que embasaram o processo de regulamentação do Zolgensma® na FDA. Tais pontos podem ter repercussões na qualidade dos resultados desses estudos e na certeza relacionadas ao corpo final das evidências existentes até o momento.” (ID 26521135). Assim, ao menos nesta análise de cognição sumária, entendo que a aprovação do medicamento pleiteado pelo FDA não é por si só suficiente para justificar a sua concessão, considerando as dúvidas suscitadas quanto aos estudos clínicos realizados. Ademais, há que ser considerado o altíssimo custo do medicamento, que é considerado o remédio mais caro do mundo, bem como que as Autoras já estão sendo tratadas com o medicamento Spiranza fornecido pela AMIL, que é mundialmente indicado - há bastante tempo - para o tratamento da doença que as acomete, sendo certo que não foram juntados aos autos documentos que comprovem efetivamente um melhor prognóstico da doença pela utilização do medicamento Zolgensma ao invés do Spiranza. Ante o exposto, INDEFIRO O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA." Nas razões recursais a parte agravante sustenta que “é enganosa, beirando as raias da insensatez, a tese do “cobertor curto”, segundo o qual a prestação de dever constitucional do atendimento a saúde de alguns, priva o direito de outros”. No ponto, aduz que o orçamento do Ministério da Saúde dispõe de recursos significativos, cuja implementação não se dá na totalidade por ineficiência “do governo”. Alega também que o medicamento fornecido pelo SUS representará um gasto muito superior por exigir uso contínuo, ao contrário da terapia genética pleiteada, que é ministrada uma única vez. De todo modo, as autoras colocam à disposição os recursos que seus genitores obtiveram mediante arrecadação pública que fizeram via “vaquinha on line”, atualmente em aproximados R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), para que não se diga que o fornecimento do medicamento abalará o sistema de saúde. Argumenta ainda que a ausência de registro na Anvisa não é empecilho para a obtenção da tutela já que o caso presente envolve doença ultrarrara e, ademais, existe registro do medicamento solicitado em renomada agência de regulação no exterior. Por fim, afirma que não há no Brasil substituto terapêutico para tratamento de AME 5q Tipo 1, posto que não existe ainda a terapia gênica no País para tanto, não sendo possível considerar Zolgensma e Spinraza como biossimilares ou substitutos terapêuticos um do outro. Indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal (ID 122303809); consta a interposição de agravo interno (ID 123093918), com posterior pedido de desistência daquele recurso (ID 123777807), enfatizando a agravante a necessidade de julgamento célere do agravo de instrumento, especialmente em razão da existência de fato novo (ID 123772025) consistente em informações da ANVISA em resposta a pedido de registro da substância Zolgensma. Recurso respondido pela parte agravada (ID 123373161 – Município de São Paulo; ID 123632671 – Fazenda Pública do Estado de São Paulo; ID 123766661 – União Federal). Parecer do Ministério Público Federal pelo improvimento do recurso (ID 126560086). É o relatório.
REPRESENTANTE: DANIELA LUZADO MARTINS
Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIANA FERNANDES FABRICIO - SP214508,
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000860-90.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO AGRAVANTE: L. M. A., M. M. A. Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIANA FERNANDES FABRICIO - SP214508, AGRAVADO: UNIAO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SAO PAULO OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: A r. decisão recorrida, da lavra da culta e operosa srª Juíza Tatiana Pattaro Pereira está excelentemente fundamentada e bem demonstra a ausência de plausibilidade do direito invocado. Seus fundamentos ficam aqui explicitamente acolhidos "per relationem" (STF: Rcl 4416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 08-06-2016 PUBLIC 09-06-2016 - AgInt nos EDcl no AREsp 595.004/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018). Apesar de ser impossível não se comover com a situação de saúde de duas menininhas de tenra idade, outras considerações podem ser aduzidas em abono da decisão guerreada, que está a léguas de ser "insensata". A jurisprudência formada no Supremo Tribunal Federal, reafirmada no julgamento do RE 855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux (Tema 793), é no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. Nesse sentido: RE 1193032 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 25/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 07-11-2019 PUBLIC 08-11-2019. Importante considerar que a jurisprudência maciçamente se dirige a pessoas hipossuficientes, de modo que não é irrelevante considerar que a família das menores - com residência nesta Capital na Rua Itapaiúna, nº 1800, apto 103, Cep: 05707-001 - encontra-se (felizmente) muito longe da condição de hipossuficiência, inclusive dispondo de plano de saúde que já lhe fornece a medicação mais enova, à exceção do Zolgensma. Assim, embora não se pode descartar o custo fantástico do medicamento - que beira a irrealidade - não se trata de família em condição de pobreza e as crianças não estão desassistidas como ocorre - ou ocorria, antes do SUS adotar o Spinraza - com a imensa maioria dos brasileirinhos acometidos pela cruel moléstia, em favor de quem, por várias vezes este Relator determinou o fornecimento dessa medicação pelo Poder Público. Além disso, consoante o precedente do Supremo Tribunal Federal nos autos da STA nº 175, há que ser considerada a motivação do Poder Público para a não promoção de determinada ação de saúde pelo SUS, pois há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender inexistirem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão (STP 101 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-277 DIVULG 12-12-2019 PUBLIC 13-12-2019). A situação revelada nos autos muito se aproxima desse cenário. Até o momento em que distribuídos a ação e também este recurso não havia notícia de que alguém tivesse se dirigido à ANVISA postulando o registro do medicamento no Brasil, de modo que é injusto falar em qualquer “omissão” das autoridades sanitárias locais. No ponto, destaco que não será o agravo de instrumento a sede adequada para análise e discussão a respeito de documento novo juntado pela agravante. Aliás, a Comissão Européia de Medicamentos também não licenciou o fármaco. Além disso, no único país em que o fármaco foi oficialmente admitido, os Estados Unidos através da FDA, surgiram sérias dúvidas sobre a lisura dos testes de eficácia do medicamento enquanto usado em cobaias não humanas, conforme delação formalizada pela empresa AveXis Inc. e que gerou de parte da multinacional suíça Novartis a admissão de que houve manipulação de resultados no curso de testes com animais, conforme declaração de 7 de agosto de 2019 feita pelo executivo Vasant Narisimhan. Na verdade, os sites de internet que veiculam assuntos farmacêuticos esclarecem que o processo de elaboração do Zolgensma não foi o mesmo desde que o fármaco foi inventado e a manipulação de dados foi realizada ao se comparar a versão que é a atual com uma que era anterior. A FDA, embora conhecendo a fraude nos testes com animais, resolveu manter o fármaco registrado porque haveria indicação de sucesso quando aplicado em seres humanos, tudo conforme statement publicizado pela agência em 6 de agosto de 2019 e assinado pelo Dr. Peter Marks M.D., PhD. Mas a “generosidade” da FDA-USA para com a poderosa multinacional suíça Novartis, não retira a falta de ética perpetrada por seus cientistas na obtenção de resultados favoráveis por meio de “manipulação” dos testes; na verdade, em abril de 2019 o uso do Zolgensma para tratamento da AME foi regulamentado nos Estados Unidos pela FDA com base em dois estudos clínicos abertos (sem mascaramento), sem grupo comparador paralelo (e, portanto, não randomizados); os especialistas consideram que essas limitações metodológicas aumentam a incerteza nos resultados encontrados e propalados pela multinacional suíça Novartis. Diz-se, ainda, que para o sucesso comercial do medicamento a Novartis vai precisar convencer o mercado de que apenas uma dose do remédio mais caro do mundo será suficiente para a vida toda, ou seja, de que uma injeção vai curar a pessoa. Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento, restando prejudicado o agravo interno. É como voto.
REPRESENTANTE: DANIELA LUZADO MARTINS
Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIANA FERNANDES FABRICIO - SP214508,
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (TERAPIA GÊNICA IN VIVO – ZOLGENSMA). NÃO ATENDIMENTO DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS EM REPERCUSSÃO GERAL PELO STJ (TEMA 106) E STF (TEMAS 500 E 793). RECURSO IMPROVIDO, MANTENDO-SE DECISÃO AGRAVADA SEGUNDO A TÉCNICA PER RELATIONEM.
1. O medicamento pleiteado pelas Autoras não é aprovado pela ANVISA, tendo sido aprovado somente pelo FDA (Food and Drug Administration), órgão americano responsável por avaliar medicamentos. Aliás, no único país em que o fármaco foi oficialmente admitido, os Estados Unidos através da FDA, surgiram sérias dúvidas sobre a lisura dos testes de eficácia do medicamento enquanto usado em cobaias não humanas, conforme delação formalizada pela empresa AveXis Inc. e que gerou de parte da multinacional suíça Novartis a admissão de que houve manipulação de resultados no curso de testes com animais, conforme declaração de 7 de agosto de 2019 feita pelo executivo Vasant Narisimhan. Na verdade, os sites de internet que veiculam assuntos farmacêuticos esclarecem que o processo de elaboração do Zolgensma não foi o mesmo desde que o fármaco foi inventado e a manipulação de dados foi realizada ao se comparar a versão que é a atual com uma que era anterior.
2. Embora não se pode descartar o custo fantástico do medicamento - que beira a irrealidade - não se trata de família em condição de pobreza e as crianças não estão desassistidas como ocorre - ou ocorria, antes do SUS adotar o Spinraza - com a imensa maioria dos brasileirinhos acometidos pela cruel moléstia, em favor de quem, por várias vezes este Relator determinou o fornecimento dessa medicação pelo Poder Público.
3. Agravo de instrumento a que se nega provimento, restando prejudicado o agravo interno.