APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002567-58.2018.4.03.6113
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: CALCADOS FERRACINI LTDA
Advogado do(a) APELADO: ATAIDE MARCELINO JUNIOR - SP197021-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002567-58.2018.4.03.6113 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: CALCADOS FERRACINI LTDA Advogado do(a) APELADO: ATAIDE MARCELINO JUNIOR - SP197021-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo interno interposto pela UNIÃO FEDERAL em face de decisão monocrática que, nos termos do art. 932 do NCPC, negou provimento à apelação. Alega o agravante, em síntese, que o entendimento majoritário do STF é no sentido da aplicação ao caso, tão somente, do princípio da anterioridade nonagesimal e não da anterioridade geral. Aduz que os valores apurados no REINTEGRA não implicam aumento ou majoração de tributo, concessão de isenção ou desoneração em relação a nenhuma espécie tributária em particular, tampouco envolvem no seu cálculo aspectos relativos à alíquota ou à base de cálculo dos tributos envolvidos na operação. A parte agravada apresentou contrarrazões ao recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002567-58.2018.4.03.6113 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: CALCADOS FERRACINI LTDA Advogado do(a) APELADO: ATAIDE MARCELINO JUNIOR - SP197021-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O agravo interposto não merece acolhimento. Considerando que as razões ventiladas no presente recurso são incapazes de infirmar a decisão impugnada, vez que ausente qualquer ilegalidade ou abuso de poder, submeto o seu teor à apreciação deste colegiado: "Trata-se de apelação interposta pela União Federal em face da sentença que julgou procedente o pedido para condenar a requerida a restituir os créditos oriundos do REINTEGRA a serem calculados no percentual de 3% sobre a receita de exportação, sem a redução promovida pelos Decretos nºs 8.415/2015 e 8.543/2015 e no percentual de 2%, sem a redução promovida pelo Decreto nº 9.939/2018, respeitado o período prescricional de cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. Alega a apelante que os valores apurados no REINTEGRA não implicam aumento ou majoração de tributo, concessão de isenção ou desoneração em relação a nenhuma espécie tributária em particular, tampouco envolvem no seu cálculo aspectos relativos à alíquota ou à base de cálculo dos tributos envolvidos na operação. Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. É o relatório. Decido. De início, cumpre explicitar que o art. 932, IV e V do CPC de 2015 confere poderes ao Relator para, monocraticamente, negar e dar provimento a recursos. Ademais, é importante clarificar que, apesar de as alíneas dos referidos dispositivos elencarem hipóteses em que o Relator pode exercer esse poder, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas.("Curso de Processo Civil", 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544). Nessa linha, o STJ, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, aprovou a Súmula 568 com o seguinte teor: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". Veja-se que a expressão entendimento dominante aponta para a não taxatividade do rol em comento. Além disso, uma vez que a decisão singular do relator é recorrível por meio de agravo interno (art. 1.021, caput, CPC/15), não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser provocada a se manifestar por meio do referido recurso. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). APOSENTADORIA ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 932 DO CPC PERMITIDA. TERMO INICIAL FIXADO NA DATA DA CITAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA COM LAUDO JUDICIAL. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. - O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação. - O termo inicial do benefício foi fixado na data da citação, tendo em vista que a especialidade da atividade foi comprovada através do laudo técnico judicial, não havendo razão para a insurgência da Autarquia Federal. - Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal. - Agravo improvido.(ApReeNec 00248207820164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017) Assim, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V do Código de Processo Civil de 2015. Segundo os ensinamentos da Ilustre Professora, Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa, sobre os Princípios Gerais com repercussão no âmbito no Direito Tributário, a segurança jurídica, prevista no art. 5º, da CF, constitui tanto um direito fundamental quanto uma garantia do exercício de outros direitos fundamentais, sendo decorrência do próprio Estado Democrático de Direito (Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional, 1ªed./2ª triagem, Saraiva, 2009). E, conforme o Eminente Ministro da Suprema Corte, Luiz Roberto Barroso, citado pela Professora, “Esse princípio compreende as seguinte ideias: 1) a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim, como sujeitas ao princípio da legalidade; 2) a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e razoabilidade; 3) a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quase incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; 4) a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; e 5) a igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas (Temas de Direito Constitucional, 2ª ed., Rio de Janeiro/São Paulo, Renovar, 2002, pp. 50-51). Essa ordem de ideias abrigadas pelo princípio da segurança jurídica obsta a validade da novel previsão do Decreto 9.393/2018, que diminuiu para 0,1%, a partir de 01/06/2018, benefício que já tinha sido estabelecido em 2% para até 31/12 do mesmo ano. Portanto, a modificação ou revogação do benefício atenta contra a segurança jurídica. E mais, viola, também, a boa-fé objetiva do contribuinte, que, na crença da irretratabilidade da benesse, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado. Não bastasse isso, o posicionamento da Suprema Corte hoje é, majoritariamente, no sentido de que os atos normativos que revogam benefícios fiscais devem observar o princípio da não surpresa, seja quanto à anterioridade de exercício, seja quanto à anterioridade nonagesimal. Nesse sentido, veja-se: IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil. (RE 564225 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG 17-11-2014 PUBLIC 18-11-2014) Ademais, especificamente quanto ao Reintegra, pronunciou-se o STF em caso análogo: REINTEGRA – DECRETOS Nº 8.415 E Nº 8.543, DE 2015 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras REINTEGRA, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas b e c do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006. (RE 964850 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 08/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 27-06-2018 PUBLIC 28-06-2018) Ante o exposto, nego provimento à apelação." Assim, não vislumbro qualquer vício a justificar a reforma da decisão ora agravada. Diante do exposto, voto por negar provimento ao agravo interno interposto.
E M E N T A
AGRAVO INTERNO. ATOS NORMATIVOS QUE REVOGAM BENEFÍCIOS FISCAIS. REINTEGRA. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE GERAL. RECURSO DESPROVIDO.
- Pelo princípio da segurança jurídica obsta a validade da novel previsão do Decreto 9.393/2018, que diminuiu para 0,1%, a partir de 01/06/2018, benefício que já tinha sido estabelecido em 2% para até 31/12 do mesmo ano.
- A modificação ou revogação do benefício atenta contra a segurança jurídica. E mais, viola, também, a boa-fé objetiva do contribuinte, que, na crença da irretratabilidade da benesse, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado.
- O posicionamento da Suprema Corte hoje é, majoritariamente, no sentido de que os atos normativos que revogam benefícios fiscais devem observar o princípio da não surpresa, seja quanto à anterioridade de exercício, seja quanto à anterioridade nonagesimal (RE 564225)
- Recurso desprovido.