APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001551-24.2018.4.03.6128
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI
APELANTE: HANGAR CONCORDE LOCAO DE IMOVEIS PROPRIOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: MATHEUS AUGUSTO CURIONI - SP356217-A
APELADO: UNIAO FEDERAL, HANGAR CONCORDE LOCAO DE IMOVEIS PROPRIOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA
Advogado do(a) APELADO: MATHEUS AUGUSTO CURIONI - SP356217-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5001551-24.2018.4.03.6128
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: HANGAR CONCORDE LOCAO DE IMOVEIS PROPRIOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: MATHEUS AUGUSTO CURIONI - SP356217-A
APELADO: UNIAO FEDERAL, HANGAR CONCORDE LOCAO DE IMOVEIS PROPRIOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA
Advogado do(a) APELADO: MATHEUS AUGUSTO CURIONI - SP356217-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelações e remessa oficial em ação de rito ordinário, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por Hangar Concorde Locação de Imóveis Próprios, Importação e Exportação Ltda. em face da União Federal, objetivando a condenação da ré ao pagamento referente à remuneração por serviços de hangaragem prestados pela autora desde setembro de 2013, quando a aeronave FALCON 2.000, Prefixo N955SL passou a ser de sua responsabilidade, com a devida atualização dos valores por meio da taxa Selic, desde o ajuizamento da demanda até o efetivo pagamento, alegando que a referida aeronave, de propriedade de Quest Trading LLC, foi objeto de aplicação de pena de perdimento no âmbito administrativo, ficando a Receita Federal do Brasil responsável por sua guarda e conservação, conforme determinação emanada do Juízo Penal, estando pendente a análise da legitimidade da aplicação da pena de perdimento pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região na AC n.º 47248-59.2012.4.01.3400, aduzindo, ainda que o leilão para venda do avião foi suspenso por ordem judicial.
Foi atribuído à causa o valor de R$ 2.891.952,00 (dois milhões oitocentos e noventa e um mil novecentos e cinquenta e dois reais).
O pedido de tutela antecipada foi indeferido (ID n.º 28474475).
O r. Juízo a quo, com fulcro no art. 487, I, do CPC, julgou parcialmente procedente o pedido, a fim de condenar a União Federal (...) a) a pagar à parte autora, a título de remuneração pendente desde 09/2013, a metade do valor devido até maio de 2018, totalizando R$ 1.445.976,00, devidamente corrigido, nos termos do vigente Manual de Cálculo da Justiça Federal; b) a ressarcir à parte autora, de junho de 2018 em diante, até a efetiva retirada da aeronave, a quantia de R$ 51.642,00 mensais (não impugnada pela União na contestação), devidamente corrigidos pelo vigente Manual de cálculos da Justiça Federal. Tendo em vista a sucumbência mínima da parte autora (...) condenou (...) a União, ainda, ao pagamento das custas judiciais, bem como dos honorários advocatícios, que fixo nos patamares mínimos do § 3º do artigo 85 do CPC. Sentença submetida ao reexame necessário (ID n.º 28474593).
Apelou a parte autora, pleiteando a reforma parcial da r. sentença, alegando, em breve síntese, que (...) a autora não quedou inerte ou estática: pelo contrário, conforme amplamente exposto e documentado nos autos, desde o começo desta situação a Autora vinha exortando a Ré a lhe pagar pelos serviços ou retirar a aeronave, deixando clara a existência do débito (...) razão pela qual (...) não se sustentam as premissas adotadas pelo d. Juízo de origem para justificar a aplicação da teoria que levaria à redução pela metade do justo valor ao qual a Apelante faz jus em face da União Federal. Por fim, requer, subsidiariamente, (...) que eventual limitação da condenação, nos moldes em que determinou a r. sentença recorrida, seja arbitrada em montante acima e mais próximo do pedido contido na exordial, referente ao período que vai até o ajuizamento (05/2018), tendo em vista a reiterada atuação comprovadamente zelosa da Autora ao longo de todos estes anos em que desempenhou os serviços de hangaragem (ID n.º 28474618).
Apelou também a União Federal, pleiteando a nulidade da r. sentença por violação do devido processo legal, uma vez que não teria sido analisado o argumento, exposto em sua contestação, acerca do fato de a empresa Quest, anterior proprietária da aeronave ter obtido na Justiça a suspensão do leilão, uma vez que poderia se sair vitoriosa na ação n.º 0047248-59.2012.4.01.3400, não perdendo o domínio da aeronave, razão pela qual a responsabilidade pelas despesas de hangaragem deveriam ser imputadas àquela empresa (ID n.º 28474692).
Com contrarrazões de ambas as partes, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº 5001551-24.2018.4.03.6128
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: HANGAR CONCORDE LOCAO DE IMOVEIS PROPRIOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA, UNIAO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: MATHEUS AUGUSTO CURIONI - SP356217-A
APELADO: UNIAO FEDERAL, HANGAR CONCORDE LOCAO DE IMOVEIS PROPRIOS, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA
Advogado do(a) APELADO: MATHEUS AUGUSTO CURIONI - SP356217-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No caso concreto, a empresa Quest Trading LLC, então proprietária da aeronave Falcon 2.000, Prefixo N955SL, firmou em 26/07/2010 com a parte autora, Hangar Concorde Locação de Imóveis Próprios, Importação e Exportação Ltda., contrato de hangaragem, i.e., a disponibilização do espaço do hangar para a permanência da aeronave no Aeroporto de Jundiaí/SP.
Nesse diapasão, durante o decorrer da Operação Pouso Forçado, no âmbito do processo administrativo n° 19482.720.024/2013-64, foi decretado o perdimento da referida aeronave em favor da União Federal.
Visando a declarar o seu direito ao regime de admissão temporária, com suspensão total dos tributos federais e anulação do termo de retenção, assegurando livre trânsito da aeronave dentro e fora do País, a empresa Quest ajuizou, perante a 20ª Vara Federal de Brasília a Ação de Rito Ordinário n.º 0047248-59.2012.4.01.3400, cujo pedido foi julgado improcedente.
Houve então interposição de apelação pela empresa Quest, pendente de julgamento, no Gabinete do Desembargador Federal José Amilcar Machado, tendo sido deferido o pedido de suspensão de realização do leilão até posterior decisão, sob o fundamento de que (...) esta 7ª Turma possui entendimento firmado no sentido de que a presumida constatação de interposição de terceiro no procedimento de importação, por si só, não justifica seja aplicada a pena de perdimento, com fundamento no Decreto 6.759/2009 (ID n.º 28474702).
Assim, o cerne da questão ora trazida à discussão cinge-se em saber se a União Federal é o não a responsável pelos custos dos serviços de hangaragem da aeronave em comento.
Analisando os autos, nota-se que a União Federal decretou a pena de perdimento da aludida aeronave nos autos do processo administrativo n.º 19482.720.024/2013-64, tendo sido fixada, por meio do despacho de 21/08/2013, proferido na Ação Penal n.º 0007303-02.2012.4.03.6119, a responsabilidade da Receita Federal do Brasil como fiel depositária, pela guarda, conservação e manutenção da aeronave (ID n.º 28474449, p. 3).
Mostra-se, assim, de rigor a aplicação de legislação específica, in casu, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n.º 7.565/86), cujos arts. 312 e 313 a seguir transcrevo:
Art. 312. Em qualquer inquérito ou processo administrativo ou judicial, a custódia, guarda ou depósito de aeronave far-se-á de conformidade com o disposto neste Capítulo.
Art. 313. O explorador ou o proprietário de aeronaves entregues em depósito ou a guarda de autoridade aeronáutica responde pelas despesas correspondentes.
§ 1° Incluem-se no disposto neste artigo:
I - os depósitos decorrentes de apreensão;
II - os sequestros e demais medidas processuais acautelatórias;
III - a arrecadação em falência, qualquer que seja a autoridade administrativa ou judiciária que a determine;
IV - a apreensão decorrente de processos administrativos ou judiciários. (Grifei)
Tal dispositivo encontra-se em pleno vigor, nos casos em que a relação jurídica não seja regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme se denota da seguinte ementa de julgado do E. STJ:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE TRANSPORTADOR AÉREO PERANTE TERCEIROS EM SUPERFÍCIE. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL. CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA AFASTADO. INCIDÊNCIA DO CDC.
1. O Código Brasileiro de Aeronáutica não se limita a regulamentar apenas o transporte aéreo regular de passageiros, realizado por quem detém a respectiva concessão, mas todo serviço de exploração de aeronave, operado por pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, com ou sem fins lucrativos, de forma que seu art. 317, II, não foi revogado e será plenamente aplicado, desde que a relação jurídica não esteja regida pelo CDC, cuja força normativa é extraída diretamente da CF (5º, XXXII).
(...)
3. Recurso especial conhecido e desprovido.
(STJ, REsp n.º 1.202.013/SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. 18/06/2013, DJe 27/06/2013)
Assim, de uma singela leitura do dispositivo supracitado, não restam dúvidas de que a União Federal, representante da Receita Federal do Brasil, fiel depositária da aeronave apreendida, deve responder pelas despesas de seu armazenamento, não podendo a empresa autora, após cumprir por longos anos o seu mister, sofrer com não recebimento das devidas contraprestações, sob pena de configuração de indiscutível enriquecimento sem causa.
A liminar concedida nos autos da Ação de Rito Ordinário n.º 0047248-59.2012.4.01.3400, pelo Desembargador Federal José Amilcar Machado, foi tão somente para suspender a realização do leilão da aeronave até posterior decisão, permanecendo a União como sua fiel depositária.
Na eventualidade de a empresa Quest sagrar-se vencedora ao final do julgamento da referida demanda, deve a União Federal, caso entenda que não deveria ter arcado com as despesas de armazenagem em testilha, ajuizar a oportuna ação de ressarcimento, visando ao recebimento da quantia que ora despendeu.
Ademais, como bem destacou o r. Juízo de origem, a Receita Federal poderia ter determinado a remoção da aeronave para outro recinto, ou repartição aduaneira própria. Contudo, preferiu a União, por intermédio de um ato de autoridade, impor à autora a guarda do bem, determinando que mantivesse o depósito, com todas as consequências e responsabilidades daí advindas.
Por outro lado, não prospera o pedido da União de decretação da nulidade da sentença, por violação de seu direito ao contraditório e ao devido processo legal, em virtude de não ter sido analisada a argumentação de que as despesas de hangaragem deveriam ser imputadas à empresa Quest, antiga proprietária da aeronave, por ter obtido liminar de suspensão do leilão, porquanto tal questão foi expressamente debatida no primeiro grau de jurisdição, conforme se denota da transcrição do seguinte excerto da sentença, in verbis:
Por seu turno, o argumento da União de que a propriedade da aeronave não foi definida nos autos do processo 0047248-59.2012.4.01.3400 (TRF1) não tem o condão de afastar o direito da parte autora de ser ressarcida durante o tempo em que esteve custodiando e prestando serviço de hangaragem. Além disso, atualmente o bem ainda é de responsabilidade da União.
Não obstante, entendo que não deve prosperar a alegação de que a parte autora poderia ter atuado com mais diligência para minimizar o dano evitável (duty to mitigate), razão pela qual deveria, do momento em que a União passou a ser depositária da aeronave, em setembro de 2013, até o ajuizamento, da presente demanda, em maio de 2018, receber tão somente metade do valor pleiteado.
O documento protocolado em 22/11/2013 comprova que a autora requereu, na Ação Penal n.º 0007303-02.2012.4.03.6119, que a União remunerasse o serviço de hangaragem por ela prestado (ID n.º 28474452, págs. 2/5), o que foi parcialmente deferido, em 14/04/2014, para determinar (...) que a autoridade fazendária seja intimada para providenciar, no prazo de 30 (trinta) dias, a retirada da aeronave do hangar de propriedade da requerente, ou que promova a negociação de sua permanência no local, devendo, em qualquer caso, comunicar a solução a este juízo. No mais, autorizo desde já a destinação da aeronave N955SL da forma como a UNIÃO entender conveniente, por decisão da autoridade competente para tanto dentro da estrutura administrativa da autoridade fazendária (ID n.º 28474453, págs. 1/2).
Marcado leilão objetivando a venda da aeronave, para 23/05/2014, constando na cláusula 3.14 do respectivo edital que o pagamento das despesas de hangaragem até a retirada da aeronave deverá ser realizado pelo arrematante (ID n.º 28474455), tendo sido remarcado para 30/09/2014, quando foi suspenso por decisão de 18/09/2014, proferida na Ação de Rito Ordinário n.º 0047248-59.2012.4.01.3400 (ID n.º 28474456).
Em 30/09/2016 o pedido feito na aludida ação de rito ordinário foi julgado improcedente, reconhecendo a regularidade de pena de perdimento aplicada (ID n.º 28474459).
Logo em seguida, em 05/10/2016, a empresa autora enviou mensagem eletrônica para a Receita Federal do Brasil, informando do julgamento da demanda e da cessação dos efeitos da liminar que impedia a realização do leilão e requerendo que houvesse o pagamento das despesas devidas e fosse prestada a informação acerca do interesse em manter a aeronave em seu hangar. Tal mensagem foi recebida por assistente técnico-administrativo da Receita Federal em 06/10/2016 (ID n.º 28474461).
Houve então mais uma sucessão de mensagens eletrônicas no mês de março de 2018, resultando no pedido feito pela parte autora, por meio de seu procurador, à Receita Federal de retirada da aeronave com o pagamento da hangaragem (ID n.º 28474463).
Nota-se, assim, que o amplo acervo documental acostado aos presentes autos demonstra, sem sombra de dúvidas, que a parte autora, ora apelante, agiu de forma diligente e determinada para procurar dirimir o litígio antes de se utilizar das vias judiciais para tanto, sendo de rigor, pois, o afastamento da limitação imposta na sentença de pagamento de tão somente metade do valor devido até maio de 2018, devendo o montante em tal período ser considerado integral.
Em face de todo o exposto, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação da União Federal e à remessa oficial e dou provimento à apelação da parte autora, para afastar a limitação imposta na sentença de pagamento de tão somente metade do valor devido de setembro de 2013 a maio de 2018, devendo o montante, em tal período, ser considerado integral, mantendo-se, quanto ao mais, a r. sentença recorrida, inclusive quanto à fixação de honorários advocatícios, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
É como voto.
VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE DO DES. FEDERAL JOHONSOM di SALVO:
Tratam-se de apelações e remessa oficial em ação de rito ordinário, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por Hangar Concorde Locação de Imóveis Próprios, Importação e Exportação Ltda. em face da União Federal, objetivando a condenação da ré ao pagamento referente à remuneração por serviços de hangaragem prestados pela autora desde setembro de 2013, quando a aeronave FALCON 2.000, Prefixo N955SL passou a ser de sua responsabilidade, com a devida atualização dos valores por meio da taxa Selic, desde o ajuizamento da demanda até o efetivo pagamento, alegando que a referida aeronave, de propriedade de Quest Trading LLC, foi objeto de aplicação de pena de perdimento no âmbito administrativo, ficando a Receita Federal do Brasil responsável por sua guarda e conservação, conforme determinação emanada do Juízo Penal, estando pendente a análise da legitimidade da aplicação da pena de perdimento pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região na AC n.º 47248-59.2012.4.01.3400, aduzindo, ainda que o leilão para venda do avião foi suspenso por ordem judicial.
A União Federal decretou a pena de perdimento da aeronave Falcon 2.000, prefixo N955SL, nos autos do processo administrativo n.º 19482.720.024/2013-64, tendo sido fixada, por meio do despacho de 21/08/2013, proferido na Ação Penal n.º 0007303-02.2012.4.03.6119, a responsabilidade da Receita Federal do Brasil como fiel depositária, pela guarda, conservação e manutenção da aeronave.
O r. voto considerou que a “...União Federal, representante da Receita Federal do Brasil, fiel depositária da aeronave apreendida, deve responder pelas despesas de seu armazenamento, não podendo a empresa autora, após cumprir por longos anos o seu mister, sofrer com não recebimento das devidas contraprestações, sob pena de configuração de indiscutível enriquecimento sem causa”.
No entendo, é correta a afirmação do MM. Juiz “a quo” quanto minora o encargo da UNIÃO diante da inércia da autora durante cinco anos. Disse a sentença: “Contudo, no caso presente, entendo que a parte autora poderia ter atuado para minimizar o dano evitável (duty to mitigate), tendo em vista que se viu no direito de ser ressarcida pela União desde 09/2013 e aguardou quase 5 anos para a propositura da ação.
Ora, o dever de mitigar os próprios prejuízos decorre da obrigação recíproca de lealdade oriunda da boa-fé objetiva. Em suma, a parte não pode permanecer inerte enquanto o prejuízo aumenta gradativamente ou pelo menos não pode se manter estática diante de uma possibilidade de redução de dano.”
Ora, desde 2013 o aparelho encontra-se acautelado no hangar da autora, que se manteve inerte sem nada requerer. É óbvio que esse decurso de tempo deve falar em seu desfavor, já que a obrigação de pagar hangaragem se perfaz periodicamente, não sendo justo que nenhum prazo corra em desfavor do inerte.
No ponto, o STJ decidiu recentemente que “No tocante ao credor, em razão da boa-fé objetiva (NCPC, arts. 5° e 6°) e do corolário da vedação ao abuso do direito, deve ele tentar mitigar a sua própria perda, não podendo se manter simplesmente inerte em razão do descaso do devedor, tendo dever de cooperação com o juízo e com a outra parte, seja indicando outros meios de adimplemento, seja não dificultando a prestação do devedor, impedindo o crescimento exorbitante da multa, sob pena de perder sua posição de vantagem em decorrência da supressio. Nesse sentido, Enunciado n° 169 das Jornadas de Direito Civil do CJF” (AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016). No mesmo sentido: REsp 1325862/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 10/12/2013.
Trata-se de aplicação da cláusula “duty to mitigate the loss”, traduzido como o dever de mitigar os próprios prejuízos e calçada no art. 187 do CC que trata da cláusula da boa-fé objetiva que deve contaminar todos os ramos do Direito, e que no dizer do saudoso Miguel Reale, é “uma das condições essenciais da atividade ética”.
Ainda, considerando que princípio da boa-fé objetiva é perfeitamente aplicável em sede de responsabilidade civil do Estado, contratual ou não, não há como desconsiderar o “duty to mitigate the loss” para fins de mitigar a responsabilidade do Estado.
Portanto, mantenho íntegra a bem lavrada sentença.
Assim, rejeito preliminar e nego provimento às apelações e remessa oficial.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. AERONAVE OBJETO DE PENA DE PERDIMENTO. DESPESAS DE HANGARAGEM. RESPONSABILIDADE DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, FIEL DEPOSITÁRIA. RECEBIMENTO DE METADE DO VALOR PLEITEADO. AFASTAMENTO. COMPROVAÇÃO DA DILIGÊNCIA DA PARTE AUTORA NO PERÍODO ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA.
1. No caso concreto, a empresa Quest Trading LLC, então proprietária de aeronave Falcon 2.000, Prefixo N955SL, firmou em 26/07/2010 com a parte autora, contrato de hangaragem, i.e., a disponibilização do espaço do hangar da permanência da aeronave no Aeroporto de Jundiaí/SP.
2. Durante o decorrer da Operação Pouso Forçado, no âmbito de processo administrativo, foi decretado o perdimento da referida aeronave em favor da União Federal, razão pela qual, visando a declarar o seu direito ao regime de admissão temporária, com suspensão total dos tributos federais e anulação do termo de retenção, a empresa Quest ajuizou ação de rito ordinário, cujo pedido foi julgado improcedente, havendo interposição de apelação, pendente de julgamento.
3. Analisando os autos, nota-se que a União Federal decretou a pena de perdimento da aludida aeronave nos autos de processo administrativo, tendo sido fixada, por meio do despacho de 21/08/2013, proferido em ação penal, a responsabilidade da Receita Federal do Brasil como fiel depositária, pela guarda, conservação e manutenção da aeronave.
4. De acordo com o art. 313, § 1º do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n.º 7.565/86), o explorador ou o proprietário de aeronaves entregues em depósito ou a guarda de autoridade aeronáutica responde pelas despesas correspondentes (...) incluindo-se (...) no disposto neste artigo (...) os depósitos decorrentes de apreensão.
5. Da leitura do dispositivo supracitado, percebe-se que a União Federal, representante da Receita Federal do Brasil, fiel depositária da aeronave apreendida, deve responder pelas despesas de seu armazenamento, não podendo a empresa autora, após cumprir por longos anos o seu mister, sofrer com não recebimento das devidas contraprestações, sob pena de configuração de indiscutível enriquecimento sem causa.
6. Na eventualidade da empresa Quest sagrar-se vencedora ao final do julgamento da referida demanda, deve a União Federal, caso entenda que não deveria ter arcado com as despesas de armazenagem em testilha, ajuizar a oportuna ação de ressarcimento, visando ao recebimento da quantia que ora despendeu.
7. Não prospera o pedido da União de decretação da nulidade da sentença, por violação de seu direito ao contraditório e ao devido processo legal, em virtude de não ter sido analisada a argumentação de que as despesas de hangaragem deveriam ser imputadas à empresa Quest, antiga proprietária da aeronave, por ter obtido liminar de suspensão do leilão, porquanto tal questão foi expressamente debatida no primeiro grau de jurisdição.
8. Não deve prosperar a alegação de que a parte autora poderia ter atuado com mais diligência para minimizar o dano evitável (duty to mitigate), razão pela qual deveria, do momento em que a União passou a ser depositária da aeronave, em setembro de 2013, até o ajuizamento, da presente demanda, em maio de 2018, receber tão somente metade do valor pleiteado.
9. O amplo acervo documental acostado aos presentes autos demonstra, sem sombra de dúvidas, que a parte autora, ora apelante, agiu de forma diligente e determinada para procurar dirimir o litígio antes de se utilizar das vias judiciais para tanto, sendo de rigor, pois, o afastamento da limitação imposta na sentença de pagamento de tão somente metade do valor devido até maio de 2018, devendo o montante em tal período ser considerado integral.
10. Preliminar rejeitada. Apelação da União Federal e remessa oficial desprovidas. Apelação da parte autora provida.