APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017729-98.2019.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: GBM2 TECNOLOGIA E SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA
Advogado do(a) APELANTE: EVANDRO AZEVEDO NETO - SP276957-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017729-98.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: GBM2 TECNOLOGIA E SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA Advogado do(a) APELANTE: EVANDRO AZEVEDO NETO - SP276957-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação declaratória, pertinente à cobrança da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar 110/2001, à alíquota de 10%, incidente sobre o montante dos depósitos ao FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa causa. Em síntese, a parte-recorrente aduz que o art. 1º da Lei Complementar 110/2001 instituiu a referida contribuição social, visando ao custeio das despesas da União com a correção monetária dos saldos das contas do FGTS, mas sustenta que o produto da arrecadação desse tributo vem sendo empregado em destinação diversa, ante o exaurimento da destinação para o qual foi instituída essa exação. Apresentadas as contrarrazões, a União Federal arguiu preliminar de ausência de interesse recursal em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 01/01/2020, tendo em vista a extinção da contribuição do art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 pela Lei 13.932/2019, a partir desta data. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017729-98.2019.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: GBM2 TECNOLOGIA E SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA Advogado do(a) APELANTE: EVANDRO AZEVEDO NETO - SP276957-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Primeiramente, anoto a falta de interesse de agir superveniente em relação à parte das imposições tributárias combatidas nos autos. Nos termos do art. 12 da Lei nº 13.932/2019 (resultante da conversão da MP 905/2019), a exigência combatida nesta ação foi revogada extinta para fatos geradores que ocorram a partir de 1º/01/2020 (inclusive), sendo desnecessário discutir a validade de lei ordinária que revoga regra fixada em lei complementar, em vista da confiança legítima proporcionada ao contribuinte em razão de o Fisco estar impedido de efetuar o lançamento tributário (art. 3º e art. 142, ambos do CTN). Logo, a lide remanesce em relação aos fatos geradores que tenham ocorrido até 31/12/2019 (inclusive). Sobre o assunto, lembro que, desde 2001, passaram a existir três contribuições ao FGTS: 1ª) com natureza de direito fundamental do trabalhador (prevista na Lei 7.839/1989 e na Lei 8.036/1990), depositada pelo empregador na Caixa Econômica Federal – CEF, na proporção de 8% sobre o salário, cujo saldo poderá ser movimentado pelo empregado-titular da conta vinculada em casos específicos; 2ª) com natureza jurídica de tributo, na espécie contribuição social geral (art. 1º da Lei Complementar 110/2001), recolhida aos cofres da União Federal por empregadores, à alíquota de 10% sobre o montante de todos depósitos nas contas vinculadas do FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa causa; 3ª) também com natureza tributária de contribuição social geral (art. 2º da Lei Complementar 110/2001), recolhida aos cofres da União Federal por empregadores, na ordem de 0,5% sobre os rendimentos. Conforme previsto no art. 2º, § 2º, da Lei Complementar 110/2001, o adicional de 0,5% foi devido pelo prazo de 60 meses, contados do início de sua exigência, tendo se exaurido desde então. No caso dos autos, está em discussão a exação veiculada pelo art. 1º da Lei Complementar 110/2001, à alíquota de 10% sobre o montante dos depósitos ao FGTS, exigida na hipótese de demissão sem justa causa, até sua revogação pelo art. 12 da Lei nº 13.932/2019. É verdade que a instituição da contribuição social geral promovida pela Lei Complementar 110/2001 foi gerar receita para a União Federal cobrir despesas arcadas pela CEF com a recomposição inflacionária das contas do FGTS. A consolidação da jurisprudência no sentido da obrigatoriedade de a CEF repor os denominados “expurgos inflacionários” das contas vinculadas do FGTS exigiu extraordinário volume de recursos, de tal modo que União Federal foi levada a instituir fonte de receita cobrada da sociedade na forma de contribuições tributárias. Assim, as imposições tributárias da Lei Complementar 110/2001 tinham justificativa associada à ideia de transitoriedade, de maneira que, repostas as perdas inflacionárias das contas do FGTS, não haveria mais justificativa para essas imposições. Contudo, se de um lado a cobrança do adicional de 0,5% sobre a remuneração foi delimitada no tempo expressamente pelo art. 2º, §2º da Lei Complementar 100/2001, o mesmo não se deu em relação à exigência de 10% sobre o saldo das contadas vinculadas ao FGTS em caso de demissão sem justa causa. Isso porque há de se considerar que esses “expurgos inflacionários” envolvem diversos momentos que se alongam desde meados dos anos de 1980, concentrando-se especialmente no início dos anos 1990. Consigno também que, em se tratando de recomposição do FGTS sem natureza tributária (direito fundamental do trabalhador, decorrente de relação de trabalho e sucedâneo da estabilidade de emprego), inicialmente havia firme orientação jurisprudencial no sentido de o prazo prescricional ser trintenário (a propósito, a Súmula 210 do E.STJ e a Súmula 362 do E.TST). Ocorre que o E.STF, na ARE 709212, reconheceu que o prazo prescricional para cobrança de valores referentes ao FGTS é de 5 anos, por inconstitucionalidade do artigo 23 da Lei 8.036/1990 e do artigo 55 do Decreto 99.684/1990, mas nesse julgamento realizado em 13/11/2014, foram modulados os efeitos temporais dessa decisão: para casos cujo termo inicial da prescrição (p. ex., a ausência ou insuficiência de depósito no FGTS) ocorra após a data desse julgamento, aplica-se desde logo o prazo de 5 anos; para casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro, 30 anos (contados do termo inicial), ou 5 anos, a partir desse julgamento. Por esse motivo, corretamente a Lei Complementar 110/2001 não estabeleceu prazo para a cobrança da exação prevista em seu art. 1º, mesmo porque até hoje há ações judiciais versando sobre expurgos inflacionários dos famigerados planos econômicos que levaram às imposições tributárias, notadamente em fase de cumprimento de sentença. Não bastassem, surgem ainda novas argumentações em outras ações judiciais justamente sobre índices inflacionários e juros aplicados às contas vinculadas. Assim, a imposição da contribuição tributária do art. 1º da Lei Complementar 110/2001 ficou sujeita ao juízo discricionário da União Federal, a quem coube, em vista de dados quantitativos, fixar o momento correto para cessar a tributação. A existência de projeto de lei que não prosperou, no qual se anunciava a inexistência de motivos para a permanência da tributação, a rigor era indicativo exatamente inverso ao pretendido nestes autos, mostrando que (ao menos até a Lei nº 13.932/2019 havia razões associadas aos expurgos inflacionários das décadas de 1980 e 1990 para justificar essas imposições, aspecto corroborado pelo fato notório da existência de ações ainda transitando em várias instâncias judiciárias federais. O E.STF, na ADI 2.556, e na ADI 2.568, Pleno, ambas Rel. Min. Joaquim Barbosa, em 13/06/2012, decidiu pela validade das incidências previstas na Lei Complementar 110/2001 a título de FGTS (0,5% sobre a remuneração mensal e 10% sobre o saldo das contas vinculadas em casos de demissão sem justa causa), afirmando que tais imposições têm natureza tributária, configurando-se como contribuição social geral. Nesses julgamentos, o E.STF concluiu pela invalidade do art. 14, caput, e incisos I e II, da Lei Complementar 110/2001, que impunha tais contribuições para o ano de 2001, tendo em vista a violação ao art. 150, III, “b”, da Constituição (afastando a disposição do art. 195, § 6º, da Constituição, pertinente às contribuições para a Seguridade Social). O E.STF tinha pleno conhecimento das razões que levaram à edição da Lei Complementar 110/2001, e em vista de o decidido na ADI 2.556 e na ADI 2.568 não ter limitado a imposição no tempo, creio claro que houve o reconhecimento dessa Corte acerca da competência discricionária do legislador complementar para revogar a imposição ora combatida. Registro ainda que a Emenda Constitucional 33/2001 procurou estabelecer alguns parâmetros para o crescente aumento de contribuições, introduzindo previsões no art. 149 da ordem de 1988, mas a análise jurídica possível dessas modificações não traduz restrições rigorosas. Tomando como exemplo os elementos quantitativos, a redação dada pela Emenda 33/2001 ao art. 149 da Constituição menciona que contribuições “poderão” (e não deverão) ter alíquotas ad valorem (incidentes sobre o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro) ou específica (tendo por base a unidade de medida adotada), apresentando-se mais como recomendação ao Legislador do que efetiva delimitação. Nada há na nova redação do art. 149 da ordem de 1988 que induza à não recepção da exigência da contribuição tratada no art. 1º da Lei Complementar 110/2001, justamente pela amplitude confiada por esse preceito constitucional à discricionariedade política do legislador federal. Ademais, a nova redação do art. 149 da Constituição Federal (dada pela Emenda 33/2001) já estava em vigor por ocasião do julgamento da ADI 2.556 e da ADI 2.568, quando o E.STF concluído pela constitucionalidade da exação à luz da atual redação do referido preceito da ordem de 1988, levando à conclusão no sentido da recepção da exação combatida. Como se sabe, atuando como Corte Constitucional, o Pretório Excelso não está preso à causa de pedir no controle abstrato de constitucionalidade, de maneira que o decidido nas mencionadas ADIs possui efeito vinculante (art. 102 e art. 103, ambos da Constituição, e Lei 9.868/1999). E, pelas mesmas razões, estão superadas discussões quanto a violação do art. 165, §2º, e art. 167, VIII, ambos do diploma constitucional. Há orientação nesta Corte a esse respeito, como se nota na ApReeNec 5002330-61.2017.4.03.6112, 1ª Turma, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 26/04/2019, no AI 5022859-36.2019.4.03.0000, 2ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/01/2020, e na ApCiv 0021102-33.2016.4.03.6100, 2ª Turma, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado também em 29/01/2020. Assim, reconhecendo a falta de interesse de agir superveniente quanto a fatos geradores que ocorram a partir de 1º/01/2020, inclusive (art. 12 da Lei nº 13.932/2019), nego provimento à apelação, mantidos os ônus da sucumbência. É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FGTS. CONTRIBUIÇÃO DO ART. 1º DA LEI COMPLEMENTAR 110/2001. INEXISTÊNCIA DE PERÍODO DELIMITADO. EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001. RECEPÇÃO. EXIGIBILIDADE.
- Nos termos do art. 12 da Lei nº 13.932/2019 (resultante da conversão da MP 905/2019), a exigência combatida nesta ação foi extinta para fatos geradores que ocorram a partir de 1º/01/2020 (inclusive), sendo desnecessário discutir a validade de lei ordinária que revoga regra fixada em lei complementar, em vista da confiança legítima proporcionada ao contribuinte em razão de o Fisco estar impedido de efetuar o lançamento tributário (art. 3º e art. 142, ambos do CTN).
- Ainda há ações judiciais versando sobre expurgos inflacionários que levaram à imposição da contribuição social geral do art. 1º da Lei Complementar 110/2001, cuja extinção ficou sujeita ao juízo discricionário do legislador federal, e não a período delimitado (diversamente da exação do art. 2º da mesma lei complementar).
- Na ADI 2.556 e na ADI 2.568, ambas Rel. Min. Joaquim Barbosa, em 13/06/2012, o Pleno do E.STF decidiu pela validade das incidências previstas na Lei Complementar 110/2001, quando já vigia a nova redação do art. 149 da Constituição Federal (dada pela Emenda 33/2001). Atuando como Corte Constitucional, o Pretório Excelso não está preso à causa de pedir no controle abstrato de constitucionalidade, levando à conclusão no sentido da recepção da contribuição combatida.
- Reconhecida falta de interesse de agir superveniente para fatos geradores que ocorram a partir de 1º/01/2020 (inclusive). Apelação a qual se nega provimento.