Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013405-66.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

AGRAVADO: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013405-66.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

AGRAVADO: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, UNIAO FEDERAL

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que, em sede de ação civil pública, deferiu apenas parcialmente a liminar nos seguintes termos (Id 3314095):

 

[...] defiro o pedido de liminar para: 1) determinar que o Estado de Mato Grosso do Sul, com base nos cadastros que até então dispõe, promova imediatamente, de forma regular (mensal), ininterrupta (sem dissolução de continuidade) e em quantidade não inferior à constante à fl. 63v. do PA 1.21.000.000273/2016-44, a entrega de cestas de alimentos às famílias indígenas estabelecidas em aldeias (áreas regularizadas), com produtos dentro do prazo de validade; 2) determinar que a União, com base nos cadastros que até então dispõe, promova imediatamente, de forma regular (mensal), ininterrupta (sem dissolução de continuidade) e em quantidade não inferior à constante à fl. 63v. do PA 1.21.000.000273/2016-44, a entrega de cestas de alimentos às famílias indígenas estabelecidas em acampamentos/áreas de retomada (áreas não regularizadas), com produtos dentro do prazo de validade.

 

De outra banda, especificamente quanto ao pedido de cadastramento das famílias indígenas, o indeferimento da liminar é medida que se impõe. Explico.

 

As informações trazidas pelas partes, somadas com a manifestação da FUNAI, são no sentido de trabalharem com dados do IBGE e da SESAI e, ainda, de não haver instrumento “suficientemente preciso para cadastrarmos as famílias indígenas ” (fls. 126/127), tudo a demonstrar a complexidade da matéria em apreço e a necessidade de dilação probatória para melhor esclarecer o ponto. Ademais, os programas de fornecimento de alimentos à população indígena em situação de vulnerabilidade realizados tanto pela União quanto pelo Estado de Mato Grosso do Sul, independentemente de sua natureza, sempre funcionaram, ainda que de forma não excelente, sem que existisse o cadastro único, motivo pelo qual entendo também não existir de [sic] periculum in mora quanto a tal pedido.

 

Por tais motivos, indefiro, por ora, pedido de cadastramento de todas as famílias indígenas que residem no Estado de Mato Grosso do Sul. Ressalto que a questão relativa à responsabilidade e à forma do cadastramento das famílias indígenas será analisada com maior vagar e aprofundamento, em sede de cognição exauriente.

 

Foi apresentado pedido de reconsideração acompanhado de documentos contra a parte do indeferimento e embargos de declaração, ambos pelo MPF, e o juízo não alterou seu decisum (Id 3314096).

 

Sustenta o agravante, em síntese, que:

 

a) é necessária a fixação de multa diária aos agravados como meio de coerção indireta para assegurar a eficácia e a execução da liminar parcialmente deferida nesta ação, eis que a não observância da medida foi comunicada pelos próprios indígenas à Procuradoria da República com sede em Campo Grande/MS e à Procuradoria da República no Município de Naviraí, além de ter também chegado ao conhecimento do órgão ministerial durante viagem de um servidor às terras indígenas situadas em Dourados, Ponta Porã e Naviraí, conforme documentos juntados. No âmbito de cada terra indígena, cabe aos próprios  índios escolher os locais onde pretendem residir,  sem que isso constitua empecilho à fruição de direitos decorrentes da implementação de políticas públicas. O “status” fundiário das áreas em que se encontram – se regularizados, não regularizados ou ocupados, por exemplo – não pode influenciar a entrega das cestas;

 

b) é imprescindível a determinação do cadastramento de todas as famílias indígenas residentes no Estado de Mato Grosso do Sul e da análise do cumprimento dos requisitos legais para o recebimento das cestas alimentares. Após anos de tratativas para que tal procedimento previsto legalmente seja realizado, a SEDHAST/MS passou a se utilizar do teor da própria decisão liminar para justificar o não cadastramento de novas famílias indígenas residentes em seu território, como se o dever desse ente referente ao direito fundamental à alimentação ficasse adstrito apenas àquelas que já tinham sido cadastradas antes da prolação do decisum liminar. Existem muitas famílias sem cadastro e diversos problemas no que se refere ao que hoje é utilizado, de modo que a falta de sua atualização faz com que famílias que já não precisam mais das cestas as recebem, ao passo que várias outras que realmente necessitam dos alimentos a elas não tenham acesso.

 

Apresenta, neste recurso, pedido nos seguintes termos (Id 3314059 - págs. 43/45):

 

Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o recebimento do presente recurso, com a antecipação dos efeitos da tutela recursal, e, ao final, o seu provimento, a fim de reformar a decisão interlocutória combatida (f. 794-796 – DOC. 06- b), para:

 

a) determinar ao agravado Estado de Mato Grosso do Sul que, no prazo de 30 (trinta) dias, efetue o cadastramento de todas as famílias indígenas que residem em seu território, quer nas “áreas regularizadas”, quer nas áreas “não regularizadas” (acampamentos e áreas de retomada), e, ainda dentro do mesmo prazo, que apresente em juízo todos os cadastros efetuados, preferencialmente em meio digital, para que sejam juntados aos autos;

 

b) ordenar ao Estado de Mato Grosso do Sul que, após o cumprimento do item supra (“a”), analise, no prazo de 15 (quinze) dias, o cumprimento, por cada uma das famílias indígenas cadastradas, dos requisitos previstos na Lei Estadual/MS n.º 3.782/2009 e no Decreto n.º 13.700/2013 – que a regulamenta – para a concessão do benefício (cestas alimentares), e, ainda dentro do mesmo prazo, que protocolize em juízo o resultado dessa análise, também preferencialmente em meio digital, a fim de que seja juntado ao feito;

 

c) determinar ao Estado de Mato Grosso do Sul, nos termos do que já restou decidido na decisão liminar de f. 336-338 – em que o d. Juízo da 1ª Vara Federal de Campo Grande/MS deferiu parcialmente os pleitos liminares (DOC. 06) –, que, após o cumprimento dos itens acima (“a” e “b”), promova, de forma regular (mensal), por tempo indeterminado, a entrega de cestas básicas de alimentos, com produtos dentro do prazo de validade, às famílias indígenas estabelecidas em “áreas regularizadas” de seu território que preencham os requisitos previstos na Lei Estadual/MS n.º 3.782/2009 e no Decreto n.º 13.700/2013 para a concessão do benefício (famílias já elencadas no resultado a que alude o item “b”), e que apresente em juízo, mensalmente, para que seja juntado aos autos, o cronograma relativo às entregas realizadas no mês e ao número de famílias beneficiadas;

 

d) ordenar à União Federal que, em caráter complementar ao que foi estabelecido no item “c”, nos termos do que já restou decidido na decisão liminar de f. 336-338 – em que o d. Juízo da 1ª Vara Federal de Campo Grande/MS deferiu parcialmente os pleitos liminares (DOC. 06) –, promova, de forma regular (mensal), por tempo indeterminado, a entrega das cestas básicas de alimentos, com produtos dentro do prazo de validade, a todas as famílias indígenas estabelecidas em acampamentos/áreas de retomada (“áreas não regularizadas”) no Estado de Mato Grosso do Sul que preencham os requisitos previstos na Lei Estadual/MS n.º 3.782/2009 e no Decreto n.º 13.700/2013 para a concessão do benefício (famílias elencadas no resultado a que alude o item “b”), e que apresente em juízo, mensalmente, o cronograma relativo às entregas realizadas no mês e ao número de famílias beneficiadas; e,

 

e) fixar multa diária ao Estado de Mato Grosso do Sul e à União Federal, conforme o caso, como meio de coerção indireta para assegurar a eficácia e o cumprimento das determinações judiciais, de, no mínimo, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a hipótese de descumprimento das providências contidas em cada um dos itens anteriores (“a”, “b”, “c” e “d”)a incidir caso, nos prazos expressamente assinalados por esse d. Juízo Revisor, não seja efetuado o cadastramento e/ou apresentado judicialmente o resultado, de todas as famílias indígenas residentes no Estado de Mato Grosso do Sul, bem como/ou caso não seja efetuada a análise, e protocolizado em juízo o resultado, do cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício, e/ou na hipótese de ausência de entrega, mensalmente e por tempo indeterminado, das cestas alimentares, com produtos dentro do prazo de validade, a todas as famílias indígenas que preencham os requisitos para o recebimento do benefício e/ou no caso de não apresentação em juízo, mensalmente, do cronograma relativo às entregas realizadas no mês e ao número de famílias beneficiadas, esclarecendo-se que a multa será aplicada por dia de atraso no cumprimento de cada medida determinada e de forma alternativa (apenas com relação à não entrega de qualquer cesta alimentar no prazo estabelecido), assim como que, em vista disso, o valor decorrente nessa hipótese será destinado às famílias indígenas residentes neste Estado.

 

Foi deferida a antecipação da tutela recursal por meio de decisão (Id 3615960) contra a qual foram interpostos agravos internos pela União (Id 4172742) e pelo Estado de Mato Grosso do Sul (Id 5942503).

 

Contraminuta do Estado de Mato Grosso do Sul (Id 5941688), segundo a qual:

 

a) inexiste omissão de sua parte que justifique a intervenção do Judiciário, pois o agravante limita-se a comunicar o não fornecimento de cestas básicas em áreas não regularizadas, cuja responsabilidade recai sobre a União Federal. Ademais, as noticiadas mudanças de domicílio devem ser-lhe comunicadas, como exige o regulamento do Programa Vale Renda, artigo 6º, parágrafo único, inciso III, do Decreto nº 13.700/2013, além do que, a despeito de não existir obrigatoriedade de cadastramento das famílias, adotou-o para 3.198 famílias novas beneficiárias e promoveu o Pregão Presencial nº 002/2018 para aquisição de alimentos, com majoração da estimativa a ser contratada por antever a continuidade desse processo. Esclarece que encontra obstáculos, inúmeras vezes intransponíveis, seja no acesso às aldeias ou nos conflitos entre lideranças indígenas;

 

b) uma ação de cadastramento como a pretendida neste recurso em uma imensa área – aproximadamente 55% de todo o território do Estado: 199.254,807 km² - depende da elaboração de plano de trabalho e designação dos recursos materiais e humanos necessários para tanto, de modo que não pode ser concluída com êxito e qualidade no prazo exíguo de 30 dias. Tal fato é público, notório, de fácil percepção e dispensa, até mesmo, a produção de prova nesse sentido (artigo 374, inciso I, do CPC), mas não esgota as razões que impossibilitam o cumprimento da decisão:

b.1) há outros empecilhos de ordem prática, decorrentes da cultura dos povos indígenas – de necessária observância e respeito –, tais como a necessidade de se obter autorização dos caciques ou capitães das aldeias para nelas ingressar. Para tanto, é imprescindível o auxílio da FUNAI;

b.2) até mesmo a entrega de cestas básicas em áreas de conflito depende do apoio policial para salvaguardar a integridade física dos servidores públicos, conforme relatório do agente da Polícia Federal;

b.3) a própria SEDHAST enumera 10 obstáculos intransponíveis ao cumprimento da tutela recursal deferida conforme documento anexo. Entre eles a dificuldade de acesso, algumas aldeias somente se alcança utilizando barcos, outras veículos especiais; falta de documentos das famílias, agravada pelo trânsito livre dessa população entre o Brasil e o Paraguai; favorecimento de amigos e parentes por caciques/capitães; conflitos entre as lideranças e, até mesmo, o desinteresse de algumas famílias;

b.4) se não há possibilidade fática de cumprimento da decisão judicial proferida, a multa cominada correria ad eternum em franco prejuízo ao erário estadual e sem qualquer garantia de que tais valores efetivamente seriam revertidos para a alimentação das famílias indígenas e concretização dos direitos sociais aqui supostamente tutelados;

b.5) o pedido recursal e a respectiva tutela antecipada deferida não consideraram as suas consequências práticas tampouco os obstáculos e as dificuldades reais do gestor, incidindo em grave ofensa e violação aos artigos 20 e 22 da LINDB (Lei nº 13.655/2018). O princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 2º da Lei nº 11.346/2006) não tem o condão de dispensar tais normas;

b.6) o Judiciário tem de atentar, por força do dever de motivação (artigo 489, §1º, do CPC), para o juízo de realidade que envolve a situação trazida à sua apreciação;

b.7) a responsabilidade com as comunidades indígenas é da União e é fixada a competência complementar dos Estados e municípios (artigos 19-C a 19-E da Lei nº 8.080/1990), pois a alimentação é considerada como aspecto determinante para a política de saúde (artigo 3º, caput, da mesma lei)

 

c) há violação ao artigo 21 da LINDB, visto que, apesar de se mencionarem de passagem as disposições da Lei nº 3.782/2009 e Decreto nº 13.700/2013, a pretensão recursal e a decisão proferida nestes autos deixam de observar o texto expresso do regulamento do benefício e que o submetem à disponibilidade orçamentária e financeira, tais como o artigos 6º e 7º. É imprescindível esclarecer se a decisão autoriza o administrador público a efetuar despesas em desacordo com o disposto, por exemplo, no artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal ou sua fixação para o exercício de 2018 pela Lei Estadual nº 5.152/2017 (sem olvidar-se que a suplementação orçamentária está sujeita à ocorrência de algum dos fatos previstos no artigo 43, § 1º, da Lei nº 4.320/1964). O prazo de 15 dias para o fornecimento ignora o tempo necessário para o procedimento de compra, conforme a legislação de regência (artigos 21, § 2º, incisos III e IV, e 23, inciso II, alínea a, da Lei nº 8.666/1993, artigo 1º, inciso II, alínea a, do Decreto Federal nº 9.412/2018 e artigo 4º, inciso V, Lei nº 10.520/2002);

 

d) não é observado o pacto federativo (artigos 1º e 18 da Constituição Federal) por ter sido determinado à União apenas o dever complementar da tarefa;

 

e) impossível a concessão de liminar integralmente satisfativa (artigo 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992);

 

f) não estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada recursal (artigos 300 e 1.019, inciso I, CPC). Não se demonstrou nos autos quais são as famílias residentes em áreas regularizadas que não receberam as cestas devidas, a reiterada omissão do Estado de Mato Grosso do Sul, os dispositivos legais e constitucionais incidentes no caso e o risco efetivo e concreto de desnutrição por escassez de alimentos nas aldeias e territórios indígenas;

 

g) a multa diária fixada é inadequada, excessiva e ineficaz.

 

Requer a cassação da tutela recursal e o desprovimento do agravo de instrumento.

 

Decorreu in albis o prazo para apresentação de contraminuta pela União.

 

O Ministério Público Federal que atua em segundo grau reiterou as razões do agravo de instrumento (Id 126196572).

 

É o relatório.

 

 


 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:

 

Manifesto parcial discordância, à vista da determinação para o fornecimento de cestas básicas a indígenas não aldeados. Isto porque, conhecendo a realidade do Estado de Mato Grosso do Sul, temos população indígena que atravessa do Paraguai e Bolívia apenas para obterem benefícios especiais do lado brasileiro, inclusive na saúde.

Ora, não nos compete, a nós brasileiros, cuidar, e alimentar povos vizinhos.

A situação da prestação da saúde precariza as finanças do Estado e dos Municípios fronteiriços, porque o nosso sistema de saúde é muito superior, com todo o respeito àqueles existentes nos países de fronteira.

Desta forma, entendo que a cesta básica deve ser distribuída, mas tão somente para aqueles indígenas aldeados.

Ante o exposto, com a devida vênia, dou parcial provimento ao recurso, em menor extensão.

É como voto.


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013405-66.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

AGRAVADO: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, UNIAO FEDERAL

 

 

 

V O T O

 

A demanda originária deste agravo de instrumento é uma ação civil pública intentada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União contra a União e o Estado de Mato Grosso do Sul com o objetivo, em suma, de condenar (i) o ente estadual a atualizar a cada cinco anos o cadastro das famílias indígenas que residem no seu território em áreas regularizadas ou não e, posteriormente, analisar o cumprimento pelas famílias dos requisitos para a concessão do benefício – cesta de alimentos – previstos na sua Lei Estadual nº 3.782/2009 e no seu Decreto nº 13.700/2013, além do que, depois, entregar mensalmente e por tempo indeterminado as cestas com produtos dentro do prazo de validade, e (ii) o ente federal a, nos mesmos termos, entregar as cestas às famílias que eventualmente não puderem ser contempladas com as entregues pelo Estado membro (inicial: Id 3468445 - pág. 3 ao Id 3468451 - pág. 8). Ao examinar o pedido liminar, o juízo deferiu-o apenas parcialmente, eis que, relativamente ao cadastramento das famílias indígenas, foi negado, contra o que se insurge o MPF neste agravo de instrumento.

 

Relativamente ao direito alegado, a própria decisão agravada o reconhece, nos seguintes termos (Id 3314095 - págs. 2/5): 

 

 O direito fundamental à alimentação encontra-se previsto no art. 6° da CF/88, in verbis:

Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, naforma desta Constituição.

Esse direito fundamental, diante de sua dimensão positiva, implica para o Poder Público o dever de adotar todas as providências necessárias para sua promoção.

No plano infraconstitucional, a Lei n° 11.346/2006 criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e previu expressamente que “a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população. (art. 2°).

A Segurança Alimentar, nos termos do referido diploma legal, deve abranger especialmente “grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social” (art. 4°, Ill).

No que tange à consecução do direito à alimentação, a Lei n° 11.346/2006 estabelece que tal se dê por meio do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, “integrado por um conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, afetas à segurança alimentar e nutricional e que manifestem interesse em integrar o Sistema, respeitada a legislação aplicável” (art. 7°).

Ademais, diante do fato de o direito à alimentação ser fator determinante e condicionante do direito à saúde, também erigido constitucionalmente como direito fundamental, é necessário trazer à baila o disposto na Lei n° 8.080/90,alterada pela Lei n° 9.836/99, no que tange ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena:

Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde - SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração.

Art. 19-C. Caberá à União, com seus recursos próprios, financiar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.

Art. 19-D. O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por esta Lei com os órgãos responsáveis pela Política Indígena do País.

Art. 19-E. Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais e não-governamentais poderão atuar complementarmente no custeio e execução das ações.

Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência a saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional.

Art. 19-G. O Subsistema de Atenção à Saúde lndígena deverá ser, como o SUS, descentralizado, hierarquizado e regionalizado.

No âmbito estadual, a Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul assim estabelece:

Art. 249 – O Estado reconhece as nações indígenas de seu território, assegurando-lhes modos de vida próprios, respeitando sua cultura e sua língua.

Parágrafo único. O Poder Público poderá estabelecer projetos especiais visando organizar programas de estudos e de pesquisa de idiomas, artes e culturas para preservar e valorizar suas formas tradicionais de expressão.

Art. 250 - São asseguradas às comunidades indígenas a proteção e a assistência social e de saúde prestadas pelos Poderes Públicos estadual e municipal.

Ainda no âmbito local, a Lei Estadual/MS n°3.782/2009, que instituiu o Programa Vale Renda, garante às famílias indígenas beneficiárias do Programa, o recebimento mensal de cestas de alimentos, in verbis:

Art. 6°As famílias indígenas beneficiárias do Programa, receberão mensalmente, cesta de alimentos de acordo com valor estabelecido pelo Executivo Estadual.

Portanto, diante da legislação de regência, não há dúvida de que é atribuição tanto da União como do Estado de Mato Grosso do Sul garantir à população indígena local em situação de vulnerabilidade alimentar – independentemente de estarem, ou não, em áreas regularizadas - acesso regular e ininterrupto à cestas de alimentos.

A partir. das manifestações das partes rés, é certo que a controvérsia que se apresenta nos presentes autos diz respeito à posição de complementariedade de um ou outro réu quanto ao atendimento da obrigação de fornecimento de alimentos às comunidades indígenas em situação de vulnerabilidade que vivem no Estado de Mato Grosso do Sul.

Com efeito, tal embate e os argumentos trazidos pelos réus não servem para, ao menos em sede de cognição sumária, eximi-los da responsabilidade de fornecer cestas básicas à população indígena de Mato Grosso do Sul que se encontra em situação de vulnerabilidade.

Ademais, os documentos que acompanham a inicial (v.g. fls. 59, 60, 62/70, 100/101, 107/111 e 240/243 do PA n° l.21.000.000273/2016-44, em apenso) demonstram satisfatoriamente que o fornecimento de cestas básicas por parte de ambos os réus tem se dado de maneira ineficiente, colocando inúmeras famílias indígenas em situação de extremo risco alimentar, o que jamais pode ser permitido, ainda mais quando tal situação se apresenta em decorrência de divergências relacionadas tão somente quanto ao caráter do fornecimento a ser realizado por cada ente federal (principal ou complementar), sem que se negue a responsabilidade de ambos quanto ao tema.

Presente, assim, o fumus boni iuris em relação ao fornecimento de alimentos.

Já o periculum in mora, decorre da própria natureza do direito que se pretende garantir (direito à alimentação com repercussão no direito à saúde e à vida digna).

Embora presentes os requisitos, cumpre observar que a concessão da liminar, nos moldes pleiteado pelos autores - com uma primeira fase de cadastramento e, só depois, a entrega das cestas básicas - poderá demandar lapso de tempo que prejudicará a efetividade da medida que ora se aprecia, bem como, inevitavelmente, acarretará a dissolução de continuidade do fornecimento de alimento até então existente.

Dessa forma, amparado no poder geral de cautela (art. 297, CPC) e para melhor equacionar a questão, impõe-se, em sede de liminar, a determinação para que os réus continuem realizando a entrega de alimentos à população indígena do Estado de Mato Grosso do Sul com base nos dados/cadastros que até então dispõem, em periodicidade mensal e, bem assim, na proporção em que veem fazendo, a partir do que noticiado à fl. 63v. do PA 1.21.000.000273/2016-44, em apenso, ou seja, o Estado de Mato Grosso do Sul deve atender às famílias indígenas que estão nas aldeias (áreas regularizadas) e, a União, às famílias que estão nos acampamentos (áreas não regularizadas), em quantidade não inferior à constante no referido documento.

[...]

De outra banda, especificamente quanto ao pedido de cadastramento das famílias indígenas, o indeferimento da liminar é medida que se impõe. Explico.

As informações trazidas pelas partes, somadas com a manifestação da FUNAI, são no sentido de trabalharem com dados do IBGE e da SESAI e, ainda, de não haver instrumento “suficientemente preciso para cadastrarmos as famílias indígenas ” (fls. 126/127), tudo a demonstrar a complexidade da matéria em apreço e a necessidade de dilação probatória para melhor esclarecer o ponto. Ademais, os programas de fornecimento de alimentos à população indígena em situação de vulnerabilidade realizados tanto pela União quanto pelo Estado de Mato Grosso do Sul, independentemente de sua natureza, sempre funcionaram, ainda que de forma não excelente, sem que existisse o cadastro único, motivo pelo qual entendo também não existir de periculum in mora quanto a tal pedido.

 

Foi apresentado pedido de reconsideração acompanhado de documentos contra a parte do indeferimento e embargos de declaração para que fosse fixada multa diária pelo descumprimento da liminar, ambos pelo MPF, e o juízo não alterou seu decisum (Id 3314096 - págs. 2/3). Consignou o magistrado:

 

Conforme salientado por este Juízo, a questão do cadastramento de todas as famílias indígenas que residem no Estado de Mato Grosso do Sul, em toda a sua extensão - responsabilidade e forma - deve ser analisada com maior vagar e aprofundamento, em sede de cognição exauriente.

Os documentos que acompanham o pedido de reconsideração não demonstram que a situação se agravou após a prolação da decisão que indeferiu o pedido de cadastramento de todos os indígenas. Ao contrário, a resposta dada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho ao Ministério Público Federal (fl. 403/404), apenas evidencia que a decisão proferida nestes autos vem sendo cumprida pelo Estado de Mato Grosso do Sul.

Cumpre ainda registrar que, nos termos da decisão de fls. 336/338, os indígenas que vivem em áreas não regularizadas devem ser atendidos pela União, a qual, aparentemente, também vem cumprindo o comando decisório proferido por este Juízo (nesse sentido, os documentos apresentados às fls. 443/789).

[...]

Com efeito, a determinação de medidas coercitivas para ai efetivação da liminar então concedida não precisa, necessariamente, constar do decisum deferitório.

Comprovado o descumprimento da ordem judicial, poderá haver a fixação de multa, não configurando, assim, a omissão alegada.

Outrossim, os documentos apresentados pelos autores às fls.412/424 não são suficientes para comprovar o descumprimento, por parte dos réus, do comando jurisdicional proferido nos presentes autos.

Ao contrário, do que se vê do ofício de fls. 403/404 (enviado pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho ao Ministério Público Federal), da Nota Técnica n° 4/2018 (fls. 447/449), e, ainda, dos demais documentos que instruem a última manifestação da União (fls. 443/789), os réus estão cumprimento satisfatoriamente a decisão que deferiu a liminar em favor da parte autora.

A recalcitrância dos réus é que permitirá ao Juízo, diante da extensão do descumprimento, a adoção da medida que se revele necessária e eficiente à satisfação do objeto da liminar concedida.

 

Ao contrário do que entendeu o juízo a quo, a documentação dos autos evidencia que a liminar proferida não está sendo cumprida integralmente. Documentos atestam que famílias indígenas não receberam a cesta de alimentos, entre os quais se destacam as Certidões nºs 379/2017, 406/2017 e 182/2018 da Procuradoria da República no Município de Naviraí/MS e a Carta do Povo Kadiweu (Id 3468566 - págs. 2/8 e Id 3314097). As duas últimas certidões mencionadas também noticiam que novas famílias não são cadastradas e, assim, não recebem a cesta, o que, inclusive, gera conflitos, além do que a falta de atualização do cadastro faz com que famílias cadastradas que já não mais necessitam dos alimentos continuem a recebê-las, ao passo que a outras sem condições de subsistência não são distribuídas porque não são arroladas pelo poder público, situação que não se pode aceitar. Aliás, a própria Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho – SEDHAST do Estado de Mato Grosso do Sul, em seu Ofício nº 4.325/GAB/SEDHAST, confirma a situação da falta de novos cadastramentos (Id 3314100 - págs. 3/4). Não há que se falar, assim, em inexistência de omissão estatal.

 

Frise-se que o cadastramento e sua atualização não afetam a distribuição de cestas básicas, uma vez que devem continuar a ser entregues aos que dele constam e serão oferecidas, também, às novas famílias registradas, além do que famílias que não atendem mais aos requisitos legais serão descadastradas. O procedimento será, dessa forma, otimizado, o que não afronta o artigo 6º, parágrafo único, inciso III, do Decreto nº 13.700/2013 e vai ao encontro do Pregão Presencial nº 002/2018 e do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 2º da Lei nº 11.346/2006).

 

Nesse passo, deve ser ordenado ao Estado de Mato Grosso do Sul o imediato cadastramento das famílias indígenas que residem em seu território, o que implica a atualização do cadastro já existente. Frise-se que ocasionais dificuldades operacionais para a realização desse procedimento não justificam o “congelamento” do cadastro e o consequente abandono relativamente às famílias não cadastradas. Entretanto, obviamente, obstáculos intransponíveis para a concretização da medida devem ser comunicadas e devidamente comprovadas nos autos originários para a devida análise do juízo, o que atende aos artigos 20 e 22 da LINDB (Lei nº 13.655/2018).

 

No que se refere aos prazos, inicialmente, ao examinar a antecipação da tutela recursal, foram conferidos os indicados pelo agravante: 30 dias para cadastramento e 15 dias para análise do cumprimento dos requisitos pelas famílias cadastradas. Todavia, considerados os argumentos da contraminuta do Estado de Mato Grosso do Sul (Id 5941688) e os documentos que apresentou, em especial o Ofício nº 2.736/GAB/SEDHAST da sua Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Assistência Social e Trabalho, a qual, justificadamente, apontou que seriam necessários seis meses para a tarefa, consoante cronograma detalhado (Id 5941807 e 5941817), prazo que passa, em consequência, a ser o adotado nesta decisão para o cadastramento, entendimento que se mantém, portanto, independentemente do artigo 374, inciso I, do CPC. Relativamente ao prazo de 15 dias, refere-se à análise do cumprimento dos requisitos e não ao fornecimento, que foi determinado anteriormente já na decisão agravada e, portanto, não pode ser impugnado por meio da contraminuta, mas apenas pelo recurso próprio, no qual poderiam ser suscitadas as questões relativas à matéria, baseadas, resumidamente, na violação ao artigo 21 da LINDB, Lei nº 3.782/2009, artigos 6º; e 7º do Decreto nº 13.700/2013, artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Estadual nº 5.152/2017, artigo 43, § 1º, da Lei nº 4.320/1964, artigos 21, § 2º, incisos III e IV, e 23, inciso II, alínea a, da Lei nº 8.666/1993, artigo 1º, inciso II, alínea a, do Decreto Federal nº 9.412/2018 e artigo 4º, inciso V, Lei nº 10.520/2002.

 

Quanto à multa, à vista do citado descumprimento integral da liminar, deve ser imediatamente fixada, notadamente considerado que o que está em jogo é a subsistência dos indígenas, de modo que a não entrega a uma ou algumas famílias já caracteriza a irregularidade. O valor é fixado em R$ 5.000,00 para eventual descumprimento das providências determinadas, o que se mostra razoável e eficaz, em virtude do bem jurídico a ser protegido, de modo que é não é inadequada nem excessiva

 

Estão configurados, portanto, tanto a probabilidade do direito quanto o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo pelos motivos expostos para a concessão integral da medida de urgência (artigos 300 e 1.019, inciso I, do CPC), mas em prazo superior, e o entendimento está devidamente motivado (artigo 489, §1º, do CPC). Saliente-se que não há como atribuir a responsabilidade à União (artigos 3º, caput, e 19-C a 19-E da Lei nº 8.080/1990 e artigos 1º e 18 da Constituição Federal), como pretende o Estado de Mato Grosso do Sul, pois o benefício objeto dos autos está previsto na sua legislação (Lei Estadual nº 3.782/2009 e Decreto nº 13.700/2013).

 

No que toca ao artigo 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/1992, não se sobrepõe ao direito à vida, ao qual está estritamente ligada a alimentação, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

 

MEDIDA CAUTELAR. MEDICAMENTO ESPECÍFICO. RISCO DE MORTE. NÃO FORNECIMENTO PELO SUS. BLOQUEIO DE VALORES NECESSÁRIOS À AQUISIÇÃO. NÃO-APLICAÇÃO AO CASO DO ARTIGO 1º, § 3º, DA LEI 8.437/92. MEDIDA CAUTELAR PROCEDENTE.

[...]

4. Ainda que o artigo 1º, § 3º, da Lei 8.437/92 vede a concessão de liminar contra atos do poder público no procedimento cautelar, que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, há que se considerar que, tratando-se de aquisição de medicamento indispensável à sobrevivência da parte, impõe-se que seja assegurado o direito à vida da requerente.

5. Medida cautelar julgada procedente.

(MC 11.120/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2006, DJ 08/06/2006, p. 119 - ressaltei)

 

O decisum agravado, portanto, deve ser reformado.

 

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento para:

a) determinar ao agravado Estado de Mato Grosso do Sul que, no prazo de seis meses, efetue o cadastramento de todas as famílias indígenas que residem em seu território, quer nas “áreas regularizadas”, quer nas áreas “não regularizadas” (acampamentos e áreas de retomada) e, ainda dentro do mesmo prazo, que apresente em juízo todos os cadastros efetuados, preferencialmente em meio digital, para que sejam juntados aos autos;

b) ordenar ao Estado de Mato Grosso do Sul que, após o cumprimento do item “a”, analise, no prazo de quinze dias, o cumprimento, por cada uma das famílias indígenas cadastradas, dos requisitos previstos na Lei Estadual/MS nº 3.782/2009 e no Decreto nº 13.700/2013, que a regulamenta, para a concessão do benefício (cestas alimentares) e, no mesmo prazo, protocole em juízo o resultado desse exame, também preferencialmente em meio digital, a fim de que seja juntado ao feito;

c) determinar ao Estado de Mato Grosso do Sul que, após o cumprimento dos itens “a” e “b”, promova, de forma regular (mensal), por tempo indeterminado, a entrega de cestas básicas de alimentos, com produtos dentro do prazo de validade, às famílias indígenas estabelecidas em “áreas regularizadas” de seu território que preencham os requisitos previstos na Lei Estadual/MS nº 3.782/2009 e no Decreto nº 13.700/2013 para a concessão do benefício (famílias já arroladas no resultado a que alude o item “b”) e que apresente em juízo, mensalmente, para que seja juntado aos autos o cronograma relativo às entregas realizadas no mês e ao número de famílias beneficiadas;

d) ordenar à União Federal que, em caráter complementar ao que foi estabelecido no item “c”, promova, de forma regular (mensal), por tempo indeterminado, a entrega das cestas básicas de alimentos, com produtos dentro do prazo de validade, a todas as famílias indígenas estabelecidas em acampamentos/áreas de retomada (“áreas não regularizadas”) no Estado de Mato Grosso do Sul que preencham os requisitos previstos na Lei Estadual/MS nº 3.782/2009 e no Decreto nº 13.700/2013 para a concessão do benefício (famílias listadas no resultado a que alude o item “b”) e que apresente em juízo, mensalmente, o cronograma relativo às entregas realizadas no mês e ao número de famílias beneficiadas; e,

e) fixar multa diária de R$ 5.000,00 ao Estado de Mato Grosso do Sul e à União Federal, conforme o caso, se houver descumprimento das providências contidas em cada um dos itens anteriores (“a”, “b”, “c” e “d”). A multa será aplicada por dia de atraso no cumprimento de cada medida determinada e de forma alternativa pelo juízo a quo e o valor destinado às famílias indígenas residentes naquele Estado.

 

Em consequência, RATIFICO PARCIALMENTE a antecipação da tutela recursal anteriormente deferida.

 

É como voto.


E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CADASTRAMENTO DE FAMÍLIAS INDÍGENAS E DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS DE ALIMENTOS. RESTRIÇÃO DO PEDIDO APENAS À FAMÍLIAS ALDEADAS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. PREVISÃO NORMATIVA ESTADUAL. ATUAÇÃO EM CARÁTER COMPLEMENTAR PELA UNIÃO FEDERAL. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Ao contrário do que entendeu o juízo a quo, a documentação dos autos evidencia que a liminar proferida não está sendo cumprida integralmente. Documentos atestam que famílias indígenas não receberam a cesta de alimentos, entre os quais se destacam as Certidões nºs 379/2017, 406/2017 e 182/2018 da Procuradoria da República no Município de Naviraí/MS e a Carta do Povo Kadiweu (Id 3468566 - págs. 2/8 e Id 3314097).

2. Frise-se que o cadastramento e sua atualização não afetam a distribuição de cestas básicas, uma vez que devem continuar a ser entregues aos que dele constam e serão oferecidas, também, às novas famílias registradas, além do que famílias que não atendem mais aos requisitos legais serão descadastradas. O procedimento será, dessa forma, otimizado, o que não afronta o artigo 6º, parágrafo único, inciso III, do Decreto nº 13.700/2013 e vai ao encontro do Pregão Presencial nº 002/2018 e do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 2º da Lei nº 11.346/2006).

3. Embora o cadastramento seja medida de rigor, a distribuição das cestas básicas deve ser ater aos indígenas aldeados. Isto porque, conhecendo a realidade do Estado de Mato Grosso do Sul, temos população indígena que atravessa do Paraguai e da Bolívia apenas para obterem benefícios especiais do lado brasileiro, inclusive na saúde.

4. A prestação indiscriminada de benefícios precariza as finanças do Estado e dos Municípios fronteiriços, porque o nosso sistema de assistência social e de saúde é muito superior, com todo o respeito, àqueles existentes nos países de fronteira.

5. Agravo de instrumento parcialmente provido.


 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Quarta Turma, por maioria, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento, em menor extensão, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA que manifestou parcial discordância ao voto do Relator, à vista da determinação para o fornecimento de cestas básicas a indígenas não aldeados, no que foi acompanhada pelo voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Vencido o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator). Lavrará acórdão a Des. Fed. MARLI FERREIRA. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.