APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0004422-75.2013.4.03.6100
RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: SOCIETE AIR FRANCE, AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC
Advogado do(a) APELANTE: PAULO RICARDO STIPSKY - SP174127-A
Advogado do(a) APELANTE: MELISSA AOYAMA - SP204646-A
APELADO: SOCIETE AIR FRANCE, AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC
Advogado do(a) APELADO: PAULO RICARDO STIPSKY - SP174127-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0004422-75.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: SOCIETE AIR FRANCE, AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC Advogado do(a) APELANTE: PAULO RICARDO STIPSKY - SP174127-A APELADO: SOCIETE AIR FRANCE, AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC Advogado do(a) APELADO: PAULO RICARDO STIPSKY - SP174127-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ajuizada por Société Air France em face da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, objetivando a anulação do auto de infração n° 016/SAC-GL/2008, lavrado pela suposta prática de infração descrita no artigo 302, III, “u”, do Código Brasileiro de Aeronáutica. A tutela antecipada foi deferida para, em razão do depósito integral do valor discutido nos autos (ID 90300507 - Pág. 13-14), suspender a exigibilidade do crédito tributário, objeto do processo administrativo nº 60800.071907/2009-14 (Auto de Infração nº 016/SAC-GL/2008), nos termos do artigo 151, inciso II do Código Tributário Nacional, devendo a ré se abster do prosseguimento de sua cobrança, até decisão final (ID 90300507 - Pág. 15-18). A MM. Juíza a quo julgo parcialmente procedente o pedido para tão somente determinar a redução do valor da multa para R$ 4.000,00 (quatro mil reais), bem como condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (ID 90300213 - Pág. 29-38). A autora apelou, sustentando, em síntese, que: a) de acordo com a ré, a conduta descrita no auto de infração (suposto extravio de bagagem acompanhada) é contrária às "condições gerais de transporte", em especial em vista do disposto no artigo 302, III, "u" da Lei n° 7.565/86, todavia, o dispositivo legal se trata de norma ampla, que não permite a imposição de penalidade, sendo necessária a descrição de tipo específico que seja contrário às condições gerais, isto é, a identificação da infração; b) o atraso na entrega da bagagem, por si só, não implica no descumprimento das condições gerais de transporte, mas de questão de mera rotina, que decorre de inúmeros fatores, tais como a observação do limite máximo de peso da aeronave operada; c) que os fatos que deram origem à imposição de penalidade ocorreram em 13 de maio de 2008, sendo que apenas no ano de 2010 foi editado o Enunciado n° 11/JR/ANAC2010, o que configura aplicação de entendimento prejudicial posteriormente consolidado em relação a fatos ocorridos em momento anterior. d) a ANAC reconhecia administrativamente que a entrega da bagagem no prazo legal não implicava em ofensa à legislação regulamentar, mas mudou de entendimento sobre a aplicação do dispositivo do artigo 35 da Portaria n° 676/GC-5/2000, evidenciando a nítida intenção de transformar o instrumento administrativo de natureza extrafiscal em questão de caráter arrecadatório e a nulidade da multa aplicada; e) ocorreu a decadência do direito de constituição do crédito por suposta conduta contrária às regras gerais que regem o transporte aéreo de passageiros, na forma do disposto no artigo 319 da Lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), visto que restou estabelecido o prazo de 2 (dois) anos para as providências administrativas decorrentes das disposições do supracitado diploma legal; f) as penalidades aplicadas com base no artigo 302 do Código Brasileiro de Aeronáutica (norma ampla), além de dependerem de regulamentação, estão submetidas aos limites do artigo 299, do mesmo da Lei n° 7.565/86), o qual prevê que a multa será de até 1.000 valores de referência e, mesmo tendo sido estabelecido pela lei ordinária o teto da penalidade, a multa imposta no caso em apreço se deu em montante superior. A ANAC também apelou, aduzindo, em suma, que: a) a r. sentença, ao reduzir o valor cominado a título de multa, procedeu em verdadeiro julgamento extra petita, em afronta aos princípios dispositivo e de adstrição do julgado ao pedido, insculpidos nos artigos 128 e 4.602 do CPC, pois o que se pretende na ação é a nulidade do auto de infração e respectivo cancelamento da multa, inexistindo pedido da autora no sentido de redução do valor pecuniário arbitrado; b) conforme denúncia formulada à ANAC pela própria passageira, a empresa não entregou sua bagagem no ato do desembarque no Aeroporto do Rio de Janeiro, a qual foi entregue posteriormente, na cidade de Recife, somente cinco dias depois, conduta que se enquadra ao disposto no artigo 302, inciso III, alínea "u" do Código Brasileiro de Aeronáutica, e no artigo 35, bem como nos artigos 32 e 302 das Condições Gerais de Transporte, aprovadas pela Portaria 676/GC-5, de 13 de novembro de 2000; c) a conduta se consuma no momento em que o desembarque ocorre sem a restituição da bagagem ao passageiro, de sorte que a localização da bagagem, dentro do prazo de 30 dias, não afasta a ocorrência da conduta, já que o prazo de 30 dias foi concedido em harmonia com o Código do Consumidor para estabelecer que, superado tal prazo, a empresa deverá proceder à indenização ao passageiro, conforme parágrafo 2º do artigo 35 da Portaria nº 676/GC/2000; d) a entrega da bagagem, cinco dias após seu extravio, tampouco pode ser enquadrada como circunstância atenuante, pois é o que se espera que venha a ser realizado pela empresa, no cumprimento do contrato de transporte, além do que, a autora não comprovou ter adotado qualquer medida voluntária e eficaz que amenizasse as consequências da infração, bem como não reconheceu a prática da infração, tanto é assim que apresentou defesa e recurso administrativos, e interpôs a presente ação anulatória de débito. Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal. É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: MELISSA AOYAMA - SP204646-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0004422-75.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: SOCIETE AIR FRANCE, AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC Advogado do(a) APELANTE: PAULO RICARDO STIPSKY - SP174127-A APELADO: SOCIETE AIR FRANCE, AGENCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVIL - ANAC Advogado do(a) APELADO: PAULO RICARDO STIPSKY - SP174127-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Senhora Juíza Federal Convocada Denise Avelar (Relatora): Trata-se de ação ajuizada com o fito de obter a anulação do auto de infração n° 016/SAC-GL/2008, lavrado pela ANAC, em razão da suposta prática pela empresa autora de infração descrita no artigo 302, III, “u”, do Código Brasileiro de Aeronáutica. Em primeiro lugar, não há se falar em julgamento extra petita, pois o pedido é o que se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial e não somente aquele indicado no capítulo “dos pedidos”. No caso sub judice, a autora, além de pleitear a anulação do auto de infração, também se insurgiu contra o valor da multa que lhe foi aplicada, supostamente em montante superior ao limite previsto no artigo 299 do Código Brasileiro de Aeronáutica, o que dá margem para um juízo de redução da penalidade pecuniária. Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. IBAMA. POSTO DE GASOLINA. AUTO DE INFRAÇÃO. PRÉVIO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO. ANULAÇÃO. MULTA. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A alegação de que o Tribunal de origem incorreu em julgamento extra petita ao reduzir o valor da multa administrativa não prospera. O julgado que interpreta de maneira ampla o pedido formulado na petição inicial não viola o art. 460 do CPC, pois "o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda e se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, sendo de levar-se em conta os requerimentos feitos em seu corpo e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica 'dos pedidos'" (REsp 284.480/RJ, 4ª Turma, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 2.4.2001). 2. Na hipótese dos autos, consoante ressaltado pelo acórdão recorrido, o autor, além de pleitear a anulação do auto de infração, também se insurgiu contra o valor da multa que lhe foi aplicada, sustentando a sua desproporcionalidade ao tipo de estabelecimento e fora da razoabilidade. Portanto, não há que se falar em julgamento extra petita. 3. Agravo regimental não provido”. (AgRg no AREsp 220.712/RN, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 29/11/2012) (grifei) “PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO AMBIENTAL - AUTO DE INFRAÇÃO DECORRENTE DA REMESSA ILÍCITA PARA O EXTERIOR DE ANIMAIS MORTOS, DA FAUNA SILVESTRE NACIONAL (BORBOLETAS E BESOUROS) - AUTO LAVRADO POR AUTORIDADE COMPETENTE E QUE SE REFERE A EFETIVA INFRAÇÃO CONTRA A NORMA PROTETIVA AMBIENTAL (ART. 29, § 1º, III, DA LEI N° 9.605/98), CUJA ANULAÇÃO É IMPOSSÍVEL - SENTENÇA QUE APENAS OPERA A REDUÇÃO DA MULTA (E NESSE PONTO NÃO É ULTRA OU EXTRA PETITA), CAPÍTULO QUE PODE PREVALECER NO CASO CONCRETO - REMESSA OFICIAL DADA POR INTERPOSTA - RECURSO ADESIVO DO AUTOR NÃO CONHECIDO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. O autor foi autuado pela prática de conduta enquadrada nos artigos 70 e 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 e artigo 11, §1º, da Lei 9.605/98 e artigo 11, §1º, inciso II, do Decreto 3.179/99 porque remeteu ao exterior borboletas e besouros (animais mortos da fauna silvestre) sem autorização do IBAMA. 2. Não se conhece do recurso adesivo interposto pelo autor que teve sua apelação voluntária não recebida - por questão formal - em decisão interlocutória irrecorrida (fl. 529), já que a faculdade do art. 500 do CPC não pode ser exercida pela parte que já apresentou recurso autônomo cujo conhecimento não prosperou, uma vez que em relação a ela a sentença transitou em julgado. Preclusão (precedentes). 3. A infração é evidente, a autoridade administrativa era competente para apurá-la e apenar o infrator, o procedimento administrativo (inclusive o recursal que tramitou no IBAMA) foi regular, e a pena aplicada tinha fomento em lei. 4. Não prospera a alegação de que a r. sentença incorreu em julgamento ultra ou extra petita ao reduzir o valor da multa administrativa: na inicial o autor, além de ter pleiteado a anulação do auto de infração, também se insurgiu contra o valor da multa que lhe foi aplicada, sustentando sua desproporcionalidade em relação a condição econômica do autuado. Existência de espaço para um juízo de redução da multa. 5. Embora no Direito Administrativo sancionador haja certa dose de discricionariedade para fixação de penalidades pecuniárias (sempre observados seus limites mínimo e máximo), isso não imuniza o Poder Público do controle da sanção pelo Poder Judiciário nos aspectos de verificação da estrita legalidade e da proporcionalidade. No caso a redução deve ocorrer, pois embora sejam conhecidas cinco infrações efetuadas pelo autor, deve-se considerar em favor dele que as conseqüências para o meio ambiente não ficaram bem definidas (nada se sabe sobre o impacto ambiental da remessa de espécimes mortos, in casu), os antecedentes do apelado quanto ao cumprimento da legislação ambiental são favoráveis, mesmo porque se trata de pessoa (entomologista amador) dedicada a estudos aparentemente sérios e que já havia inclusive colaborado com o IBAMA nas atividades de preservação ambiental; por fim, tudo indica que seja pessoa de posses modestas, incapaz de pagar uma multa que, já nos idos de 2006, atingia R$ 85.000,00. Assim, correta foi a diminuição operada na sentença. 6. Porém, esse percentual deverá incidir sobre aquele valor devidamente corrigido, e para esse fim dá-se parcial provimento a remessa oficial.” (ApCiv 0024338-71.2008.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2013.) (grifei) Superada esta questão, passo ao exame do mérito. Extrai-se dos autos que a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC instaurou o processo administrativo n° 60800.071907/2009-14, em virtude do Registro de Ocorrência formulado pela passageira Viviana Mendes Galvão, que teve sua bagagem extraviada no voo 0444 da Air France, com saída de Paris e chegada no Aeroporto do Galeão/RJ, em 05.01.2008. A empresa ré, por sua vez, informou que a mala da passageira chegou ao Rio de Janeiro no dia 09 de janeiro, sendo-lhe entregue em Recife no dia 10 de janeiro, pela companhia aérea TAM. Assim, com fundamento no artigo 302, inciso III, alínea "u" do Código Brasileiro de Aeronáutica, e artigos 35 e 32, parágrafo único, das Condições Gerais de Transporte, aprovada pela Portaria 676/GC-5, de 13 de novembro de 2000, a ANAC aplicou à autora uma multa de R$ 7.000,00 (sete mil reais), reduzida, posteriormente, para R$ 4.000,00 (quatro mil reais) pelo juízo a quo. Pois bem. Cumpre asseverar que o fato narrado pela passageira e confirmado pela autora, quanto a não restituição da bagagem no desembarque, não é impugnado pela empresa aérea que, ao contrário, reconhece sua ocorrência, alegando apenas que tal inconveniente é comum no cotidiano dos aeroportos, não podendo ser caracterizado como infração às "Condições Gerais de Transporte". A fiscalização da ANAC considerou que tal fato se amoldaria à hipótese prevista no artigo 302, III, "u", da Lei nº 7.565/86: "Art. 302. A multa será aplicada pela prática das seguintes infrações: [...] III - infrações imputáveis à concessionária ou permissionária de serviços aéreos: [...] u) infringir as Condições Gerais de Transporte, bem como as demais normas que dispõem sobre os serviços aéreos" (grifei). Com efeito, o artigo 35 das "Condições Gerais de Transporte", aprovada pela Portaria nº 676/2000 do Comando da Aeronáutica, dispõe que "a bagagem será considerada extraviada se não for entregue ao passageiro no ponto de destino". Dispõe, ainda, o parágrafo único do artigo 32 que "a execução do contrato inicia-se com a entrega deste comprovante e termina com o recebimento da bagagem pelo passageiro, sem o protesto oportuno". No caso, diversamente do que alegou a autora, houve protesto por parte da passageira após o desembarque, diante do fato de ser obrigada a prosseguir viagem até Recife/PE – seu destino final – sem a sua bagagem, além de não ter recebido, no momento, qualquer informação da Société Air France, como devidamente noticiado no "Registro de Ocorrência" (ID 90300506 - Pág. 41-42). Cabe ressaltar que o protesto não se refere apenas a avarias na mercadoria restituída, podendo se referir, como ocorreu in casu, ao atraso na restituição, conforme disposto no artigo 234, § 5°, da Lei 7.565/86 ("Procede-se ao protesto, no caso de avaria ou atraso...") e o artigo 33 das "Condições Gerais de Transporte" ("O protesto, nos casos de avaria ou atraso, far-se-á mediante ressalva lançada em documento específico ou por qualquer comunicação escrita encaminhada ao transportador"). Das premissas decorrentes dos dispositivos supratranscritos, decorre a conclusão de que o efetivo cumprimento das normas contidas nas "Condições Gerais de Transporte", relativamente à bagagem dos passageiros, deve considerar a entrega do comprovante de despacho, com a identificação pormenorizada dos itens de identificação, e o recebimento da bagagem do passageiro, sem que haja protesto por avaria ou atraso. Assim, a existência de protesto por atraso na restituição da bagagem, com constatação de sua efetiva ocorrência, comprova o descumprimento das "Condições Gerais de Transporte", a demonstrar a correta tipificação da hipótese ao artigo 302, III, "u", da Lei 7.565/86, por se configurar a infração administrativa de "extravio da bagagem", caracterizada pela falta de entrega ao passageiro no ponto de destino (artigo 35 - "A bagagem será considerada extraviada se não for entregue ao passageiro no ponto de destino"). Mesmo que a condição de bagagem extraviada tenha perdurado por cinco dias, é certo que sua entrega dentro dos trinta dias, prevista no § 2° do artigo 35 da Portaria 676/2000 do Comando da Aeronáutica, não tem o efeito de afastar o atraso ocorrido na restituição, caracterizador da infração, mas apenas de excluir a necessidade de indenização do passageiro. Desta forma, mostra-se manifestamente impertinente a alegação de inaplicabilidade do Enunciado 11/JR/ANAC-2010, sob fundamento de ter sido aprovado em novembro/2010, posteriormente aos fatos. Isto porque o enunciado dispõe que "configura-se a infração administrativa de extravio no momento em que a bagagem não é restituída ao passageiro no local do destino, quando do seu desembarque. Sendo assim, eventual restituição da bagagem no prazo de 30 dias, ou o pagamento da indenização após este lapso temporal, não excluirá a responsabilidade administrativa da empresa, somente evitará a configuração de infração diversa." Ora, como visto, a caracterização da infração administrativa decorre de simples interpretação das normas que regem o contrato de transporte de bagagem na legislação aérea, sendo irrelevante que, posteriormente aos atos infracionais, tenha se editado norma interpretativa sobre o tema, mesmo porque não se tratou de alteração de entendimento administrativo. Tampouco há que se alegar que o artigo 302, III, "u", da Lei 7.565/86, que fundamentou a aplicação da sanção, tenha sido demasiado genérico, a impossibilitar a tipificação do fato, sendo necessária a expressa referência ao dispositivo transgredido das "Condições Gerais de Transporte", porquanto os fatos ocorridos foram tipificados como infração administrativa descrita no artigo 302, III, "u", da Lei 7.565/86, ou seja, "infringir as Condições Gerais de Transporte, bem como as demais normas que dispõem sobre os serviços aéreos". Conquanto tal norma possua aparente generalidade, exigindo complementação por parte da autoridade aeroportuária para a definição das "Condições Gerais de Transporte", o auto de infração e o processo administrativo de aplicação de sanção descreveram pormenorizadamente os fatos, mencionando, ainda, que a conduta da companhia aérea acarretou infração ao artigo 32, parágrafo único, e artigo 35 da Portaria 676/GC5/2000 ("Condições Gerais de Transporte"). Sendo assim, além de terem sido especificados os dispositivos das "Condições Gerais de Transporte" efetivamente infringidos, possibilitou-se a apresentação de defesa e recurso por parte da companhia aérea, bem como o ajuizamento da presente ação, cujas alegações não se restringem a apenas sustentar a motivação genérica do auto de infração/processo administrativo sancionador. Registre-se, ademais, que não houve o decurso do prazo prescricional para o exercício da pretensão punitiva pela administração pública, visto que o extravio da bagagem ocorreu em 05.01.2008 e, sendo o fato posterior à edição da Lei 9.873/99, é o prazo previsto em seu artigo 1° que se aplica ao caso: "Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado". Não se aplica o prazo prescricional de dois anos previsto no artigo 319 da Lei 7.565/86, pois a previsão do artigo 1° da Lei 9.873/99 regulou inteiramente a matéria, ao deixar expresso se tratar de prazo prescricional de ação punitiva da Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia. Considerando, deste modo, que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior" (artigo 2°, §1°, do Decreto-Lei 4.657/42), verifica-se a revogação tácita do artigo 319 Lei 7.565/86. Por sua vez, é cediço que a instauração do processo administrativo, como início dos atos necessários ao exercício do poder de polícia, interrompe o curso do prazo da prescrição da ação punitiva, pois demonstra o inequívoco interesse da Administração na apuração dos fatos, afastando sua inércia. No caso em apreço, o processo administrativo n° 60800.071907/2009-14 teve início com o auto de infração n° 016/SAC-GL/2008 (ID 90300506 - Pág. 45), lavrado em 06.01.2008, com a posterior apresentação de defesa pela companhia aérea em 21.01.2008. Em dezembro de 2010 foram promovidas diligências internas em decorrência da alteração de competência, com a redistribuição do feito à Gerência Técnica de Análise de Autos de Infração, sendo proferida decisão no processo administrativo em 03.03.2011. Então, notificado em 06.09.2011, o autuado apresentou recurso em 03.10.2011, cuja decisão final, irrecorrível, foi exarada em 07.02.2013. Depreende-se, à vista disso, como bem consignado pelo juízo a quo, “que o processo administrativo jamais ficou paralisado por mais de três anos, o que poderia resultar na prescrição intercorrente. Tampouco decorreu o prazo prescricional de cinco anos para que a Administração iniciasse e adotasse as providências necessárias para a devida apuração e penalização dos fatos levados ao seu conhecimento por meio do Relatório Irregular de Bagagem” (ID 90300213 - Pág. 33). No que tange à alegação de que a multa estaria prevista em patamar superior ao limite previsto no artigo 299 da Lei 7.565/86 (mil valores de referência), a jurisprudência possui entendimento de que a atualização e conversão do valor da multa infracional em reais, prevista originalmente em "unidades de referência", por ato normativo da ANAC, não ofende o princípio da legalidade, por estar abrangida e limitada no poder regulamentar conferido à autarquia pelo artigo 47, I, da Lei 11.182/2005. Veja-se: "ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. MULTA. LEGALIDADE. Inexiste qualquer ilegalidade em multa aplicada à companhia aérea, a partir de reclamação de passageira que noticiou o extravio de sua bagagem, nos termos do artigo 302, inciso III, alínea 'u', da Lei nº 7565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica - CBA), c/c os artigos 32 e 35 da Portaria ANAC nº 676/GC-05/2000. A tabela de valores fixada pela ANAC na Resolução nº 25/2008, no exercício do poder regulamentar conferido pela Lei nº 11.182/2005, atende ao artigo 299 do CBA, meramente substituindo o parâmetro de multiplicação do valor de referência por valor fixo da multa, sem agravamento da sanção ou indevida inovação na ordem jurídica. A infração restou devidamente configurada e a companhia aérea nada alegou de concreto que a afastasse, senão a responsabilidade dos funcionários aeroportuários, sem nada comprovar. O auto de infração atende aos requisitos legais, não se lhe podendo inquinar de nulidade por não conter o horário em que foi lavrado ou o endereço da autuada. Apelação desprovida." (AC 2011.51.01.504545-2, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO, DJU de 02/09/2014) (grifei) Insta salientar, também, que a conduta caracterizada por “Infringir as Condições Gerais de Transporte, bem como as demais normas que dispõe sobre os serviços aéreos”, prevista na Resolução ANAC nº 25/2008, à época dos fatos, estava sujeita à aplicação de multa que variava de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Logo, quando inexistentes causas atenuantes ou agravantes ao caso, ou quando elas se compensem, deve ser aplicada a sanção no patamar médio da tabela, qual seja, R$ 7.000,00 (sete mil reais), como fixado administrativamente pela ANAC. Atentando-se para essa questão, não há dúvidas de que, in casu, não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes que possam influenciar na dosimetria da aplicação da sanção, a uma, porque a autora não reconheceu a prática da infração, tanto que apresentou defesa/recurso nas vias administrativa e judicial, e a duas, porque não adotou voluntariamente providências eficazes para evitar ou amenizar as consequências da infração, tendo restituído a bagagem da passageira somente cinco depois do desembarque e dando apenas cumprimento ao contrato de transporte, o que sempre foi de sua responsabilidade. Portanto, diante da sucumbência da parte autora, mantenho a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação – idêntico ao dado à causa - nos termos do artigo 20, § 3º, do CPC/1973, diploma legal em vigor à época da prolação da sentença. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e DOU PROVIMENTO PARCIAL à apelação da parte ré e à remessa necessária para fixar a multa em questão no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), tal como imposta no processo administrativo promovido pela ANAC. É como voto.
Advogado do(a) APELANTE: MELISSA AOYAMA - SP204646-A
E M E N T A
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. SENTENÇA “EXTRA PETITA”. NÃO CONFIGURADA. ANAC. AUTO DE INFRAÇÃO. EXTRAVIO DE BAGAGEM DE PASSAGEIRO. LEI 7.565/86. PRAZO PRESCRICIONAL. MULTA. LEGALIDADE. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. APELAÇÃO DA PARTE RÉ E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDAS EM PARTE.
1. Trata-se de ação ajuizada com o fito de obter a anulação do auto de infração n° 016/SAC-GL/2008, lavrado pela ANAC, em razão da suposta prática pela empresa autora da infração descrita no artigo 302, III, “u”, do Código Brasileiro de Aeronáutica.
2. Não há se falar em julgamento extra petita, pois o pedido é o que se extrai da interpretação lógico-sistemática da petição inicial e não somente aquele indicado no capítulo “dos pedidos”. No caso sub judice, a autora, além de pleitear a anulação do auto de infração, também se insurgiu contra o valor da multa que lhe foi aplicada, supostamente em montante superior ao limite previsto no artigo 299 do Código Brasileiro de Aeronáutica, o que dá margem para um juízo de redução da penalidade pecuniária. Precedentes.
3. A existência de protesto por atraso na restituição da bagagem, com constatação de sua efetiva ocorrência, comprova o descumprimento das "Condições Gerais de Transporte", a demonstrar a correta tipificação da hipótese ao artigo 302, III, "u", da Lei 7.565/86, por se configurar a infração administrativa de "extravio da bagagem", caracterizada pela falta de entrega ao passageiro no ponto de destino.
4. Mesmo que a condição de bagagem extraviada tenha perdurado por cinco dias, é certo que sua entrega dentro dos trinta dias, prevista no § 2° do artigo 35 da Portaria 676/2000 do Comando da Aeronáutica, não tem o efeito de afastar o atraso ocorrido na restituição, caracterizador da infração, mas apenas de excluir a necessidade de indenização ao passageiro.
5. Não se aplica o prazo prescricional de dois anos previsto no artigo 319 da Lei 7.565/86, revogado tacitamente pelo artigo 1° da Lei 9.873/99, que regulou inteiramente a matéria, ao deixar expresso se tratar de prazo prescricional de ação punitiva da Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia.
6. É cediço que a instauração do processo administrativo, como início dos atos necessários ao exercício do poder de polícia, interrompe o curso do prazo da prescrição da ação punitiva, pois demonstra o inequívoco interesse da Administração na apuração dos fatos, afastando sua inércia.
7. A jurisprudência possui entendimento de que a atualização e conversão do valor da multa infracional em reais, prevista originalmente em "unidades de referência", por ato normativo da ANAC, não ofende o princípio da legalidade, por estar abrangida e limitada no poder regulamentar conferido à autarquia pelo artigo 47, I, da Lei 11.182/2005. Precedente.
8. A conduta caracterizada por “Infringir as Condições Gerais de Transporte, bem como as demais normas que dispõe sobre os serviços aéreos”, prevista na Resolução ANAC nº 25/2008, à época dos fatos, estava sujeita à aplicação de multa que variava de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
9. Quando inexistentes causas atenuantes ou agravantes ao caso, ou quando elas se compensem, deve ser aplicada a sanção no patamar médio da tabela, qual seja, R$ 7.000,00 (sete mil reais).
10. No caso em comento, não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes que possam influenciar na dosimetria da aplicação da sanção, a uma, porque a autora não reconheceu a prática da infração, tanto que apresentou defesa/recurso nas vias administrativa e judicial, e a duas, porque não adotou voluntariamente providências eficazes para evitar ou amenizar as consequências da infração, tendo restituído a bagagem da passageira somente cinco depois do desembarque e dando apenas cumprimento ao contrato de transporte, o que sempre foi de sua responsabilidade.
11. Apelação da autora desprovida.
12. Apelação da parte ré e remessa necessária parcialmente providas.