Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009161-26.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: DESTRO BRASIL DISTRIBUICAO LTDA

Advogado do(a) AGRAVANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009161-26.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: DESTRO BRASIL DISTRIBUICAO LTDA

Advogado do(a) AGRAVANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de agravo de instrumento ao indeferimento de liminar em ação pelo rito ordinário (autos 5001436-32.2020.4.03.6128), requerida nos seguintes termos (ID. 130357972, f. 35):

 

"A) Preliminarmente, seja concedida a tutela provisória de urgência, como exposto no tópico anterior, a fim de que seja determinada a imediata liberação das mercadorias objeto dos Autos de Infração e Termos de  Apreensão nºs 10909.720484/2020-99 e 10909.720580/2020-37, tendo em vista a presença dos requisitos do art. 294, parágrafo único c/c art. 300, do CPC/15, obstando-se ainda a continuidade da prática dessa medida por parte do Fisco, até ulterior decisão desse MM. Juízo. 

 Caso o MM. Juízo entenda necessária a manifestação da Ré para fins de exame do pleito formulado em sede de cognição sumária, requer-se: (i) ao menos que seja concedida a tutela provisória de urgência até a apresentação da Contestação, tendo em vista que a observância do prazo legal, sem qualquer medida suspensiva implicaria o esvaziamento do pedido de tutela de urgência formulado, com os já nefastos efeitos para a Autora; (ii) ou subsidiariamente, ao menos a determinação para que a Ré se manifeste em prazo exíguo até a apreciação do pedido de concessão de tutela provisória, tendo em vista que o prazo de 30 dias úteis resultará em ineficácia da tutela provisória ora postulada. 

Na remota hipótese do pedido de tutela ora formulado não seja concedido nos moldes acima delineados, requer-se, quando menos, que a União Federal fique impedida de realizar o leilão das mercadorias apreendidas, igualmente até ulterior decisão desse MM. Juízo."

 

Em apertada síntese, a exordial da ação de origem relata que a agravante dedica-se a atividades atacadistas, dentre estas a importação de mercadorias para revenda. Os autos de infração referem-se a operações de importação com posterior revenda às Lojas Americanas S.A. e B2W Companhia Digital, lavrados sob o entendimento da Aduana de que a recorrente figuraria como terceiro interposto fraudulentamente no procedimento de importação, em benefício dos reais intervenientes e em prejuízo ao Erário.

O Juízo de origem indeferiu o pedido liminar deduzido por não identificar fumus boni iuris quanto ao arguido, nos seguintes termos (ID. 130357973, f. 172/174):

 

“Em sede de cognição sumária, não vislumbro estar demonstrada a verossimilhança das alegações do autor.

Isso porque, os fatos subjacentes aos autos de infração e à apreensão das mercadorias são complexos e vêm de algum tempo, havendo análise ampla por parte da fiscalização.

No auto de infração (id30350316, p19) com extenso relatório de apurações e conclusões da fiscalização, em resumo grosseiro, que DESTRA estaria interposta entre a importadora (ST Importações) e as destinatárias reais das operações, que seriam Lojas Americanas e B2W, as quais seriam no mesmo grupo daquela importadora (ST Importações), sendo que até repasses financeiros para tal importadora seriam efetivados pela DESTRA em ação concertadas com aquelas. Acrescenta a Fiscalização que as Lojas Americanas e B2W é que deveriam figurar no campo da DI como encomendantes, e não DESTRA, e que tal inserção não corresponde à verdade e propiciou a ocultação danosa à correta apuração dos tributos da operação, ocorrendo quebra na cadeia do IPI, pois os reais destinatários deixam de equipar-se a estabelecimento industrial, e também elevação artificial do Custo das Mercadorias Vendidas de Lojas Americanas e B2W.

Quanto à alegação de que a pena de perdimento foi aplicada com base em presunção simples ( no sentido de que todas as mercadorias seriam destinadas à LASA e à B2W), verifico que não se trata de mera presunção simples, mas de fato decorrente da própria natureza das mercadorias apreendidas {Termo de Apreensão 10909.720484/2020-99 (id30350316), roupas Marca BASIC + E brinquedos marca BRINK e Termo de Apreensão 10909.720580/2020-37 (id 30350316, p.59), roupas marca, “BASIC+”}, que a fiscalização informou em seu relatório tratarem-se de marcas de propriedades de LASA e B2W.

Ou seja, a vinculação entre as mercadorias que foram apreendidas e as empresas LASA e B2W, como destinatárias finais delas, resta demonstrada nos autos.

Observo que, tendo em vista a vinculação entre a importadora (ST importações) e as proprietárias das marcas das mercadorias apreendidas (LASA e B2W), a questão relativa ao perdimento das mercadorias e eventual prejuízo se resolvem no campo de eventual indenização.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de concessão de tutela provisória.”

 

Em razões recursais, a agravante alegou, em suma, que: (1) revende mercadorias importadas (de maneira direta e indireta) a vários clientes do mercado nacional (dentre eles a LASA e a B2W) empregando ativos e assumindo riscos negociais, bem como auferindo receita e contraindo obrigações contratuais e legais, de vértice trabalhista, previdenciário e tributário, pelo que sua atuação possui substância efetiva e nítido propósito econômico; (2) as acusações administrativas sofridas são baseadas em presunções, sem suporte fático ou normativo, com referências a termos fiscais anteriores não encerrados; (3) não é sequer sabida a destinação que seria dada, em revenda, das mercadorias sobre as quais aplicada a pena de perdimento, havendo mera suposição de que seriam adquiridas pela LASA e B2W; (4) a apreensão das importações inviabiliza o exercício de suas atividades empresariais; (5) o teor do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/1976, que baseou a sanção manejada, é claro “no sentido de que somente é considerado dano ao erário a ocultação ou a interposição de terceiros, quando essa se faz de forma fraudulenta”, pelo que se conclui afastada a tipificação no caso em que a intervenção do terceiro seja motivada por propósito negocial legítimo; (6) por tal razão, e conforme doutrina e jurisprudência, a imposição de sanções gravosas como o perdimento exige prova robusta e substancial do ilícito descrito, o que não é a hipótese, dado que o auto de infração escora-se em presunção simples amparada em operações pretéritas diversas e dados estatísticos, sem identificação material de dolo ou fraude; (7) percebe-se, inclusive, que a autoridade fiscal deixou de utilizar-se da presunção legal de interposição fraudulenta (artigo 23, § 2º, do Decreto-lei 1.455/1976) justamente porque há clara demonstração da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados na importação; (8) “que fraudador deixaria claro à autoridade as origens de seus recursos? Se há clareza na origem destes, que dano se estaria causando ao erário? Dito isto, se a autoridade possui conhecimento de todos os fatores como pode estar sendo fraudada em informações?”; (9) a cadeia negocial, nas operações verificadas pelos autos de infração, denota importação por encomenda, feita à ST Importações Ltda. (trading company), responsável por toda as operações cambiais e despesas do processo de importação e desembaraço aduaneiro, com revenda da mercadoria à LASA e a B2W (varejistas), “de modo que as atividades distribuição e logística passaram a ser desempenhadas pela Agravante, que promove, dentre outros, o recebimento e a conferência das mercadorias; o deslocamento até o local de armazenagem (e a armazenagem propriamente dita); a separação dos pedidos; a expedição e transporte de encomendas; e a auditoria de estoque”; (10) a gestão racional da cadeia permite maior eficácia de emprego de recursos financeiros humanos e matérias, proporcionando maior agilidade e qualidade dos serviços, sendo, no caso, modelo negocial adotado há mais de quatorze anos; (11) houve mudança de postura do Fisco, que antes exigia multa por sobre operações realizadas, e agora passou a apreender indistintamente a própria mercadoria, em medida excessiva e arbitrária; (12) o auto de infração, no que acolhido pela decisão agravada, alega genericamente a existência de fraude para gerar “imensa economia de impostos” para o grupo LASA (pelo que o dano ao Erário em questão seria, portanto, tributário), sem, em momento algum, demonstrar como esta redução exacional ocorreria; (13) em sentido diametralmente oposto, conforme parecer contábil produzido e encartado aos autos, a cadeia de operação enseja maior tributação do que se a internalização ocorresse por importação direta; (14) “[r]eferido trabalho não apenas constatou que a Agravante efetivamente negocia preço das mercadorias quando da contratação da importação por encomenda, como também no momento da revenda para a LASA e B2W (ora, quem age como pessoa interposta não negocia!)”; (15) em processos similares, envolvendo as mesmas empresa e cenário fático, o CARF concluiu pela inexistência de interposição de terceiros; (16) conquanto não se negue que LASA e B2W são proprietárias das marcas de mercadorias importadas por encomenda, “não há qualquer prova – até porque ela não existe – no sentido de que haveria alguma restrição para a comercialização dos produtos por parte da ST Importação e pela Agravante também”, inclusive em razão de que o artigo 132, III, da Lei 9.279/1996 veda tal tipo de restrição, considerando que existe autorização de tais empresas para realização da importação; (17) não há como prosperar o entendimento da decisão agravada a respeito da possibilidade de resolução de prejuízos por via indenizatória, pois os prejuízos não são apenas financeiros, na medida em que “[c]aso as mercadorias sejam retidas pela fiscalização a empresa será incapaz de revende-las a seus clientes, gerando não somente impacto negativo em suas finanças, na sua reputação e credibilidade no mercado, mas a verdadeira impossibilidade de a mesma seguir operando visto que sua atividade principal é justamente a revenda das referidas mercadorias importadas”; e (18) a pena de perdimento aplicada atenta contra a proporcionalidade e livre iniciativa, garantidas constitucionalmente, sendo que, continuando a autoridade aduaneira com tal prática abusiva, sem intervenção do Judiciário, será obrigada a encerrar suas atividades.

Indeferido o pedido de antecipação de tutela recursal formulado, em decisão fundada no caráter satisfativo do pedido e na ausência de demonstração perigo de demora em aguardar-se o regular processamento do feito (ID. 130562145), que foi de imediato indicado para inclusão em pauta de julgamento, foram opostos embargos de declaração (ID. 131391505). Na oportunidade, afirmou-se, em essência, que: (1) houve omissão quanto ao risco da continuidade da prática abusiva pela autoridade aduaneira, interrompendo operações futuras, o que de fato veio a ocorrer; (2) a Portaria RFB 3.010/2011 prevê a alienação de mercadorias ainda que haja processo judicial em curso, se não houver decisão expressa em sentido contrário; e (3) as mercadorias poderiam ser liberadas e a autuação centrar-se em aplicação de multa, como ocorria até então, de modo que não há natureza satisfativa na tutela pleiteada.

Houve contraminuta fazendária pelo desprovimento do recurso (ID. 131386519).

Após, a agravante compareceu aos autos (ID. 135449617) para arguir que, conforme resposta da Receita Federal do Brasil à proposta de aprimoramento da legislação aduaneira formulada pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidoras de Produtos Industrializados (da qual é associada), consubstanciada na Nota COANA 76/2020, há aspectos relevantes adicionais a serem considerados no presente caso, a saber: (1) a LASA e B2W configuram o que se costuma denominar “encomendante do encomendante”, que, nos termos da nota, não impacta a natureza jurídica do negócio realizado, tampouco atribui-lhe caráter ilícito; (2) em outras palavras, há asserção categórica de que a existência de “encomendante do encomendante” não representa vínculo necessário e indissociável com fraude ou simulação; (3) “como pode subsistir uma alegação de simulação por interposição de pessoa, quando o próprio Fisco reconhece a licitude do modelo adotado, não havendo ainda qualquer motivo para simular?”; (4) a própria RFB considera que não há necessidade de que o “encomendante do encomendante” seja identificado na declaração de importação, o que figura em diametral oposição aos autos de infração lavrados; e (5) a premissa de licitude aventada pela RFB para tal tipo de procedimento – “existência e independência das partes envolvidas na operação, aliada à realização efetiva de operações mercantis” -, encontra-se presente na espécie.

É o relatório.

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5009161-26.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

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V O T O

 

 

 

Senhores Desembargadores, por primeiro anota-se restarem prejudicados os embargos de declaração ao indeferimento da antecipação de tutela recursal, com o julgamento de mérito do recurso. Sem prejuízo, as alegações vertidas neste tocante serão referenciadas à frente.

A seguir, cumpre destacar que o caso em análise possui contornos sensivelmente distintos dos feitos comumente submetidos ao Judiciário versando sobre suposta intervenção fraudulenta de terceiros no processo de importação.

Com efeito, de regra, o cenário em exame é o de interpolação de empresa, que seria "de fachada", entre a trading company e o real destinatário da mercadoria internalizada. Usualmente, o terceiro interposto é pessoa jurídica sem estrutura real ou propósito negocial, frequentemente sob comando do importador de fato, prestando-se apenas à concentração da carga tributária, notoriamente o IPI na saída do estabelecimento, por equiparação ao estabelecimento industrial. Daí o uso comum da associação desta estrutura à chamada “quebra da cadeia de IPI”.

Esta não é a hipótese dos autos, todavia. A pessoa tida por interposta pela autoridade aduaneira (a agravante) é parte de grupo econômico diverso daquele integrado pelas empresas apontadas como reais importadoras, fato reconhecido pela própria Administração, nos autos de infração lavrados. Também não há qualquer indício neste feito de que a recorrente deixe de adimplir tributos, ou que possua existência destinada, essencialmente, à operacionalização de fraude. Os memoriais apresentados destacam que a agravante adota o mesmo modelo negocial há quatorze anos, possui finalidade econômica e regularmente distribui lucro.

Dito isto, há que se perceber que tais características não interditam, por si, a conjecturação de fraude - a pretensão de estabelecer-se tal silogismo evidencia claro non sequitur. É que nada impede que apenas parte das operações insira-se em expediente fraudatório à fiscalização aduaneira, sem prejuízo da regularidade geral das demais atividades praticadas. Pelo mesmo prisma, o fato de adimplir tributos não significa que não é possível existir dano ao Erário motivado por suas operações, pois, em verdade, tal assertiva não permite sequer concluir que a tributação incide sobre as bases corretas.

De toda a sorte, esta Corte possui jurisprudência remansosa no sentido de que o dano ao Erário não se caracteriza, necessária ou exclusivamente, por repercussão financeira em desfavor da Administração. Isto porque, notoriamente em sede de comércio exterior, a fiscalização não se presta somente ao recolhimento tributário, mas também ao controle da entrada e saída de mercadorias do país segundo o regramento próprio para tanto, que é informado por múltiplas necessidades, que variam desde vigilância sanitária até a indução de externalidades econômicas e resguardo de garantias constitucionais de isonomia legal (de modo a assegurar paridade de condições entre agentes econômicos) e livre iniciativa, afora proteção do mercado interno frente a efeitos predatórios decorrentes da composição do regramento do câmbio monetário face ao influxo de bens produzidos no exterior, dentre outros fins. Não por outra razão, aliás, empresas que atuam nesse ramo sujeitam-se à parâmetros de fiscalização distintos pelas autoridades fiscais.

Exemplificativamente, nesta linha (grifos nossos):

 

ApCiv 0054934-75.2012.4.03.6301, Rel. Des. Fed. JOHONSON DI SALVO, e-DJF3 04/02/2020: "AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA TESTEMUNHAL IRRELEVANTE PARA O DESLINDE DA AÇÃO. ADUANEIRO. AGENTE DE CARGA. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR INFORMAÇÕES ACERCA DAS MERCADORIAS IMPORTADAS. INCLUSÃO DE DADOS NO SICOMEX EM PRAZO SUPERIOR AO PERMITIDO PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 728, IV, "E", DO DECRETO Nº 6.759/09 E NO ARTIGO 107, IV, "E", DO DECRETO-LEI Nº 37/66. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE. OBRIGAÇÃO FORMAL E AUTÔNOMA. DANO AO ERÁRIO. OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO DA VERBA HONORÁRIA FIXADA NA R. SENTENÇA. INOVAÇÃO RECURSAL. QUESTÃO NÃO CONHECIDA. RECURSO IMPROVIDO. (...) 6. A prestação de informações a destempo não permite incidir ao caso o instituto da denúncia espontânea, pois, na qualidade de obrigação acessória autônoma, o tão só descumprimento no prazo definido pela legislação tributária já traduz a infração, de caráter formal, e faz incidir a respectiva penalidade. A alteração promovida pela Lei 12.350/10 ao art. 102, § 2º, do Decreto-Lei 37/66 não afeta o citado entendimento, na medida em que a exclusão de penalidades de natureza tributária e administrativa com a denúncia espontânea só faz sentido para aquelas infrações cuja denúncia pelo próprio infrator aproveite à fiscalização. Na prestação de informações fora do prazo estipulado, em sendo elemento autônomo e formal, a infração já se encontra perfectibilizada, inexistindo comportamento posterior do infrator que venha a ilidir a necessidade da punição. Ao contrário. Admitir a denúncia espontânea no caso implicaria em tornar o prazo estipulado mera formalidade, afastada sempre que o contribuinte cumprisse a obrigação antes de ser devidamente penalizado. 7. Ademais, é entendimento assente em nossa jurisprudência que o dano ao erário não se limita a eventual prejuízo financeiro, restando configurado com o desrespeito à legislação e ao controle aduaneiro, em detrimento da política fiscal e alfandegária do país. (...) 10. Agravo interno conhecido em parte e, nesta, improvido."

 

Aclaradas as distinções relevantes, o passo analítico seguinte, necessário para o enfrentamento dos argumentos do recurso, consiste em depurar, nos limites da cognição própria do agravo de instrumento manejado contra indeferimento de liminar, o significado e repercussões dos achados relatados pela autoridade aduaneira, conforme o acervo probatório deste feito.

Neste intuito, como se colhe dos documentos carreados ao feito, os autos de infração 09278000/00103/20 (processo administrativo 10909.720484/2020-99, ID. 130357972, f. 53 e seguintes) e 0927800/00118/220 (processo administrativo 10909.720580/2020-37, ID. 130357972, f. 109 e seguintes) referem-se a importações realizadas em março do ano corrente, realizadas pela empresa ST. IMPORTAÇÕES LTDA., por encomenda da agravante, DESTRO BRASIL DISTRIBUIÇÃO LTDA.. Ambas as lavraturas discorrem, com detalhes, sobre procedimento existente, já há anos, pelo qual operações idênticas seriam realizadas sob predeterminação e interesse, em verdade, da empresas Lojas Americanas S.A. (LASA) e B2W Companhia Digital (B2W), que seriam as reais importadoras, ocultadas mediante simulação.

Releva, neste tocante, conforme afirmado pela autoridade aduaneira (bem como constante de julgados conexos anteriores no âmbito do CARF e DRJ/SC encartados aos autos, ID. 130357973, f. 45 e seguintes), o fato de que a ST Importações integra grupo econômico com a LASA e a B2W ("grupo LASA"): a LASA detém 0,01% do capital da ST Importações, e a B2W os outros 99,99%, de modo que os administradores da trade company são comuns ao quadro de dirigentes das demais integrantes do grupo (que abrange ainda outras empresas). 

Portanto, nas operações por encomenda analisadas pelo Fisco, o grupo LASA importa mercadorias, vende a terceiro (a agravante) e, logo a seguir, as recompra.

Convém destacar, desde logo, que a estranheza do arranjo comercial não é justificada pela afirmação da ora recorrente de que funciona como agente de distribuição e logística, a fim de que LASA e B2W concentrem seus esforços empresariais no nicho de varejo em que atuam. Ora, se assim fosse, o que se teria é uma prestação de serviço de estocagem e distribuição, e não uma cadeia de compra e venda: a agravante não figuraria entre ST Importações e LASA e B2W (comprando da primeira e vendendo às segundas), mas sim após, recebendo em guarda mercadorias já internalizadas por outrem, para trato logístico – ou, quando menos, substituiria a ST Importações no procedimento de importação. Aliás, a própria existência de uma trading company no grupo LASA milita em desfavor da tese de especialização da atividade negocial na venda no mercado interno.

A tal fato adiciona-se que, como também identificado no estudo da autoridade aduaneira (e apontado, igualmente, no acórdão do CARF já referido), os preços praticados na cadeia sob análise destoam da praxe do setor. Com efeito, segundo o relatado, para o período analisado entre 06/2011 e 07/2012, o acréscimo de valor ao total CIF na saída da ST Importações à Destro orbitou em torno de 102% (embora com percentual de remuneração de apenas 2,5%), contra uma margem esperada entre 10% e 15%. Opostamente, na saída da agravante para a LASA e a B2W, o valor acrescido foi de, aproximadamente, 19% - o que não faria mais do que frente ao ICMS incidente, segundo o apontado.

À primeira vista, de fato, não se verifica evidente redução de IPI, que incide, atualmente, sobre ambas as saídas acima (sendo que a margem exorbitante da ST Importações induz, a princípio, tributação ainda maior). Sucede que tal visão é simplista, e ignora repercussões essenciais dos fatos.

Perceba-se que a margem de 100% do preço CIF entra na escrituração da ST Importações como faturamento, via de regra. O percentual de remuneração indicado nos mencionados documentos encartados aos autos, de 2,5%, conquanto obscuro, parece coincidir com o fato de que a ST Importações, em verdade, terceiriza suas atividades para outra empresa, Orsilog Soluções em Logística Ltda. e, esta, por sua vez, à Fenícia Despacho Aduaneiro S/S – fato também apurado em sede administrativa, mencionado tanto nos julgados anteriores como nos atuais autos de infração e inconteste neste feito. Tais empresas, conforme apuração administrativa, representaram a ST Importações nas internalizações de mercadorias envolvendo a agravante.

Contudo, configurando ponto bem pouco explorado nas manifestações administrativas referidas, o que se identifica são severos indícios de confusão patrimonial entre estas três empresas (ST Importações, Orsilog e Fenícia), havendo referência de salários de funcionários da ST pagos pela Fenícia e que todas as pessoas jurídicas funcionam ou já funcionaram num mesmo endereço no Estado de Santa Catarina (v.g., a este respeito, ID. 130357973, f. 97 e 98). Não há nos autos informações de quem seriam os administradores de tais prestadoras de serviços à ST Importações.

Ora, a sobreposição de tais fatos agrava a hipótese de simulação.

Conforme o colhido, a ST Importações, pertencente ao grupo LASA, pratica margem de preço de 100% sobre o custo da mercadoria importada. Ao que consta dos autos, percentual ínfimo do valor é retido como remuneração e o restante dos montantes, aparentemente, dilui-se em sua escrituração contábil, com o pagamento em cascata dos serviços prestados a empresas com as quais há indícios consistentes de confusão patrimonial.

Em segundo passo, a mercadoria sai da propriedade do grupo LASA, sendo adquirida pela agravante. O preço que, segundo as autoridades fiscais, é exorbitante e fora da prática do mercado, reflete alto custo de aquisição de mercadoria em sua escrituração, reduzindo a margem de lucro percebida pela recorrente em sua escrituração. A agravante aplica modesta margem de acréscimo de valor (incidindo as compensações tributárias pertinentes, como no caso do IPI) e, apesar do altíssimo preço cumulado (que, em um ambiente competitivo aberto não seria atrativo à clientela), consegue vender a íntegra dos bens, precisa e novamente ao grupo LASA.

Por fim, a mercadoria retorna ao grupo LASA com custo de aquisição acumulado extremamente elevado – motivado, lembre-se, pelo alto valor cobrado pelo próprio grupo econômico na importação por encomenda, que ali entra no conglomerado como faturamento e é revertido em lucro entre três empresas com turvas distinções entre si –, circunstância que, por si, vai reduzir a margem de lucro final percebido pelas varejistas, ocasionando, naturalmente redução de tributação.

Veja-se que o cenário reúne evidências de simulação (pela concatenação de preços sem lastro comercial e concorrencial) que, dentro do mesmo grupo econômico, transformaria lucro na primeira etapa (auferido pela ST Importações, Orsilog e Fenícia) em custo na terceira (quando da reaquisição das mercadorias pelo grupo LASA, vendidas pela agravante), motivando significante e generalizada alteração na base de cálculo da tributação. Ao mínimo, tem-se que: i) a incidência maior de IPI na saída da trading company é contraposta, porém possivelmente não equivalente, à não incidência sobre a margem de lucro final das varejistas do grupo LASA, pela interposição da agravante na cadeia; ii) a alavancagem do preço praticado pela ST Importações aumenta o custo de aquisição nas operações futuras, o que, a princípio, reflete créditos de PIS/COFINS, e base de cálculo final menor de IRPJ e CSLL.

Por outro lado, constata-se que a aparente engenhosa operação divisada não exige, para seu funcionamento, que o terceiro interposto seja pessoa ficta, sem finalidade comercial, ou que sofra prejuízo. Basta que concorde em integrar a cadeia (o que pode até permitir lucro), sem prejuízo de que funcione regularmente, de maneira concomitante, em outras operações com outros agentes comerciais.

Visualizado este quadro – reitere-se, a partir e no escopo da cognição proemial decorrente do presente recurso, manejado logo ao princípio da lide de base, ainda antes de qualquer dilação probatória -, as razões de agravo não reúnem fumus boni iuris apto à reversão da decisão contestada.

A alegação de que não há demonstração de redução da carga tributária, como evidenciado, improcede. Além da já indicada prescindibilidade de tal circunstância para caracterização do dano ao Erário, há fortes indícios de que existe, sim, intricado procedimento que motiva redução da carga tributária – em que pese os autos de infração apontem apenas de maneira perfunctória a ocorrência de economia de IPI e elevação artificial do custo das mercadorias vendidas (CMV).

Neste tópico, há que se observar que o parecer contábil contratado pelo agravante com o grupo LASA (ID.130357973, f. 08 e seguintes), além de não produzido sob o crivo do contraditório, revela forte caráter de parcialidade, como evidencia o uso de afirmações retóricas como “quem age como interposta pessoa não negocia preço” (frase reproduzida nas razões de agravo e desprovida de qualquer conteúdo probatório, até porque nada impede que essa negociação, caso exista, seja simulada). De mais a mais, o documento afirma que há aumento de carga tributária nos moldes praticados com base em singelo exemplo com valores fictícios (se não semi-aleatórios), centrando-se em apenas uma pequena parte do cenário descrito acima, pelo que não permite refutação da conclusão da autoridade aduaneira neste tocante.

A circunstância de que os autos de infração se valem de fatos anteriores para analisar a operação atual e aplicar a sanção contestada também não caracteriza qualquer vício. O relato da autoridade aduaneira meramente utiliza-se de prévias análises fiscais para descrever o panorama do relacionamento comercial das empresas envolvidas e, a partir de tais informações, examinar a importação presente. Nestes termos, há imputação consistente, baseada em fatos e elementos probatórios, inclusive relativos à operação atual, para formação preambular  de convicção quanto à infração. Conquanto seja correto afirmar que, a rigor, houve presunção de que as importações obstruídas seriam insertas no procedimento fraudulento descrito, certo é que, segundo o auto de infração, no período entre 2011 e 2016, de todas as importações por encomenda realizadas entre a agravante a a ST Importações, apenas 0,018% das operações realizadas entre 08/2012 e 12/2013 não resultaram em repasse integral de mercadorias às varejistas do grupo LASA. A este fato adiciona-se que os bens apreendidos são, segundo os Termos de Apreensão e Guarda Fiscal respetivos, de marcas proprietárias do grupo LASA (“BASIC+” e “BRINK+”), sendo plenamente justificada a conclusão de que eram destinadas a tais empresas.

Aproveita ao momento afastar a alegação de que não há prova de restrição da possibilidade de livre circulação de tais bens pela recorrente, o que foi suscitado sob o entendimento de que uma vez que possuindo “autorização para a importação” das detentoras da marca, qualquer embargo à comercialização seria indevido. O argumento é falacioso, ao inverter o sentido do texto legal (Lei 9.279/1996) que, ao contrário, exige expressa autorização em casos que tais (grifos nossos):

 

"Art. 132. O titular da marca não poderá:

I - impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;

II - impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;

III - impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e

IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo."

 

Como se observa, em verdade caberia à agravante provar que possui autorização para livre circulação dos bens importados no mercado interno – o que, note-se, não se confunde com “autorização para importação” (que tampouco consta dos autos). Não se desincumbindo a agravante de tal ônus probatório, prevalece o ato administrativo.

Avançando, é inócua a alegação de que houve mudança de postura do Fisco – que anteriormente aplicava multa em 10% do valor aduaneiro e, agora, passou a entender pelo perdimento dos bens importados. A adequação ou inadequação da prática anterior da Administração não é objeto destes autos, ao passo em que é estreme de dúvidas que o delineamento de simulação negocial pela interposição de terceiro caracteriza infração sujeita à pena de perdimento, nos termos do artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/1976:

 

 "Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

(...)

 V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros."

 

Registre-se que a caracterização da infração prescinde de que haja confusão patrimonial entre os envolvidos (o que, de toda a sorte, os autos de infração não excluem, ao analisar os fluxos de pagamento na cadeia comercial) e desconhecimento da origem dos valores empregados nas operações, observação que fragiliza outro segmento retórico das razões recursais (“que fraudador deixaria claro à autoridade as origens de seus recursos? Se há clareza na origem destes, que dano se estaria causando ao erário? Dito isto, se a autoridade possui conhecimento de todos os fatores como pode estar sendo fraudada em informações?”). Em verdade, basta a dissimulação do negócio jurídico real, a partir de falseamento de quaisquer de seus elementos com a intervenção de terceiro - prática que, como visto, não só prejudica a fiscalização aduaneira (caracterizando o dano ao Erário) como, adicionalmente, pode repercutir sobre a carga tributária corretamente devida na operação.

Por outro lado, a “ocultação” referida no dispositivo não diz respeito, apenas, à camuflagem da própria existência material do interveniente real (como pessoa jurídica ou mesmo integrante da cadeia comercial), mas também, e com mais relevo, de sua responsabilidade pelo processo de importação.

Neste sentido o seguinte precedente da Turma, de que fui relator (grifos atuais):

 

AI 0019174-14.2016.4.03.0000, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, DJe 03/02/2017: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. IMPORTAÇÕES PARA POSTERIOR REVENDA. GRUPO ECONÔMICO. DISTRIBUIDORA DE IDÊNTICO QUADRO SOCIETÁRIO. SUSPEITA FISCAL DE INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA. DESCARACTERIZAÇÃO DE IMPORTAÇÃO POR CONTA PRÓPRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. A existência de atividade de importação e distribuição interna realizada por pessoas jurídicas diversas e com finalidades específicas, por si, não é suficiente à conclusão de que não haveria ingerência da distribuidora nas atividades da importadora. No caso dos autos, o quadro societário de ambas as empresas é idêntico, de modo que não há qualquer ilação nas razões recursais a afastar a conclusão, linear, de que os sócios coordenam o objeto de ambas as empresas de maneira conjunta. Nestes termos, incabível a conclusão de que a agravante realiza importações por conta própria, conforme o alegado no recurso. 2. Por "ocultação do sujeito passivo" a legislação aduaneira (Decreto-Lei 1.455/1976 e Regulamento Aduaneiro) não cuida, exclusivamente, do acobertamento da existência de um agente empresarial, mas, também e mais destacadamente, da dissimulação do interesse econômico e responsabilidade pela importação, daí dizer-se sobre simulação e interposição fraudulenta. 3. À míngua de qualquer documentação específica, seja sobre autuações sofridas ou robustez financeira da agravante, não restou comprovada a alegada redução do faturamento, comprometimento de atividades e pagamentos salariais, bem como qualquer dano grave, iminente e concreto a demandar tutela provisória no feito de origem, para fim de garantia de utilidade de eventual provimento do pedido inicial. 4. Agravo de instrumento desprovido.

 

Veja-se, portanto, que a pretendida liberação liminar das mercadorias seria, sim, satisfativa e irreversível. O propósito do Fisco com a aplicação da pena de perdimento não é arrecadação de valores (até porque o perdimento impede a incidência da tributação), mas coibir prática tida por danosa ao regramento pátrio de comércio exterior. Note-se que aplicação de multa de 10% do valor aduaneiro não produz, evidentemente, tal efeito, já que sequer inviabiliza a lucratividade da operação. Mesmo a sanção no valor integral da mercadoria teria conotação meramente indenizatória, já que perfectibilizada a internalização identificada como fraudulenta, produzindo os efeitos negativamente valorados pela Administração, daí decorrentes.

Adiante, a alegação de que os prejuízos percebidos com o potencial perdimento de mercadorias não serão restritos ao aspecto financeiro – pois haveria desabastecimento de clientela e prejuízo de sua reputação e credibilidade – resta desprovido de qualquer elemento de prova nestes autos. Com efeito, em que pese a agravante alegue que há mera presunção da destinação das mercadorias internalizadas junto à ST Importações (muito embora evidenciado ser este o caso em mais de 99,999% das operações idênticas observadas pela Administração desde 2011), não há qualquer indicação nestes autos de que em algum momento houve revenda para outro cliente que não o grupo LASA de bens do qual o conglomerado detém a marca ("BRINK+" e "BASIC+"), tais como os apreendidos. Sendo este o caso, o único cliente a ficar desabastecido em tais operações, em princípio, é o próprio grupo LASA, não se avistando prejuízo à imagem comercial geral da agravante.

De maneira congênere, se, como afirmado, a agravante, por deter autonomia e finalidade negocial, possui outros clientes, não se avista como conclusão necessária que a interrupção da importação de mercadorias destinadas (ou usualmente destinadas que fossem) a um único par de interessados ensejaria o encerramento de suas atividades comerciais. Quando menos haveria que se demonstrar que a atividade econômica é inviável com supressão destes específicos clientes, o que, todavia, conflitaria com o discurso manejado para sustentar desvinculação empresarial e autonomia jurídica, conforme modelo negocial por anos preexistente.

Finalmente, as alegações vertidas por ocasião da juntada da Nota COANA 76/2020 aos autos não induzem reversão do entendimento acima. Como visto, conforme acervo probatório reunido até o momento, há suficientes evidências, para a etapa processual em exame, de simulação de cadeia negocial por concatenação de preços incompatíveis com o mercado, com consequente modificação das bases de cálculo da tributação incidente sobre os envolvidos. Não se trata de discutir se a existência de um “encomendante do encomendante” é lícita ou não, e sim de apontar que há aparente falseamento das operações negociais realizadas, o que, por si, já caracterizaria a fraude.

Desta maneira, improcedentes todas as alegações meritórias vertidas pela agravante e sendo certo que mesmo a previsão de alienação de bens apreendidos na pendência de processo judicial (Portaria RFB 3.010/2011, art. 2º, § 1º, I) exige decisão administrativa definitiva, da qual não se tem notícia nos autos, restam ausentes ambos os requisitos cumulativos da tutela requerida.

Ante ao exposto, julgo prejudicados os embargos de declaração e nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS POR ENCOMENDA. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. PROPOSIÇÃO DE PENA DE PERDIMENTO. EVIDÊNCIA PERFUNCTÓRIA DE FRAUDE A PARTIR DE SIMULAÇÃO DE CADEIA NEGOCIAL. INTERPOSTA PESSOA. REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO DA TRIBUTAÇÃO INCIDENTE. AUTOS DE INFRAÇÃO BASEADO EM ESTUDO AMPLO DA INTER-RELAÇÃO NEGOCIAL DAS PESSOAS JURÍDICAS ENVOLVIDAS. VALIDADE DA INFERÊNCIA A PARTIR DE FATOS PRETÉRITOS, ACOMPANHADA DE PROVAS ATUAIS. DESCABIMENTO, NO CASO, DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA E IRREVERSÍVEL. RECURSO DESPROVIDO.

1. Prejudicados os embargos de declaração ao indeferimento da antecipação de tutela recursal, com o julgamento de mérito do recurso.

2. A simples assertiva de que o suposto terceiro interposto no procedimento de importação no caso em análise é pessoa jurídica autônoma, com finalidade negocial, e integrante de grupo econômico distinto daquele integrado pelas empresas apontadas como reais importadoras não interdita a conjecturação da existência ou não de fraude nas operações autuadas. A pretensão de estabelecer tal silogismo evidencia claro non sequitur, já que que nada impede que apenas parte das operações da agravante insira-se em expediente fraudatório à fiscalização aduaneira, sem prejuízo da regularidade geral das demais atividades praticadas. Pelo mesmo prisma, o fato de adimplir tributos não significa que não é possível existir dano ao Erário motivado por suas operações, pois, em verdade, tal assertiva não permite sequer concluir que a tributação incide sobre bases corretas.

3. É remansosa a jurisprudência da Corte no sentido de que o dano ao Erário não se caracteriza, necessária ou exclusivamente, por repercussão financeira em desfavor da Administração. Isto porque, notoriamente em sede de comércio exterior, a fiscalização não se presta somente ao recolhimento tributário, mas também ao controle da entrada e saída de mercadorias do país segundo o regramento próprio para tanto, que é informado por múltiplas necessidades, que variam desde vigilância sanitária até a indução de externalidades econômicas e resguardo de garantias constitucionais de isonomia legal (de modo a assegurar paridade de condições entre agentes econômicos) e livre iniciativa, afora proteção do mercado interno frente a efeitos predatórios decorrentes da composição do regramento do câmbio monetário face ao influxo de bens produzidos no exterior, dentre outros fins. Não por outra razão, aliás, empresas que atuam nesse ramo sujeitam-se à parâmetros de fiscalização distintos pelas autoridades fiscais.

4. Conforme documentação encartada aos autos, nas operações por encomenda analisadas pelo Fisco, o grupo LASA importa mercadorias (a partir de trading company integrante do grupo, a ST Importações), vende a terceiro (a agravante, parte de conglomerado diverso), e, logo a seguir, as recompra (a partir das varejistas LASA e B2W). A estranheza do arranjo comercial não é justificada pela afirmação da recorrente de que funciona como agente de distribuição e logística a fim de que LASA e B2W concentrem seus esforços empresariais no nicho de varejo em que atuam. Ora, se assim fosse, o que se teria é uma prestação de serviço de estocagem e distribuição, e não uma cadeia de compra e venda: a agravante não figuraria entre ST Importações e LASA e B2W (comprando da primeira e vendendo às segundas), mas sim após, recebendo em guarda mercadorias já internalizadas por outrem, para trato logístico – ou, quando menos, substituiria a ST Importações no procedimento de importação. Aliás, a própria existência de trading company no grupo LASA milita em desfavor da tese de especialização da atividade negocial na venda no mercado interno.

5. Ao que apurado, a importadora (que terceiriza tarefas, em cascata, a outras duas empresas em relação às quais a documentação nos autos aponta severos indícios de confusão patrimonial) pratica margem de preço tido por exorbitante na saída à agravante, embora indique remuneração baixíssima dentro desse acréscimo. A mercadoria adquirida reflete alto custo de aquisição de mercadoria na escrituração da recorrente (reduzindo a margem de lucro percebida) e apesar do altíssimo preço cumulado (que, em um ambiente competitivo aberto não seria atrativo à clientela), consegue-se vender a íntegra dos bens, precisa e novamente ao grupo LASA - que, nesta última fase, a partir de custo de aquisição acumulado extremamente elevado motivado essencialmente pelo preço majorado cobrado pelo próprio grupo na internalização por encomenda (que ali entra como faturamento e é diluído entre três empresas com turvas distinções entre si), reduziria sensivelmente a base de cálculo da tributação incidente: majorariam-se créditos de PIS e COFINS, diminuindo-se as bases de IRPJ e CSLL e deixando-se de cobrar IPI sobre a margem de lucro final, relativa à venda ao consumidor.

6. O cenário reúne, em cognição sumária, evidências de simulação (pela concatenação de preços sem lastro comercial e concorrencial, majorando artificialmente o CMV na cadeia, com interpolação da agravante no procedimento) que, dentro do mesmo grupo econômico, convolaria lucro na primeira etapa (auferido pela ST Importações e Orsilog e Fenícia, teoricamente prestadoras de serviços à primeira) em custo na terceira (quando da reaquisição das mercadorias pelo grupo LASA, vendidas pela agravante), motivando significante e generalizada alteração na base de cálculo da tributação.

7. A aparente engenhosa operação divisada não exige, para seu funcionamento, que o terceiro interposto seja pessoa ficta, sem finalidade comercial, ou que sofra prejuízo. Basta que concorde em integrar a cadeia (o que pode até permitir lucro), sem prejuízo de que funcione regularmente, de maneira concomitante, em outras operações com outros agentes comerciais.

8. A circunstância de que os autos de infração se valem de fatos anteriores para analisar a operação atual e aplicar a sanção contestada também não caracteriza qualquer vício. O relato da autoridade aduaneira meramente utiliza-se de prévias análises fiscais para descrever o panorama do relacionamento comercial das empresas envolvidas e, a partir de tais informações, examinar a importação presente. Nestes termos, há imputação consistente, baseada em fatos e elementos probatórios, inclusive relativos à operação atual, para formação preambular  de convicção quanto à infração. Conquanto seja correto afirmar que, a rigor, houve presunção de que as importações obstruídas seriam insertas no procedimento fraudulento descrito, certo é que, segundo o auto de infração, no período entre 2011 e 2016, de todas as importações por encomenda realizadas entre a agravante a a ST Importações, apenas 0,018% das operações realizadas entre 08/2012 e 12/2013 não resultaram em repasse integral de mercadorias às varejistas do grupo LASA. A este fato adiciona-se que os bens apreendidos são, segundo os Termos de Apreensão e Guarda Fiscal respetivos, de marcas proprietária do grupo LASA (“BASIC+” e “BRINK+”), sendo plenamente justificada a conclusão de que eram destinadas a tais empresas.

9. Ao oposto do alegado no recurso, o artigo 132, III, da Lei 9.279/1996 exige autorização do titular da marca para que outrem possa colocar seu produto no mercado interno e, assim, dar-lhe livre circulação. Logo, não há que se dizer que a autoridade aduaneira deveria ter provado a restrição (que decorre da lei). Caberia, em verdade, à recorrente demonstrar possuir autorização para comercialização dos produtos com outros clientes que não os detentores da marca.

10. A “ocultação” referida no artigo 23, V, do Decreto-lei 1.455/1976 não diz respeito, apenas, à camuflagem da própria existência material do interveniente real (como pessoa jurídica ou mesmo integrante da cadeia comercial), mas também, e com mais relevo, de sua responsabilidade pelo processo de importação. Precedente da Turma.

11. A pretendida liberação liminar das mercadorias seria satisfativa e irreversível. O propósito do Fisco com a aplicação da pena de perdimento não é arrecadação de valores (até porque o perdimento impede a incidência da tributação), mas coibir prática tida por danosa ao regramento pátrio de comércio exterior. Note-se que aplicação de multa de 10% do valor aduaneiro não produz, evidentemente, tal efeito, já que sequer inviabiliza a lucratividade da operação. Mesmo a sanção no valor integral da mercadoria teria conotação meramente indenizatória, já que perfectibilizada a internalização identificada como fraudulenta, produzindo os efeitos negativamente valorados pela Administração, daí decorrentes.

12. As alegações vertidas por ocasião da juntada da Nota COANA 76/2020 aos autos não induzem reversão do entendimento acima. Como visto, conforme acervo probatório reunido até o momento, há suficientes evidências, para a etapa processual em exame, de simulação de cadeia negocial por concatenação de preços incompatíveis com o mercado, com consequente modificação das bases de cálculo da tributação incidente sobre os envolvidos. Não se trata de discutir se a existência de um “encomendante do encomendante” é lícita ou não, e sim de apontar que há aparente falseamento das operações negociais realizadas, o que, por si, já caracterizaria a fraude.

13. A previsão de alienação de bens apreendidos na pendência de processo judicial (Portaria RFB 3.010/2011, art. 2º, § 1º, I) exige decisão administrativa definitiva, da qual não se tem notícia nos autos, pelo que não se evidencia, por ora, sequer, periculum in mora.

14. Embargos de declaração prejudicados e agravo de instrumento desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, julgou prejudicados os embargos de declaração e negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.