AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002881-39.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
AGRAVANTE: FABIO SILVEIRA ARETINI
Advogados do(a) AGRAVANTE: MILENA CAMACHO PEREIRA DA SILVA - SP212403, FABIO SILVEIRA ARETINI - SP227888
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002881-39.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA AGRAVANTE: FABIO SILVEIRA ARETINI Advogados do(a) AGRAVANTE: MILENA CAMACHO PEREIRA DA SILVA - SP212403, FABIO SILVEIRA ARETINI - SP227888 AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação ordinária, indeferiu “o pedido de antecipação de tutela de imediata posse no cargo de Analista Judiciário – Área Judiciária/A01, do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, nas vagas reservadas a portadores de deficiência, bem como de reserva de vaga ou de colocação de terceiro já nomeado em disponibilidade ou qualquer outra espécie de provimento horizontal”. Alegou o recorrente que: (1) na qualidade de deficiente auditivo - portador de otosclerose fenestral bilateral, doença genética e progressiva, sem cura -, concorreu, em 2013, às vagas para portadores de necessidades especiais referentes ao cargo de analista judiciário – área judiciária/A01 do TRT2, tendo sido aprovado na 22ª posição da lista específica de portadores de deficiência; (2) a enfermidade foi diagnosticada em 07/12/2007, submetendo-se, em razão do agravamento, a cirurgias em 04/12/2012, no ouvido esquerdo, com implantação de órtese, e 26/08 e 02/09/2014, no ouvido direito, com registro de perda auditiva superior a 50 decibéis nas frequências de 500Hz a 4.000Hz; (3) ocorre que "antes dos procedimentos cirúrgicos em ambos os ouvidos, eu possuía perda auditiva bilateral moderada, superior a 41 decibéis nas frequências de 500Hz a 4.000Hz, o que me outorga o direito subjetivo de inscrição em concursos públicos como deficiente (auditivo), eis que preenchidos os requisitos dispostos no Decreto 3.298/99, sendo absolutamente certo que o emprego de Tecnologia Assistiva (colocação de órtese em substituição aos ossículos do ouvido), para melhoria da audição com vista justamente à inclusão social e melhora da qualidade de vida, em total sintonia com a ideia de dignidade da pessoa humana, jamais poderia retirar minha qualidade de deficiente auditivo ou mesmo a possibilidade de utilização de qualquer outra ação afirmativa”, como, no caso, a reserva de vagas em concursos públicos (artigos 1º, II e III, 3º, I e IV, 4º, II, 5º, § 2º, e 37, VII, da CF; 1º, 16, III, 17, 18, §§ 2º e 4º, XI, 74 e 75, da Lei 13.146/2015; e 1º do Decreto 6.949/2009 - Convenção Sobre Direitos da Pessoa com Deficiência - Convenção de Nova Iorque); (4) foi nomeado ao cargo em 18/10/2017, em vaga reservada a deficientes, sujeita à realização de perícia para verificação do enquadramento na condição, o que ocorreu em 30/10/2017, na qual a respectiva Junta Médica concluiu pelo não enquadramento ao Decreto 3.298/1999, pois não demonstrada a perda auditiva bilateral superior a 41 decibéis e nas frequências de 500Hz a 3.000Hz, tendo sido tornada sem efeito a nomeação, conforme publicação no Diário Oficial da União de 28/11/2017; (5) “o MM Juízo a quo se utiliza de argumentos como ausência de dotação orçamentária, dúvida quanto à validade do certame e, ainda, sobre o provimento da vaga por terceiro”, quando é certo que a nomeação indica a validade do concurso e existência de dotação orçamentária, sendo que a nomeação de terceiro à vaga que ocupava não pode servir e obstáculo à reintegração se reconhecida a ilegalidade da decisão que tornou sem efeito a nomeação; (6) se o regramento aplicável garante o emprego de tecnologia assistiva, inclusive mediante próteses ou órteses, tal utilização pelo portador de deficiência não pode ser interpretada em seu prejuízo; (7) “o emprego de órtese ou prótese não cura a deficiência, servindo apenas como medida de suporte que melhora a condição do portador de deficiência, lembrando que este “suporte” têm justamente estas finalidades: inclusão, autonomia e independência”; (8) para exame do enquadramento da deficiência auditiva aos termos do Decreto 3.298/1999 devem ser considerados os níveis de perdas auditivas existentes antes das cirurgias a que submetido, verificados nos exames de audiometrias realizados anteriormente (IDs 21222346 e 21226374), até porque tal legislação não indica o momento em que deve ser realizada tal aferição, donde se conclui que “basta a demonstração/comprovação das perdas nele previstas em algum momento da existência humana para que subsista o enquadramento na qualidade de deficiente auditivo”; (9) do contrário, “seria dizer que eu devesse permanecer com perda auditiva bilateral superior a 50 decibéis, amargurando diariamente a progressão da doença com todas as dificuldades diárias daí decorrentes até a surdez absoluta, apenas para poder participar nos concursos públicos dentro das vagas reservadas”, assim como “seria impor a permanência daquele que não possui uma das pernas na cadeira de rodas, mesmo que pudesse ser utilizada uma prótese para devolução da mobilidade, como condição para participação nos concursos públicos dentro das vagas reservadas”; (10) a melhoria da qualidade de vida do portador de deficiência, mediante adoção de qualquer espécie de tecnologia assistiva ou ação afirmativa é inerente ao resguardo da dignidade da pessoa humana, constituindo opção individual que não pode sofrer ingerência alheia, sobretudo do Estado; e (11) o ato administrativo impugnado implicou também violação à isonomia em relação a outros portadores de deficiência que optaram por outra forma de tecnologia assistiva, como as próteses auditivas (aparelho auditivo), que são externas, visíveis e móveis, enquanto a órtese decorrente da estapedectomia é permanente e invisível. Houve contraminuta. Peticionou novamente o agravante, sustentado que a prova pericial, defendida em contraminuta, seria inócua no caso após a realização das cirurgias, não havendo “possibilidade de proceder-se ao referido exame, ao menos não de forma direta”; e que existe prova documental suficiente a amparar a pretensão. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002881-39.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA AGRAVANTE: FABIO SILVEIRA ARETINI Advogados do(a) AGRAVANTE: MILENA CAMACHO PEREIRA DA SILVA - SP212403, FABIO SILVEIRA ARETINI - SP227888 AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Senhores Desembargadores, o agravante concorreu às vagas destinadas a portadores de deficiência referentes ao cargo de analista judiciário – área judiciária/A01 do Tribunal Regional do trabalho da 2ª Região, cujo edital de abertura assim dispôs (ID 123860155, f. 47/81): “[...] IV. DAS INSCRIÇÕES 1. A inscrição do candidato implicará o conhecimento e aceitação das normas e condições estabelecidas neste Edital, em relação às quais não poderá alegar desconhecimento. [...] V. DAS INSCRIÇÕES PARA CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA [...] 3. Consideram-se pessoas com deficiência aquelas que se enquadram nas categorias referidas no artigo 4º do Decreto Federal nº 3.298/99 e suas alterações, e na Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça - STJ. [...] 7. No ato da inscrição o candidato com deficiência deverá: 7.1 Declarar conhecer o Decreto nº 3.298/99, o Decreto nº 5.296/2004 e a Instrução Normativa nº 07/96 – TST. [...] 8. O candidato com deficiência que não realizar a inscrição conforme instruções constantes deste Capítulo não poderá interpor recurso administrativo em favor de sua condição. 9. O candidato com deficiência, se classificado na forma deste Edital, além de figurar na lista de classificação geral, terá seu nome constante da lista específica de candidatos com deficiência, por Cargo/Área/Especialidade. 10. O candidato com deficiência aprovado no Concurso, quando convocado, deverá apresentar documento de identidade original, submeter-se à avaliação a ser realizada pela Junta Médica Oficial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ou por ele credenciada, objetivando verificar se a deficiência se enquadra na previsão do art. 4º, e seus incisos do Decreto Federal nº 3.298/1999 e suas alterações, nos termos dos artigos 37 e 43 do referido Decreto nº 3298/99 e na Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Enunciado AGU nº 45, de 14/09/2009, observadas as seguintes disposições: 10.1 A avaliação de que trata este item, de caráter terminativo, será realizada por equipe prevista pelo art. 43 do Decreto Federal nº 3.298/1999 e suas alterações. 10.2 A avaliação ficará condicionada à apresentação, pelo candidato, de documento de identidade original e terá por base o Laudo Médico encaminhado no período das inscrições, conforme item 5 deste Capítulo, atestando a espécie e o grau ou nível de deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças – CID, bem como a provável causa da deficiência. 10.3 Não haverá segunda chamada, seja qual for o motivo alegado para justificar o atraso ou a ausência do candidato com deficiência à avaliação tratada no item 10. 10.4 Se a deficiência do candidato não se enquadrar na previsão do art. 4º e seus incisos do Decreto Federal nº 3.298/1999 e suas alterações e na Súmula 377/2012-STJ o candidato será eliminado da lista de candidatos com deficiência e passará a figurar apenas na lista geral por Cargo/Área/Especialidade em igualdade de condições com os demais candidatos. 10.4.1 O candidato será eliminado do certame, na hipótese de ter sido classificado em posição superior aos limites constantes no Capítulo IX deste Edital. [...] XIV. DO PROVIMENTO DOS CARGOS/ÁREAS/ESPECIALIDADES [...] 8. Além da apresentação dos documentos relacionados no item 7 deste Capítulo, a posse do candidato ficará condicionada à realização de inspeção médica, mediante a apresentação do laudo médico de sanidade física e mental expedido pela equipe de saúde do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 8.1 Os candidatos habilitados para vagas reservadas aos deficientes também deverão cumprir o disposto no item 8, sem prejuízo das exigências estabelecidas no Capítulo V deste Edital. 8.2 Dado o seu caráter eliminatório, o não comparecimento à inspeção médica na data e horário agendados pela Administração implicará a sua eliminação do Concurso. [...] 11. A falta de comprovação de quaisquer dos requisitos para investidura até a data da posse ou a prática de falsidade ideológica em prova documental tornará sem efeito o respectivo ato de nomeação do candidato, sem prejuízo das sanções legais cabíveis. XV. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS 1. A inscrição do candidato implicará o conhecimento das presentes instruções e aceitação das condições do Concurso, tais como se acham estabelecidas neste Edital e nas normas legais pertinentes, bem como em eventuais aditamentos e instruções específicas para a realização do certame, acerca das quais não poderá alegar desconhecimento. [...]” Como se extrai das regras editalícias, sobretudo das destacadas, o agravante tinha pleno conhecimento e aceitação de que, quando da nomeação, seria submetido à avaliação pericial para exame da condição de portador de deficiência, pois os laudos médicos anteriores utilizados na inscrição serviriam apenas de base à perícia. Portanto, não procede a pretensão recursal do agravante, sobretudo nesta fase limiar do processo, de fazer valer como definitivos e suficientes à configuração da deficiência alegada os laudos médicos de 19/09/2012 e 22/05/2014 (IDs 21222346 e 21226374 da ação originária), desprezando integralmente a inspeção médica realizada, em 30/10/2017, especificamente para tal finalidade no âmbito do concurso em questão. A propósito, na ação originária, informou a Seção de Atendimento Médico e Perícias da Secretaria de Saúde do TRT/2R que “a atuação da junta médica oficial (JMO) está limitada ao Princípio da Legalidade Administrativa, obedecendo, estritamente, aos critérios audiométricos para enquadramento, definidos no Decreto supracitado [Decreto 3.298/1999]. Ademais, do ponto de vista médico legal, a deficiência auditiva, apontada nos exames anteriores, não estava consolidada, posto que é fato que houve melhora com o tratamento instituído” (ID 33826108 da ação originária), conforme constatado na ocasião (ID 123760155, f. 127/9). Assim, se a melhora alcançada com o tratamento realizado pelo agravante significa ou não cura da enfermidade antes detectada, para fins de configuração da condição de deficiente e utilização das vagas reservadas a portadores de deficiência em concurso público, é questão que não se encontra, ainda, definida nos autos. Vale registrar, por fim, que a tutela pretendida, em caráter precário, é satisfativa da pretensão meritória final, já que o agravante requer, ab initio, a imediata posse no cargo. Se já não fosse inviável provimento jurisdicional com tal eficácia em fase inicial do processo (tanto mais pela repercussão financeira imediata à União), com mais razão justifica-se afastar tal providência diante da relevante controvérsia sobre o direito suscitado. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. VAGAS DESTINADAS A PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. INSPEÇÃO MÉDICA. NÃO ENQUADRAMENTO NA CONDIÇÃO ESPECIAL.
1. Como se extrai das regras editalícias, o agravante tinha pleno conhecimento e aceitação de que, quando da nomeação, seria submetido à avaliação pericial para exame da condição de portador de deficiência, pois os laudos médicos anteriores encaminhados para inscrição serviriam apenas de base à perícia.
2. Portanto, não procede a pretensão recursal do agravante, sobretudo nesta fase limiar do processo, de fazer valer como definitivos e suficientes à configuração da deficiência alegada os laudos médicos de 19/09/2012 e 22/05/2014, desprezando integralmente a inspeção médica realizada, em 30/10/2017, especificamente para tal finalidade no âmbito do concurso em questão.
3. A propósito, na ação originária, informou a Seção de Atendimento Médico e Perícias da Secretaria de Saúde do TRT/2R que “a atuação da junta médica oficial (JMO) está limitada ao Princípio da Legalidade Administrativa, obedecendo, estritamente, aos critérios audiométricos para enquadramento, definidos no Decreto supracitado [Decreto 3.298/1999]. Ademais, do ponto de vista médico legal, a deficiência auditiva, apontada nos exames anteriores, não estava consolidada, posto que é fato que houve melhora com o tratamento instituído”, conforme constatado na ocasião.
4. Se a melhora alcançada com o tratamento realizado pelo agravante significa ou não cura da enfermidade antes detectada, para fins de configuração da condição de deficiente e utilização das vagas reservadas a portadores de deficiência em concurso púbico, é questão que não se encontra, ainda, definida nos autos para autorizar a antecipação dos efeitos da tutela, como pretendido.
5. A tutela pretendida, em caráter precário, é satisfativa da pretensão meritória final, já que o agravante requer, ab initio, a imediata posse no cargo. Se já não fosse inviável provimento jurisdicional com tal eficácia em fase inicial do processo (tanto mais pela repercussão financeira imediata à União), com mais razão justifica-se afastar tal providência diante da relevante controvérsia sobre o direito suscitado.
6. Agravo de instrumento desprovido.