HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5016290-82.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
PACIENTE: ADELEKE ANTHONY FOTE
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 4ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5016290-82.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 4ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de ADELEKE ANTHONY FOTE, para que seja determinada a revogação da prisão preventiva do paciente nos Autos nº 0012226-69.20184.03.6181 em trâmite perante a 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP. A impetrante alega, em síntese, que: a) o paciente foi denunciado porque em 14/08/2014 teria remetido à Etiópia, encomenda contendo 88 g de cocaína; b) em 14/11/2014, o juízo a quo aplicou medidas cautelares de proibição de ausentar-se da Comarca e comparecimento trimestral em juízo, bem como determinou a notificação do paciente para apresentação de defesa prévia; c) o paciente não foi ouvido no inquérito policial, bem como não foi localizado em nenhum dos endereços fornecidos pela acusação, portanto não tinha ciência das medidas cautelares impostas ou da acusação que pesa contra si; d) após última tentativa de notificação, também infrutífera, ocorrida em janeiro de 2020, a autoridade impetrada determinou a intimação de defesa prévia por Edital, cujo prazo decorreu in albis; e) atendendo a pedido do Ministério Público Federal, a autoridade impetrada decretou a prisão do réu por ter descumprido as medidas cautelares (decretadas há mais de quatro anos após os fatos) e nomeou a DPU para oferecimento de defesa prévia; f) não há descumprimento de medidas cautelares quando a intimação para seu cumprimento é ficta (Edital), bem como não se pode decretar a prisão para citação do réu, mas apenas suspender o prazo prescricional, nos termos do art. 366, do Código de Processo Penal. g) há desproporcionalidade da prisão decretada frente a pandemia no novo coronavírus - COVID-19, tendo em vista que o suposto delito foi cometido sem violência ou grave ameaça e em quantidade ínfima de droga. Requer a impetrante, assim, a revogação da prisão preventiva do paciente, expedindo-se o competente alvará de soltura, caso a prisão já tenha sido efetivada. Não foram juntados documentos aos autos. É o relatório.
PACIENTE: ADELEKE ANTHONY FOTE
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5016290-82.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 4ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Consta dos autos que o paciente foi denunciada pela prática do delito previsto no art. 33, c.c art. 40, inc. I, ambos da Lei 11.343/2006, na forma do art.71, do Código Penal, por ter enviado, 14/08/2014, encomenda à Etiópia contento 88g (oitenta e oito gramas) de cocaína. De início cabe salientar que na ação constitucional de habeas corpus, a cognição é sumária, ou seja, não há fase instrutória, razão pela qual somente se admite o exame da prova pré-constituída que acompanha a impetração. Assim, a despeito da ausência de formalismo (art. 654 do CPP), a inicial deve sempre vir acompanhada de documentos suficientes à compreensão e à comprovação do alegado. No presente caso não foram juntados quaisquer documentos aos autos para que este Juízo pudesse verificar a veracidade das alegações da impetrante, mormente sobre ausência de interrogatório do paciente na fase inquisitorial. Contudo, conforme se observa do andamento do processo originário no primeiro grau, quando ainda físico e após a sua digitalização para o PJe, a autoridade proferiu a seguinte decisão após oferecimento da denúncia pela acusação, em 2018: “Trata-se de denúncia oferecida contra a acusada ADELEKE ANTHONY FOTE, como incursa nas penas do art. 33, c.c art. 40, inc. I, ambos da Lei 11.343/2006, na forma do art.71, do Código Penal. Tendo em vista que o delito imputado à indiciada está previsto na Lei nº 11.343/06, determino a notificação da ré para que constitua advogado ou este Juízo lhes nomeará Defensor Público para apresentar defesa preliminar, ocasião em que poderá arguir preliminares e invocar todas as razões da defesa, bem como oferecer documentos e justificações, especificar provas pertinentes e arrolar testemunhas, nos termos do artigo 55, caput e 1º da referida Lei, no prazo de 10 (dez) dias. Na hipótese de não localização da denunciada, determino que a Secretaria providencie pesquisa junto ao sistema BACENJUD, a fim de localizar novo endereço para fins de intimação. Desde já, advirto que a defesa preliminar supre a resposta à acusação prevista no art. 396 do Código de Processo Penal. Requisitem-se as folhas de antecedentes criminais da denunciada, bem como as certidões do que nelas constar. Outrossim, tendo em vista estar comprovada materialidade do delito e indícios de autoria ( auto de apreensão à fl.06, Laudo de Pericia Criminal às fl.3032, laudo de fls.14/15, FAC à fl93), assim como em razão da gravidade do delito, somado ao fato de que a acusada já possui outro apontamento pelo delito de tráfico, DEFIRO a aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, requeridas pelo parquet federal ( FL.107) , quais sejam;1) Proibição de ausentar-se da Comarca por mais de 08 ( oito) dias, sem prévia comunicação deste juízo;2) Comparecimento trimestral em juízo para comprovar suas atividades. Outrossim, é de se ressaltar que nos termos do artigo 312, Parágrafo único do CPP, se houver o descumprimento de qualquer uma dessas condições, será imediatamente convolada a medida cautelar em prisão preventiva. Finalmente, quanto à incineração da droga apreendida e destruição dos petrechos, considerando a ausência de controvérsia, no curso do processo, sobre a quantidade ou a natureza da substância apreendida e dos petrechos apreendidos, bem como sobre a regularidade dos respectivos laudos, proceda-se nos termos do artigo 50, 4º, c/c artigo 72, ambos da Lei nº 11.343/06, devendo ser oficiado à Polícia Federal para proceder à incineração do restante da droga apreendida, acautelada como contraprova, bem como a destruição dos eventuais petrechos apreendidos que não tenham sido previamente destruídos. Dê-se ciência ao Ministério Público Federal. Notifique-se.” Note-se pelo andamento processual que todas as tentativas de intimação do paciente em relação à decisão acima foram negativas. Assim, após Manifestação do Ministério Público Federal, a autoridade impetrada exarou despacho deferindo a notificação do réu a fim de que, dentro do prazo de 10 (dez) dias, constituísse advogado ou solicitasse a nomeação de um Defensor Público para apresentar defesa prévia. Diante do decurso do prazo do Edital sem manifestação, acatando requerimento do Ministério Público Federal a autoridade impetrada proferiu decisão, em 01/06/2020, nos seguintes termos: “Trata-se de pedido formulado pelo parquet federal solicitando a suspensão da ação penal, nos termos do art.366, do CPP, tendo em vista que o réu foi citado por edital e quedou-se inerte. Ademais, requereu a decretação de prisão preventiva ADELEKE ANTHONY FOTE , sob a alegação de que o réu descumpriu as medidas cautelares impostas na ocasião da concessão de sua liberdade provisória. ADELEKE ANTHONY FOTE foi denunciado como incurso nas penas do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006, porque, no dia 14 de agosto de 2014, remeteu, à Etiópia, 88g (oitenta e oito gramas) de cocaína, substância entorpecente que causa dependência física e/ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal (ID 24823717 – fls. 02/05). Foi proferida decisão por este juízo determinado a notificação do denunciado para apresentação de defesa prévia. No mesmo ato, esse MM. Juízo, com fulcro no artigo 319 do CPP, impôs ao denunciado as seguintes medidas cautelares: (i) proibição de ausentar-se da Comarca por mais de 08 dias, sem prévia comunicação ao Magistrado e (ii) comparecimento trimestral em juízo para comprovação de suas atividades (ID 24823717 – fls. 06/08). Todavia, tendo em vista que o réu não foi localizado para fins de apresentação de defesa prévia, foi determinada a sua notificação por edital. É o relatório. Decido. De início, ressalto que não há que se falar em suspensão do processo, nos termos do art.366, do CPP, conforme requerido pelo parquet federal. Isto porque, para aplicação da suspensão prevista no art.366, do CPP é necessário o recebimento da denúncia e a frustrada tentativa de citação do acusado por edital, o que não ocorreu no presente caso. Frise-se que a notificação por edital do réu-que ocorreu no presente caso- não se confunde com a citação por edital Assim, inicialmente nomeio a Defensoria Pública da União para atuar em defesa do acusado e apresentar defesa preeliminar, nos termos do artigo 55, "caput" e §1° da Lei 11.343/06. Por outro lado, verifico estarem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, quais sejam, indícios de materialidade e autoria – fumus comissi delicti – e risco à aplicação da lei penal ou instrução processual – periculum libertatis. Há prova da materialidade delitiva (Auto de Apreensão (fls. 06) e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 3032), que atestou ser cocaína o material remetido por ADELEKE ao exterior, assim como indícios de autoria diante do Laudo Papiloscópico (fls. 14/15), bem como por sua folha de antecedentes que demonstra a ocorrência de outro delito de tráfico internacional de drogas (fls. 93). Ademais, presentes os requisitos cautelares que dizem respeito ao chamado periculum libertatis, consubstanciados na garantia da aplicação da lei penal. Dessume-se dos autos que o acusado não compareceu na secretaria deste juízo para assinar o termo de compromisso , além de não ter sido localizado no endereço fornecido por ele na ocasião do seu depoimento em sede policial, descumprindo as medidas cautelares determinadas na decisão de fls. 06/8, ID nº 24823717. Ressalta-se que foram realizadas várias tentativas de localização do acusado ; em junho de 2019 ( fl.10, ID 24823718), em agosto de 2019 ( Fls.07/08 ID 24823719) e em dezembro de 2019 ( Fl.05, ID 26336533). Destarte, o risco à aplicação da lei penal se configura pelo descumprimento das obrigações impostas. Note-se que a prisão preventiva tem natureza cautelar e, portanto, é eminentemente baseada no risco. Dizer inexistir risco no presente momento é, no mínimo, temerário. Nesse contexto, o fato de o acusado ter deixado de comunicar a mudança de endereço informado na ocasião do seu depoimento em sede policial, assim como pelo fato de ter deixado de comparecer neste juízo para firmar termo de compromisso, leva a concluir que a prisão preventiva é a única medida capaz de assegurar a aplicação da lei penal. Ante o exposto, decreto a prisão preventiva de ADELEKE ANTHONY FOTE, expedindo-se o competente MANDADO DE PRISÃO. Intime-se.” Está configurado o alegado constrangimento ilegal. O fato delituoso imputado ao paciente ocorreu em 14/08/2014 e durante todo o tempo transcorrido, desde o início de instauração do inquérito logo após a ocorrência do fato delituoso (2005), não houve a necessidade de prisão cautelar ou sua substituição por medidas cautelares alternativas à prisão. Contudo, referidas medidas diversas da prisão, que são aplicadas nos casos de substituição à prisão preventiva e quando presentes algum dos requisitos previstos no art. 312, do CPP, foram fixadas pela autoridade impetrada somente em novembro de 2018 em razão da gravidade do delito, somado ao fato de que o acusado já possuía outro apontamento pelo crime de tráfico, ou seja, quatro anos após a data dos fatos, não fundamentando sua decisão em fatos contemporâneos. Assim, sem adentrar ao mérito de eventual notificação ficta para ciência das medidas cautelares, não há que se falar em seu descumprimento. Por outro lado, na decisão exarada em 01/06/2020, a autoridade fundamenta o decreto prisional, ainda, na necessidade de aplicação da lei penal pelo fato de o paciente ter deixado de comunicar a mudança de endereço, informado na ocasião do seu depoimento em sede policial, não tendo sido localizado para intimação nas várias tentativas realizadas em junho de 2019, em agosto de 2019 e em dezembro de 2019. Nesse contexto, cabe lembrar que a Organização Mundial da Saúde – OMS, decretou a pandemia do novo coronavíruos – COVID-19, no dia 11/03/2020. Após esse fato, no dia 17/03/2020, por meio da Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, foi sugerida a reavaliação das prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias, ou que estejam relacionadas a crimes sem violência ou grave ameaça à vítima. Na sequência, o Plenário do STF, ao analisar o pedido cautelar da ADPF 347, no dia 18/03/2020, divergiu em parte da decisão do relator, Min marco Aurélio Mello, no tocante à conclamação aos juízes de Execução Penal a adotarem, junto à população carcerária procedimentos preventivos do Ministério da Saúde para evitar o avanço da doença dentro dos presídios, dentre eles, a orientação anteriormente citada, constante da recomendação 62, do CNJ. A partir desse posicionamento do STF, as situações devem ser analisadas caso a caso. Além disso, a recomendação atual das autoridades de saúde é o isolamento social, para todas as pessoas, estejam elas privadas de liberdade por decisão judicial ou não, a fim de impedir a propagação do novo coronavírus. Entendo, assim. que a prisão preventiva não deverá prevalecer nos casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, aplicando-se, com primazia, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319, do Código de Processo Penal a fim de evitar o alastramento da doença nas prisões, cujo pensamento está em conformidade com a recente Recomendação n. 62/2020 do CNJ. A teor do art. 282, § 6° do Código de Processo Penal, a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. Assim, diante das peculiaridades do caso concreto, onde o delito não foi praticado com violência ou grave ameaça pelo paciente, considerando, ainda, o cenário atual decorrente da pandemia do coronavírus com possibilidade de eventual contágio do Covid-19 no âmbito dos estabelecimentos do sistema prisional em razão da notória superlotação, vislumbro a possibilidade de adoção de medidas cautelares alternativas, as quais se mostram suficientes para assegurar a aplicação da lei penal e para evitar a prática de infrações penais. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus requerida e revogo a prisão preventiva de ADELEKE ANTHONY FOTE, decretada nos autos nº 0012226-69.20184.03.6181, em trâmite na 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, substituindo-a pelas seguintes medidas cautelares, sem prejuízo de reavaliação após a crise: a) comparecimento a todos os atos do processo, devendo indicar o endereço onde pode ser intimado, mesmo que seja em eventual abrigo de acolhimento, no prazo de 30 dias após expedição de alvará, caso já tenha sido cumprido o mandado de prisão; b) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga se o paciente tiver residência e trabalho lícitos; c) proibição de mudar de endereço sem informar a Justiça Federal, assim como de ausentar-se do respectivo domicílio, por mais de uma semana, sem prévia e expressa autorização do juízo; d) proibição de se ausentar do País sem prévia e expressa autorização judicial, devendo entregar seu passaporte. Alerte-se ao paciente que, caso não sejam suficientes as medidas alternativas, ou, no caso de descumprimento da obrigação imposta, o Juízo poderá novamente decretar a sua prisão, de acordo com o artigo 282, § 4º, do Código de Processo Penal. As medidas cautelares ora impostas poderão ser, a qualquer tempo, modificadas ou adaptadas, justificadamente, pela autoridade impetrada. É o voto.
PACIENTE: ADELEKE ANTHONY FOTE
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FALTA DE CONTEMPORANEIDADE DOS FATOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A decretação da prisão cautelar deverá estar fundamentada na existência de fatos atuais, capazes de comprovar a imprescindibilidade da medida, sendo que fatos antigos não justificam a preventiva.
2. A teor do art. 282, § 6° do Código de Processo Penal, a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar.
3. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente, substituindo-se por medidas cautelares, nos termos do voto.