Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022178-35.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: BONIFACIO RICARDO BARBOSA

Advogado do(a) APELADO: ERNANI SOARES MARQUES DE SOUSA - SP100612-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022178-35.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: BONIFACIO RICARDO BARBOSA

Advogado do(a) APELADO: ERNANI SOARES MARQUES DE SOUSA - SP100612-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por BONIFÁCIO RICARDO BARBOSA, objetivando a restituição dos valores descontados indevidamente de benefício previdenciário e o recebimento de indenização por danos morais.

 

A r. sentença, prolatada em 30/03/2015, julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial, para condenar o INSS a indenizar os danos morais sofridos pelo demandante, fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e a restituir os valores descontados indevidamente de seu benefício, durante o período de fevereiro de 2007 a agosto de 2008, tudo acrescidos de correção monetária e juros de mora. A Autarquia Previdenciária ainda foi condenada a arcar com custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados estes últimos em 10% (dez por cento) do valor da condenação.

 

Em suas razões recursais, o INSS requer, preliminarmente, a observância do reexame necessário, a nulidade da sentença, por violação ao princípio da congruência, e o reconhecimento de sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo na qual se discute a invalidade de consignação efetuada em benefício previdenciário para o pagamento de empréstimo bancário. Afirma ainda estar prescrita a pretensão ressarcitória. No mérito, pugna pela reforma do r. decisum,  ao fundamento de que não foi demonstrada a ilegalidade no desconto efetuado na aposentadoria do demandante.

 

Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022178-35.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: BONIFACIO RICARDO BARBOSA

Advogado do(a) APELADO: ERNANI SOARES MARQUES DE SOUSA - SP100612-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Inicialmente, verifico que a sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 30/03/2015, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.

 

De acordo com o artigo 475 do CPC/73:

 

"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente."

 

No caso, o INSS foi condenado a restituir os valores consignados no benefício previdenciário recebido pelo demandante, durante o período de fevereiro de 2007 a agosto de 2008, e a indenizar os danos morais por ele sofridos, tudo isso acrescido de correção monetária, juros moratórios e honorários advocatícios.

 

Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo retromencionado e da Súmula nº 490 do STJ.

 

Não merece prosperar, contudo, a alegação de ilegitimidade passiva suscitada pela Autarquia Previdenciária.

 

Em que pese a petição inicial não prime pela clareza da exposição fática e jurídica, a delimitação do período em que ocorreram os descontos, mediante o exame do extrato do benefício que acompanha a exordial, permite concluir que a irresignação se refere aos descontos efetuados pelo INSS para ressarcir o erário de valores recebidos indevidamente pelo demandante.

 

Desse modo, constatada a ausência de vinculação entre a causa de pedir e o contrato firmado pelo autor com o Banco do Brasil, em maio de 2012, a discussão acerca da ilegitimidade passiva do INSS para responder por danos decorrentes da referida convenção se mostra impertinente. 

 

Outrossim, não merece prosperar a alegação de prescrição da pretensão ressarcitória.

 

Depreende-se dos extratos do HISCREWEB que o último desconto no benefício do autor foi efetivado em agosto de 2008 (ID 104288909 - p. 83). Por outro lado, a presente ação foi ajuizada em 26/08/2013. Assim, como não transcorreram mais de cinco anos entre o ato impugnado e a propositura desta demanda, conforme preconiza o artigo 103 da Lei n. 8.213/91, não se pode falar em prescrição da pretensão ora deduzida. 

 

Por fim, no que se refere à arguição de violação ao princípio da congruência, cumpre salientar que o Juízo não deve pronunciar a nulidade quando puder julgar o mérito da causa em favor da parte que foi prejudicada pela prática do ato processual inválido, nos termos do então vigente artigo 249, §2º, do Código de Processo Civil de 1973, in verbis:

 

"Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados.

§ 1 o O ato não se repetirá nem se Ihe suprirá a falta quando não prejudicar a parte.

§ 2 o Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta." (g. n.) 

 

Superada a matéria preliminar, avanço ao mérito.

 

Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício assistencial, na seara administrativa.

 

O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:

 

"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."

 

Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

 

A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

 

Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:

 

"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

(...)

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)"

 

Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

 

Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

 

In casu, depreende-se da petição inicial e da réplica à contestação que a parte autora alega ter sido vítima da ação de criminosos que contrataram, junto a instituição "Tigre Lotérico II", empréstimo bancário em seu nome, o que resultou no desconto indevido de parte dos proventos de sua aposentadoria, durante o período de janeiro de 2008 a agosto de 2009. A única evidência por ele apresentada para sustentar essa tese foi o extrato de pagamento do benefício, no qual há o registro de descontos mensais, a título de consignação, no valor médio de R$ 500,00 (quinhentos reais), efetuados no período de janeiro a junho de 2008.

 

Todavia, a prova documental apresentada pelo INSS infirma a tese sustentada pelo demandante. Realmente, no extrato do Sistema Único de Benefícios anexado aos autos (ID 104288909 - p. 58), estão registradas apenas duas consignações no histórico da aposentadoria por tempo de contribuição recebida pelo autor (NB 135476192-5): uma relativa à cobrança autárquica de valores por ele recebidos indevidamente, nos termos do artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91, e outra referente a contrato de empréstimo bancário firmado pelo autor junto ao Banco do Brasil, sob o número 793855205, objetivando obter o crédito de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a serem pagos a partir de maio de 2012. 

 

Assim, não há indício material algum de que o autor foi vítima da ação de criminosos que contrataram empréstimo bancário em seu nome. Na verdade, a denominação "Tigre Lotérico II", presente nos extratos do HISCREWEB, refere-se à identificação do posto da Caixa Econômica no qual foram efetuados os pagamentos da aposentadoria ao demandante. Neste sentido, provavelmente se trata de referência histórica ou ao bairro da cidade de Salto onde está situada ou mesmo ao nome fantasia da lotérica. O referido documento explicita o destinatário da quantia subtraída, já que discrimina o desconto com a sugestiva denominação "consignação débito com INSS" (ID 104288909 - p. 65).

 

No mais, o autor não apresentou evidência alguma de que o desconto efetuado pelo INSS, a fim de ressarcir o pagamento indevido de benefício previdenciário, padece de ilegalidade. A propósito, extrai-se do extrato do Sistema Único de Benefícios anexado aos autos que o desconto obedeceu ao limite legal de 30% (trinta por cento), previsto nos artigos 115, II e §1º da Lei n. 8.213/91 e 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99.

 

Por fim, cumpre salientar que os atos praticados pelo INSS gozam de presunção de legalidade, pois são praticados por agentes do estado que gozam de fé pública e balizam suas condutas pelo princípio da impessoalidade. Assim, nulidades processuais na condução do processo administrativo que ensejou o desconto devem ser demonstradas pelas parte prejudicada, ônus este do qual o demandante não se desincumbiu a contento neste feito, olvidando o disposto no então vigente artigo 333, I, do Código de Processo Civil de 1973.

 

Ao insistir na tese de ter sido vítima de uma quadrilha de criminosos, a questão relativa à motivação do desconto pelo INSS sequer foi abordada, de modo que não há substrato probatório, argumentativo ou jurídico para o acolhimento da pretensão de ressarcimento ora vindicada, devendo prevalecer a presunção de legalidade do ato administrativo impugnado.

 

Neste sentido, trago à colação os seguintes precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça em casos análogos, nos quais o particular não apresentou evidência robusta da invalidade do ato administrativo impugnado:

 

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO PROCESSANTE. ALEGAÇÃO DE PRESENÇA DE SERVIDORES NÃO ESTÁVEIS. NÃO COMPROVAÇÃO. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. ORDEM DENEGADA.

1. - A controvérsia posta nestes autos é limitada ao plano dos fatos e consiste em saber se, por ocasião da indicação para compor o trio processante do processo disciplinar, os servidores indicados eram ou não estáveis no serviço público.

2. - No caso dos autos, as provas apresentadas enfraquecem as alegações do impetrante, autorizando inferir que os integrantes da comissão disciplinar adquiriram estabilidade em 2009, pelo que puderam licitamente exercer as funções que lhe foram atribuídas em 2013 e 2014.

3. - "A notória impossibilidade de dilação probatória, quando já em curso a ação mandamental, inviabiliza o acolhimento das alegações não suportadas em provas documentais inequívocas, apresentadas já com a exordial, ou com as informações oportunamente prestadas pela autoridade impetrada" (AgInt no RMS 58.405/SP, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, DJe de 22/03/2019).

4. - Ademais, gozam os atos administrativos de presunção de legitimidade e legalidade, atributos que, embora não se mostrem absolutos, não podem ser afastados senão mediante prova robusta a ser apresentada por quem os contesta, de onde não prosperar o esforço do impetrante para colocar em dúvida, sem prova documental convincente, a validade da avaliação de desempenho que conferiu estabilidade aos servidores designados para compor a Comissão do Processo Administrativo Disciplinar.

5. - Ordem denegada."

(MS 23.845/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 04/11/2019)

 

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS.

I - Na origem, trata-se de mandado de segurança com pedido liminar que objetiva a suspensão dos efeitos do ato administrativo impugnado neste mandado de segurança, determinando a sua imediata reintegração no quadro de funcionários da polícia rodoviária federal, assegurando-se regulares recebimentos. No Superior Tribunal de Justiça, indeferiu-se o pedido de tutela de urgência.

II - Não se verifica a presença do fumus boni iuris. O ato administrativo tem fé pública e goza de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade. Somente em situações excepcionais, desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar o afastamento da justificativa do interesse público, a sua desconstituição, o que não se verifica no caso concreto.

III - Ademais, ausente também o periculum in mora, já que, muito embora o impetrante relate situação de dificuldade financeira e até psicológica, consequências naturais de sua demissão, relatou que vem sendo auxiliado por familiares, a afastar a necessidade premente do deferimento liminar do pedido, sem a manifestação da autoridade apontada.

IV - Agravo interno improvido."

(AgInt no MS 24.684/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe 22/03/2019)

 

A mesma ratio juris impede o acolhimento do pedido de condenação do INSS no pagamento da indenização por danos morais, já que não se demonstrou a ilegalidade da conduta autárquica.

 

Ante o exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva e a prejudicial de prescrição da pretensão, não pronuncio a nulidade decorrente de violação ao princípio da congruência e, nos termos do artigo 264, §2º, do então vigente Código de Processo Civil de 1973, dou provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por interposta, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos de restituição de valores e de indenização por danos morais.

 

 Invertido o ônus sucumbencial, condeno o autor no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA EM DESFAVOR DO INSS. ILIQUIDEZ DO DECISUM. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS AFASTADA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO RESSARCITÓRIA. NÃO CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 103 DA LEI 8.213/91. ÚLTIMO DESCONTO EFETUADO EM AGOSTO DE 2008. AJUIZAMENTO DA DEMANDA EM AGOSTO DE 2013. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA NÃO PRONUNCIADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 249, §2º. DO CPC/73. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONSIGNAÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. INVALIDADE PROCEDIMENTAL OU MATERIAL DO ATO PRATICADO PELO INSS. NÃO DEMONSTRADA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. NÃO INFIRMADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AFASTADA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DO INSS PROVIDAS. SENTENÇA REFORMADA. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

1 - No caso, o INSS foi condenado a restituir os valores consignados no benefício previdenciário recebido pelo demandante, durante o período de fevereiro de 2007 a agosto de 2008, e a indenizar os danos morais por ele sofridos, tudo isso acrescido de correção monetária, juros moratórios e honorários advocatícios. Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula nº 490 do STJ.

2 - Não merece prosperar, contudo, a alegação de ilegitimidade passiva suscitada pela Autarquia Previdenciária.

3 - Em que pese a petição inicial não prime pela clareza da exposição fática e jurídica, a delimitação do período em que ocorreram os descontos, mediante o exame do extrato do benefício que acompanha a exordial, permite concluir que o inconformismo se refere aos descontos efetuados pelo INSS para ressarcir o erário de valores recebidos indevidamente pelo demandante. Desse modo, constatada a ausência de vinculação entre a causa de pedir e o contrato firmado pelo autor com o Banco do Brasil, em maio de 2012, a discussão acerca da ilegitimidade passiva do INSS para responder por danos decorrentes da referida convenção se mostra impertinente. 

4 - Depreende-se dos extratos do HISCREWEB que o último desconto no benefício do autor foi efetivado em agosto de 2008 (ID 104288909 - p. 83). Por outro lado, a presente ação foi ajuizada em 26/08/2013. Assim, como não transcorreram mais de cinco anos entre o ato impugnado e a propositura desta demanda, conforme preconiza o artigo 103 da Lei n. 8.213/91, não se pode falar em prescrição da pretensão ora deduzida. 

5 - Por fim, no que se refere à arguição de violação ao princípio da congruência, cumpre salientar que o Juízo não deve pronunciar a nulidade quando puder julgar o mérito da causa em favor da parte que foi prejudicada pela prática do ato processual inválido, nos termos do então vigente artigo 249, §2º, do Código de Processo Civil de 1973.

6 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

7 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

8 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.

9 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

10 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

11 – In casu, depreende-se da petição inicial e da réplica à contestação que a parte autora alega ter sido vítima da ação de criminosos que contrataram, junto a instituição "Tigre Lotérico II", empréstimo bancário em seu nome, o que resultou no desconto indevido de parte dos proventos de sua aposentadoria, durante o período de janeiro de 2008 a agosto de 2009. A única evidência por ele apresentada para sustentar essa tese foi o extrato de pagamento do benefício, no qual há o registro de descontos mensais, a título de consignação, no valor médio de R$ 500,00 (quinhentos reais), efetuados no período de janeiro a junho de 2008.

12 - Todavia, a prova documental apresentada pelo INSS infirma a tese sustentada pelo demandante. Realmente, no extrato do Sistema Único de Benefícios anexado aos autos (ID 104288909 - p. 58), estão registradas apenas duas consignações no histórico da aposentadoria por tempo de contribuição recebida pelo autor (NB 135476192-5): uma relativa à cobrança autárquica de valores por ele recebidos indevidamente, nos termos do artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91, e outra referente a contrato de empréstimo bancário firmado pelo autor junto ao Banco do Brasil, sob o número 793855205, objetivando obter o crédito de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a serem pagos a partir de maio de 2012. 

13 - Assim, não há indício material algum de que o autor foi vítima da ação de criminosos que contrataram empréstimo bancário em seu nome. Na verdade, a denominação "Tigre Lotérico II", presente nos extratos do HISCREWEB, refere-se à identificação do posto da Caixa Econômica no qual foram efetuados os pagamentos da aposentadoria ao demandante. Neste sentido, provavelmente se trata de referência histórica ou ao bairro da cidade de Salto onde está situada ou mesmo ao nome fantasia da lotérica. O referido documento explicita o destinatário da quantia subtraída, já que discrimina o desconto com a sugestiva denominação "consignação débito com INSS" (ID 104288909 - p. 65).

14 - No mais, o autor não apresentou evidência alguma de que o desconto efetuado pelo INSS, a fim de ressarcir o pagamento indevido de benefício previdenciário, padece de ilegalidade. A propósito, extrai-se do extrato do Sistema Único de Benefícios anexado aos autos que o desconto obedeceu ao limite legal de 30% (trinta por cento), previsto nos artigos 115, II e §1º da Lei n. 8.213/91 e 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99.

15 - Por fim, cumpre salientar que os atos praticados pelo INSS gozam de presunção de legalidade, pois são praticados por agentes do estado que gozam de fé pública e balizam suas condutas pelo princípio da impessoalidade. Assim, nulidades processuais na condução do processo administrativo que ensejou o desconto devem ser demonstradas pela parte prejudicada, ônus este do qual o demandante não se desincumbiu a contento neste feito, olvidando o disposto no então vigente artigo 333, I, do Código de Processo Civil de 1973.

16 - Ao insistir na tese de ter sido vítima de uma quadrilha de criminosos, a questão relativa à motivação do desconto pelo INSS sequer foi abordada, de modo que não há substrato probatório, argumentativo ou jurídico para o acolhimento da pretensão de ressarcimento ora vindicada, devendo prevalecer a presunção de legalidade do ato administrativo impugnado. Precedentes.

17 - A mesma ratio juris impede o acolhimento do pedido de condenação do INSS no pagamento da indenização por danos morais, já que não se demonstrou a ilegalidade da conduta autárquica.

18 - Matéria preliminar rejeitada. Remessa oficial e apelação do INSS providas. Sentença reformada. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva e a prejudicial de prescrição da pretensão, não pronunciar a nulidade decorrente de violação ao princípio da congruência e, nos termos do artigo 264, §2º, do então vigente Código de Processo Civil de 1973, dar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por interposta, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos de restituição de valores e de indenização por danos morais, condenando o autor no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.