APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000223-31.2005.4.03.6119
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: LIEBERT TECNOLOGIA LTDA
Advogados do(a) APELANTE: MARIA RITA FERRAGUT - SP128779-A, JULIANA DE SAMPAIO LEMOS - SP146959-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000223-31.2005.4.03.6119 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: LIEBERT TECNOLOGIA LTDA Advogado do(a) APELANTE: JULIANA DE SAMPAIO LEMOS - SP146959-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA (Relator): Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pela impetrante LIEBERT TECNOLOGIA LTDA. contra a r. sentença (fls. 298/304), integrada por decisões proferidas em sede de recursos de embargos de declaração (fls. 321/322 e 356/358), que julgou parcialmente procedente o pedido inicial e concedeu parcialmente a segurança, para determinar o desembaraço aduaneiro das mercadorias constantes da Declaração de Importação nº 04/1304762-2, mediante a prestação de garantia (depósito) dos valores controversos referentes aos tributos exigíveis em razão de suposta classificação fiscal errônea. O Mandado de Segurança foi impetrado contra o Inspetor da Alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos, com o escopo de assegurar à impetrante a liberação das mercadorias apreendidas por classificação errônea, objeto da Declaração de Importação (DI) nº 04/1304762-2, registrada em 21/12/2004, independentemente da prestação de garantia ou do aguardo da conclusão do Processo Administrativo instaurado. Atribuído à causa o valor de R$ 22.586,50 (janeiro/2005). Na inicial, alega a impetrante, em síntese, que classificou os produtos importados (12 equipamentos de ambientação de eletrônicos sensíveis, modelo INTELCOOL) no código 8419.89.99 (“outros aparelhos e dispositivos para tratamento de material com modificação de temperatura”) da Tarifa Externa Comum do Mercosul – TEC, recolhendo todos os tributos incidentes sobre a operação. Entretanto, no momento do desembaraço aduaneiro no Aeroporto Internacional de Guarulhos, foi autuada por suposta classificação errônea das mercadorias importadas, em virtude de a Fiscalização entender como correto o código 8415.82.10 (“máquinas e aparelhos de ar condicionado”). Foram lavrados quatro Autos de Infração, exigindo da impetrante o recolhimento da diferença do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados, além das exigências reflexas de PIS/Importação e COFINS/Importação tributos e respectivas obrigações acessórios, com óbice à liberação das mercadorias. Afirma correta a classificação dada às mercadorias importadas, bem como indevido o condicionamento do desembaraço aduaneiro à prestação de garantia, estabelecido com base na Portaria do Ministério da Fazenda nº 389/1976 e no Decreto-Lei nº 1.455/1976, por afronta à Súmula nº 323 do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Assevera que a exigência de garantia para a liberação das mercadorias, também, afronta os princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, II, LIV e LV, da CF) e, ainda, da Administração Pública (art. 37, caput, da CF). Além disso, aduz que a exigibilidade do pagamento esta suspensa por força da impugnação apresentada no âmbito administrativo (art. 151, III, do CTN). De outro lado, defende inaplicáveis, na espécie, os artigos 80 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (“quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou patrimônio líquido do importador ou do adquirente”) e 69 da Instrução Normativa nº 206/2002 (retenção na hipótese de fraude ou dúvida quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado). O MM. Juízo Federal a quo, por r. sentença de fls. 141/143, prolatada em 28/01/2005, extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil de 1.973, sob o fundamento de inadequação da via eleita, ante a necessária dilação probatória para a verificação da correta classificação das mercadorias, mediante a realização de perícia. Custas ex lege. Não houve condenação em honorários advocatícios (Súmula nº 51 do C. STF). A impetrante opôs embargos de declaração às fls. 149/154, ao argumento da existência de omissão na r. sentença, visto que o objeto deste mandamus é a liberação das mercadorias indevidamente apreendidas, independentemente da prestação de garantia ou o aguardo a conclusão do Processo Administrativo. Destacou que em nenhum momento pretendeu discutir a correta classificação fiscal das mercadorias. Em r. decisão de fls. 156/159, datada de 15/02/2005, o douto magistrado de primeira instância, acolheu os embargos de declaração em razão de julgamento extra petita, com a modificação da r. sentença embargada e o deferimento da liminar, a fim de determinar a liberação das mercadorias importadas sem a exigência de garantia do valor, até o término do Processo Administrativo. A União Federal interpôs o recurso de Agravo de Instrumento contra a aludida decisão (fls. 165/172). Nas informações prestadas às fls. 174/198, a autoridade impugnada alega, preliminarmente, a inadequação da via eleita e, no mérito, a legalidade do ato. Juntou documentos de fls. 199/271. O Ministério Público Federal, na primeira instância, manifesta-se pela ausência de interesse público que justifique sua intervenção (fls. 274/280). O Agravo de Instrumento interposto pela União Federal foi autuado sob o nº 2005.03.00.006880-5, sendo deferida parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela recursal, a fim de determinar à recorrida a prestação de garantia equivalente ao valor do tributo devido, acrescido dos acessórios legais, antes da liberação da mercadoria consistente na Declaração de Importação nº 04/1304762-2 (fls. 285/288 e 290/292). Sobreveio r. sentença (fls. 298/304), prolatada em 31/01/2006, na qual foi afastada a preliminar de inadequação da via eleita. No mérito, foi julgado parcialmente procedente o pedido inicial, com a concessão parcial da segurança, a fim de possibilitar o desembaraço aduaneiro das mercadorias constantes da Declaração de Importação nº 04/1304762-2, mediante prestação de garantia (depósito) dos valores controversos referentes ao IPI diretamente à autoridade impetrada, desde que esse seja o único óbice. Custas fixadas na forma da lei. Considerado indevido o pagamento de honorários advocatícios a teor da Súmula nº 512 do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Sentença submetida ao reexame necessário. A impetrante opôs recurso de embargos de declaração, ao fundamento de padecer a r. sentença de omissão no tocante à violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CF), bem como em relação à questão da inexistência de processo/auto de apreensão ou mesmo qualquer razão plausível a justificar a apreensão ou a exigência de garantia para liberação dos bens. Afirma, também, maculada de contradição a r. sentença, na medida em que a despeito das impugnações apresentadas pela embargante na esfera administrativa, nos termos do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional, entendeu pela inexistência de suspensão da exigibilidade do crédito tributário em questão (fls. 313/318). Em r. decisão de fls. 321/322, foram rejeitados os declaratórios. Inconformada, a impetrante interpôs recurso de apelação (fls. 326/337). Sustenta indevida a retenção das mercadorias apreendidas para a satisfação do pretenso débito fiscal, por afronta aos princípios constitucionais insculpidos no artigo 5º, incisos II, LIV e LV, e à Súmula nº 323 do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Afirma, ainda, encontrar-se suspensa a exigibilidade do tributo em razão das impugnações apresentadas no Processo Administrativo, a teor do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional. Consigna que a Portaria do Ministério da Fazenda nº 389/1976, que impõe a prestação de garantia para liberação de mercadoria, a qual faz alusão à competência outorgada pelo artigo 39 do Decreto-Lei nº 1.455/1976, não tem o condão de restringir direitos garantidos pela Constituição Federal. Lado outro, assevera que não se aplica, na espécie, os artigos 80 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e 69 da Instrução Normativa nº 206/2002; o primeiro porque incide apenas “quando o valor das importações for incompatível com o capital social ao patrimônio líquido do importador ou do adquirente”, enquanto o segundo, além de tratar de ato infralegal, determina a retenção quando há fraude ou dúvida quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado, hipóteses diversas dos autos. Requer a reforma da r. sentença, com a procedência da ação mandamental. A União Federal, por sua vez, opôs embargos de declaração (fls. 343/345), nos quais alega a existência de omissão na r. sentença, uma vez o seu dispositivo somente determina à impetrante o depósito do Imposto sobre Produtos Industrializados, quando o litígio diz respeito, também, ao Imposto de Importação, PIS, COFINS e multa regulamentar, além dos juros legalmente devidos, devidos por ocasião do desembaraço aduaneiro. Guias de depósito judicial às fls. 351/354, relativas aos valores de COFINS, PIS, IPI e II. Em r. decisão de fls. 356/358, foram parcialmente acolhidos os declaratórios da União Federal, para inserir no dispositivo da r. sentença que a prestação de garantia (depósito) engloba, além dos valores de Imposto sobre Produtos Industrializado, as “diferenças incidentes nos demais tributos exigíveis no momento do desembaraço aduaneiro (Imposto de Importação, COFINS e PIS)”. Recebido o recurso de apelação interposto pela impetrante no efeito meramente devolutivo (fl. 370). A União Federal, em contrarrazões de fls. 388/395, sustenta que não houve apreensão do bem pela fiscalização, que motivasse a aplicação da Súmula nº 323 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, mas apenas a exigência do cumprimento das obrigações fiscais no momento previsto pela legislação pertinente – registro da declaração de importação –, nos termos do artigo 106 do Decreto nº 4.543/2002 (Regulamento Aduaneiro). Alega, também, devida a prestação de garantia para o desembaraço aduaneiro quando verificada a incorreta classificação fiscal, ex vi dos artigos 482 e 511, § 1º, do Regulamento Aduaneiro e do artigo 49, § 1º, da Instrução Normativa SRF nº 206/2002. Defende, por seu turno, a inexistência de violação ao artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional, que se refere à suspensão de crédito tributário, mas não ao procedimento de desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas. Requer, assim, seja negado provimento ao apelo. O Ministério Público Federal, nesta instância recursal, reitera o parecer anterior (ausência de interesse público) e manifesta pelo prosseguimento do feito (fl. 398). Noticiada a prolação de decisão no Agravo de Instrumento nº 2005.03.00.006880-5, que negou seguimento ao recurso e julgou prejudicado o agravo regimental interposto, ante a perda superveniente do objeto, em face da prolação de sentença nestes autos (fls. 400/401). Por força da remessa oficial e recurso de apelação interposto pela impeTrante, subiram os autos a este Egrégio Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000223-31.2005.4.03.6119 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: LIEBERT TECNOLOGIA LTDA Advogado do(a) APELANTE: JULIANA DE SAMPAIO LEMOS - SP146959-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA (Relator): Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pela impetrante LIEBERT TECNOLOGIA LTDA. contra a r. sentença (fls. 298/304), integrada por decisões proferidas em sede de recursos de embargos de declaração (fls. 321/322 e 356/358), que julgou parcialmente procedente o pedido inicial e concedeu parcialmente a segurança, para determinar o desembaraço aduaneiro das mercadorias constantes da Declaração de Importação nº 04/1304762-2, mediante a prestação de garantia (depósito) dos valores controversos referentes aos tributos exigíveis em razão de suposta classificação fiscal errônea. Da aplicação do Código de Processo Civil de 1.973 De proêmio, impende asseverar que a r. sentença recorrida foi proferida na vigência do revogado Código de Processo Civil de 1.973 (2006) e, por isso, devem ser observados os requisitos de admissibilidade recursal nele preconizados, consoante estabelece o Enunciado Administrativo nº 2 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Da adequação da via processual eleita Cumpre registrar a adequação da via mandamental eleita, uma vez que o pedido se restringe à liberação das mercadorias importadas, sem a exigência da prestação de garantia ou do aguardo da conclusão do processo administrativo instaurado. Portanto, não se discute nesse writ acerca da correta classificação fiscal das mercadorias importadas, o que demandaria a dilação probatória para a necessária realização de perícia, medida incompatível com a estreita via do mandado de segurança. Do mérito Feitas essas considerações, passo ao exame do mérito. In casu, a impetrante importou doze equipamentos de ambientação de eletrônicos sensíveis – modelo INTELCOOL, por meio da Declaração de Importação (DI) nº 04/1304762-2, registrada em 21/12/2004, tendo procedido à classificação dos produtos no código 8419.89.99 da Tarifa Externa Comum do Mercosul – TEC, cuja descrição é a seguinte: “outros aparelhos e dispositivos para tratamento de material com modificação de temperatura”). Entretanto, no momento do desembaraço aduaneiro, a impetrante foi autuada por suposta classificação errônea das mercadorias importadas, em virtude de a Fiscalização entender como correto o código 8415.82.10 (“máquinas e aparelhos de ar condicionado”), o que resultaria em pagamento a menor dos tributos devidos naquela operação de importação. Assim, foram lavrados Autos de Infração para a reclassificação dos produtos e o pagamento das diferenças relativas aos tributos devidos e multas, perfazendo o montante de R$ 22.586,50, como condição ao desembaraço aduaneiro. Todavia, o procedimento adotado pelo Fisco de retenção das mercadorias importadas, em virtude de suposta divergência na classificação fiscal, como meio para a exigência de tributos e multas correspondentes, é medida considerada ilegal e indevida segundo o entendimento jurisprudencial assente nos Tribunais Superiores. Tal orientação restou cristalizada na Súmula nº 323 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, in verbis: Súmula 323. É incabível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. A Fiscalização, dentro do seu poder de polícia, pode reclassificar a mercadoria, assim como lavrar autuação, instaurar processo administrativo, a fim de apurar eventual diferença a ser recolhida de tributos devidos. Contudo, a mera existência de dúvida quanto à classificação não pode obstar a liberação de mercadorias importada, condicionada à prestação de garantia. Da leitura dos autos, verifica-se que os produtos importados pela impetrante, além de suficientemente descritos, contém elementos necessário à sua identificação e ao enquadramento tarifário. Deveras, exaurida a fiscalização e lavrado auto de infração, cumpre ao Fiscal proceder à devida cobrança de crédito tributário pela via administrativa e execução fiscal. Por conseguinte, é bem de ver que a Administração possui mecanismos para a cobrança do suposto débito tributário, revelando-se ilegal a retenção das mercadorias como meio coercitivo para tal desiderato. No mais, somente na hipótese de indícios de infração punível com a pena de perdimento do bem é permitida a exigência de garantia para a liberação, o que não se revela na espécie, pois não restou demonstrado qualquer ilegalidade na importação dos bens. Ademais, é inaplicável, ao caso concreto, a imposição da prestação de garantia prevista no artigo 80, inciso II, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 como condicionante da liberação das mercadorias importadas, na medida em que não se trata de incompatibilidade do valor das importações com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente, mas, sim, de suposta classificação errônea de produtos importados. Confira-se o mencionado dispositivo legal: Art. 80. A Secretaria da Receita Federal poderá: (...) II – exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente. Por sua vez, não foi sequer ventilada a possibilidade de fraude ou a existência de dúvidas quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado, de molde a permitir eventual prestação de garantia para o desembaraço aduaneiro. Dessa forma, inaplicável, também, o disposto no artigo 69, parágrafo único, da Instrução Normativa RFB nº 206, de 25/09/2002 (revogada pela IN RFB nº 1.169/2011), que ora transcrevo: Art. 69. As mercadorias ficarão retidas pela fiscalização pelo prazo máximo de noventa dias, prorrogável por igual período, em situações devidamente justificadas. Parágrafo único. Afastada a hipótese de fraude e havendo dúvidas quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado, a mercadoria poderá ser desembaraçada e entregue mediante prestação de garantia, determinada pelo titular da unidade da SRF ou por servidor por ele designado, nos termos da norma específica. A corroborar o entendimento adotado colho os seguintes julgados do Colando Superior Tribunal de Justiça: TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. QUESTIONAMENTO QUANTO À CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. LIBERAÇÃO DA MERCADORIA CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 323/STF. 1. A retenção de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos é providência ilegal, rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos das Súmulas 70, 323 e 547/STF. 2. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp. 1.259.736/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 3.10.2011). AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544, CPC. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. RETENÇÃO DE MERCADORIA. EXIGÊNCIA DE GARANTIA. ART. 12 DO DECRETO 2.498/98. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 323/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. 1. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação, em sede de recurso especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de origem, incidindo, por analogia, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 2. O Fisco não pode utilizar-se da retenção de mercadoria importada como forma de impor o recebimento da diferença de tributo ou exigir caução para liberar a mercadoria, aplicando-se por analogia a Súmula 323/STF. Precedentes: (REsp. 700.371/CE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ 16.8.2007; REsp. 919.019/CE, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ. 7.8.2009; AgRg no Ag 933.675/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJ 31.10.2008; REsp. 513.543/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 15.9.2003). 3. Agravo Regimental desprovido. – Destaquei (AgRg no Ag 1.183.602/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 7.6.2010). A propósito, trago, também, precedentes deste Egrégio Tribunal Regional Federal: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. LIBERAÇÃO CONDICIONADA À PRESTAÇÃO DE GARANTIA. SÚMULA 323 DO STF. ILEGALIDADE. APELAÇÃO E REEXAME IMPROVIDOS. -A retenção de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos ou multa é providência ilegal, rechaçada pela jurisprudência desta E. Corte e dos Tribunais Superiores, como bem ilustram as Súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal. -Não havendo discussão acerca de fraude no procedimento de importação e não sendo a mercadoria em questão de importação proibida, desnecessária a prestação de garantia ou imediato recolhimento de tributos ou multas, cuja apuração deve ocorrer durante o procedimento administrativo fiscal. -Apelação e reexame improvidos. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5006824-56.2018.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 22/11/2019, Intimação via sistema DATA: 27/11/2019) TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CLASSIFICAÇÃO FISCAL DE MERCADORIA. RETENÇÃO INDEVIDA. EXIGÊNCIA DE TRIBUTOS. PARALISAÇÃO DO DESPACHO ADUANEIRO. ILEGALIDADE CONFIGURADA. 1. A retenção de mercadoria importada se deu em razão de divergência entre a classificação fiscal dos jogos de videogame no conceito de software. 2. As autoridades fiscais, na esteira da decisão proferida pela Suprema Corte, no RE 176.626/SP, posteriormente reiterada no RE 199.464-9/SP, vem entendendo que o software sob medida, elaborado sob encomenda do usuário final, constitui um serviço tipificado na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Por outro lado, a aquisição de software de prateleira, elaborado para comercialização genérica, é tratada como uma aquisição de mercadoria. 3. A apreensão de bens pela autoridade é justificável, quando houver indícios de equívoco na classificação tarifária. Incabível, no entanto, a manutenção da apreensão em virtude de divergência na classificação fiscal adotada, como meio para a exigência dos impostos correspondentes. 4. Encontrando-se a mercadoria corretamente descrita e com todos os elementos necessários à sua identificação e ao enquadramento tarifário existente, há a possibilidade de sua alteração pelo Fisco, independentemente, lavrando-se o respectivo auto para a exigência dos tributos eventualmente devidos. Estes questionamentos não podem obstar a liberação do bem, se tornará ilegal e passível de correção judicial, se for o caso. 5. Considerando que não restou demonstrada nos autos qualquer ilegalidade na importação dos bens, deve ser mantida a sentença que determinou a liberação das mercadorias. 6. Apelação e remessa oficial não providas. - Destaquei (AMS 00066235120114036119, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/05/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. RECLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. INEXISTÊNCIA DE LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO. LIBERAÇÃO DAS MERCADORIAS (DI Nº 16/0769425-7). DESNECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA . A FAZENDA PÚBLICA DISPÕE DE MEIOS PRÓPRIOS PARA COBRANÇA. 1. No caso vertente, a impetrante importou mercadoria selecionada pela Fiscalização da Receita Federal do Brasil para conferência aduaneira. A controvérsia cinge-se à possibilidade de liberação de mercadorias objeto do DI nº 16/0769425-7 que se encontram em processo de importação sem a prestação de garantia. 2. A Fazenda Pública tem os meios próprios e eficazes para a cobrança de tributos e das demais despesas acessórias, mostrando-se desarrazoada a medida adotada de retenção da mercadoria enquanto se aguarda a prestação de garantia, sendo possível, no presente caso, a aplicação analógica da Súmula n.º 323 do Supremo Tribunal Federal. 3. Inexistindo fraude no procedimento de importação e não sendo a mercadoria em questão de importação proibida, mostra-se correta a liberação dos bens importados sem a necessidade de prestação de garantia ou imediato recolhimento dos tributos e das multas devidas, que devem ser apurados durante o procedimento administrativo fiscal. 4. Agravo de instrumento provido e agravo interno prejudicado. (AI 00156215620164030000 / TRF3 - SEXTA TURMA / DES. FED. CONSUELO YOSHIDA / e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2017). Nesse diapasão, é medida de rigor a reforma da r. sentença, para julgar procedente o pedido vestibular e conceder a segurança, a fim de afastar a exigência de prestação de garantia como condicionante da liberação das mercadorias importadas, supostamente classificadas de forma errônea pela impetrante, constantes da Declaração de Importação nº 04/1304762-2, com o provimento do recurso de apelação interposto pela impetrante e o consequente desprovimento da remessa oficial. Dos ônus de sucumbência Corolário lógico, forçosa a inversão dos ônus da sucumbência, com a condenação da União Federal ao pagamento das custas processuais. Indevida a condenação em honorários advocatícios, nos termos do artigo 25 da Lei 12.016/2009 e a teor das Súmulas nºs 105 do Egrégio Supremo Tribunal Federal e 512 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Isto posto, dou provimento ao recurso de apelação da impetrante para reformar a r. sentença e julgar procedente o pedido, concedendo a segurança, a fim de afastar a exigência de prestação de garantia como condicionante da liberação das mercadorias importadas, supostamente classificadas de forma errônea pela impetrante, constantes da Declaração de Importação nº 04/1304762-2, com a condenação da União Federal nas custas processuais e indevidos os honorários advocatícios, e nego provimento à remessa oficial, nos termos da fundamentação acima exarada. É o voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA OFICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CLASSIFICAÇÃO FISCAL DE MERCADORIAS IMPORTADAS. RETENÇÃO INDEVIDA. EXIGÊNCIA DE GARANTIA PARA LIBERAÇÃO. ILEGALIDADE. VIA PROCESSUAL ADEQUADA.
I. Cuida-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pela impetrante contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial e concedeu parcialmente a segurança, para determinar o desembaraço aduaneiro das mercadorias constantes de Declaração de Importação (DI), mediante prestação de garantia (depósito) dos valores controversos referentes aos tributos exigíveis em razão de classificação fiscal errônea.
II. A sentença recorrida foi proferida na vigência do revogado CPC/73 e, por isso, devem ser observados os requisitos de admissibilidade recursal nele preconizados. Enunciado Administrativo nº 2 do C. STJ.
III. Adequada a via mandamental eleita, uma vez que o pedido se restringe à liberação das mercadorias importadas, sem a exigência da prestação de garantia ou do aguardo da conclusão do processo administrativo instaurado. Não se discute nesse writ acerca da correta classificação fiscal das mercadorias importadas, o que demandaria a dilação probatória para a necessária realização de perícia, medida incompatível com a estreita via do mandado de segurança.
IV. O procedimento adotado pelo Fisco de retenção das mercadorias importadas, em virtude de mera divergência na classificação fiscal adotada pela impetrante, como meio para a exigência de tributos e multas correspondentes, é medida considerada ilegal e indevida segundo o entendimento jurisprudencial assente nos Tribunais Superiores. Tal orientação restou cristalizada na Súmula nº 323 do E. STF.
V. Somente na hipótese de indícios de infração punível com a pena de perdimento do bem é permitida a exigência de garantia para a liberação, o que não se revela na espécie, pois não restou demonstrado qualquer ilegalidade na importação dos bens.
VI. Inaplicável a imposição da prestação de garantia prevista no art. 80, II, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 como condicionante da liberação das mercadorias importadas, na medida em que não se trata de incompatibilidade do valor das importações com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente, mas, sim, de suposta classificação errônea de produtos importados.
VII. Não foi sequer ventilada a possibilidade de fraude ou a existência de dúvidas quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado, de molde a permitir eventual prestação de garantia para o desembaraço aduaneiro. Inaplicável o art. 69, parágrafo único, da IN RFB nº 206/2002 (revogada pela IN RFB nº 1.169/2011).
VIII. Invertidos os ônus da sucumbência, com a condenação da União Federal ao pagamento das custas processuais. Indevida a condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei 12.016/2009, e a teor das Súmulas nºs 105 do E. STF e 512 do C. STJ.
IX. Recurso de apelação da impetrante provido. Remessa oficial desprovida.