Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005585-38.2014.4.03.6106

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORCA E LUZ, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL

Advogados do(a) APELANTE: JOAO CARLOS ZANON - SP163266-A, DIEGO HERRERA ALVES DE MORAES - SP295549-S

APELADO: MUNICIPIO DE MIRASSOLANDIA

Advogado do(a) APELADO: MAYRTON PEREIRA MARINHO - SP138263

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005585-38.2014.4.03.6106

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORCA E LUZ, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL

Advogado do(a) APELANTE: MARCO VANIN GASPARETTI - SP207221-A

APELADO: MUNICIPIO DE MIRASSOLANDIA

Advogado do(a) APELADO: MAYRTON PEREIRA MARINHO - SP138263

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de ação de rito ordinário ajuizada pelo Município de Mirassolândia/SP em face da Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL e da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, objetivando obter provimento jurisdicional que o desobrigasse de receber da concessionária de energia elétrica o sistema de iluminação pública consubstanciado no Ativo Imobilizado em Serviço - AIS, sustentando a ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 218 da Resolução Normativa ANEEL nº. 414/2010.

Às fls. 89/90, foi deferido o pedido de tutela antecipada para desobrigar o Município de Mirassolândia de cumprir o estabelecido no art. 218 da Resolução Normativa ANEEL n° 414/2010, alterada pelas Resoluções Normativas nº 479/2012 e nº 587/2013.

Por meio de sentença, o MM. Juízo a quo julgou procedente a ação, com fulcro nos arts. 316 e 487, I, ambos do CPC, confirmando a tutela antecipada, para declarar a ilegalidade da Resolução ANEEL nº 414/2010, alterada pelas Resoluções n° 479/2012 e n° 587/2013 e, por conseguinte, determinar que as corrés, ANEEL e CPFL, se abstenham de praticar quaisquer atos no sentido de transferir ao Município de Mirassolândia o sistema de iluminação pública, registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS e, por consequência, a prestação do serviço de manutenção de iluminação pública continuará sob a responsabilidade da concessionária/CPFL, mediante a continuidade da cobrança da tarifa B4b, sob pena de pagamento de multa–diária de R$ 1.000,00 (mil reais) pelo descumprimento. Condenou as corrés ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$5.000,00 (cinco mil reais), para cada um, nos termos do artigo 20, §4°, do Código de Processo Civil (fls. 361/363 – ID 92908639).

Inconformada, a CPFL interpôs recurso de apelação, alegando a ANEEL, na edição da Resolução n° 414/2010 agiu nos limites previstos nos artigos 2° e 3° da Lei n° 9.247/1996 e do artigo 5° do Decreto n° 41.019/1957, atuando de modo a corrigir uma distorção regulatória, inexistindo a alegada ilegalidade nas determinações proferidas pelo órgão regulador (fls. 368/384 – ID 92908639).

Por sua vez, a ANEEL também apela, afirmando que não prospera o argumento da ilegalidade e inconstitucionalidade da Resolução Normativa n.º 414/2010. Alega que não exorbitou de seu poder regulamentar e que do art. 5°, § 2°, do Decreto nº 41.019/1957, não pode ser extraída a conclusão de que os ativos de iluminação pública integram os sistemas de distribuição (fls. 389/400 ID 92908640).

Com contrarrazões às fls. 402/415, os autos foram remetidos a esta E. Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005585-38.2014.4.03.6106

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: COMPANHIA PAULISTA DE FORCA E LUZ, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL

Advogado do(a) APELANTE: MARCO VANIN GASPARETTI - SP207221-A

APELADO: MUNICIPIO DE MIRASSOLANDIA

Advogado do(a) APELADO: MAYRTON PEREIRA MARINHO - SP138263

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

No caso em tela, discute-se a legalidade do artigo 218, da Resolução Normativa ANEEL nº. 414/2010, concernente à competência da ANEEL, para determinar, a transferência do sistema de iluminação pública, para o município.

Pois bem. Quanto à regulamentação dos serviços de energia elétrica cumpre transcrever o que dispõe o artigo 5º do Decreto n.º 41.019/57, bem como teor os artigos 2º e 3º da Lei n.º 9.427/96, a qual institui a Agência Nacional de Energia Elétrica- ANEEL e disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica, verbis:

Art. 5º. O serviço de distribuição de energia elétrica consiste no fornecimento de energia a consumidores em média e baixa tensão.

§ 1º. Este serviço poderá ser realizado:

a) diretamente, a partir dos sistemas geradores ou das subestações de distribuição primária, por circuitos de distribuição primária, a consumidores em tensão média;

b) através de transformadores, por circuitos de distribuição secundária, a consumidores em baixa tensão.

§ 2º. Os circuitos de iluminação e os alimentadores para tração elétrica até a subestação conversora, pertencentes a concessionários de serviços de energia elétrica, serão considerados parte integrante de seus sistemas de distribuição.

Art. 2º A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. (grifei)

Art. 3º Além das atribuições previstas nos incisos II,III, V, VI, VII, X, XI e VII do art. 29 e no art. 30 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1o, compete à ANEEL:

I - implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995;

(...)

XIX - regular o serviço concedido, permitido e autorizado e fiscalizar permanentemente sua prestação;

Diante desse contexto, a Agência Nacional de Energia Elétrica editou a Resolução Normativa n.º 414/2010 e, conforme redação dada pela Resolução n.º 479/2012 e 587/2013, estabeleceu no artigo 218:

 

Art. 218. A distribuidora deve transferir o sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS à pessoa jurídica de direito público competente.

§ 1º A transferência à pessoa jurídica de direito público competente deve ser realizada sem ônus, observados os procedimentos técnicos e contábeis para a transferência estabelecidos em resolução específica.

 

Todavia, analisando referido dispositivo, denota-se que a ANEEL excedeu sua competência e o seu poder regulamentar, uma vez que, nos termos do § 2º do Decreto n.º 41.019/57, não há determinação de que os sistemas de iluminação não são de responsabilidade da municipalidade. Destaque-se que a ANEEL criou e ampliou obrigações dos municípios, violando a autonomia municipal (art. 18 da CF/88) e invadindo matéria reservada à lei e à competência da União Federal.

Insta salientar que, conforme previsão do inciso V, do artigo 30, da Constituição Federal, o serviço de iluminação pública, devido ao seu caráter local, é de incumbência municipal e deve ser prestado de forma direta ou sob regime de concessão. Cumpre ressaltar que a prestação desse serviço público também deve ser feita de acordo com o estabelecido no artigo 175 da Constituição Federal, o qual prevê:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

 

Portanto, diante do referido dispositivo constitucional, ao contrário do afirmado pelas apelantes, percebe-se que a agência reguladora, ao expedir o ato normativo objeto de discussão, o qual determina o recebimento pelo município do sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS, inova na ordem jurídica, extrapolando o seu poder regulamentar.

Nesse sentido, impende destacar julgados desse E. Tribunal Regional Federal:

 

ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA AJUIZADA POR CONCESSIONÁRIA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA (AES ELETROPAULO). ANEEL – TRANSFERÊNCIA AOS MUNICÍPIOS DA GESTÃO DO ATIVO IMOBILIZADO EM SERVIÇO (AIS) DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS – TEMA A SER DISCIPLINADO POR LEI EM SENTIDO ESTRITO (ARTIGO 175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). ATO NORMATIVO (ARTIGO 218 DA RN Nº 414/2010) QUE EXTRAPOLOU SUA FUNÇÃO REGULAMENTAR.

1. Ação ajuizada com o intuito de obter provimento jurisdicional que determine à Prefeitura de Carapicuíba o recebimento, até a data de 31/12/2014, da transferência do sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS.

2. O deslinde da controvérsia requer a verificação da regularidade da transferência às municipalidades, via resolução normativa, da gestão do AIS de iluminação pública, até então gerido pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica (a exemplo da parte autora).

3. A transferência em discussão nestes autos foi determinada pelo artigo 218 da Resolução Normativa Aneel nº 414/2010, na redação dada pela Resolução Normativa nº 479/2012.

4. As atribuições legais da Aneel estão adstritas a atos de natureza regulatória e fiscalizatória (artigo 2º da Lei nº 9.427/1996).

5. Faz-se necessária a edição de lei em sentido estrito para o fim de impor obrigações, bem como para disciplinar acerca da prestação de serviços públicos, em exegese do quanto estatuído no artigo 5º, inciso II, bem como no artigo 175, ambos da Constituição Federal.

6. Ao determinar a transferência aos municípios do sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço (AIS) por meio do artigo 218 da Resolução Normativa nº 414/2010, a ANEEL excedeu suas atribuições, pois tratou de matéria reservada à lei. As alegações apresentadas pela apelante não se mostram capazes de infirmar a ocorrência deste vício.

7. Entendimento pacificado no âmbito deste Tribunal. Precedentes.

8. Acréscimo do percentual de 2% (dois por cento) ao importe fixado na sentença a título de verba honorária (artigo 85, § 11, do CPC).

9. Apelação a que se nega provimento. Agravo Retido prejudicado.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0022774-76.2016.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 26/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/03/2020)

 

PROCESSO CIVIL- PRELIMINAR- AFASTADA- RECEBIMENTO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - ATIVO IMOBILIZADO EM SERVIÇO - RESOLUÇÃO NORMATIVA ANEEL - ABUSO DO PODER REGULAMENTAR - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. O órgão do Poder Executivo possui discricionariedade na escolha da pena aplicável, de modo que é infenso ao Poder Judiciário adentrar o mérito administrativo, em observância ao princípio da Separação dos Poderes, mas cabe a este verificar se foram obedecidos os parâmetros legais estabelecidos, como no caso em tela.

2. O serviço de iluminação pública é de interesse predominantemente local, competindo, pois, aos municípios, a organização e a prestação, diretamente ou sob regime de concessão e permissão, nos termos do que dispõe o art. 30, V, da Constituição da República. Com vistas ao seu custeio, o município poderá instituir contribuição, na forma da respectiva lei, a teor do estabelecido no art. 149-A da Carta Magna, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 39/02.

3. A Resolução Normativa ANEEL nº 414/10, em seu art. 218, estabelece dever a empresa distribuidora de energia elétrica transferir, até 31/12/2014, o sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço (AIS) à pessoa jurídica de direito público competente, in casu, o município.

4. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade "regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal" (art. 2º da Lei nº 9.427/96). No entanto, a transferência dos ativos necessários à prestação do serviço de iluminação pública deveria ter sido disciplinada por lei, em atendimento ao que dispõem o art. 5º, II, e o art. 175 da Constituição da República, de molde a tornar inviável a disciplina da matéria por intermédio da aludida resolução normativa que, ao menos nesse aspecto, exorbitou o poder regulamentar reservado à Agência Reguladora.

5. Honorários advocatícios majorados em 1%, a teor do art. 85, § 11, CPC.

6. Apelações e remessa oficial improvidas.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5000609-22.2018.4.03.6118, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 21/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/02/2020)

 

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. ART. 218 DA RESOLUÇÃO 414/2010. ANEEL. TRANSFERÊNCIA DO SISTEMA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA PARA O MUNICÍPIO. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. APELAÇÕES IMPROVIDAS.

- Ao prever a transferência do sistema de iluminação pública à pessoa jurídica de direito público competente - no caso, o Município de Adolfo/SP, a ANEEL extrapolou seu poder regulamentar, estabelecendo novas obrigações ao Município, violando, por conseguinte, a autonomia municipal assegurada pelo artigo 18 da Constituição Federal.

- Da análise do artigo 175 da Constituição Federal, verifica-se que a prestação de serviços públicos deve ser feita nos termos de lei. Por esta razão, não poderia um ato normativo infralegal, no caso uma Resolução Normativa, transferir o sistema de iluminação pública para o Município, devendo, para tanto, ser instituída uma lei específica.

- Há de ser mantida a sentença que reconheceu o direito invocado, declarou a ilegalidade da Resolução Normativa nº 414/2010 da ANEEL e determinou que as partes requeridas se abstenham de praticar quaisquer atos tendentes a transferir o sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço (AIS) para o município autor com fulcro na referida resolução.

- Igualmente, destaco que não prospera a alegação da COMPANHIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA no sentido de que há falta de interesse de agir, já que os ativos de iluminação pública já foram transferidos ao município recorrido em 2010, porquanto tal afirmação fundamenta-se em simples comunicação unilateral da apelante (fls. 367/369) e em contrato de fornecimento de energia elétrica firmado em maio de 2013, à luz da Resolução da ANEEL cuja ilegalidade ora se reconhece.

- Ainda que assim não fosse, o objeto da presente ação pode ser facilmente delimitado e consiste no pedido de declaração de ilegalidade do art. 218 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, afastando-se os efeitos da mesma. Mesmo que o apelado tenha utilizado o termo "desobrigando o recebimento", resta claro que, caso o recebimento já tenha se operado, o reconhecimento da ilegalidade da referida resolução importaria o desfazimento da transferência.

- Recursos improvidos.

(TRF3, AC20146106001971-2/SP, Rel. Des. Fed. Mônica Nobre, 23/09/2015)

 

Por fim, necessário consignar que a transferência compulsória dos ativos ao município afetará a própria prestação do serviço de iluminação pública, visto que representa um grande ônus, fato este que pode colocar em risco a segurança e o bem-estar dos munícipes. Cumpre advertir que a norma do art. 149-A da Constituição da República autoriza os municípios a instituir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, sem, contudo, impor tal obrigação.

Nesse sentido já decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ANEEL. RESOLUÇÕES 414/2010 E 479/2012. TRANSFERÊNCIA, AOS MUNICÍPIOS, DO SISTEMA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA REGISTRADO COMO ATIVO IMOBILIZADO EM SERVIÇO. LEGISLAÇÃO FEDERAL. VIOLAÇÃO REFLEXA. APRECIAÇÃO DE FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1. Conforme já disposto no decisum combatido, no enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos (fls. 536-538, e-STJ): "Ocorre que, no exercício de seu poder regulamentar, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL editou a Resolução Normativa nº 414/2010, alterada pela Resolução Normativa n° 479/2012, que, em seu artigo 218, dispõe o seguinte: (...) Referida norma, na prática, tem como finalidade transferir aos municípios a responsabilidade das empresas distribuidoras de energia elétrica no que tange à manutenção, ampliação e modernização dos pontos de iluminação pública da cidade, acabando por regulamentar a transferência de bens (ativo imobilizado em serviço) da concessionária para a Municipalidade. E certo que o artigo 30, V, da Constituição Federal, estabelece que compete aos municípios 'organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local'. Nesse contexto, não há dúvidas de que o serviço de iluminação pública se inclui na competência do município. Contudo, ao estabelecer referida transferência de deveres, a ANEEL violou a autonomia municipal assegurada no artigo 18, da Constituição Federal, uma vez que, a princípio, estabeleceu nova obrigação ao município. Ademais, o fato de o município poder instituir contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, nos termos do artigo 149-A, da Constituição Federal, não lhe obriga a aceitar a transferência compulsória do Ativo Imobilizado em Serviço, tampouco afasta a observância do princípio da legalidade (art. 5°, II, CF). E o artigo 175, da Constituição Federal, estabelece que a prestação de serviços públicos deve ocorrer, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, 'na forma da lei'. Assim, não é possível que uma resolução - ato normativo inferior à lei - trate dessa questão. A transferência dos ativos necessários à prestação do serviço de iluminação pública deveria ter sido disciplinada por lei, e, portanto, verifica-se que a ANEEL desbordou de seu poder regulamentar ao editar a Resolução n° 414/2010." 2. Com efeito, destaca-se que o fundamento central dos Recursos Especiais é o art. 218 da Resolução 414/2010 da ANEEL (com redação dada pela Resolução 479/2012). No entanto, o apelo nobre não constitui, como regra, via adequada para julgamento de ofensa a resoluções, portarias ou instruções normativas quando analisadas isoladamente, sem vinculação direta ou indireta a dispositivos legais federais, por não estarem tais atos normativos compreendidos na expressão "lei federal “constante da alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal. 3. Desse modo, impõe-se o não conhecimento dos Recursos Especiais quanto à alegação de afronta ao art. 5º, caput e § 2º, ao Decreto 41.019/1957 e aos arts. 2º e 3º da Lei 9.427/1996, porquanto seria meramente reflexa, sendo imprescindível para verificá-lo analisar a Resolução 414/2010, com redação dada pela Resolução 479/2012 da ANEEL. 4. Outrossim, da leitura do acórdão recorrido depreende-se que o Tribunal de origem avaliou a controvérsia sob o aspecto exclusivamente constitucional (arts. 30, V, 149-A e 175 da Constituição da República). 5. Vê-se, assim, que a análise de questão cujo deslinde reclama o exame de matéria de natureza constitucional é inviável no âmbito do Recurso Especial, sendo a sua apreciação de competência do Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 102, III, da Constituição Federal. 6. No tocante à divergência jurisprudencial, o dissenso deve ser comprovado, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a colação de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. 7. No caso dos autos, verifica-se que não foram respeitados tais requisitos legais e regimentais (art. 1.029, § 1º, do CPC/2015 e art. 255 do RI/STJ), o que impede o conhecimento do Recurso Especial com base na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. 8. Agravo Interno não provido. .

(AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1770320 2018.02.27115-7, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:29/05/2019 ..DTPB:.)

 

Ante ao exposto, nego provimento às apelações.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



PROCESSUAL CIVIL. ENERGIA ELÉTRICA. TRANSFERÊNCIA DO SISTEMA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA PARA O MUNICÍPIO. RESOLUÇÃO ANEEL. ABUSO DO PODER REGULAMENTAR. ART. 218 DA RESOLUÇÃO 414/2010. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA.

1. A ANEEL excedeu sua competência e o seu poder regulamentar, uma vez que, nos termos do § 2º do Decreto n.º 41.019/57, não há determinação de que os sistemas de iluminação não são de responsabilidade da municipalidade. Destaque-se que a ANEEL criou e ampliou obrigações dos municípios, violando a autonomia municipal (art. 18 da CF/88) e invadindo matéria reservada à lei e à competência da União Federal.

2. Conforme previsão do inciso V, do artigo 30, da Constituição Federal, o serviço de iluminação pública, devido ao seu caráter local, é de incumbência municipal e deve ser prestado de forma direta ou sob regime de concessão. Cumpre ressaltar que a prestação desse serviço público também deve ser feita de acordo com o estabelecido no artigo 175 da Constituição Federal.

3. Ao contrário do afirmado pelas apelantes, percebe-se que a agência reguladora, ao expedir o ato normativo objeto de discussão, o qual determina o recebimento pelo município do sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS, inova na ordem jurídica, extrapolando o seu poder regulamentar.

4. Necessário consignar que a transferência compulsória dos ativos ao município afetará a própria prestação do serviço de iluminação pública, visto que representa um grande ônus, fato este que pode colocar em risco a segurança e o bem-estar dos munícipes. Cumpre advertir que a norma do art. 149-A da Constituição da República autoriza os municípios a instituir a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, sem, contudo, impor tal obrigação.

5. Apelos desprovidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento às apelações, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram os Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e MARLI FERREIRA. Ausente, justificadamente, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.