Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0014313-82.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

AUTOR: WILMA SANTA NALLI SCARAMUCCI

Advogado do(a) AUTOR: JOAO GABRIEL PIMENTEL LOPES - SP374669-A

REU: MARILENE DA SILVA AGNE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) REU: ANDRE GONCALVES DURANDES - RS48291

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0014313-82.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

AUTOR: WILMA SANTA NALLI SCARAMUCCI

Advogado do(a) AUTOR: JOAO GABRIEL PIMENTEL LOPES - SP374669-A

REU: MARILENE DA SILVA AGNE, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) REU: ANDRE GONCALVES DURANDES - RS48291

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Wilma Santa Nalli Scaramucci ajuíza a presente ação em face da União Federal e Marilene da Silva Agne, com pedido de concessão de tutela de urgência, objetivando rescindir o julgado proferido no processo nº 2001.61.09.002939-7. Ampara o pedido no quanto disposto no artigo 966, incisos II, V e VII do Código de Processo Civil.

Alega que seu filho Renato Scaramucci Júnior, militar da Reserva, veio a óbito em 16 de março de 1999 em decorrência de um acidente aéreo. Aduz que em 4 de agosto de 1999 o pai do militar falecido requereu a pensão por morte, o que veio a ser deferido para ambos os genitores.

Acrescenta que posteriormente a ré Marilene da Silva Agne também postulou a referida pensão por ter sido companheira do militar, tendo sido deferido o benefício em seu favor. Afirma que, diante da existência de declaração datada de 15 de março de 1999 – um dia antes do óbito do instituidor –, em que o militar estabelecia como seus dependentes apenas os pais e uma irmã, a Administração Castrense provocou a ré Marilene para esclarecimentos, sobrevindo então uma série de ações judiciais propostas por esta última.

Narra que em 6 de abril de 2000, a ré Marilene ajuizou uma justificação judicial para reconhecimento da dependência em relação ao militar falecido (processo 2000.61.09.001751-2), a qual foi homologada pelo Juízo da 2ª Vara Federal de São Carlos.

Assevera que em 28 de março de 2001, a requerida Marilene impetrou mandado de segurança perante a 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, pelo qual pretendia o restabelecimento da pensão por morte, tendo sido denegada a segurança por inadequação da via eleita (processo 2001.51.01.004850-0).

Salienta que a ré solicitou, ainda, o seu ingresso no processo de inventário do militar falecido, bem como intentou outras duas demandas, a saber: a de nº 583.00.2002.010617-9/000000-000 (reconhecimento e dissolução de sociedade de fato), voltada contra os genitores do instituidor da pensão, extinta sem resolução do mérito e a de nº 2001.61.09.002939-7, que é o feito em que proferida a decisão cuja rescisão se persegue nos presentes autos, no qual o Juízo da 2ª Vara Federal de São Carlos declarou o direito de Marilene à percepção da pensão por morte com base no suposto reconhecimento da existência de vida em comum com o militar falecido. Destaca que, em sede recursal, a sentença foi modificada tão somente para redução dos honorários advocatícios.

Frisa, assim, que depois de transcorrida mais de uma década de recebimento da pensão militar, foi surpreendia, já com oitenta e dois anos de idade, com a notícia de cessação do benefício, quadro agravado pelo fato de seu marido, pai do instituidor da pensão, ter falecido, daí porque a presente rescisória é proposta apenas pela ora autora.

Sustenta que os pais do militar não foram citados na ação originária, falha inescusável, considerando que constavam como beneficiários da pensão junto à folha de pagamento do órgão castrense e, portanto, tratando-se de demanda que tinha por objetivo a exclusão do seu direito à percepção do mencionado benefício, deveriam ter sido chamados para compor a lide.

Qualificando-se como terceira juridicamente interessada, defende que o julgado violou o artigo 114 do Código de Processo Civil, que prevê a formação de litisconsórcio passivo necessário em casos como o presente.

Também argumenta pela necessidade de rescisão sob o fundamento de que o julgado impugnado está alicerçado sobre sentença homologatória de pedido de justificação judicial (processo 2000.61.09.001751-2) proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de São Carlos, absolutamente incompetente para o julgamento daquele feito, considerando que caberia a Juízo da Vara Estadual de Família a apreciação daquele pleito, à luz do disposto no art. 9º da Lei nº 9.278/96. Insiste, assim, que a incompetência se dá de forma reflexa, autorizando a rescisão do julgado.

Por fim, também ampara o presente pedido em provas novas, consistentes em declarações autenticadas em Cartório e firmadas por terceiros que atestam que o instituidor da pensão, por ocasião do óbito, mantinha união estável com Márcia Lopes Rudiner Oliveira, que veio a óbito juntamente com o militar em decorrência do mesmo acidente que vitimou ambos. Acrescenta que o IV COMAR detinha declaração do falecido quanto à habilitação como dependentes apenas dos genitores e de uma irmã. Assevera, assim, que os documentos agora trazidos a lume desconstituem a convicção judicial quanto à existência de união estável entre o instituidor do benefício e a ré Marilene.

Bate-se pela possibilidade de prolação de juízo tanto rescisório, como rescindente, este último a permitir o julgamento do feito originário de molde a restabelecer a situação jurídica anteriormente existente.

Esclarece que o trânsito em julgado da decisão proferida no processo originário se deu em 6 de fevereiro de 2015, o que denota que a presente ação foi ajuizada dentro do prazo bienal previsto para tanto.

Atribui à causa o valor de R$ 156.522,00. Pleiteia a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.

A gratuidade da Justiça foi concedida à autora, bem como foi deferido, em parte, o pleito de concessão de tutela de urgência, determinando-se o rateio da pensão por morte entre a ora demandante e a ré Marilene (ID 90111465, p. 78/81).

Citada, a União Federal cingiu-se a afirmar que “reconhece a flagrante nulidade que contamina todo o Processo n° 0002939-03.2001.403.6109, inclusive a sentença que concedeu a liminar para a Sra Marilene receber a pensão em sua integralidade”. Alega que “os genitores do militar falecido não foram citados para integrar a lide como litisconsortes necessários da União, quando obrigatoriamente deveriam ter sido citados, uma vez que já vinham recebendo administrativamente a pensão por morte, quando o pagamento da mesma foi suspenso por ocasião do deferimento da liminar da Sra Marilene, suposta companheira”. Admite, assim, que não foi observada a necessidade de formação de litisconsórcio necessário, tal como previsto nos arts. 114 e 115 do CPC, de modo que a nulidade é evidente. Pleiteia a citação da ora autora no feito originário, bem como a suspensão da execução encetada naqueles autos (ID 90111465, p. 99/100).

A ré Marilene, por sua vez, ofereceu contestação (ID 90111465, p. 105/113). Requer a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. Aponta a ilegitimidade ativa da demandante, sob a alegação de que não provou o direito à percepção da pensão militar, o que não pode ser feito pela presente via. No mérito, bate-se pela improcedência do pedido, sustentando ter convivido maritalmente com o instituidor do benefício por mais de quinze anos, união que se estendeu até o momento do óbito deste, não se prestando para a revogação de seu direito a mera declaração entregue pelo militar à repartição pública, documento cuja veracidade impugna. Assevera o seu direito exclusivo ao recebimento do benefício cogitado.

Os benefícios da Justiça Gratuita foram deferidos à ré Marilene (ID 90111465, p. 115).

A autora apresentou réplica às respostas de ambas as requeridas, ainda como pugnou pela produção de provas testemunhal e documental (ID 90111466, p. 19/33).

Intimadas, a União Federal postulou a oitiva de testemunhas e a apresentação de documentos, enquanto a ré Marilene pleiteou a produção de prova testemunhal, a colheita do depoimento pessoal da autora e ainda a expedição de ofício ao INSS para esclarecimento quanto às aposentadorias e pensões recebidas pela demandante (ID 90111466, p. 37, 39/40, 42/43).

Instada, a autora acostou aos autos cópia do processo de origem (ID 90111466, p. 47, 49 e anexos 1 a 3), dando-se ciência a ambas as demandadas (ID 90111466, p. 53/54, 56).

Deferida a produção de prova documental (IDs 90111466, p. 50/51), a autora deixou escoar in albis o prazo para juntada (ID 90111466, p. 5), ao passo em que a União carreou aos autos os documentos sob ID 90111466, p. 59/61, IDs 90111467, 90111468, 90111469, 90111470 e ID 90108215, 5/7, sobre os quais se manifestou a demandante (ID 90108215, p. 12/13), tendo quedado inerte a ré Marilene (ID 90108215, p. 21).

O pedido de expedição de ofício ao INSS foi indeferido (IDs 90111466, p. 50/51 e 90108215, p. 9).

Os pleitos de oitiva de testemunhas e de colheita de depoimento pessoal da autora foram denegados (ID 90108215, p. 22), tendo apenas a autora se manifestado, registrando “protesto” contra o indeferimento da prova testemunhal (ID 90108215, p. 24).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 0014313-82.2016.4.03.0000

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

AUTOR: WILMA SANTA NALLI SCARAMUCCI

Advogado do(a) AUTOR: JOAO GABRIEL PIMENTEL LOPES - SP374669-A

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V O T O

 

 

De início, verifico que a ação rescisória foi ajuizada em 29 de julho de 2016 (ID 90111465, p. 2), dentro, portanto, do prazo bienal previsto no artigo 975 do Código de Processo Civil, já que a decisão rescindenda transitou em julgado em 6 de fevereiro de 2015 (ID 90111465, p. 45).

Refuto a arguição de ilegitimidade ativa deduzida pela ré Marilene.

A autora apresenta-se como terceira juridicamente interessada, sob a alegação de que deveria ter composto a relação processual do feito originário, mas não foi chamada àqueles autos.

Nessa qualidade, evidente a legitimidade da demandante. Aliás, o próprio artigo 967, inciso II do CPC atual, em vigor quando do trânsito em julgado da decisão rescindenda, legitima o “terceiro juridicamente interessado” para o ajuizamento da ação rescisória, assim como já o fazia o art. 487, inciso II do CPC/73 revogado.

E é evidente que esse é o caso dos autos, dada a linha de defesa encetada pela demandante quanto à arguição de necessidade de formação de litisconsórcio passivo no processo de origem, ao qual deveria ter sido chamada, segundo a sua ótica, mas dele não participou. Como a decisão final proferida naquele feito colheu a ora autora de chofre, ceifando-lhe o direito à percepção da pensão militar que até então recebia, incontestável o interesse jurídico que ostenta e, portanto, inequívoca a sua legitimidade para a propositura da presente rescisória.

Nesse sentido segue a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DE TERCEIRO. ART. 287, II, DO CPC. INTERESSE MERAMENTE DE ECONÔMICO OU DE FATO. ILEGITIMIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ART. 267, INCISO VI, DO CPC.

1. A legitimidade ativa para a propositura da ação rescisória, em princípio, é conferida às partes do processo no qual proferida a sentença rescindenda, posto que nada mais lógico do que os destinatários do comando judicial viciado pretenderem desconstituí-lo.

2. Como de sabença, o terceiro prejudicado, que de há muito é prestigiado pelos ordenamentos mais vetustos e que lhe permitem intervir em qualquer grau de jurisdição, também está habilitado à rescisão da sentença. Para esse fim, o seu legítimo interesse revela-se pela titularidade de relação jurídica conexa com aquela sobre a qual dispôs sentença rescindenda, bem como pela existência de prejuízo jurídico sofrido.

3. A doutrina especializada, ao discorrer acerca da definição de "terceiro juridicamente interessado", deixa assente que o interesse deste, ensejador da legitimação para propositura da rescisória, não pode ser meramente de fato, vez que, por opção legislativa os interesses meramente econômicos ou morais de terceiros não são resguardados pela norma inserta no art. 487 do CPC. É o que se infere, por exemplo, da lição de Alexandre Freitas Câmara, in verbis:  "(...) No que concerne aos terceiros juridicamente interessados, há que se recordar que os terceiros não são alcançados pela autoridade de coisa julgada, que restringe seus limites subjetivos àqueles que foram partes do processo onde se proferiu a decisão. Pode haver, porém, terceiro com interesse jurídico (não com interesse meramente de fato), na rescisão da sentença. Como regra, o terceiro juridicamente interessado será aquele que pode intervir no processo original como assistente. Considera-se, também, terceiro legitimado a propor a 'ação rescisória' aquele que esteve ausente do processo principal, embora dele devesse ter participado na condição de litisconsorte necessário." (in "Lições de Direito Processual Civil", vol. II. 10.ª ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2005, pp.24/25 - grifo nosso)

4. In casu, a parte autora, a despeito de ter sido indiretamente atingida de fato pelo decisum que pretende ver rescindido, não é parte legítima para a propositura da ação rescisória que se apresenta, vez que, consoante bem firmado pelo aresto rescindendo, naquela ação mandamental:"O direito em litígio não lhe pertence, haja vista que o ato administrativo tido por coator não lhe trouxe qualquer prejuízo, pelo que não tem legitimidade para sozinha reivindicá-lo. O que está sendo discutido, conforme já demonstrado, é a legalidade ou não de um ato administrativo que tem como sujeitos a impetrante e a parte impetrada, sem produzir efeitos que se enquadrem no panorama do art. 54, do CPC, em face da postulante". Isto porque mera licitante da área de pesquisa mineral que, por força de sentença concessiva trânsita em mandado de segurança, fora restituída à impetrante.

5. Ação rescisória extinta sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI).” (AR 3185, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJ 26/2/2007 p. 537) (grifei)

 

“LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA CONCEDIDA SEM A OUTORGA UXÓRIA. EXECUÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA PELA ESPOSA. TERCEIRO INTERESSADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CONFIGURADA.

1. A legitimidade ativa para a propositura da ação rescisória, em princípio, é conferida às partes do processo rescindendo, sendo certo que, o terceiro prejudicado também está habilitado à rescisão da sentença.

2. Nos termos do art. 487, inciso II, do Código de Processo Civil, tem legitimidade para propor ação rescisória o terceiro juridicamente interessado, assim compreendido aquele estranho à relação processual na qual foi proferida a decisão rescindenda, mas que por ela tenha sido reflexamente atingido.

3. A situação da Autora, meeira do bem penhorado para garantia de processo de execução de débitos oriundos de avença locatícia, amolda-se perfeitamente à condição de terceiro que possui interesse jurídico e não apenas econômico na desconstituição do julgado.

4. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 361630, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 1/3/2010) (grifei)

 

Por outro lado, a discussão sobre a pertinência do direito invocado pela autora para a percepção da pensão militar diz propriamente com o mérito da discussão, com o tema de fundo posto sob debate. Assim, estritamente sob o ângulo da legitimação ativa, nada há a opor ao prosseguimento desta rescisória.

Passo ao mérito do pedido.

Pela presente ação a autora pretende ver desconstituída a decisão monocrática deste tribunal que reconheceu para a ora demandada Marilene o direito ao recebimento de pensão militar, por força da constatação da existência de união estável com o instituidor do benefício, em processo entabulado entre a mencionada ré e a União Federal.

A linha mestra de defesa traçada pela autora é a de que não integrou a relação processual de origem, o que deveria ter sido observado naqueles autos em obediência ao quanto disposto no artigo 114 do CPC/2015, diante da hipótese de tratar-se de formação de litisconsórcio passivo necessário.

Por primeiro, entendo que não seja o caso de acolher o pedido sob o fundamento de decisão “proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente” (art. 966, inc. II, CPC).

Sob tal argumento, a autora defende que restou configurada a “incompetência reflexa”, já que o Juízo baseou o decisum rescindendo sobre anterior sentença de homologação de justificação judicial de reconhecimento da união estável, esta sim prolatada por Juízo (federal) incompetente, uma vez que caberia à Justiça Estadual o conhecimento desse tipo de pedido.

Tenho que a alegação não se sustenta, uma vez que a incompetência que fundamenta a rescisão do julgado é aquela verificada em âmbito endoprocessual, vale dizer, dentro mesmo daquele específico processo conduzido pelo magistrado, o que não se constatou no feito de origem.

O que se tem – e isso se entrosa com o mérito da discussão – é a possibilidade de sopesar se eventual sentença proferida em outro processo por Juízo alegadamente incompetente pode dar sustentação ao decreto de procedência do pedido formulado no feito originário. Mas isso, como se disse, é matéria que diz com o mérito, a ser considerada acaso se conclua pela rescisão do julgado e se se avançar sobre o juízo rescindendo.

De outro norte, tomo como suficiente para a desconstituição da decisão a arguição de violação à norma.

Com efeito, o processo de origem foi conduzido apenas entre a ora ré Marilene, como autora, e a ora demandada União, como ré.

O que se pretendia naqueles autos – e veio a ser alcançado pelo provimento final que se almeja rescindir pela presente – era o reconhecimento da existência de união estável entre a ré Marilene e o falecido militar instituidor do benefício guerreado, de molde a autorizar a concessão da pensão por morte.

No entanto, a ora autora e seu marido – e somente ela após o falecimento do esposo - eram os titulares da pensão militar debatida, o que tanto é admitido textualmente pela União, em relação à ora demandante, quando do oferecimento de sua resposta nestes autos (ID 90111465, p. 99/100), como também se colhe no tocante a ambos os genitores da leitura dos documentos sob IDs 90111467, p. 3/6 e 90111468, p. 29.

Assim, já que a decisão a ser proferida no feito originário resvalava frontalmente na esfera de interesse jurídico da autora – uma vez que eventual procedência daquele pedido teria o condão de retirar-lhe a pensão que recebia, com forte impacto sobre sua esfera de direitos -, de rigor o reconhecimento da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, com o chamamento à lide originária para exercer o direito de defesa.

O artigo 47 do CPC/73, vigente ao tempo da prolação da decisão rescindenda, assim dispunha, verbis:

 

“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.”

 

Já o artigo 114 do CPC/2015, vigente ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda, prevê:

 

“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.”

 

Como se vê, o Juízo deveria ter empreendido o chamamento dos litisconsortes no feito originário. Entretanto, esse tema sequer foi ventilado naqueles autos, tendo transitado em julgado decisão que não contemplava todos os partícipes da relação de direito material e em relação aos quais o magistrado necessariamente deveria ter analisado o pedido à luz dos direitos contrapostos naqueles autos.

Assim, resta clara a violação à norma e ainda aos princípios que asseguram o contraditório e a ampla defesa, eis que a coisa julgada jamais poderia ter se formado em desfavor de terceiro que não compôs a relação processual de origem – mas que deveria ter sido chamado para tanto -, tampouco a quem não se deu a oportunidade de defesa.

Portanto, inescapável concluir que aquele processo restou contaminado, viciado mesmo pela não formação do litisconsórcio passivo necessário, mostrando-se imperativa a solução de desconstituição do julgado.

É de se destacar, ainda, a possibilidade de manejo da ação rescisória em hipóteses como aquela cogitada no presente caso, em que talvez se aconselhasse mais propriamente o ajuizamento da denominada querela nullitatis. Não se há de admitir rigor excessivo que obstaculize o acesso ao Judiciário, tampouco impeça a concretização dos princípios da celeridade e da eficiência, este último alçado, pelo legislador do novo CPC, a vetor a ser alcançado também na seara processual (art. 8º, CPC/2015).

Nesse sentido tem se posicionado os Tribunais Superiores, como também esta e. Corte:

 

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, C/C ART. 487, II, DO CPC. PRELIMINARES: IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, DECADÊNCIA, PREQUESTIONAMENTO, LITISCONSÓRCIO, QUERELA NULLITATIS. CISÃO PARCIAL DE EMPRESA POSTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. SOLIDARIEDADE PASSIVA QUANTO AOS DÉBITOS DA SOCIEDADE CINDIDA. OBRIGAÇÃO DA RÉ DE COMUNICAR. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAR NULIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.

1. A impugnação ao valor da causa deve ser rejeitada por já haver trânsito em julgado sobre a questão.

2. O prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória inicia-se quando não for mais cabível recurso do último pronunciamento judicial, nos termos da Súmula 401/STJ.

3. Admite-se ação rescisória por violação de lei, mesmo que a decisão rescindenda não tenha emitido juízo sobre o dispositivo supostamente violado. Na ação rescisória dispensa-se o prequestionamento. Precedentes.

4. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em litisconsórcio unitário, todos os que foram parte no processo cuja sentença é objeto de rescisão.

5. Por alegada inexistência de citação, é possível debater-se a ausência de litisconsortes passivos necessários e a conseqüente anulação do feito rescindendo, tanto em ação rescisória quanto por meio de querela nullitatis, pois neste caso há concurso de ações. Precedentes.

6. Operada a cisão parcial, cria-se um vínculo de solidariedade passiva das sociedades beneficiárias quanto aos débitos anteriores da sociedade cindida, atingindo todas as sociedades interessadas (§ 3º art. 42 CPC).

7. Ocorrida a cisão parcial posteriormente ao ajuizamento da ação que pleiteava rescisão contratual e indenização, era obrigação da parte ré comunicar ao Juízo o fato, portanto há impossibilidade de alegar a nulidade que deu causa (art. 243 do CPC).

8. Ação rescisória improcedente.” (AR 3234, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, STJ, DJe 14/2/2014) (grifei)

 

“DIREITO  PROCESSUAL  CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.  NÃO  OCORRÊNCIA.  AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO REGULAR NA SEGUNDA INSTÂNCIA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE.

1.   Ação   rescisória  ajuizada  em  16.12.2011.  Recurso  especial atribuído ao gabinete em 25.08.2016. Julgamento: CPC/1973.

2.  Cinge-se  a  controvérsia a definir a possibilidade do manejo da ação  rescisória,  no  caso  de reconhecimento de nulidade absoluta, pela  falta de intimação do procurador do recorrente acerca dos atos processuais praticados no segundo grau de jurisdição.

3.  Ausente  o  vício  do  art.  535,  II  do CPC/73, rejeitam-se os embargos de declaração.

4.  A  exclusividade  da  querela  nullitatis  para  a declaração de nulidade  de  decisão  proferida  sem  regular  citação  das partes, representa solução extremamente marcada pelo formalismo processual. Precedentes.

5.  A  desconstituição do acórdão rescindendo pode ocorrer tanto nos autos  de ação rescisória ajuizada com fundamento no art. 485, V, do CPC/73  quanto  nos  autos  de  ação  anulatória, declaratória ou de qualquer outro remédio processual.

6. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 1456632, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, STJ, DJe 14/2/2017) (grifei)

 

“AÇÃO ORIGINÁRIA. AÇÃO RESCISÓRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 485, V DO CPC. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS CONCERNENTES À LITISPENDÊNCIA E AO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. ARTS. 47 E 301, V DO CPC E ART. 19 DA LEI Nº 1.533/51.

Competência originária desta Corte para julgar a presente ação reconhecida, nos termos do art. 102, I, n, CF, tendo em vista a manifestação de impedimento ou suspeição de mais da metade dos membros do Tribunal local. Acolhida, em parte, a preliminar de ausência de interesse de agir das autoras Mary Anne Israel Lopes e Anne Margareth Lopes Teixeira de Carvalho, eis que indiferente, quanto a estas, o resultado da presente ação. Alegação de litispendência afastada pela ausência de identidade entre os elementos partes, causa de pedir e pedidos, mediato e imediato, presentes no mandamus impetrado e na ação declaratória de convivência duradoura. Reconhecimento de violação, por parte do julgado rescindendo, do instituto do litisconsórcio necessário, pela ausência de citação da autora Ruth Israel Lopes, que deveria integrar a lide no pólo passivo, tendo em vista a possibilidade de alteração de sua situação jurídica de dependente, com a redução do valor da pensão por ela recebida. Precedentes: RE 100.411, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ 26.10.84, RE 91.246, Rel. Min. Cordeiro Guerra, DJ 18.12.81 e RE 91.735, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 22.10.82. Julgamento restrito ao iuris rescindens, uma vez que a correção do vício reconhecido não poderá ser realizada com a imediata reapreciação da causa por esta Corte, tornando-se necessária a remessa dos autos ao Juízo de origem, para citação da requerente e ulterior prolatação de sentença. Ação rescisória julgada parcialmente procedente.” (AO 851, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, STF, DJe 16/4/2004) (grifei)

 

“AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. OCORRÊNCIA. ARTIGO 47 DO CPC/73. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRINCÍPIO DA FUGIBILIDADE. RESCISÓRIA PROCEDENTE. NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS POSTERIORES À CITAÇÃO NO FEITO SUBJACENTE.

1. Publicada a r. decisão rescindenda e interposta a presente ação rescisória em data anterior a 18.03.2016, a partir de quando se torna eficaz o Novo Código de Processo Civil, as regras de interposição da presente ação a serem observadas em sua apreciação são aquelas próprias ao CPC/1973. Inteligência do art. 14 do NCPC.

2. Não tendo sido determinada a citação da esposa ou ex-esposa do falecido, beneficiária de pensão por morte, com vistas a integrar o polo passivo da demanda subjacente, resta caracterizada a infringência ao artigo 47, do Código de Processo Civil de 1973, e aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a todos assegurado como direito fundamental (CF, art. 5º, LV), verificando-se a presença de nulidade processual insanável.

3. Embora a ausência de citação de litisconsorte necessário impeça a constituição da relação processual e o trânsito em julgado da decisão, não há se falar em extinção da ação rescisória. Isso porque, conforme já decidido pela Segunda Seção do E. STJ, "é possível debater-se a ausência de litisconsortes passivos necessários e a consequente anulação do feito rescindendo, tanto em ação rescisória quanto por meio de querela nullitatis" (AR 3.234/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 14/02/2014).

4. O julgado rescindendo incorreu em violação a dispositivo legal, restando caracterizada a hipótese legal do inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973.

5. Condeno a ora ré ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil reais), cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC/2015, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, conforme entendimento majoritário da 3ª Seção desta Corte.

6. Ação rescisória julgada procedente. Declarada a nulidade de todos os atos processuais decisórios posteriores à citação do INSS no feito subjacente, a fim de que tenha regular processamento, com a devida citação de litisconsorte passivo necessário, e a realização dos demais procedimentos necessários ao deslinde daquela demanda.” (AR 0002565-53.2016.4.03.0000, Relatora Desembargadora Federal Lucia Ursaia, Terceira Seção, TRF 3ª Região, DJe 26/11/2019) (grifei)

 

Ressalto, por fim, que não se mostra possível adentrar o juízo de mérito da controvérsia posta na demanda de origem, cuja tramitação deve ser retomada para que se efetive a citação da ora autora naquele feito, com a formação de amplo contraditório e prolação de nova sentença, contemplando todos os sujeitos processuais envolvidos. Assim, a análise do argumento atinente à prova nova carreada pela demandante nestes autos (art. 966, inc. VII, CPC) resta prejudicada.

Face a todo o exposto, julgo procedente o pedido para o efeito de, a) em juízo rescindendo, desconstituir o acórdão proferido nos autos do processo n° 2001.61.09.002939-7; b) em juízo rescisório, anular, de ofício, a decisão proferida nos autos de origem e todos os atos decisórios ali prolatados, determinando o retorno do feito à Vara para regularização processual, com a citação de Wilma Santa Nalli Scaramucci para integrar o polo passivo daquela lide, na condição de litisconsorte passiva necessária, julgando prejudicada a apelação interposta pela União Federal naquele processo.

Considerando que a União não ofereceu resistência ao pedido posto nesta sede, chegando mesmo a anuir ao pleito, deixo de condená-la ao pagamento de honorários advocatícios nestes autos.

Por outro lado, condeno a ré Marilene da Silva Agne ao pagamento de verba honorária neste processo, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), devidamente atualizados por ocasião do efetivo pagamento, o que faço com fulcro no art. 85, § 8º do CPC, observados os benefícios da Justiça Gratuita concedidos à requerida.

Diante das particularidades do caso concreto, da natureza alimentar da verba debatida e da impossibilidade de prolação de juízo quanto ao mérito da controvérsia pelas razões acima delineadas, mantenho a tutela de urgência concedida nestes autos – o que implica o rateio do pagamento da pensão militar entre a ora autora e a ré Marilene - até que o Juízo do feito originário, retomando a tramitação daquele processo, reavalie a questão.

Sem comando quanto à destinação do depósito prévio, não realizado no caso concreto haja vista a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita à autora.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO BIENAL PARA O AJUIZAMENTO. OBSERVÂNCIA. TERCEIRO JURIDICAMENTE INTERESSADO. LEGITIMIDADE ATIVA. CONFIGURAÇÃO. DECISÃO RESCINDENDA: RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL E CONCESSÃO DE PENSÃO MILITAR POR MORTE. PROLAÇÃO DE DECISÃO POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. ARTIGO 966, INCISO II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NO FEITO DE ORIGEM. NECESSIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. AFRONTA AO ARTIGO 47 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/73, EQUIVALENTE AO ARTIGO 114 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. EFICÁCIA DA COISA JULGADA CONTRA TERCEIRO NÃO INTEGRANTE DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA AO INVÉS DE QUERELA NULLITATIS. POSSIBILIDADE. AFRONTA À NORMA. ARTIGO 966, INCISO V DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONFIGURAÇÃO. NOVO JULGAMENTO DO PROCESSO ORIGINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CITAÇÃO DO LITISCONSORTE E FORMAÇÃO DE AMPLO CONTRADITÓRIO NOS AUTOS DE ORIGEM. ANÁLISE DO PEDIDO SOB O VIÉS DA HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 966, INCISO VII DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARGUMENTO PREJUDICADO. MANUTENÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA ATÉ REAPRECIAÇÃO DO TEMA PELO JUÍZO DO FEITO ORIGINÁRIO. NECESSIDADE.

1. A ação rescisória foi ajuizada em 29 de julho de 2016, dentro, portanto, do prazo bienal previsto no artigo 975 do Código de Processo Civil, já que a decisão rescindenda transitou em julgado em 6 de fevereiro de 2015.

2. A autora apresenta-se como terceira juridicamente interessada, sob a alegação de que deveria ter composto a relação processual do feito originário, mas não foi chamada àqueles autos. Nessa qualidade, evidente a legitimidade da demandante. Aliás, o próprio artigo 967, inciso II do CPC atual, em vigor quando do trânsito em julgado da decisão rescindenda, legitima o “terceiro juridicamente interessado” para o ajuizamento da ação rescisória, assim como já o fazia o art. 487, inciso II do CPC/73 revogado.

3. Dada a linha de defesa encetada pela demandante quanto à arguição de necessidade de formação de litisconsórcio passivo no processo de origem, ao qual deveria ter sido chamada, segundo a sua ótica, mas dele não participou, evidente a sua legitimidade ativa para a presente rescisória. Como a decisão final proferida naquele feito colheu a ora autora de chofre, ceifando-lhe o direito à percepção da pensão militar que até então recebia, incontestável o interesse jurídico que ostenta e, portanto, inequívoca a sua legitimidade para a propositura da presente rescisória. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AR 3185 e REsp 361630).

4. Pela presente ação a autora pretende ver desconstituída a decisão monocrática deste tribunal que reconheceu para a ora demandada Marilene o direito ao recebimento de pensão militar, por força da constatação da existência de união estável com o instituidor do benefício, em processo entabulado entre a mencionada ré e a União Federal.

5. A linha mestra de defesa traçada pela autora é a de que não integrou a relação processual de origem, o que deveria ter sido observado naqueles autos em obediência ao quanto disposto no artigo 114 do CPC/2015, diante da hipótese de tratar-se de formação de litisconsórcio passivo necessário.

6. Não é o caso de acolhimento do pedido sob o fundamento de decisão “proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente” (art. 966, inc. II, CPC). Sob tal argumento, a autora defende que restou configurada a “incompetência reflexa”, já que o Juízo baseou o decisum rescindendo sobre anterior sentença de homologação de justificação judicial de reconhecimento da união estável, esta sim prolatada por Juízo (federal) incompetente, uma vez que caberia à Justiça Estadual o conhecimento desse tipo de pedido.

7. A alegação não se sustenta, uma vez que a incompetência que fundamenta a rescisão do julgado é aquela verificada em âmbito endoprocessual, vale dizer, dentro mesmo daquele específico processo conduzido pelo magistrado, o que não se constatou no feito de origem. O que se tem – e isso se entrosa com o mérito da discussão – é a possibilidade de sopesar se eventual sentença proferida em outro processo por Juízo alegadamente incompetente pode dar sustentação ao decreto de procedência do pedido formulado no feito originário. Mas isso é matéria que diz com o mérito, a ser considerada acaso se conclua pela rescisão do julgado e se se avançar sobre o juízo rescindendo.

8. O processo de origem foi conduzido apenas entre a ora ré Marilene, como autora, e a ora demandada União, como ré. O que se pretendia naqueles autos – e veio a ser alcançado pelo provimento final que se almeja rescindir pela presente – era o reconhecimento da existência de união estável entre a ré Marilene e o falecido militar instituidor do benefício guerreado, de molde a autorizar a concessão da pensão por morte.

9. No entanto, a ora autora e seu marido – e somente ela após o falecimento do esposo - eram os titulares da pensão militar debatida, o que tanto é admitido textualmente pela União, em relação à ora demandante, quando do oferecimento de sua resposta nestes autos, como também se colhe no tocante a ambos os genitores da leitura dos documentos carreados a este feito.

10. Já que a decisão a ser proferida no feito originário resvalava frontalmente na esfera de interesse jurídico da autora – uma vez que eventual procedência daquele pedido teria o condão de retirar-lhe a pensão que recebia, com forte impacto sobre sua esfera de direitos -, de rigor o reconhecimento da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, com o chamamento à lide originária para exercer o direito de defesa.

11. Tanto o artigo 47 do CPC/73, vigente ao tempo da prolação da decisão rescindenda, como o artigo 114 do CPC/2015, vigente ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda, preveem a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário em casos como o presente.

12. O Juízo deveria ter empreendido o chamamento dos litisconsortes no feito originário. Entretanto, esse tema sequer foi ventilado naqueles autos, tendo transitado em julgado decisão que não contemplava todos os partícipes da relação de direito material e em relação aos quais o magistrado necessariamente deveria ter analisado o pedido à luz dos direitos contrapostos naqueles autos.

13. Resta clara a violação à norma e ainda aos princípios que asseguram o contraditório e a ampla defesa, eis que a coisa julgada jamais poderia ter se formado em desfavor de terceiro que não compôs a relação processual de origem – mas que deveria ter sido chamado para tanto -, tampouco a quem não se deu a oportunidade de defesa. Inescapável concluir que aquele processo restou contaminado, viciado mesmo pela não formação do litisconsórcio passivo necessário, mostrando-se imperativa a solução de desconstituição do julgado.

14. É de se destacar a possibilidade de manejo da ação rescisória em hipóteses como aquela cogitada no presente caso, em que talvez se aconselhasse mais propriamente o ajuizamento da denominada querela nullitatis. Não se há de admitir rigor excessivo que obstaculize o acesso ao Judiciário, tampouco impeça a concretização dos princípios da celeridade e da eficiência, este último alçado, pelo legislador do novo CPC, a vetor a ser alcançado também na seara processual (art. 8º, CPC/2015). Precedentes dos Tribunais Superiores e também desta Corte (STJ: AR 3234 e REsp 1456632; STF AO 851; TRF 3ª Região: AR 0002565-53.2016.4.03.0000).

15. Impossibilidade de adentrar o juízo de mérito da controvérsia posta na demanda de origem, cuja tramitação deve ser retomada para que se efetive a citação da ora autora naquele feito, com a formação de amplo contraditório e prolação de nova sentença, contemplando todos os sujeitos processuais envolvidos. Assim, a análise do argumento atinente à prova nova carreada pela demandante nestes autos (art. 966, inc. VII, CPC) resta prejudicada.

16. Diante das particularidades do caso concreto, da natureza alimentar da verba debatida e da impossibilidade de prolação de juízo quanto ao mérito da controvérsia pelas razões delineadas, deve ser mantida a tutela de urgência concedida nestes autos – o que implica o rateio do pagamento da pensão militar entre a ora autora e a ré Marilene - até que o Juízo do feito originário, retomando a tramitação daquele processo, reavalie a questão.

17. Pedido julgado procedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu julgar procedente o pedido para o efeito de, a) em juízo rescindendo, desconstituir o acórdão proferido nos autos do processo n° 2001.61.09.002939-7; b) em juízo rescisório, anular, de ofício, a decisão proferida nos autos de origem e todos os atos decisórios ali prolatados, determinando o retorno do feito à Vara para regularização processual, com a citação de Wilma Santa Nalli Scaramucci para integrar o polo passivo daquela lide, na condição de litisconsorte passiva necessária, julgando prejudicada a apelação interposta pela União Federal naquele processo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.