Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013517-96.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: IRACI LIMA DE JESUS

Advogado do(a) APELANTE: REUTER MIRANDA - SP353741-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013517-96.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: IRACI LIMA DE JESUS

Advogado do(a) APELANTE: REUTER MIRANDA - SP353741-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.

A sentença, prolatada em 08.08.2017, julgou improcedente pedido inicial por não restar comprovado o requisito de deficiência/impedimento de longo prazo da parte autora exigido no §2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, conforme dispositivo que ora transcrevo:“Posto isto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, deixando de condenar a autora às custas processuais por ser beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita. Julgo extinto o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do CPC. Oficie-se a Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Indaiatuba informando sobre a situação de vulnerabilidade social da autora e requerendo a sua inclusão em programas de assistência social oferecidos pelo município. Fixo os honorários do procurador nomeado nos autos no valor máximo previsto em tabela. Expeça-se oportunamente a certidão de honorários. PRIC (Certifico e dou fé que, em cumprimento à determinação judicial de fls. 266/267, expedi ofício à Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Indaiatuba.”

Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença ao fundamento que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento parcial do apelo.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013517-96.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: IRACI LIMA DE JESUS

Advogado do(a) APELANTE: REUTER MIRANDA - SP353741-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).

A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."

No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

No caso dos autos, a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base na conclusão do perito judicial afirmando a inexistência de deficiência.

Confira-se:

“No caso em tela, realizada perícia médica, constatou o perito que a autora é hipertensa, diabética e apresenta dores na lombar, que a incapacitam para o trabalho. O laudo informa, ainda, que apesar da autora ser portadora de problemas de saúde crônicos, não pode ser considerada pessoa com deficiência. No tocante a carência econômica da requerente, epreende-se a situação de vulnerabilidade social do núcleo familiar da autora, que não aufere renda e depende de bolsa família e doações de terceiros para sua sobrevivência. Portanto, apesar da parte autora encontra-se em situação de carência, esta está apta para exercer atividade laborativa, não restando preenchido o requisito da incapacidade laboral para a concessão do benefício pretendido. Desta forma, não há como deferir o benefício pleiteado.”

Por sua vez, o laudo médico pericial (ID 87793887 – pág. 75/80), elaborado em 24.08.2016 e complementado em 15.05.2017 (ID 87793887 – pag. 104/105), revela que a autora, de acordo com o exame físico realizado,  apresenta lombalgia limitante, com impedimento de sua mobilidade que lhe causa dependência de terceiro. Informa que a autora não possui condições de trabalhar.

Depreende-se da leitura do laudo e da documentação médica apresentada, que a parte autora está acometida de patologias que resultam em incapacidade que constitui impedimento de longo prazo para o desenvolvimento de atividades que lhe garantam o sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.

Por sua vez, o estudo social (ID 87793885 - pag. 118/120), elaborado em 17.06.2016 e complementado em 24.08.2016 (ID 87793887 – pag. 61/63), revela que a autora vive com seu filho, em imóvel próprio (terreno doado), de alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e garagem, em precários estado de conservação e péssima higiene.   

A renda familiar advém do programa social Bolsa Família no valor de R$ 77,00. Recebe cesta básica da prefeitura e doação de roupas. Consta ainda que a autora alugou dois cômodos por R$ 400,00.

Informa despesas no importe de R$ 324,93 (alimentação/gás/energia elétrica/água/TV- net).

O relatório indica ainda o filho da autora está desempregado e faz uso de bebidas alcoólica e drogas ilícitas.

Da leitura do laudo social depreende-se que a autora, incapacitada para o labor, não possui meios de promover seu sustento e nem tê-lo provido por seu filho.

Desta forma, comprovada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo, nos termos do caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011, e, demonstrada a condição de miserabilidade/hipossuficiência, de rigor a concessão do benefício assistencial.

Entretanto, o extrato do sistema CNIS que acompanha o parecer ministerial de segundo grau indica que, em 02.05.2017, o filho da parte autora iniciou vínculo de trabalho formal, com salário de contribuição de aproximadamente R$ 1.100,00, valor superior ao salário mínimo vigente à época (R$ 937,00).

Assim, diante da significativa alteração das condições financeiras da família, o benefício assistencial é devido somente até 31 de maio de 2017.

Quanto ao termo inicial do benefício, é firme a jurisprudência no sentido de que o termo inicial do benefício assistencial deve ser fixado na data do seu pedido administrativo e, na sua ausência, na data da citação.

Nesta seara, constatada a existência de requerimento administrativo em 13.10.2015 (ID 87793587 – pag. 7), é nesta data que dever ser fixado o termo inicial do benefício assistencial concedido neste feito.

As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.

Inverto o ônus da sucumbência e condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% do valor da condenação, consoante o entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.

O art. 4º, I, da Lei 9.289/96, que dispõe sobre as custas devidas à União, estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal.

Entretanto, consoante disposto no § 1º do artigo 1º da mencionada lei, “rege-se pela legislação estadual respectiva a cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal.”. Conclui-se, assim, que a isenção de custas nas causas processadas na Justiça Estadual depende de lei local que a preveja.

Nesse passo, verifico que no que se refere às ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo, como in casu, a isenção de custas processuais para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS está assegurada nas Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03.

Diante do exposto DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte autora para reformando a sentença determinar a concessão do benefício assistencial no período de 13.10.2015 a 31.05.2017, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013517-96.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

 

EMENTA
 
 

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITOS COMPROVADOS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. TERMO FINAL DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. CUSTAS. JUSTIÇA ESTADUAL.

1.O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

2.Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).

3.A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial e concluiu que acarretam incapacidade que constitui impedimento para as atividades que garantam seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.

4.Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.

5.Preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.

6. Termo inicial do benefício assistencial fixado na data do pedido administrativo. Precedentes STJ.

7. Termo final. Benefício assistencial devido até alteração do quadro fático que promoveu o incremento significativo da renda familiar.

8. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.

9. A cobrança de custas nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal, rege-se pela legislação estadual.  Art. 1º, §1º, da Lei 9.289/96. As Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/03 asseguram a isenção de custas processuais ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nas ações que tramitam perante a Justiça Estadual de São Paulo.

10. Inversão do ônus da sucumbência. 

11. Apelação da parte autora parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.