APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0027072-34.2004.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: GIOVANNI TABOLACCI
Advogado do(a) APELANTE: SILVIA MEDEIROS DE ALMEIDA - SP135163
APELADO: UNIÃO FEDERAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0027072-34.2004.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: GIOVANNI TABOLACCI Advogado do(a) APELANTE: SILVIA MEDEIROS DE ALMEIDA - SP135163 APELADO: UNIÃO FEDERAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação interposta por Caterina Abba Tabolacci em face de sentença que julgou extinto o feito, com resolução do mérito, para decretar a decadência do direito afirmado pela autora. A ação ordinária foi proposta por Carina Abba Tabolacci em face da União Federal e do Banco Central do Brasil objetivando a restituição dos valores depositados em caderneta de poupança (nº 00056275-0), cujo saldo foi transferido ao Tesouro Nacional, por força das Leis nº 9.526/1997, nº 9.496/1997 e 9.814/1999, que estabeleceram prazos de recadastramento das contas, sob pena de conversão dos valores aos cofres públicos. Alegou que o saldo recolhido pelo Banco Central do Brasil não foi reclamado pelos autores dentro do prazo de 30 dias, previsto no § 3º, do artigo 1º, da Lei nº 9.526/97, e, em razão disso, os valores foram repassados para o Tesouro Nacional, como receita orçamentária, passando, pois, para o domínio da União. Alega que o referido preceito legal caracteriza ofensa dos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que julgou antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, I do CPC/73, para: a) relativamente ao Banco Central do Brasil, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva e extinguiu o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC/73; b) quanto à União Federal, extinguiu o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC/73, para decretar a decadência do direito afirmado pela autora; c) condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios aos réus, em proporções iguais, arbitrados em R$ 2.000,00; tornando suspensa a execução dessa verba, por ser a requerente beneficiária da assistência judiciária gratuita. Opostos embargos de declaração pela demandante, foi negado o seu provimento. Irresignada, a autora interpôs apelação sustentando, em síntese, a aplicação do princípio da irretroatividade da lei, ao argumento de que a sentença se amparou em lei posterior à abertura das contas reclamadas na inicial, que se deu em 1985 (a título de caução para garantia de aluguel), o que ensejou ofensa a direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, insculpidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileito e no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal. Além disso, aduz que a sentença deixou de aplicar o princípio da especialidade, sendo aplicável a Lei de Locações na espécie, exatamente por prever a a garantia na modalidade ofertada pela recorrente. Requer a reforma da sentença, o provimento do apelo e a inversão do ônus de sucumbência. Com contrarrazões (ID 90554481) É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0027072-34.2004.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: GIOVANNI TABOLACCI Advogado do(a) APELANTE: SILVIA MEDEIROS DE ALMEIDA - SP135163 APELADO: UNIÃO FEDERAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cinge-se a controvérsia em se determinar se houve a decadência do direito da autora de pleitear, judicialmente, o reconhecimento dos depósitos de contas não recadastradas junto às instituições financeiras, na forma das Resoluções do Conselho Monetário Nacional nº 2.025/1993 e 2.078/1994, conforme regramento da Lei nº 9.526/1997. Com efeito, o presente caso versa sobre a perda do prazo para se requerer, judicialmente, o reconhecimento do direito aos depósitos e não sobre o contrato de locação que motivou a abertura da conta de caderneta de poupança da autora. A lei infraconstitucional específica que rege a matéria é a Lei nº 9.526/97, alterada posteriormente pela Lei nº 9.814/99, que estabelece o prazo para a interposição de recursos existentes nas contas de depósito, cujos cadastros não foram objeto de atualização, ou que tenham sido repassados ao Tesouro Nacional em virtude da perda do prazo recursal quanto aos saldos remanescentes não reclamados (previsto no art. 1º, §3º desta lei), até 31de dezembro 2002 (art. 4º-A). Após esta data, os saldos das contas não recadastradas passaram ao domínio da União e repassados ao Tesouro Nacional. Vejamos: “Art. 1º Os recursos existentes nas conta s de depósitos, sob qualquer título, cujos cadastros não foram objeto de atualização, na forma das Resoluções do Conselho Monetário Nacional nºs 2.025 , de 24 de novembro de 1993, e 2.078 , de 15 de junho de 1994, somente poderão ser reclamados, junto às instituições depositárias, até 28 de novembro de 1997.” (...) “§ 2º Decorrido o prazo de que trata este artigo, os saldos não reclamados, remanescentes junto às instituições depositárias, serão recolhidos ao Banco Central do Brasil, na forma por este determinada, extinguindo-se os contratos de depósitos correspondentes na data do recolhimento.” “§ 3º A medida em que os saldos não reclamados remanescentes de que trata o parágrafo anterior forem sendo recolhidos ao Banco Central do Brasil, este providenciará a publicação no Diário Oficial da União de edital relacionando os valores recolhidos e indicando a instituição depositária, sua agência, a natureza e o número da conta do depósito, estipulando prazo de trinta dias, conta dos da sua publicação, para que os respectivos titulares contestem o recolhimento efetuado.” “§ 4º Do indeferimento da contestação cabe recurso, com efeito suspensivo, no prazo de dez dias, para o Conselho Monetário Nacional.” “Art. 2º Decorrido o prazo de que trata o § 3º do artigo anterior, os valores recolhidos não contestados passarão ao domínio da União, sendo repassados ao Tesoura Nacional como receita orçamentária.” (...) “Art. 3º O prazo para requerer judicialmente o reconhecimento de direito aos depósitos de que trata esta Lei é de seis meses, contado da publicação do edital a que faz menção o § 3º do art. 1º.” “Parágrafo único. Na hipótese de contestação ou recurso a que se referem os §§ 3º e 4º do art. 1º, o prazo de que trata este artigo contar-se-á da ciência da decisão administrativa indeferitória definitiva.” (...) “Art. 4o-A. Os recursos existentes nas contas de depósito, de que trata o art. 1o desta Lei, ou que tenham sido repassados ao Tesouro Nacional, nos termos do seu art. 2o, poderão ser reclamados junto às instituições financeiras, nos termos dos respectivos contratos, até 31 de dezembro de 2002. (Incluído pela Lei nº 9.814 de 1999).” Cumpre destacar que o referido prazo foi objeto de impugnação no Supremo Tribunal de Federal, no julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 1715/DF, que entendeu que a Lei nº 9.526/97 não é inconstitucional, na medida em que os prazos de prescrição e decadência são objeto de disposição infraconstitucional, tampouco ofende o princípio constitucional do ato jurídico perfeito, porquanto as novas normas são aplicáveis às relações jurídicas em curso. Confira-se a ementa do julgado: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. CONTA S DE DEPÓSITOS NÃO RECADASTRADOS. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.597, DE 10/11/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.526, DE 08/12/97. DIREITO DE PROPRIEDADE; PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; DIREITO DE HERANÇA; APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO; ATO JURÍDICO PERFEITO; DEVIDO PROCESSO LEGAL: PRECEITOS CONSTITUCIONAIS NÃO VIOLADOS. 1. A substancialidade da Lei nº 9.526, de 8 de dezembro de 1997, não é totalmente inovadora, uma vez que no seu contexto encontram-se alguns preceitos inspirados em paradigmas preexistentes no mundo jurídico, sobretudo na Lei nº2.313, de 3 de setembro de 1954, e na Lei nº 8.749, de 10 de dezembro de 1993. 2. Dada a natureza jurídica do contrato de depósito bancário, ocorre a transferência para o banco do domínio do dinheiro nele depositado; o depositante perde a qualidade de proprietário do bem depositado, passando a mero titular do crédito equivalente ao depósito e eventuais rendimentos, isto é, o depositante torna-se credor do depositário. 3. Na acepção ampla do conceito constitucional de propriedade, os valores depositados, convertidos em créditos e abandonados pelos credores, podem ser destinados a fins sociais mediante norma infraconstitucional. 4. As atividades bancárias sujeitam-se aos ditames do Poder Público; quem firma um contrato de depósito bancário para abertura e movimentação de conta adere às normas públicas atinentes, inclusive as que obrigam o recadastramento . Por isso, as Resoluções do Conselho Monetário Nacional nºs 2.025/93 e 2.078/94 não ofendem o princípio da legalidade. 5. A Constituição garante o direito de herança, mas a forma como esse direito se exerce é matéria regulada por normas de direito privado. 6. Os prazos de prescrição ou de decadência são objeto de disposição infraconstitucional. Assim, não é inconstitucional o dispositivo da Lei nº 9.526/97 que faculta ao interessado, no prazo de seis meses após exaurida a esfera administrativa, o acesso ao Poder Judiciário. 7. Não ofende o princípio constitucional do ato jurídico perfeito a norma legal que estabelece novos prazos prescricionais, porquanto estes são aplicáveis às relações jurídicas em curso, salvo quanto aos processos então pendentes. 8. A Lei nº 9.526/97 não contraria o preceito do devido processo legal, dado que prevê publicação, no Diário Oficial da União, do edital relacionando os valores recolhidos e indicando o nome do banco depositário, bem como o rito do contencioso administrativo e recurso ao Poder -Judiciário. 9. Medida cautelar indeferida.” (ADI 1715 MC / DF - Distrito Federal, Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 21/05/1998, Órgão Julgador: Tribunal Pleno) Nessa linha, confira-se precedente desta Corte Regional: “AÇÃO DE COBRANÇA PARA RESGATE DE SALDO DE POUPANÇA. DECADÊNCIA. 1. Os últimos depósitos nas respectivas cadernetas de poupança, conforme consignado pelo Juiz, ocorreram em 03/11/1961 e 13/10/1971. 2. O autor não mostrou ter reclamado a devolução dos depósitos nas contas perante a CEF no prazo fixado em lei (artigo 1º da Lei 9.814/99), o que denota a ocorrência de decadência por consubstanciar ato constitutivo do seu direito em questão que foi extinto pela inércia do titular. 3. "Com a publicação do edital, aos depositantes era concedido o prazo de 06 (seis) meses para reclamar judicialmente o direito sobre os valores. Posteriormente, o Art. 4o-A da Lei nº 9.526/97, incluído pela Lei nº 9.814/99, prorrogou o prazo para que os recursos existentes nas contas de depósito pudessem ser reclamados junto às instituições financeiras, até 31 de dezembro de 2002." (AC - Apelação Civel - 546583 0001641-38.2012.4.05.8500, Desembargador Federal Francisco Barros Dias, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/10/2012 - Página::288.) 4. Apelação desprovida.” (TRF-3 - ApCiv: 00005163320124036126 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, Data de Julgamento: 03/09/2019, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/09/2019) Na espécie, a autora além de perder o prazo previsto no art. 4º-A para interpor recurso administrativo junto à instituição financeira, também perdeu o prazo de 06 (seis) meses para reclamar judicialmente os saldos de depósitos em conta poupança transferidos ao Tesouro Nacional, previsto no art. 3º da Lei nº 9.526/1997, que se iniciou a partir da data da publicação desta lei, em 19 de janeiro de 1998. Desse modo, de rigor a manutenção da decisão que reconheceu a decadência do direito da apelante. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É COMO VOTO.
E M E N T A
AÇÃO ORDINÁRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. RESTITUIÇÃO DE SALDOS REPASSADOS AO TESOURO NACIONAL. PERDA DO PRAZO PARA RECLAMAÇÃO NAS VIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL. ARTIGOS 3º e 4º-A. LEI n. 9.526/1997. DECADÊNCIA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
01. Cinge-se a controvérsia em se determinar se houve a decadência do direito da autora de pleitear, judicialmente, o reconhecimento dos depósitos de contas não recadastradas junto às instituições financeiras, na forma das Resoluções do Conselho Monetário Nacional nº 2.025/1993 e 2.078/1994, conforme regramento da Lei nº 9.526/1997.
02. A lei infraconstitucional específica que rege a matéria é a Lei nº 9.526/97, alterada posteriormente pela Lei nº 9.814/99, que estabelece o prazo para a interposição de recursos existentes nas contas de depósito, cujos cadastros não foram objeto de atualização, ou que tenham sido repassados ao Tesouro Nacional em virtude da perda do prazo recursal quanto aos saldos remanescentes não reclamados (previsto no art. 1º, §3º desta lei), até 31de dezembro 2002 (art. 4º-A). Após esta data, os saldos das contas não recadastradas passaram ao domínio da União e repassados ao Tesouro Nacional.
03. No julgamento da Medida Cautelar na ADI nº 1715/DF, o Plenário do Supremo Tribunal de Federal entendeu que a Lei nº 9.526/97 não é inconstitucional, na medida em que os prazos de prescrição e decadência são objeto de disposição infraconstitucional; tampouco ofende o princípio constitucional do ato jurídico perfeito, porquanto as novas normas são aplicáveis às relações jurídicas em curso.
04. Na espécie, a autora além de perder o prazo previsto no art. 4º-A da Lei nº 9.526/97, para interpor recurso administrativo junto à instituição financeira, também perdeu o prazo de 06 (seis) meses para reclamar judicialmente os saldos de depósitos em conta poupança transferidos ao Tesouro Nacional (art. 3º), que se iniciou a partir da data da publicação desta lei, em 19 de janeiro de 1998.
05. Decadência mantida. Apelação improvida.