Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000714-25.2016.4.03.6128

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: MARIA DAS GRACAS RODRIGUES LIMA

Advogado do(a) APELANTE: ANA LETICIA PESSANHA PRADO BORTOLINI - SP342146

APELADO: UNIAO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000714-25.2016.4.03.6128

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: MARIA DAS GRACAS RODRIGUES LIMA

Advogado do(a) APELANTE: ANA LETICIA PESSANHA PRADO BORTOLINI - SP342146

APELADO: UNIAO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de apelação interposta pela MARIA DAS GRAÇAS RODRIGUES LIMA, em mandado de segurança impetrado contra ato praticado pelo GERENTE REGIONAL DO TRABALHO E EMPREGO DE JUNDIAÍ, objetivando a compensação das parcelas dos seguro-desemprego com aquelas recebidas indevidamente, para a liberação das prestações remanescentes do benefício.

 

A sentença, prolatada em 08/06/2016, denegou a segurança.

 

Em suas razões recursais, a impetrante pugna pela reforma do r. decisum, sob o fundamento de que é possível a compensação dos valores recebidos indevidamente com aqueles a que ela faria jus, em razão da dispensa imotivada, nos termos do artigo 2º da Resolução do CODEFAT n. 619/2009. Por conseguinte, pede a liberação da prestação remanescente do benefício.

 

O DD. Órgão do Ministério Público Federal, em seu parecer, afirma inexistir justificativa jurídica para sua intervenção no feito.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000714-25.2016.4.03.6128

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: MARIA DAS GRACAS RODRIGUES LIMA

Advogado do(a) APELANTE: ANA LETICIA PESSANHA PRADO BORTOLINI - SP342146

APELADO: UNIAO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

A controvérsia cinge-se ao exame da legalidade do ato praticado pela autoridade coatora que suspendeu a liberação de prestações do seguro desemprego.

 

O seguro-desemprego constitui direito social previsto no artigo 7º, II, da Constituição Federal de 1998, que visa prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa imotivada, inclusive a indireta, bem como aos obreiros comprovadamente resgatados de regimes de trabalho forçado ou da condição análoga à escravidão, nos termos do artigo 2, I, da Lei 7.998/90, com a redação dada pela Lei 10.608/2002.

 

O artigo 3º da Lei 7.998/90, em sua redação original, exigia como requisitos para a fruição desse benefício transitório, que o trabalhador comprovasse, além da dispensa imotivada:

 

"I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa;

II - ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;

III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;

IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e

V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família."

 

A Medida Provisória n. 665/2014, posteriormente convertida na Lei n. 13.134/2015, alterou o inciso I do artigo 3º da Lei 7.998/90, a fim de ampliar o prazo de duração do vínculo laboral exigido para a aquisição do direito ao seguro desemprego.

 

Neste sentido, estabeleceu-se que, por ocasião do primeiro requerimento, o obreiro deveria demonstrar a manutenção do contrato de trabalho por ao menos 12 (doze) meses. Já na segunda solicitação, bastava que o vínculo empregatício tivesse perdurado por 9 (nove) meses. Por fim, nos pedidos subsequentes, seria suficiente a demonstração de que o serviço foi prestado por, no mínimo, 6 (seis) meses.

 

Por fim, cumpre ressaltar que o direito ao seguro-desemprego é pessoal e intransferível, devendo ser exercido mediante requerimento formulado entre 7 (sete) e 120 (cento e vinte) dias após a rescisão do contrato de trabalho, sob pena de perda do direito ao beneplácito, em virtude da consumação do prazo decadencial, consoante o disposto nos artigos 6º da Lei 7.998/90 e 14 da Resolução 467/05 do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT.

 

Do caso concreto.

 

A impetrante, após ser dispensada do vínculo empregatício mantido junto à empresa FOXCONN BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, no período de 02 de abril de 2012 a 11 de abril de 2014, habilitou-se à percepção do seguro-desemprego em 15/05/2014, tendo recebido três parcelas do benefício. Todavia, em 01/07/2014, a impetrante foi reintegrada à empresa, por ter se descoberto que ela já se encontrava gestante por ocasião da dispensa imotivada. Por conseguinte, a extinção do referido contrato de trabalho só veio a ocorrer em 9 de setembro de 2015, conforme demonstra o segundo termo de rescisão anexado aos autos (ID 107301063 - p. 19).

 

Ao pleitear novamente o benefício de seguro desemprego, teve seu pleito indeferido, sob a alegação de que teria recebido parcelas indevidamente por ocasião da primeira rescisão do contrato de trabalho com a mesma empresa empregadora.

 

Entretanto, o indeferimento administrativo impugnado carece de legalidade.

 

Quanto a este ponto, é relevante destacar que a Lei n. 7.998/90 não condiciona o deferimento do seguro-desemprego à inexistência de débito do beneficiário junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

 

No mais, obstar a concessão de benefício legalmente previsto a quem, embora preencha todos os requisitos para sua fruição, possua débito administrativo anterior, atenta contra a dignidade humana, já que ignora a situação de vulnerabilidade social em que se encontra o trabalhador desempregado.

 

Ora, o ressarcimento ao erário deve ser buscado em ação própria, em que se assegure o exercício da ampla defesa e do contraditório ao suposto devedor, não sendo razoável, repise-se, constranger o obreiro temporariamente sem renda a fazer tal reparação, sob pena de privá-lo do acesso à proteção social do Estado.

 

Esta, aliás, é a orientação jurisprudencial dominante nesta Corte Regional, conforme se infere dos seguintes precedentes que trago à colação:

 

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. INDEFERIMENTO EM RAZÃO DE DÉBITO ANTERIOR. DESCABIMENTO.

I - Se o impetrante faz jus ao benefício, ilegal o ato que indefere a sua concessão, em razão da existência de débito anterior, porquanto vincular o recebimento do seguro-desemprego ao pagamento de dívida passada constitui um meio impróprio de forçar o pagamento, cuja cobrança deve ser feita através de ação própria.

II – Apelação da União e remessa oficial improvidas."

(TRF 3ª Região, 10ª Turma,  ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5000459-93.2018.4.03.6133, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 13/05/2020, Intimação via sistema DATA: 14/05/2020)

 

PREVIDENCIÁRIO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. PRERROGATIVA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. LEI COMPLEMENTAR Nº 80/94 E NCPC. MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO DESEMPREGO. COMPENSAÇÃO. DÉBITO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

I- Agravo de instrumento convertido em retido não conhecido, eis que não reiterado nas razões de apelação da impetrante.

II- A Lei Complementar nº 80, de 12/1/94, com a redação dada pela Lei Complementar nº 132/09, estabelece, em seu art. 44, inc. I, como prerrogativa dos membros da Defensoria Pública da União, o recebimento de intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, pelo recebimento, mediante entrega dos autos com vista, contando-se-lhes em dobro todos os prazos. Por sua vez, o art. 186 do Código de Processo Civil/15, confere à Defensoria Pública o prazo em dobro para todas as manifestações processuais, estabelecendo sua contagem a partir da intimação pessoal, seja por carga, remessa ou meio eletrônico, na forma do art. 183, § 1º, do mesmo estatuto legal. O exame dos autos revela que a Defensoria Pública da União não foi intimada pessoalmente da R. sentença proferida, considerando que a intimação ocorreu somente por meio de publicação no Diário Eletrônico. Preliminar acolhida, tornando sem efeito a certidão de trânsito em julgado de fls. 47 (id. 3095344 – pág. 29).

III- O seguro desemprego é um benefício constitucionalmente previsto visando prover assistência financeira temporária ao trabalhador dispensado involuntariamente.

IV- A Lei n.º 7.998/90 que regulamenta o programa do seguro desemprego dispôs em seu art. 3º, vigente à época do desligamento da impetrante, os requisitos para a concessão do benefício.

V- A impetrada apresentou informações, esclarecendo que "1- Em 10/11/206, após dispensa sem justa causa, a segurada ingressou com requerimento de Seguro-Desemprego, tendo recebido 02 (duas) parcelas nas respectivas datas: 26/12/2006 e 22/01/2007; 2- Ocorre que concomitantemente ao requerimento do seguro-desemprego, a segurada recebeu benefício previdenciário (auxílio-doença) que lhe foi pago de 28/11/2006 a 4/03/2007; 3- Em razão da resolução nº 467 de 21/12/2005 em seu inc. II que veda recebimento do seguro-desemprego por quem está em gozo de benefício previdenciário, as parcelas foram consideradas indevidas e houve bloqueio do seguro-desemprego para situações futuras; 4- A impetrante teve ciência do procedimento e de sua obrigação de restituir o Programa Seguro-Desemprego, optando na ocasião em que foi informada pela compensação do valor do débito, conforme lhe é facultado pela Resolução nº 619 de 05/11/2009; 5- Em 04 de agosto de 2011, com o novo requerimento para recebimento das parcelas referentes à dispensa ocorrida em 15/06/2011, foi encaminhado o processo para análise da Coordenação Geral do Seguro-Desemprego em Brasília para acolhimento da proposta de compensação das parcelas e consequente liberação dos valores a que tem direito a segurada, ora impetrante".

VI- Verifica-se ser indevido o Ministério do Trabalho e Emprego condicionar o recebimento de novo seguro desemprego ao adimplemento de parcelas anteriores recebidas indevidamente, haja vista não constar da legislação acima mencionada como requisito para o trabalhador dispensado sem justa causa obter o benefício. A eventual anuência da segurada pelo processo administrativo de compensação de parcelas não tem o condão de legitimar a restituição, considerando dispor a Administração Pública da ação de cobrança para reaver o que entende ser devido, contemplando o princípio do devido processo legal, e as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Precedentes desta Corte.

VII- Acolhida a matéria preliminar. No mérito, apelação da impetrante provida. Agravo retido não conhecido.  

(TRF 3ª Região, 8ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002356-55.2018.4.03.6102, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, julgado em 07/10/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/10/2019)

                                   

A impetrante, contudo, não almeja o mero reconhecimento da ilegalidade da razão do indeferimento invocada pela autoridade coatora, mas sim objetiva a quitação de seu saldo devedor junto ao FAT, mediante a compensação dos valores por ela recebidos indevidamente com aqueles a que faria jus, em razão de sua dispensa imotivada, a fim de poder usufruir das prestações remanescentes do benefício.

 

A pretensão comporta acolhimento, uma vez que tal possibilidade encontra-se expressamente prevista no artigo 2º da Resolução n. 619/2009, in verbis:  

 

"Art. 2º Constatado o recebimento indevido e a obrigação de restituição pelo trabalhador por ocasião do processamento de novo benefício, o MTE promoverá a compensação, nas datas de liberação de cada parcela, dos valores devidos ao Erário Público com o saldo de valores do novo benefício".

 

Ante o exposto, dou provimento à apelação interposta pela impetrante, para reformar a sentença de 1º grau e acolher o pedido de compensação dos valores por ela recebidos indevidamente, no período de 16/06/2014 a 13/08/2014, com aqueles a que ela faria jus, em razão da dispensa imotivada ocorrida em 08/09/2015, a fim de que a parte recorrente possa usufruir das parcelas remanescente do seguro-desemprego.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURO-DESEMPREGO. DEMISSÃO E POSTERIOR REINTEGRAÇÃO. FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO DURANTE A PRIMEIRA DISPENSA IMOTIVADA. COMPENSAÇÃO COM OS VALORES DEVIDOS APÓS A RESCISÃO DEFINITVA DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 2º DA RESOLUÇÃO 618/2009 DO CODEFAT. APELAÇÃO DA IMPETRANTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.

1 - A impetrante, após ser dispensada do vínculo empregatício mantido junto à empresa FOXCONN BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, no período de 02 de abril de 2012 a 11 de abril de 2014, habilitou-se à percepção do seguro-desemprego em 15/05/2014, tendo recebido três parcelas do benefício. Todavia, em 01/07/2014, a impetrante foi reintegrada à empresa, por ter se descoberto que ela já se encontrava gestante por ocasião da dispensa imotivada. Por conseguinte, a extinção do referido contrato de trabalho só veio a ocorrer em 9 de setembro de 2015, conforme demonstra o segundo termo de rescisão anexado aos autos (fl. 20).

2 - Ao pleitear novamente o benefício de seguro desemprego, teve seu pleito indeferido, sob a alegação de que teria recebido parcelas indevidamente por ocasião da primeira rescisão do contrato de trabalho com a mesma empresa empregadora.

3 - Entretanto, o indeferimento administrativa impugnado carece de legalidade.

4 - A Lei n. 7.998/90 não condiciona o deferimento do seguro-desemprego à inexistência de débito do beneficiário junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

5 - Obstar a concessão de benefício legalmente previsto a quem, embora preencha todos os requisitos para sua fruição, possua débito administrativo anterior, atenta contra a dignidade humana, já que ignora a situação de vulnerabilidade social em que se encontra o trabalhador desempregado.

6 - Ora, o ressarcimento ao erário deve ser buscado em ação própria, em que se assegure o exercício da ampla defesa e do contraditório ao suposto devedor, não sendo razoável, repise-se, constranger o obreiro temporariamente sem renda a fazer tal reparação, sob pena de privá-lo do acesso à proteção social do Estado. Precedentes.

7 - A impetrante, contudo, não almeja o mero reconhecimento da ilegalidade da razão do indeferimento invocada pela autoridade coatora, mas sim objetiva a quitação de seu saldo devedor junto ao FAT, mediante a compensação dos valores por ela recebidos indevidamente com aqueles a que faria jus, em razão de sua dispensa imotivada, a fim de poder usufruir das prestações remanescentes do benefício. A pretensão comporta acolhimento, uma vez que tal possibilidade encontra-se expressamente prevista no artigo 2º da Resolução n. 619/2009.

8 - Apelação da impetrante provida. Sentença reformada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação interposta pela impetrante, para reformar a sentença de 1º grau e acolher o pedido de compensação dos valores por ela recebidos indevidamente, no período de 16/06/2014 a 13/08/2014, com aqueles a que ela faria jus, em razão da dispensa imotivada ocorrida em 08/09/2015, a fim de que a parte recorrente possa usufruir das parcelas remanescente do seguro-desemprego, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.