AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5008379-19.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) AGRAVANTE: SILVIA HELENA SERRA - MS23170-B
AGRAVADO: ELDORADO BRASIL CELULOSE S/A
Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO BENDHEIM SANTAROSA - SP290715
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5008379-19.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) AGRAVANTE: SILVIA HELENA SERRA - MS23170-B AGRAVADO: ELDORADO BRASIL CELULOSE S/A Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO BENDHEIM SANTAROSA - SP290715 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: Ação Declaratória de nulidade de ato administrativo, com pedido de tutela de urgência, movida por Eldorado Brasil Celulose S/A em face da União, em que se objetiva a declaração de nulidade da Portaria n. 126/2019, editada pela Diretoria de Operações da Polícia Rodoviária Federal – DIROP, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, em que restringe o trânsito de “Veículos e Combinações de Veículos excedentes em peso e ou dimensões aos limites máximos estabelecidos pela Resolução n. 210/2006 do Conselho Nacional de Trânsito e suas alterações, passíveis ou não da concessão de Autorização Especial de Trânsito – AET ou Autorização Específica – AE, em rodovias federais nos períodos dos feriados do ano calendário de 2020”. Diz a empresa “...que, para que possa abastecer seus clientes, a produção da fábrica é contínua e a suspensão do transporte nos feriados estabelecidos pela Portaria n. 126/2019 implica risco de paralização da produção e do fornecimento de produtos, o que pode causar-lhe prejuízos econômicos sem precedentes, uma vez que depende da malha rodoviária do país como única alternativa para o transporte de suas mercadorias. Sustenta que a Polícia Rodoviária Federal não tem competência para regular o assunto, já que essa atribuição não consta do rol estabelecido no art. 20 do Código de Trânsito Brasileiro e no Decreto n. 1.655/95, cabendo ao CONTRAN a restrição da circulação de veículos e a regulamentação do assunto, nos termos do art. 12 do CTB”. O Juízo deferiu antecipação de tutela considerando “que a Portaria nº 126/2019 é ilegal, pois disciplina, em caráter genérico e abstrato, restrições à livre circulação de determinados veículos de carga em território nacional”, concluindo que “...a limitação imposta pelo ato supracitado afeta o livre exercício da atividade empresarial, uma vez que impede a circulação de determinadas categorias de veículos de cargas utilizados para o transporte da produção da empresa autora. Fato que evidencia a possibilidade de prejuízo de difícil reparação”. Deferido o pedido antecipação de tutela recursal para o fim de cassar a decisão “a qua” (ID 129868616). Contraminuta da parte agravada pelo improvimento do recurso (ID 132172859). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5008379-19.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) AGRAVANTE: SILVIA HELENA SERRA - MS23170-B AGRAVADO: ELDORADO BRASIL CELULOSE S/A Advogado do(a) AGRAVADO: FABIO BENDHEIM SANTAROSA - SP290715 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator: As alegações expendidas pela parte agravada não infirmam os fundamentos da decisão do Relator. Salta aos olhos que a presente ação visa apenas a comodidade empresarial da autora, pois o que se vê é que a Polícia Rodoviária Federal, visando diminuir o catastrófico número de acidentes de trânsito em nossas rodovias federais – a maioria provocada pelos veículos pesados – restringiu, por meio da Portaria DIROP n. 126/2019, apenas a circulação, no caso da agravada, de combinações de veículos de cargas (CVC) em rodovias federais de pista simples, ao longo de 2020, nos seis feriados prolongados (Carnaval, Semana Santa, Dia do Trabalho, Independência, Nossa Senhora Aparecida, Finados e Fim de Ano), sendo apenas 6 horas de restrição em cada um dos 23 dias selecionados, o que totaliza meras 138 horas de restrição (informação dada pela agravante, que goza de presunção de legitimidade). Resta claro que a limitação restringe-se - e apenas nas rodovias de pistas simples e somente em dias específicos em que há maior volume de veículos de passeio, obviamente ocupados pelas pessoas que morrem ou se ferem nos acidentes - unicamente para os veículos e combinações de veículos, passíveis ou não de Autorização Especial de Trânsito (AET) ou Autorização Específica (AE), cujo peso ou dimensão exceda qualquer um dos limites regulamentares (largura máxima de 2,60 metros; altura máxima de 4,40 metros; comprimento total de 19,80 metros) e peso bruto total combinado (PBTC) de 57 toneladas. A proibição abrange também o trânsito de Combinações de Transporte de Veículos (CTV) e Combinações de Transporte de Veículos e Cargas Paletizadas (CTVP). Não há o menor vestígio de dano irreparável às atividades comerciais da agravada, que não mostra sensibilidade para os riscos decorrentes da circulação de veículos longos e muito pesados em dias restritos, onde a periculosidade dessa circulação (nas vias de pista simples) para os veículos menores e seus ocupantes é manifesta. O intuito da demanda é apenas econômico e injustificável, eis que não há o menor vestígio de paralisação das atividades da firma diante da restrição (por apenas seis horas) – e não o impedimento – de circulação de algumas espécies de caminhões. A empresa não está impedida de funcionar e menos ainda irá à bancarrota por causa de uma medida administrativa destinada a preservar a segurança nas estradas em dias específicos. No ponto, a minuta de agravo destaca com precisão: “a restrição de circulação imposta pela PRF nas rodovias federais é direcionada aos veículos que possuem característica que, por suas dimensões e peso, trazem perigo ao compartilhamento de espaço com os veículos de menor porte, em pistas simples, apenas nos períodos de feriados em que o fluxo de veículos de menor porte é aumentado”. O ganho econômico não se sobrepõe à perda de vidas, pelos menos no Estado Democrático de Direito em que teimamos em viver. Por isso que a portaria combatida amolda-se ao princípio geral agasalhado no § 5º do art. 1º do CTB: “Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente”. A propósito desse princípio, vem à baila a lição de José Almeida Sobrinho (in Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 10): “Antes de pensar em fluidez do trânsito, regularidade documental ou arrecadação de pedágio, o poder público deve priorizar as medidas de preservação, seja da vida, seja do meio ambiente nas vias sob sua responsabilidade. É uma obrigação indeclinável e prioritária dos órgãos de trânsito e rodoviários componentes de nosso Sistema Nacional de Trânsito”. Aqui, convém destacar que a Polícia Rodoviária Federal é, ‘ex lege’, um órgão componente do Sistema Nacional de Trânsito. Quanto a competência para a edição da portaria, tem-se que a Polícia Rodoviária Federal integra o Sistema Nacional de Trânsito (art. 7º, V, CTB), sendo que os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito têm por finalidade o exercício das atividades – dentre outras – de operação do sistema viário, seu policiamento e fiscalização (art. 5º). Nesse cenário, o art. 20 do CTB enuncia que é da competência da Polícia Rodoviária Federal “implementar as medidas da Política Nacional de Segurança e Educação de Trânsito” (inc. VIII). A justificativa normativa para a edição da portaria acha-se devidamente indicada no seu preâmbulo (“...atribuições que lhe foram conferidas pelo art. 2º, II, "h", 3, c/c art. 50, ambos do Anexo I do Decreto nº 9.662, de 1º de janeiro de 2019, publicado na seção 1 - Extra, de 02 de janeiro de 2019, do Diário Oficial da União, alterado pelo Decreto nº 10.073, de 18 de outubro de 2019, publicado na seção 1 - Extra, de 18 de outubro de 2019, do Diário Oficial da União; observado o que preconiza os artigos 1°, 2°, 20 e § 1º do artigo 269, da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), bem como as Resoluções nº 210/06, 211/06, 520/15, 564/15, 701/17 e nº 735/18, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), e Resolução nº 01/16, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)...”). Por fim, recordo que, a situação posta na inicial sequer é a mesma, já que a Portaria nº. 45/2020/DIROP, de 03/04/2020 ainda veio diminuir o alcance da portaria ora atacada na emergência da Peste Covid-19. Não há razoabilidade na suspensão de uma portaria que se acha justificada à luz das regras normativas e visa a proteção da vida e da saúde dos usuários das rodovias federais construídas em pistas simples. Esses argumentos representam o bastante para a apreciação do caso, recordando-se que “o órgão julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Precedentes: AgInt nos EDcl no AREsp 1.290.119/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 30.8.2019; AgInt no REsp 1.675.749/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23.8.2019; REsp 1.817.010/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.8.2019; AgInt no AREsp 1.227.864/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 20.11.2018” (AREsp 1535259/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019). Aliás, “No julgamento do AI 791.292-QO-RG/PE (Rel. Min. GILMAR MENDES, Tema 339), o Supremo Tribunal Federal assentou que o inciso IX do art. 93 da CF/1988 exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas” (RE 883.399 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 17/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 26-09-2018 PUBLIC 27-09-2018). Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTRIÇÃO AO TRÁFEGO DE VEÍCULOS EXCEDENTES EM PESO E OU DIMENSÕES EM RODOVIAS FEDERAIS DE PISTA SIMPLES NOS PERÍODOS DE FERIADOS. LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO EDITADO PELA DIRETORIA DE OPERAÇÕES DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1. Agravo de instrumento da União Federal interposto em face da decisão que deferiu a tutela antecipada para afastar as limitações impostas à circulação de veículos em rodovias federais pela Portaria DIROP/PRF nº 126/2019.
2. Salta aos olhos que a presente ação visa apenas a comodidade empresarial da autora, pois o que se vê é que a Polícia Rodoviária Federal, visando diminuir o catastrófico número de acidentes de trânsito em nossas rodovias federais – a maioria provocada pelos veículos pesados – restringiu, por meio da Portaria DIROP/PRF nº 126/2019, apenas a circulação, no caso da agravada, de combinações de veículos de cargas (CVC) em rodovias federais de pista simples, ao longo de 2020, nos seis feriados prolongados (Carnaval, Semana Santa, Dia do Trabalho, Independência, Nossa Senhora Aparecida, Finados e Fim de Ano), sendo apenas 6 horas de restrição em cada um dos 23 dias selecionados, o que totaliza meras 138 horas de restrição (informação dada pela agravante, que goza de presunção de legitimidade).
3. O intuito da demanda é apenas econômico e injustificável, eis que não há o menor vestígio de paralisação das atividades da firma diante da restrição (por apenas seis horas) – e não o impedimento – de circulação de algumas espécies de caminhões. A empresa não está impedida de funcionar e menos ainda irá à bancarrota por causa de uma medida administrativa destinada a preservar a segurança nas estradas em dias específicos, onde a periculosidade dessa circulação (nas vias de pista simples) para os veículos menores e seus ocupantes é manifesta.
4. O ganho econômico não se sobrepõe à perda de vidas, pelos menos no Estado Democrático de Direito em que teimamos em viver. Por isso que a portaria combatida amolda-se ao princípio geral agasalhado no § 5º do art. 1º do CTB: “Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente”.
5. Quanto a competência para a edição da portaria, tem-se que a Polícia Rodoviária Federal integra o Sistema Nacional de Trânsito (art. 7º, V, CTB), sendo que os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito têm por finalidade o exercício das atividades – dentre outras – de operação do sistema viário, seu policiamento e fiscalização (art. 5º). Nesse cenário, o art. 20 do CTB enuncia que é da competência da Polícia Rodoviária Federal “implementar as medidas da Política Nacional de Segurança e Educação de Trânsito” (inc. VIII). A justificativa normativa para a edição da portaria acha-se devidamente indicada no seu preâmbulo (“...atribuições que lhe foram conferidas pelo art. 2º, II, "h", 3, c/c art. 50, ambos do Anexo I do Decreto nº 9.662, de 1º de janeiro de 2019, publicado na seção 1 - Extra, de 02 de janeiro de 2019, do Diário Oficial da União, alterado pelo Decreto nº 10.073, de 18 de outubro de 2019, publicado na seção 1 - Extra, de 18 de outubro de 2019, do Diário Oficial da União; observado o que preconiza os artigos 1°, 2°, 20 e § 1º do artigo 269, da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), bem como as Resoluções nº 210/06, 211/06, 520/15, 564/15, 701/17 e nº 735/18, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), e Resolução nº 01/16, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)...”).
6. Não há razoabilidade na suspensão de uma portaria que se acha justificada à luz das regras normativas e visa a proteção da vida e da saúde dos usuários das rodovias federais construídas em pistas simples.
7. Agravo de instrumento provido.