Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012976-13.2015.4.03.6105

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DOUGLAS DA SILVA DE ABREU

Advogado do(a) APELANTE: LAURO CAMARA MARCONDES - SP85534-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012976-13.2015.4.03.6105

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DOUGLAS DA SILVA DE ABREU

Advogado do(a) APELANTE: LAURO CAMARA MARCONDES - SP85534-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):

Trata-se de ação de consignação em pagamento ajuizada por Douglas da Silva de Abreu contra a CEF em que se pretende o pagamento das prestações de contrato de mútuo habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH pelos valores reputados corretos pelo requerente.

Alega a parte autora que em 30/04/2013 firmou contrato de financiamento imobiliário com a CEF e que por conta de dificuldades financeiras e problemas de saúde tornou-se inadimplente em relação as prestações do financiamento que venceram a partir de maio de 2013, havendo recusa da instituição financeira em renegociar o contrato. Sustenta que a CEF cobrou indevidamente taxa de juros remuneratórios de 10,64% ao ano ao invés de 8,51% conforme prometido, cumulação de comissão de permanência com multa compensatória e juros moratórios, abusividade na multa moratória de 10% quando deveria ser limitada a 2% e onerosidade excessiva no decorrer do contrato, postulando ainda a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e autorização para a utilização do saldo de sua conta vinculada ao FGTS para o pagamento da dívida.

Foi proferida sentença de improcedência do pedido (Id 107931301) e a parte autora foi condenada ao pagamento dos honorários advocatícios no percentual de 10% do valor da causa, observada a concessão da gratuidade judiciária.

Apela a parte autora, reiterando os pedidos da inicial.

Sem contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012976-13.2015.4.03.6105

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DOUGLAS DA SILVA DE ABREU

Advogado do(a) APELANTE: LAURO CAMARA MARCONDES - SP85534-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):

 

O Código Civil prevê, em seu artigo 335, as hipóteses nas quais a ação de consignação em pagamento é admitida. In verbis:

 

Art. 335. A consignação tem lugar:

I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;

III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;

V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

 

E o artigo 336 do referido diploma legal também dispõe que "Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento".

Por seu turno, o artigo 893 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da propositura da ação, discorre sobre os requisitos específicos da peça inaugural da ação consignatória, sendo fundamental, segundo tal preceito, que o autor requeira o depósito da quantia ou da coisa devida a ser efetivado no prazo legal, bem como a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta, ademais de, se o caso, comprovar que houve injusta recusa ou mora em receber a quantia devida, bem como que o pagamento teria sido efetuado na data e lugar, de maneira integral.

No caso, o autor ajuizou a presente ação consignatória em 11/09/2015, objetivando a citação do banco credor para receber o valor de R$ 472,93 (quatrocentos e setenta e dois reais e noventa e três centavos), relativo às prestações de financiamento habitacional, as quais se encontravam inadimplidas desde junho de 2013 (Id 107931299 – Pág. 76), sendo que os valores exigidos pela instituição financeira (R$ 1.787,66) não estão sendo consignados, mas sim aqueles que o apelante reputa correto.

Tanto na inicial quanto na peça de apelação, o autor sustenta ter deixado de pagar referidas parcelas porque a prestação mensal teria atingido nível incompatível com os seus rendimentos, tendo em vista dificuldades financeiras e problemas de saúde, considerando que a instituição financeira credora desrespeitou cláusulas contratuais. Ao ser informado pela ré que esta aceitaria apenas o recebimento do valor integral das prestações em atraso, alegou o autor ter a credora se recusado ao recebimento da obrigação.

Não obstante suas alegações, em momento algum o autor comprovou a recusa de recebimento por parte do réu. Todavia, esse requisito se faz essencial ao prosseguimento da ação de consignação em pagamento, nos termos do artigo 890, §3º, do Código de Processo Civil de 1973:

 

§ 3º. Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, o devedor ou terceiro poderá propor, dentro de 30 (trinta dias), a ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa.

 

E mesmo que se entenda tratar a exigência contida no mencionado dispositivo legal como de excessivo rigor formalista, certo é que sem a efetiva demonstração da recusa do pagamento pela credora, à ação de consignação em pagamento não poderia ter sido dado provimento, como de fato não foi.

Nesse sentido já decidiu este Tribunal Regional Federal da Terceira Região:

 

AGRAVO LEGAL. ADMINISTRATIVO. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. RECUSA INCOMPROVADA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. O pagamento mediante consignação funda-se no pressuposto de que, se o credor tem direito de cobrar, o devedor também tem direito subjetivo e interesse econômico e moral de pagá-lo, já pelas repercussões da mora em seu patrimônio e em seu crédito, já pelos incômodos que lhe poderão advir do inadimplemento da obrigação.

2. A autora não logrou comprovar a recusa da empresa ré em receber o valor devido pelos serviços contratados.

3. Não há elementos novos capazes de alterar o entendimento externado na decisão monocrática.

4. Agravo legal improvido.

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC 0011899-52.2013.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 12/03/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2015)

 

Em outro giro, a discussão em torno de eventual desrespeito ou abusividade das cláusulas contratuais pactuadas é matéria reservada à ação ordinária, na qual se pleiteie a revisão contratual. Desse modo, não pode ser conhecido o recurso que, em ação de consignação em pagamento, verse sobre matéria de mérito atinente às cláusulas contratuais.

Ainda que se trate de questões que, segundo alega o apelante, estejam na raiz do que viria a afastar sua mora, não vislumbro a possibilidade de que a discussão das cláusulas contratuais possa ser desenvolvida no bojo de ação consignatória, sob pena de desvirtuar o procedimento especial para ela previsto no Código de Processo Civil.

Esse entendimento espelha decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a mora, em ação de consignação em pagamento, apenas poderia ser afastada pelo reconhecimento, em ação revisional, da abusividade dos encargos pactuados:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. REVISIONAL DE CONTRATO C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. MORA NÃO AFASTADA. DECISÃO MANTIDA.

1.- O simples ajuizamento de ação revisional, com a alegação da abusividade das cláusulas contratadas, não importa no reconhecimento do direito do contratante à antecipação da tutela, sendo necessário o preenchimento dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil.

2.- Para que seja deferido o pedido de manutenção do devedor na posse do bem, é indispensável que este demonstre a verossimilhança das alegações de abusividade das cláusulas contratuais e dos encargos financeiros capazes de elidir a mora, bem como deposite o valor incontroverso da dívida ou preste caução idônea.

3.- Se não foi reconhecida, na ação revisional em curso, a abusividade dos encargos pactuados para o período da normalidade, é de se entender que os valores depositados pelo recorrente não são suficientes. Impossível, dessa forma, ter por afastada a mora.

4.- O agravo não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

5.- Agravo Regimental improvido.

(STJ, AgRg no REsp 1373600/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 05/06/2013)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INTERDITO PROIBITÓRIO. BEM OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MORA DO DEVEDOR DESCARACTERIZADA NA AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO CONEXA. MANUTENÇÃO NA POSSE.

1.- Julgado parcialmente procedente o pedido formulado na ação consignatória cumulada com revisional de contrato conexa, e determinada a apuração do restante devido pelo ora recorrido em liquidação de Sentença, nos autos daquele processo, resta descaracterizada a mora do devedor, não merecendo reparos o Acórdão que manteve a Sentença de procedência da presente ação possessória.

2.- Agravo Regimental improvido.

(STJ, AgRg no REsp 1048554/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011)

 

Entendo, por isso, haver necessidade de ações conexas para o fim colimado - uma revisional e outra consignatória -, não podendo prosperar o recurso que trate a via consignatória como sucedâneo da ação ordinária revisional.

 

Verbas sucumbenciais

Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/2015, aplica-se o artigo 85 do referido diploma legal.

Ressalte-se, ainda, que, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada posteriormente a 18/03/2016, é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85 , § 11, do CPC/2015:

 

Enunciado administrativo número 7

Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do novo CPC.

 

Assim, condeno a parte apelante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, os quais devem ser majorados, modificando-se o patamar originalmente arbitrado para o montante de 11% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, observadas as condições do art. 98, § 3.º do mesmo diploma legal.

Ante o exposto, voto por não conhecer da apelação.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. REQUISITOS INDISPENSÁVEIS. INEXISTÊNCIA. VIA CONSIGNATÓRIA QUE NÃO PODE SER CONSIDERADA COMO SUCEDÂNEO DA AÇÃO ORDINÁRIA REVISIONAL. NECESSIDADE DE AÇÕES CONEXAS DE REVISÃO CONTRATUAL E DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. O Código Civil prevê, em seu artigo 335, as hipóteses nas quais a ação de consignação em pagamento é admitida, sendo estabelecido no artigo 336 do mesmo diploma legal que “Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento".

2. o artigo 893 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da propositura da ação, discorre sobre os requisitos específicos da peça inaugural da ação consignatória, sendo fundamental, segundo tal preceito, que o autor requeira o depósito da quantia ou da coisa devida a ser efetivado no prazo legal, bem como a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta, ademais de, se o caso, comprovar que houve injusta recusa ou mora em receber a quantia devida, bem como que o pagamento teria sido efetuado na data e lugar, de maneira integral.

3. No caso, o autor ajuizou a presente ação consignatória em 11/09/2015, objetivando a citação do banco credor para receber o valor de R$ 472,93 (quatrocentos e setenta e dois reais e noventa e três centavos), relativo às prestações de financiamento habitacional, as quais se encontravam inadimplidas desde junho de 2013, sendo que os valores exigidos pela instituição financeira (R$ 1.787,66) não estão sendo consignados, mas sim aqueles que o apelante reputa correto.

4. Tanto na inicial quanto na peça de apelação, o autor sustenta ter deixado de pagar referidas parcelas porque a prestação mensal teria atingido nível incompatível com os seus rendimentos, tendo em vista dificuldades financeiras e problemas de saúde, considerando que a instituição financeira credora desrespeitou cláusulas contratuais. Ao ser informado pela ré que esta aceitaria apenas o recebimento do valor integral das prestações em atraso, alegou o autor ter a credora se recusado ao recebimento da obrigação.

5. Não obstante suas alegações, em momento algum o autor comprovou a recusa de recebimento por parte do réu. Todavia, esse requisito se faz essencial ao prosseguimento da ação de consignação em pagamento, nos termos do artigo 890, §3º, do Código de Processo Civil de 1973.

6. E mesmo que se entenda tratar a exigência contida no mencionado dispositivo legal como de excessivo rigor formalista, certo é que sem a efetiva demonstração da recusa do pagamento pela credora, à ação de consignação em pagamento não poderia ter sido dado provimento, como de fato não foi. Precedente deste E. TRF.

7. Em outro giro, a discussão em torno de eventual desrespeito ou abusividade das cláusulas contratuais pactuadas é matéria reservada à ação ordinária, na qual se pleiteie a revisão contratual. Desse modo, não pode ser conhecido o recurso que, em ação de consignação em pagamento, verse sobre matéria de mérito atinente às cláusulas contratuais.

8. Ainda que se trate de questões que, segundo alega o apelante, estejam na raiz do que viria a afastar sua mora, não vislumbro a possibilidade de que a discussão das cláusulas contratuais possa ser desenvolvida no bojo de ação consignatória, sob pena de desvirtuar o procedimento especial para ela previsto no Código de Processo Civil. Esse entendimento espelha decisão já proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a mora, em ação de consignação em pagamento, apenas poderia ser afastada pelo reconhecimento, em ação revisional, da abusividade dos encargos pactuados. Precedentes.

9. Entendo, por isso, haver necessidade de ações conexas para o fim colimado - uma revisional e outra consignatória -, não podendo prosperar o recurso que trate a via consignatória como sucedâneo da ação ordinária revisional.

10. Recurso não conhecido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, não conheceu da apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.