Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012001-09.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

AGRAVANTE: E. T. P. D. S.

Advogados do(a) AGRAVANTE: GESSICA DONEGAL - SP387136, GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012001-09.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

AGRAVANTE: E. T. P. D. S.

Advogados do(a) AGRAVANTE: GESSICA DONEGAL - SP387136, GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

A SENHORA JUIZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora):

Trata-se de agravo de instrumento, interposto por E.T.P.D.S, menor representada por sua mãe, em face de decisão proferida pelo MM. Juízo da 25ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP que, nos autos da ação de obrigação de fazer, processo nº 5007898-89.2020.403.6100, indeferiu pedido de tutela provisória, para compelir a União Federal a fornecer à autora, medicamento de alto custo.

Sustenta que a menor, contando com 1 (um) ano e 6 (seis) meses de idade, é portadora de AME - AMIOTROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 1 (CID: G12.1), doença rara, grave e degenerativa, sendo que, atualmente, o único medicamento eficaz para promover a cura da doença é o denominado ZOLGENSMA, o qual, diante do quadro por ela apresentado, foi prescrito pelo médico que a assiste, devendo, porém, ser administrado até os dois anos de idade.

Anotou, ainda, que o tratamento que vem realizando com SPINRAZA, aprovado pela ANVISA e fornecido pelo Estado de São Paulo, também a um alto custo, apenas retarda os efeitos da enfermidade, além de ser administrado de forma extremamente invasiva, podendo trazer o tratamento com a medicação ora requerida economia aos cofres públicos, uma vez que se trata de aplicação única e após 12 meses, a autora não necessitaria mais do SPINRAZA.

Salientou, também, a existência de processo na ANVISA para aprovação e comercialização do medicamento pleiteado no território nacional, sendo que a própria agência sanitária reconheceu a inexistência de alternativa terapêutica ao Zolgensma, cujo princípio ativo e indicação não se assemelham ao Spinraza (Id nº 132174795).

Distribuído o recurso, foi proferida decisão indeferindo o pedido de tutela de urgência, não havendo, naquele momento, elementos suficientes a autorizar a sua concessão (Id nº 132468395).

Na petição (Id nº 135008858) a agravante, então, reiterou o pedido de urgência à vista da idade da autora (próxima de 2 anos), destacando parecer favorável emitido em 21/05/2020, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, para comercialização do ZOLGENSMA no país.

Intimada, a União/agravada ofertou contraminuta, pugnando pelo desprovimento do recurso (Id nº 1363227634).

Manifestando-se, o Ministério Público Federal ofertou parecer pelo provimento do recurso (136628429), reconsiderando-se a decisão de indeferimento da tutela recursal, adicionando a relevância da informação da parte autora acerca da conclusão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) pelo deferimento de liberação comercial do fármaco em questão no território nacional (Id nº 136628430).

Mais uma vez, peticionou a autora complementando informações acerca do medicamento (Id 137482497 e Id 137919819) e noticiando recentes decisões conferindo o direito ao medicamento a outras crianças portadoras de AME, dentre elas, a proferida pelo Ministro Dias Toffoli, o qual,  nos autos das STP nº 452/DF, reconsiderou a decisão em que havia deferido a contracautela, para o fito de suspender os efeitos de decisões regionais, que haviam determinado à União o fornecimento do medicamento Zolgensma para o tratamento da doença Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1 (Id 138023890).

Diante dos novos elementos trazidos aos autos, foi reconsiderada a decisão anterior (Id nº 132468395), para conceder o pedido de tutela de urgência, determinando que a União Federal fornecesse à ora agravante o medicamento pleiteado (ZOLGENSMA), nos termos prescritos pelo médico que a assiste (Id nº 138919441), cientificando-se as partes e o Ministério Público Federal.

Ciente as partes e o D. Representante do MPF da decisão, incluído o processo em pauta de julgamento, a demandante apresentou nova prescrição médica atestando a necessidade da realização do tratamento Zolgensma e informou ter ocorrido a aprovação junto à ANVISA do medicamento em questão, por meio da resolução de n° 3.061/2020 (Id 139843886).

Antes do término do prazo para cumprimento da determinação de fornecimento do medicamento, a União, registrando ter peticionado no mesmo sentido ao MM Juízo de origem, requereu o deferimento de depósito judicial como alternativa para cumprimento da tutela de urgência (Id. 139843886). O pleito restou prejudicado, pois, da consulta ao Processo Judicial Eletrônico – TRF3 – 1º Grau, verificou-se que, conforme Id. 37421605, o MM. Juiz “a quo”, na data de 21/08/2020, em cumprimento à decisão proferida no Agravo de Instrumento e justificando-se o pedido alternativo de depósito do valor necessário para a aquisição do medicamento, autorizou o depósito judicial correspondente ao valor integral atualizado do fármaco, no prazo de 05 dias, devendo a parte autora, no mesmo prazo, informar o valor que reuniu em campanha de arrecadação promovida nas redes sociais, para fins de abatimento do valor a ser depositado pela União (Id.......).

É o relatório.

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012001-09.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

AGRAVANTE: E. T. P. D. S.

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AGRAVADO: UNIAO FEDERAL

 

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V O T O

 

 

A SENHORA JUIZA FEDERAL CONVOCADA GISELLE FRANÇA (Relatora):

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de condenar a União a fornecer o medicamento denominado ZOLGENSMA, à parte autora, ora agravante, na forma prescrita pelo médico que a assiste, tendo em vista tratar-se de fármaco de alto custo.

Com efeito, em relação à questão de fundo, é cediço que os direitos fundamentais à vida e à saúde são de natureza subjetiva, inatos à pessoa humana, irrenunciáveis, indisponíveis e inalienáveis, constitucionalmente protegidos, cujo fundamento, em um Estado Democrático de Direito, erguido sobre o pilar da proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais.

Nessa esteira, a Constituição da República assegura a todos os brasileiros – e também aos estrangeiros aqui residentes – o direito à vida, o qual compreende e pressupõe a assistência integral à saúde, atribuindo ao Estado (União, Estados e Municípios, em nosso sistema federativo) o dever de providenciar o que se faça necessário para que tal assistência se dê sem maiores percalços, obedecidos os princípios e diretrizes determinados em nível constitucional, reafirmados no ordenamento jurídico infraconstitucional

Insta observar que a Constituição Federal atribuiu ao Poder Público a competência para regulamentação, execução e fiscalização da política de prevenção e assistência à saúde, com a instituição de serviços públicos de atendimento à população e ações de saúde. Não obstante, inafastável a função do Poder Judiciário de atuar no controle da atividade administrativa, visando assegurar a plena efetividade dos bens jurídicos fundamentais ao Estado brasileiro, dentre eles a igualdade, a dignidade da pessoa humana e o direito à vida.

Vale ainda destacar que o direito à vida engloba muito além da sobrevivência, ensejando, uma vida com saúde e qualidade, na medida de possibilitar felicidade e realizações às pessoas. Isso é entender o conceito de dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, pois, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme julgado assim ementado:

 

“PACIENTE COM HIV/AIDS – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA E À SAÚDE – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) – PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQUÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por uma gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medi de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.” (RE-AgR 271.286/RS, Relator Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado 12/09/2000, DJ 24/11/2000)

Dessa forma, para regulamentação do direito à saúde, garantido na Constituição Federal, sobreveio a Lei nº 8.080/90, a qual dispôs sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), prevendo que o mesmo é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da Administração Pública Direta e Indireta, bem como pelas Fundações mantidas pelo Poder Público, e, ainda, as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, assim como para a organização e funcionamento dos serviços correspondentes, incluindo a assistência terapêutica e incorporação de tecnologia em saúde (arts. 19-M e ss., incluídos pela Lei nº 12.401, de 2011).

Nesse quadro legislativo, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ, em 25/04/2018, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, cuja tese afetada dizia respeito à obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106), o E. Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que pode o Poder Público ser obrigado ao fornecimento de medicamento não integrante da lista básica do SUS, desde que preenchidos os seguintes requisitos cumulativos: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. A Corte Superior estabeleceu, ainda, que tais critérios somente seriam exigidos para os processos distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento. O julgamento foi assim ementado: 

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL, REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTE DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.

1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14/15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde – SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.

2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.

3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.

4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036, DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.”

(STJ, REsp 1.657.156/RJ, Primeira Seção, Relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018)

 

Outrossim, no julgamento do mérito do RE 657.718, em 22/05/2019, Tema 500 da Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, concernente à discussão sobre a possibilidade, ou não, de se obrigar o Estado a fornecer medicamento não registrado na ANVISA, à luz dos arts. 1º, inc. II; 6º; 23, inc. II; 196; 198, II e § 2º; e 204 da Constituição Federal (publicação no DJe 232, divulgado em 24/10/2019), o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou tese no sentido de que:

“1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.

2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.

3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2006), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.”

 

Cumpre destacar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, na data de 11/03/2020, decidiu, por maioria, no âmbito do RE 566.471, relativo à obrigatoriedade do Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave, que não possui condições financeiras para sua aquisição – Tema 6 da Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS), ressalvadas situações excepcionais, as quais serão definidas na formulação da tese de repercussão geral. Cumpre registrar que, conforme noticiado no sítio eletrônico da Corte Superior, na mesma data (11/03/2020), a tese “vencedora entendeu que, nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a extrema necessidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e de sua família para sua aquisição.”

Pois bem. No caso em tela, inicialmente, não possuindo o medicamento registro na ANVISA, como destacado pelo D. Representante do Ministério Público Federal, pelo Parecer Técnico nº 6945/2020, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações concluiu pelo deferimento, para liberação comercial no país, do produto ZOLGENSMA (onasemnogeno abeparvoveque) (Id nº 135008869), cuja utilização havia sido aprovada em maio de 2019, pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão americano de fiscalização de alimentos e remédios, e, também pela European Medicines Agency (EMA), na União Europeia, ainda que de forma condicional, em maio de 2020 (cf. noticiado em 24/05/2020, pela Academia de Pacientes – Doenças raras e cidadania, no sítio: academiadepacientes.com.br/2020/05/24/união-europeia-aprova-solgensma-primeira-terapia-genica-para-ame/).

E, existindo requerimento de registro do medicamento pleiteado – ZOLGENSMA – na ANVISA, efetuado pela Farmacêutica Novartis, para sua comercialização no território nacional, em análise pela citada Agência Sanitária desde janeiro/20, como noticiado no Id 139843886, após a interposição do recurso, conforme DOU de 17/08/2020, por meio da Resolução 3.061/2020, o fármaco foi registrado, constando do portal da agência que o registro foi obtido para o tratamento de pacientes pediátricos diagnosticados com AME do tipo 1, com até 2 anos de idade, com mutações bialélicas no gene de SMN1 ou até três cópias de outro gene conhecido como SMN2.

Constando do relatório médico acostado à inicial do recurso que E.T.P.D.S é portadora de Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1, doença rara de 01 caso para cada 10.000 nascidos vivos (Id 132174811) e que a mesma vinha usando da medicação NUSINERSENA (Spinzara), como muito bem evidenciou o Exmo. Desembargador Federal Souza Ribeiro para reconsideração da decisão, que havia indeferido o pedido de antecipação dos feitos da tutela recursal, nos termos do atestado médico, juntado pela agravante com a petição de Id nº 135008858, a indispensável modificação da referida terapêutica restou demonstrada, tendo em vista tratar-se o novo medicamento prescrito o único com possibilidade de trazer a cura da patologia que a acomete.

Deveras, no citado relatório médico, datado de 17/06/2020, o profissional que assiste a autora/agravante, além de apresentar mais informações sobre a doença que a acomete, destacou que o fármaco prescrito traz efetivas possibilidades de recuperação da saúde da criança. Nesse sentido, assinalou que:

“(...)

A Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1, também conhecida domo Doença de Werdining – Hoffamann, é doença neuromuscular rara, com incidência de 01 caso para cada 10.000 nascidos vivos. A doença é de origem genética, autossômica recessiva, que resulta em atrofia muscular progressiva, condição clínica grave com reduzida expectativa de vida, com a maioria dos pacientes vindo a óbito entre 2 e 3 anos de idade.

Atualmente, além do suporte respiratório e fisioterápico, está em uso da medicação Nusinersena (Spinzara) (sic) utilizado no sentido de reduzir a velocidade de evolução da patologia.

Como terapia gênica, surge o Zolgensma (nome comercial do Osasemnogene abepsrvovec), medicamento produzido pelo laboratório Novartis e com registro no F.D.A em 24 de maio de 2019, que busca promover a substituição dos genes modificados, visando melhorar o quadro clínico, com possibilidade de cura. No caso da paciente Emily Tolosa Pio dos Santos, existe a absoluta indicação desta terapia, uma vez que, apresenta menos de 2 anos de idade (indicada abaixo dessa faixa etária), e a medicação tem apresentado resultados bastante positivos na regressão da doença, aumentando sobrevida e melhorando o desenvolvimento neuropsicomotor.

Sendo assim, diante da gravidade do caso, solicito a liberação da terapia acima descrita, que será utilizada em dose única.”

 

Como se vê, a agravante com o uso do medicamento em questão tem expectativa de cura da enfermidade, com apenas uma aplicação, podendo viver sem a necessidade de um sistema de terapia mais complexa, mediante utilização de respiradores e aplicação periódica do fármaco que utiliza de uma forma extremamente invasiva. A propósito disso, cito a consideração feita pela I. Procuradora Regional da República, Fátima Aparecida de Souza Borghi, em seu parecer (Id. 136628429) “o uso de Zolgensma traz a possibilidade de cura da AME, enquanto o Spinraza apenas retarda sua evolução. Nesses termos, é evidente a ineficiência da medicação atualmente utilizada para tratamento da Agravante.”

Embora, tratando-se de fármaco inovador, estudos adicionais quanto à eficácia do Zolgensma ainda devam ser realizados e nem se desconhecendo o seu altíssimo custo, pondero que o medicamento Spinraza, que é disponibilizado pelo SUS, também tem um custo alto e que, na avaliação da ANVISA, foi possível autorizar o registro do Zolgensma, havendo urgência no seu recebimento, tendo sido atestada no laudo médico juntado aos autos a indicação absoluta desta terapia antes de E.T.P.D.S completar dois anos de idade, o que está próximo a ocorrer.

É também de se notar a existência de decisões da Segunda Instância da Justiça Federal, em ações semelhantes, concedendo o pedido de fornecimento do Zolgensma  (TRF4, AG 5028900-55.2020.4.04.0000, 5ª Turma, Relator Osni Cardoso Filho e TRF1, AI 1012018-70.2020.4.01.0000, Relator Juiz Federal Roberto Carlos de Oliveira), como a decisão provisória proferida no presente, pelo Exmo. Desembargador Federal Souza Ribeiro, que entendeu pela viabilidade da aplicação da orientação da tese firmada pelo STF no julgamento do seu Tema 500, que diz respeito à possibilidade de, excepcionalmente, ser concedido medicamento sem registro sanitário, o que, como visto, veio a se efetivar no curso deste feito, circunstância que exprime mais motivos para o deferimento do tratamento requerido à vista dos elementos probatórios dos autos, tratando-se o aludido fármaco de única terapia atualmente existente, capaz de reverter a Atrofia Muscular Espinhal – AME, propiciando aos portadores a melhora do quadro clínico, com melhoria na qualidade de vida e possibilidade de cura da doença, estando atendidos os requisitos previstos no REsp nº 1.657.156/RJ. Com efeito, existe laudo do médico, que assiste a requerente, comprobatório da necessidade do medicamento pleiteado, foi demonstrada a ineficácia do fármaco fornecido pelo SUS, que vinha sendo utilizado, a falta de recursos financeiros da agravante, beneficiária da justiça gratuita, para arcar com os custos da medicação, e o registro do medicamento prescrito perante a ANVISA.

Por fim, considerado o RE 566.471, a não incorporação do medicamento na lista de dispensação do SUS também não constitui óbice ao fornecimento do fármaco, caracterizada situação excepcional para compelir o ente público a fornecer a medicação prescrita, dada a especificidade e excepcional gravidade da doença, que acomete a recorrente.

Repise-se que o direito à vida, engloba muito além da sobrevivência. Enseja, pois, uma vida com saúde e qualidade, na medida de possibilitar felicidade e realizações às pessoas. Isso é entender o conceito de dignidade da pessoa humana.

Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao presente agravo de instrumento, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. ZOLGENSMA. AGRAVANTE PORTADORA DE AME - AMIOTROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 1. IMPRESCINDIBILIDADE PARA A VIDA E SAÚDE DA POSTULANTE. EXPECTATIVA DE CURA DA PATOLOGIA. INEFICÁCIA DA TERAPIA FORNECIDA PELO SUS. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são de natureza subjetiva, inatos à pessoa humana, irrenunciáveis, indisponíveis e inalienáveis, constitucionalmente protegidos, cujo fundamento, em um Estado Democrático de Direito, erguido sobre o pilar da proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais.

2. É assente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser obrigação inafastável do Estado assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, mormente as mais graves, bem como de haver responsabilidade solidária entre os entes federativos no exercício desse múnus constitucional. Precedentes.

3. A jurisprudência se assentou no sentido de que, havendo conflito entre o direito fundamental à vida (art. 5º, Constituição Federal) e à saúde (art. 6º, Constituição Federal) do cidadão hipossuficiente e eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, deve ser dada prioridade àqueles, pois o Sistema Único de Saúde - SUS - deve prover os meios para se fornecer medicação e tratamentos que sejam necessários a preservação da vida, saúde e dignidade do paciente sem condições financeiras para custeio pessoal ou familiar, segundo prescrição médica. Precedentes.

4. O E. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, estabeleceu os requisitos para a concessão judicial de medicamentos não previstos pelo SUS: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. A Corte Superior estabeleceu, ainda, que tais critérios somente seriam exigidos para os processos distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento. 

5. No julgamento do mérito do RE 657.718, em 22/05/2019, Tema 500 da Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, no qual se discute a possibilidade, ou não, de se obrigar o Estado a fornecer medicamento não registrado na ANVISA, à luz dos arts. 1º, inc. II; 6º; 23, inc. II; 196; 198, II e § 2º; e 204 da Constituição Federal (publicação no DJe 232, divulgado em 24/10/2019), o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou tese no sentido de que: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2006), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.”

6. Ainda, o Supremo Tribunal Federal, decidiu, por maioria, no âmbito do RE 566.471 relativo à obrigatoriedade do Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para aquisição – Tema 6 da Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em 11/03/2020, que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS), ressalvadas situações excepcionais, as quais serão definidas na formulação da tese. Entretanto, colhe-se, de Notícia veiculada no sítio eletrônico da Corte Superior, também em 11/03/2020, acerca do referido julgado, que a tese “vencedora entendeu que, nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovadas a extrema necessidade do medicamento e a incapacidade financeira do paciente e de sua família para sua aquisição.”

7. Existindo requerimento de registro do ZOLGENSMA na ANVISA, conforme DOU de 17/08/2020, por meio da Resolução 3.061/2020, tendo sido o fármaco foi registrado na ANVISA, os elementos probatórios constantes dos autos são conclusivos ao atestarem que a agravante é portadora de AME – AME - AMIOTROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 1, doença grave, degenerativa e rara, sendo o  medicamento por ela requerido, ZOLGENSMA, o único do mundo existente para o tratamento, com expectativa de cura da patologia.

8. Patente, portanto, a imprescindibilidade do fármaco para assegurar à agravante o cumprimento do direito fundamental à saúde (CF, art. 6º e 196) e, consequentemente, ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

9. Agravo de instrumento provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.