Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0003477-13.2012.4.03.6104

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: JOSE VALENTIM RODRIGUES, ELAINE PEREIRA VAZ RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: STELLA SOMOGYI RODRIGUES - SP254419-A
Advogado do(a) APELADO: STELLA SOMOGYI RODRIGUES - SP254419-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0003477-13.2012.4.03.6104

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: JOSE VALENTIM RODRIGUES, ELAINE PEREIRA VAZ RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: STELLA SOMOGYI RODRIGUES - SP254419-A
Advogado do(a) APELADO: STELLA SOMOGYI RODRIGUES - SP254419-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

 

 

O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):

 

Trata-se de Remessa Necessária e Apelação interposta pela União contra sentença proferida nos seguintes termos:

 

Em face do exposto, em relação julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, à pretensão de anulação dos créditos tributários inscritos em dívida ativa da União sob os números 80.6.04.049693-70 e 80.6.10.000567-53, nos termos do artigo 485, VI, do Código de Processo Civil; no tocante aos imóveis dos autores inscritos na Secretaria de Patrimônio da União sob RIP n. 2969.0001767-59 e 2969.0002793-02, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, declarando nula a cobrança de taxa de ocupação sobre os imóveis, desde o ano de 1995, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e confirmo a tutela antecipada anteriormente deferida.

Em razão da vigência do Novo Código de Processo Civil, é necessário esclarecer que, no tocante à fixação de honorários advocatícios em ações nas quais a Fazenda Pública é parte, houve alteração na disciplina jurídica, introduzida pelo art. 85, §3º, do CPC/15, cuja norma tem contornos de direito material, criando deveres às partes, com reflexos na sua esfera patrimonial. Com isso, não há viabilidade de sua aplicação às ações em curso, devendo ser observado o princípio do “tempus regit actum”, respeitando-se os atos praticados e os efeitos legitimamente esperados pelas partes quando do ajuizamento da ação (art. 14, CPC/15). Em acréscimo, ressalte-se que à tal modificação não se pode atribuir previsibilidade, traduzindo violação ao princípio da não-surpresa, que norteia a interpretação de todas as regras processuais inseridas na nova legislação, além da segurança jurídica que deve imperar. Em caso similar, com alteração na regra disciplinadora de honorários advocatícios, no qual houve discussão sobre a aplicabilidade imediata do art. 29-C da Lei n. 8.036/90, a jurisprudência, inclusive do C. STJ sob o regime dos recursos repetitivos (REsp 1111157/PB), sedimentou o entendimento pela aplicação da lei em vigor no momento do ajuizamento da ação.

Por conseguinte, nos termos da fundamentação supra, observado o princípio da causalidade, condeno a União no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, nos termos do artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil de 1973.

Custas ex lege.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

P.R.I.

 

Apela a União, postulando a reforma da sentença, pelos seguintes argumentos:

a) a Emenda Constitucional n. 46/2005 apenas excluiu do rol dos bens públicos federais da União as ilhas que contenham sede de Municípios;

b) a alteração promovida pela EC n. 46/05 não implicou desqualificação dos terrenos de marinha, os quais continuam se sujeitando à taxa de ocupação, consoante decidido pelo STF no RE 636.199 com repercussão geral reconhecida;

c) conforme informações prestadas pela SPU às fls. 602/603, não cabe mais a cobrança de taxa de ocupação em relação aos imóveis identificados pelos RIPs 29690001767-59 e 29690001674-15, os quais estão localizados em interior de ilha sede de município, em razão das alterações promovidas pela EC 46, de 05/05/2005. Todavia, os débitos anteriores a essa data são devidos à União, inclusive o valor da taxa de 2005 proporcional à data de publicação da EC 46;

d) o imóvel identificado pelo RIP 29690002793-02 é conceituado como terreno de marinha, tendo em vista a demarcação da linha de preamar médio de 1831 realizada pela Administração, assim, não há que se falar em anulação das taxas de ocupação referentes a tal imóvel, razão pela qual a sentença recorrida merece reforma integral.

 

Contrarrazões da parte autora pelo desprovimento do recurso da União e majoração dos honorários sucumbenciais nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

É o relatório.

 

 

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0003477-13.2012.4.03.6104

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: JOSE VALENTIM RODRIGUES, ELAINE PEREIRA VAZ RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: STELLA SOMOGYI RODRIGUES - SP254419-A
Advogado do(a) APELADO: STELLA SOMOGYI RODRIGUES - SP254419-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

 

O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):

 

 

 

A matéria devolvida ao exame desta Corte será examinada com base na fundamentação que passo a analisar topicamente.

 

 

Da admissibilidade da apelação

 

Tempestiva a apelação, dela conheço.

 

Do reexame necessário

 

O reexame necessário não pode ser conhecido.

 

Com efeito, nos termos do artigo 496, §3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, o reexame necessário não se aplica nos casos de sentença proferida contra a União e as suas respectivas autarquias, quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa não exceder a 1.000 (mil) salários-mínimos.

No caso dos autos, considerando o valor da causa (R$ 22.132,86) e que a sentença condenou a União ao pagamento das diferenças remuneratórias decorrentes das incorretas progressões funcionais e promoções, observada a prescrição quinquenal, com acréscimos de correção monetária oficial e juros de mora, notar-se-á facilmente que o proveito econômico não extrapola o limite de 1.000 (mil) salários mínimos.

Salutar esclarecer que a aplicação imediata deste dispositivo encontra respaldo em escólio doutrinário. A propósito, transcrevo os ensinamentos dos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, na obra "Comentários ao Código de Processo Civil", Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.174, in verbis:

 

"A remessa necessária não é recurso, mas condição de eficácia da sentença. Sendo figura processual distinta do recurso, a ela não se aplicam as regras de direito intertemporal processual vigentes para os eles: a) o cabimento do recurso rege-se pela lei vigente à época da prolação da decisão; b) o procedimento do recurso rege-se pela lei vigente à época em que foi efetivamente interposto o recurso - (...). Assim, por exemplo, a L 10352/01, que modificou as causas que devem ser obrigatoriamente submetidas ao reexame do tribunal, após sua entrada em vigor, teve aplicação imediata aos processos em curso. Consequentemente, havendo processo pendente no tribunal, enviado mediante a remessa do regime antigo, no regime do CPC/1973, o tribunal não poderia conhecer da remessa se a causa do envio não mais existia no rol do CPC/73 475. É o caso, por exemplo, da sentença que anulou o casamento, que era submetida antigamente ao reexame necessário (ex-CPC/1973 475 I), circunstância que foi abolida pela nova redação do CPC/1973 475, da apela L 10352/01. Logo, se os autos estão no tribunal apenas para o reexame de sentença que anulou o casamento, o tribunal não pode conhecer da remessa.

 

No mesmo sentido, é o magistério do Professor Humberto Theodoro Júnior:

 

"A extinção da remessa necessária faz desaparecer a competência do tribunal de segundo grau para o reexame da sentença. Incide imediatamente, impedindo o julgamento dos casos pendentes. É o que se passa com as sentenças condenatórias dentro dos valores ampliados pelo § 3º do art. 496 do NCPC para supressão do duplo grau obrigatório. Os processos que versem sobre valores inferiores aos novos limites serão simplesmente devolvidos ao juízo de primeiro grau, cuja sentença terá se tornado definitiva pelo sistema do novo Código, ainda que proferida anteriormente à sua vigência."

(Curso de Direito Processual Civil", Vol. III, 47ª ed., Editora Forense).

 

Não é outro o entendimento desta Corte:

 

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VALOR DA CONDENAÇÃO INFERIOR A 1000 SALÁRIOS MÍNIMOS. REEXAME NÃO CONHECIDO.- O art. 496, § 3º, I, do novo Código de Processo Civil, Lei Federal n.º 13.105/2015, em vigor desde 18/03/2016, dispõe que não se impõe a remessa necessária quando a condenação ou o proveito econômico obtido for de valor certo e líquido inferior 1.000 (mil) salários mínimos para a União, as respectivas autarquias e fundações de direito público.- A regra estampada no art. 496 § 3º, I do Código de Processo Civil vigente tem aplicação imediata nos processos em curso, adotando-se o princípio tempus regit actum.- O valor da condenação verificado no momento da prolação da sentença não excede a 1000 salários mínimos, de modo que a sentença não será submetida ao reexame necessário, nos termos do art. 496, § 3º, alínea a, do novo Código de Processo Civil, não obstante tenha sido produzida no advento do antigo CPC.- Reexame necessário não conhecido.

(REO 00137615920174039999, DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/07/2017).

PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO RURAL. TEMPO ESPECIAL. MOTORISTA. TRATORISTA. RUÍDO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. POSSIBILIDADE.- Considerando que a remessa oficial não se trata de recurso, mas de simples condição de eficácia da sentença, as regras processuais de direito intertemporal a ela não se aplicam, de sorte que a norma do art. 496 do Novo Código de Processo Civil, estabelecendo que não necessitam ser confirmadas pelo Tribunal condenações da União em valores inferiores a 1.000 (um mil) salários mínimos, tem incidência imediata aos feitos em tramitação nesta Corte, ainda que para cá remetidos na vigência do revogado CPC.- Dessa forma, tendo em vista que o valor de alçada no presente feito não supera 1.000 (um mil) salários mínimos, não conheço da remessa oficial.(...) - Reexame necessário não conhecido. Recursos de apelação a que se dá parcial provimento.

(APELREEX 00471674720124039999, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/06/2017).

 

 

Do mérito

 

Trata-se de ação ordinária em que os autores pedem a nulidade da cobrança da taxa de ocupação de terreno de marinha de 1995 a 2008, alegando que são legítimos proprietários de imóveis localizados no Município de Ilha Comprida desde 1992 e 1998; a área é particular e não poderia considerada bem da União; embora encontrar localizado no interior de ilha costeira, enquadra-se como exceção ao artigo 20, inciso IV, da CF, na redação anterior a EC 46/2005; que que a Ilha Comprida não é terreno da marinha, sempre foi ilha costeira  pertencente ao município de Iguape e Cananeia e, após 1991, ao Município de Ilha Comprida os imóveis distam 225, 125 e 905 metros da linha de preamar médio, onde se localizam as dunas existentes na orla costeira; a União nunca realizou levantamento na Ilha Comprida, a fim de segregar o terreno de marinha, consoante as normas estabelecidas pelo Decreto-Lei n. 9.760/46, sendo vedada a cobrança da taxa de ocupação, por força do art. 46 da lei n. 9.636/98.

Sustentam ainda a prescrição de todas as taxas de ocupação de 1995 a 2007; a decadência no direito de lançamento de 1995 a 2004; que a incidência da taxa de ocupação e IPTU sobre o mesmo imóvel caracteriza bitributação; pedem o reconhecimento da remissão de débito igual ou inferior a 10 mil reais, vencidos a 5 anos ou mais em 31.12.2007, na forma do artigo 14 da Lei n. 11.941/09.

 

A União postulou a cobrança das seguintes taxas de ocupação:

a) CDA. 80.6.09.022328-40 - taxa de ocupação 1997 a 2005 do imóvel RIP n. 2969.0001767-59, localizado no Bal. Samburá — Quadra "B" — Lotes 01 e 02, Ilha Comprida;

b) CDA 80.6.04.049693-70 - taxa de ocupação 1999 a 2002 do imóvel RIP n. 2969.0002793-02, localizado no Bal. Britânia — Quadra "DS" — Lote 27, Ilha Comprida;

c) CDA 80.6.09.022501-56 - taxa de ocupação 1997, 1998 a 2003 a 2008 do imóvel RIP n. 2969.0002793-02, localizado no Bal. Britânia — Quadra "DS" — Lote 27, Ilha Comprida;

d) CDA 80.6.10.000567-53 - taxa ocupação 1997-2001 do imóvel RIP n. 29690001674-15, localizado no Bal. Monte Carlo — Quadra "JQ" — Lote 20, Ilha Comprida.

 

Consoante documentação apresentada pela União, as CDAs 80.6.04.049693-70 e 80.6.10.000567-53 foram extintas em 16.11.2016 por cancelamento do órgão central, constando como motivo da extinção a “REMISSAO DE DEBITOS DE NATUREZA PATRIMONIAL-LEI 13.139/2015” (fls. 1259, 1270, fls. 1245/1248). Assim, o juiz extinguiu o feito sem resolução do mérito em relação à pretensão de anulação dos créditos tributários inscritos em dívida ativa da União sob os números 80.6.04.049693-70 e 80.6.10.000567-53.

 

 

Dessa forma, remanesceu a cobrança da CDA 80.6.09.022328-40, relativo à taxa de ocupação de 1997 a 2005 do imóvel RIP n. 2969.0001767-59, e da CDA 80.6.09.022501-56, relativo à taxa de ocupação 1997, 1998 a 2003 a 2008 do imóvel RIP n. 2969.0002793-02.

 

O juiz sentenciante ponderou que os imóveis estão compreendidos no Município de Ilha Comprida, não se encontrando localizados em área comprovadamente pertencente à União, concluindo ser indevida a cobrança da taxa de ocupação.

 

A União apela sustentando que, apesar de os imóveis RIPs 29690001767-59 e 29690001674-15 estarem localizados em interior de ilha sede de município, não mais pertencendo à União por força das alterações promovidas pela EC 46/2005, os débitos anteriores a 05/05/2005 são ainda devidos à União.

Alega ainda que o imóvel RIP 29690002793-02 é conceituado como terreno de marinha, tendo em vista a demarcação da linha de preamar médio de 1831 realizada pela Administração, não havendo que se falar em anulação das taxas de ocupação.

 

A primeira controvérsia refere-se à localização do imóvel em terreno de marinha.

A União alega que o imóvel RIP 29690002793-02 (Lote 27, Quadra DS, Bal. Britânia) é conceituado como terreno de marinha, tendo em vista a demarcação da linha de preamar médio de 1831 realizada pela Administração, não havendo que se falar em anulação das taxas de ocupação.

Consoante Ofício 645/2012, de 31.07.2012 (fls. 602/603), emitida pela Secretaria de Patrimônio da União, “quanto ao imóvel identificado pelo RIP 29690002793-02, o setor de cadastro concluiu que o terreno é conceituado como área de marinha em sua totalidade, razão pela qual são cobradas as taxas de ocupação constituídas após a EC 46, correspondentes aos exercícios de 2006, 2007 e 2008.”

 

Para a definição dos terrenos de marinha, prescreve o Decreto-Lei n. 9.760/46, que dispõe quanto aos bens imóveis da União e dá outras providências:

 

Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:

a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;

[...]

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

[...]

Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.

Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime.

[...]

Art. 198. A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sôbre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgadas na forma do presente Decreto-lei.

[...]

Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.

 

 

Como se lê, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei n. 9.760/46, acima transcrito, são terrenos de marinha em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831, os situados a) no continente, b) na costa marítima, e c) nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés.

 

Para a compreensão do conceito, cumpre esclarecer que preamar é a altura máxima que as águas do mar atingem durante o fenômeno da maré (maré alta). Preamar média é, então, o local intermediário entre a maré alta e a maré baixa.

 

Para fins de determinação dos terrenos de marinha, considera-se essa posição no ano de 1831, e não de qualquer outro ano, por força de expressa determinação legislativa.

 

Embora possa parecer inadequada a definição dos terrenos de marinha a partir de medida que considera situação verificada no ano de 1831, há que se ter em conta que tal definição oferece segurança, na medida em que a posição é a mesma praticamente desde a independência do Brasil.

 

De fato, o que pode provocar insegurança é aferição dessa posição, sobretudo considerando eventuais modificações físicas da orla marítima brasileira. Contudo, o conceito legal há de permanecer o mesmo, justamente pelo fim perseguido pelas leis, que é a estabilidade social e a segurança jurídica.

 

Quanto à legalidade e à constitucionalidade desses critérios, observo que a Constituição da República de 1988 não conceituou os terrenos de marinha, limitando-se a disciplinar serem eles bens da União. Leia-se do art. 20 da Constituição, que destaco:

 

Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

[...]

VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

 

 

 

Embora a Constituição da República não tenha definido terrenos de marinha ou seus acrescidos, a simples previsão constitucional da propriedade deles pela União já confirma a recepção do conceito constante do Decreto-Lei n. 9.760/46, pois este era o conhecido da Assembleia Constituinte de 1988.

 

Por oportuno, ressalto ainda que a discussão acerca de serem os imóveis em questão terrenos de marinha ou acrescidos deles é despicienda, pois à Lei e à Constituição da República tal distinção é indiferente, já que em ambos os casos a consequência jurídica é o domínio pela União.

 

Quanto aos terrenos de marinha, prescreveu, ainda, o art. 49 do ADCT da CF/88, que seriam mantidas as enfiteuses neles constituídas.

Destaco que o simples fato da definição de "terreno de marinha" constar apenas da legislação especial dos imóveis da União, que é o Decreto-Lei n. 9.760/46, promulgado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, por si só não lhe acarreta qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois a norma foi editada com base no art. 180 da Constituição da República de 1937, que autorizava o uso desse meio legislativo para a disciplina das matérias de competência legislativa da União.

Há que se considerar, ainda, que a norma vem sendo sucessivamente atualizada ao longo dos últimos sessenta anos, tanto por meio de decretos, de medidas provisórias e de leis em sentido estrito, nela sendo disciplinados temas importantíssimos aos interesses nacionais, pelo que não se poderia presumir sua não-recepção.

 

Quanto ao conceito de terreno de marinha, vale lembrar que o Decreto-Lei n. 9.760/46 veio apenas a manter o conceito há muito empregado para a sua definição, pois desde o período do Brasil-colônia existe a menção em documentos públicos à área (como, p. ex., o Aviso Régio, de 18/11/1818), que deveria permanecer desimpedida para exercícios militares e para a defesa da terra, sendo autorizado seu uso por particular apenas por exceção - daí porque até hoje os terrenos de marinha pertencem à União, já que a ela incumbe a defesa nacional.

 

Na verdade, a primeira lei a tratar da matéria foi a Lei Orçamentária de 15/11/1831, sendo que foi conceituada pela primeira vez na Instrução n. 348, de 14/11/1832, que dispôs:

 

"considera-se terrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, vão até a distância de 15 braças craveiras para a parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio".

 

 

Desde então, o tema foi sucessivamente tratado em diversas leis, como leis orçamentárias - pois o pagamento de taxas e foro sempre foi gerador de renda à União - e no Código das Águas, sendo mantido sempre o seu conceito, remetente a preamar média de 1831, convertida apenas a medida de 15 braças craveiras para 33 metros.

 

Por tudo isso, fica claro que a menção expressa à propriedade da União na Constituição da República de 1988 apenas confirma que, embora hoje em dia se viva em períodos de paz, é indiscutível que a manutenção estratégica das áreas designadas como de marinha em poder da União constitui interesse nacional, em face da necessidade de se poder garantir a segurança do país em situação excepcional - ou mesmo para que se possa dar ao local outra destinação de interesse coletivo, como o estabelecimento de portos, por exemplo.

 

É certo que as áreas apontadas como terrenos de marinha podem ser ocupadas ou aforadas em tempos de paz e quando houver interesse para tanto, nos termos da lei, mesmo porque seria irrazoável vedar-lhes qualquer forma de utilização.

Contudo, deve-se ter em conta que o ocupante ou foreiro possui, nos termos da lei, direito de ocupação ou enfiteuse, respectivamente, o que lhe assegura, o gozo da coisa, nos limites de cada instituto, mas não sua propriedade plena.

A demarcação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 compete ao Serviço do Patrimônio da União (art. 9º), e goza de presunção de legitimidade, própria dos atos administrativos, somente elidível por prova inequívoca em sentido contrário.

 

É pacífico no âmbito do STJ o entendimento de que o registro imobiliário não é oponível em face da União para afastar o regime dos terrenos de marinha, servindo de mera presunção relativa de propriedade particular, tendo em vista uma vez que a Constituição Federal (art. 20, VII) atribui originariamente àquele ente federado a propriedade desses bens.

 

Tal posicionamento já foi firmado inclusive em sede de recurso especial representativo de controvérsia submetido à sistemática do art. 543-C do CPC/73:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. BENS PÚBLICOS. TERRENO DE MARINHA. ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 211 DESTA CORTE SUPERIOR. REGISTRO IMOBILIÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DO BEM COMO TERRENO DE MARINHA. MANDADO DE SEGURANÇA. VIA ADEQUADA. QUESTÃO MERAMENTE DE DIREITO. OPONIBILIDADE EM FACE DA UNIÃO. CARACTERIZAÇÃO DO BEM COMO PROPRIEDADE PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. PROPRIEDADE PÚBLICA CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADA (CR/88, ART. 20, INC. VII). [...]. 4. Esta Corte Superior possui entendimento pacificado no sentido de que o registro imobiliário não é oponível em face da União para afastar o regime dos terrenos de marinha, servindo de mera presunção relativa de propriedade particular - a atrair, p. ex., o dever de notificação pessoal daqueles que constam deste título como proprietário para participarem do procedimento de demarcação da linha preamar e fixação do domínio público -, uma vez que a Constituição da República vigente (art. 20, inc. VII) atribui originariamente àquele ente federado a propriedade desses bens. Precedentes. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. Julgamento submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e à Resolução n. 8/2008. (RESP n. 1183546/ES, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 1ª Seção, j. 08/09/2010, DJE 29/09/2010).

 

O entendimento inclusive é objeto de súmula daquela Corte:

 

Súmula 496 STJ: "Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União."

 

 

No caso, comporta acolhimento a pretensão autoral, porquanto restou demonstrado que o imóvel objeto do pleito não se enquadra em terrenos de marinha ou seus acrescidos, devendo, assim, ser mantida a sentença recorrida.

De início, é de se registrar que a parte autora aduziu que não houve processo de demarcação da área de terreno de marinha, não tendo a União contestado a alegação.

Ademais, a perícia judicial (fls. 999/1202), que apurou a distância mínima entre os imóveis e a Linha Preamar Média de 1831 (LPM), conclui que os imóveis dos autores encontram-se fora dos limites de abrangência de terrenos de marinha, ficando ressalvado, ainda, que não foram constatados terrenos acrescidos de marinha.

Destarte, o perito judicial apurou que o lote 01, quadra B do Balneário Samburá dista 221,35 metros da linha do preamar médio; o lote 021, quadra B do Balneário Samburá dista 211,35 metros da linha do preamar médio; o lote 27, quadra DS do Balneário Britânia dista 115,12 metros da linha do premar médio (fl. 1005).

Destarte, em resposta aos quesitos da União e dos autores, o perito judicial expressamente expõe que o imóvel não se encontra em terreno de marinha:

Resposta do quesito 10 da União: “(...) dos imóveis em questão o mais próximo está a mais de 115,12 metros da Linha de Preamar Media (Linha de Jundu).”

Resposta do quesito 13 da União: “(...) Destaco que os imóveis objetos desta perícia estão fora da faixa de marinha, especialmente, tomando como ponto de referência a linha de Jundu (a vegetação de restinga (jundu) localiza-se bastante à frente da linha da preamar do ano de 1831).”

Resposta quesito 12 do autor: “(...) nenhum dos imóveis consiste em terreno de marinha, tendo como base os levantamentos planimétricos acostados ao presente laudo, dando de forma clara e cabal de que os referidos imóveis estão fora da faixa de marinha, especialmente, tomando como ponto de referência a linha de Jundu (a vegetação de restinga Jundu) localiza-se bastante à frente da linha da preamar do ano de 1831).”

 

Intimadas as partes acerca do laudo pericial, a União Federal tomou ciência e não impugnou o laudo judicial, tecendo apenas considerações acerca das ilhas e terrenos de marinha e seus acrescidos, sustentando que terreno de marinha pode ser vislumbrado tanto em área continental como em área insular, não importando a natureza geográfica da área que incida, mas a faixa de 33 metros de profundidade e que a alteração promovida pela EC n° 46/05 não implicou desqualificação dos terrenos de marinha, os quais continuam se sujeitando à taxa de ocupação, reiterando que imóvel identificado pelo RIP 29690002793-02 é conceituado como terreno de marinha, tendo em vista a demarcação da linha de preamar médio de 1831 realizada pela Administração (fls. 1210/1215).

Como se observa do laudo pericial, o imóvel RIP 29690002793-02 (Lote 27, Quadra DS, Bal. Britânia) não se encontra em terreno de marinha, por se encontrar a uma distância de 115,12 metros da linha de preamar médio de 1831, portanto superior a 33 metros de que trata o artigo 2º do Decreto-Lei n. 9.760/46, não havendo que se falar em cobrança de taxa de ocupação.

Registre-se ainda o oficio especial da Prefeitura Municipal de Ilha Comprida   no sentido de que os lotes 1 e 2 da quadra B do Loteamento Samburá distam 240 metros da linha preamar médio; o lote 27 da quadra DS do Loteamento Britânia dista 129 metros da linha preamar médio e o lote 20 da quadra JQ do Loteamento Monte Carlo dista 882 metros da linha preamar médio (fls. 832/833).

 

A segunda controvérsia posta nos autos refere-se à localização do imóvel em área de ilha costeira, no Município de Ilha Comprida/SP.

A União reconhece que os imóveis RIP 29690001767-59 (Lotes 01 e 02 da Quadra “B”, Bal. Samburá) e RIP 29690001674-15 (Lote 20, Quadra “JQ”, Bal. Monte Carlo), estão localizados em interior de ilha sede de município, não mais pertencendo à União por força das alterações promovidas pela EC 46/2005. Porém, sustenta a exigibilidade dos débitos anteriores a 05/05/2005.

A União juntou aos autos Ofício 645/2012, de 31.07.2012 (fls. 602/603), emitida pela Secretaria de Patrimônio da União que assim descreveu:

 

“De acordo com análise do setor de cadastro desta Superintendência (cópias anexas) não caberia mais a cobrança das taxas de ocupação dos imóveis identificados pelos RIPS 29690001767-59 e 29690001674-150, a partir de maio de 2005, em razão de estarem localizados em interior de ilha sede de município, tendo em vista os efeitos decorrentes com a publicação da Emenda Constitucional n.° 46, de 05/05/2005, que alterou o inciso IV, do Artigo 20 da Constituição Federal (...)

Cabe destacar que, apesar dessa alteração, os débitos anteriores a essa data são devidos à União, inclusive o valor da taxa de 2005 proporcional à data de publicação da EC 46, segundo o parecer n.° 0486-5.9.9/2005 da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, adotado no âmbito da Secretaria do Patrimônio da União.”

 

A Constituição Federal de 1967 estabelecia o domínio da União somente sobre as ilhas oceânicas. As ilhas costeiras passaram a integrar o patrimônio da União com a promulgação da Constituição Federal de 1988, excluídas as que pertenciam aos Estados, Municípios e particulares, referidas no art. 26, inciso II, da CF.

A nova redação do artigo 20, inciso IV, da Constituição Federal, com as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 46, de 05 de maio de 2005, excluiu dos bens da União as ilhas oceânicas e costeiras que contenham sede de Municípios, exceto as áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental e desde que não pertencentes ao Estado, Município ou particulares, citadas no artigo 26, inciso II, da CF:

 

 

Art. 20. São bens da União:

[...]

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II;

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

[...]

 

 

Destarte, o artigo 26, inciso II, da CF/88, excepcionou as áreas mencionadas, como segue:

 

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;

II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;

III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

 

A emenda constitucional em referência teve entre seus objetivos resgatar o princípio da isonomia, igualando o tratamento dos ocupantes de imóveis das áreas da porção continental e da porção das ilhas costeiras que contenham sede de município, nas suas relações obrigacionais mantidas com o poder público.

 

Esse fundamento consta da justificativa da proposta de emenda à constituição n. 575-A/1998, que culminou com a EC n. 46/2005.

 

Pela nova redação, o domínio dos bens nas ilhas costeiras com sede de município não mais pertence à União, exceto as áreas afetas ao serviço público e à unidade ambiental federal, além, evidentemente, dos demais bens pertencentes à União, nos termos artigo 20, da Constituição Federal, dentre eles os terrenos de marinha e acrescidos (inciso VII).

 

Destaco que os terrenos de marinha e acrescidos não foram alcançados pela EC 46/2005, pois historicamente (em razão da defesa nacional), e, modernamente (para defesa do meio ambiente), eles sempre estiveram, e continuam, sob o domínio da União, como expressamente prevê a Constituição Federal no seu artigo 20, inciso VII. (ARESP n. 746632/MA, Relator Ministro OG FERNANDES, DJE 02/09/2015).

 

Registro, ainda, que o tema em análise foi apreciado pelo STF, sob o rito da repercussão geral a que alude o art. 543-B do CPC, recebendo o julgado a seguinte ementa:

 

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Ministra Rosa Weber (Relatora), vencido o Ministro Marco Aurélio, apreciando o tema 676 da repercussão geral, negou provimento ao recurso e fixou a seguinte tese: "A Emenda Constitucional nº 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição da República, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios". Ausentes, neste julgamento, os Ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes. Falaram pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Advogada-Geral da União, e, pela Procuradoria-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 27.4.2017. 

 

 

Dessa forma, a cobrança da taxa de ocupação sobre ilha costeira no período anterior à promulgação da Emenda Constitucional 46/2005 é devida caso comprovado que terreno encontra-se no limite dos terrenos de marinha a profundidade de 33 (trinta e três) metros contados do preamar médio ou que o terreno não esteja sob o domínio dos Estados, Municípios ou de particulares.

Na hipótese, entretanto, depreende-se dos documentos apresentados pelas partes, que, antes mesmo da EC nº 46/2005, os imóveis estavam registrados em nome de particulares, não encontrando, portanto, amparo a pretensão da União Federal de estender a sua área de domínio para além daquela porção reconhecida como terreno de marinha, ainda que situado em ilha costeira.

Destarte, pela transcrição n. 49.060 e 49.059, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Iguape, o imóvel lotes 1 e 2 da quadra B do Balneário Samburá  pertencia a particulares desde 1980, tendo o apelado Jose Valentim Rodrigues adquirido em 29.01.1992 (imóvel RIP 2969.0001767-59).

Pela transcrição 150.388, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Iguape, o imóvel lote 27 da quadra DS do Balneário Britânia pertencia a prefeitura Municipal de Ilha comprida em 23.09.1998, tendo concedido o domínio pleno do lote em 25.09.1998 ao apelado Jose Valentim Rodrigues (imóvel RIP n° 29690002793-02).

Pela transcrição 95.768, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Iguape, o imóvel lote 20 da quadra JQ do Balneário Monte Carlo pertencia a particulares desde 1985, tendo a apelada Eliane Pereira Vaz adquirido em 19.01.1988 (imóvel RIP 2969.0001674-15).

 

É certo que, conforme mencionado acima, os registros imobiliários não geram presunção absoluta do direito real de propriedade (CC/1916, art. 527 e CC/2002, art. 1.231). Contudo, a União não produzido prova de que o imóvel foi transferido à esfera particular de modo ilegítimo nem juntou documentos hábeis à comprovação de seu domínio, devendo ser reconhecido que os imóveis pertencem à particulares.

Ademais, conforme mencionado acima, consoante laudo judicial, os imóveis não se encontram em terreno de marinha por se encontrar a mais de 33 metros de distância da linha preamar médio.

Dessa forma, não há que se falar em cobrança da taxa de ocupação no período anterior à EC 46/2005, por se enquadrar na exceção prevista no artigo 20, IV, da CF, em sua redação original.

Registro ainda diversos precedentes desta Corte no sentido de que os terrenos localizados no interior do Município de Ilha Comprida/SP, pertencentes a particulares ou ao Município de Ilha Comprida, não são de propriedade da União Federal, devendo ser afastada a exigência da taxa de ocupação:

 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO TRIBUTÁRIA C/C ANULAÇÃO DOS LANÇAMENTOS FISCAIS. TAXA DE OCUPAÇÃO. MUNICÍPIO DE ILHA COMPRIDA.

1. O Município de Ilha Comprida, após a sua emancipação, passou a ser o novo titular dos bens públicos municipais, exercendo a competência constitucional de lançar e cobrar impostos sobre os bens imóveis de particulares. (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 1455533 0004981-35.2004.4.03.6104, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/03/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

2. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2004889 - 0004608-23.2012.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 17/09/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/09/2019)

                                   

APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA. TAXA DE OCUPAÇÃO. ILHAS OCEÂNCIAS E COSTEIRAS. SEDE DO MUNICÍPIO. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 46/2005. RECURSO IMPROVIDO.

I. Inicialmente, é possível constatar que o imóvel objeto da presente ação está situado em área de ilha costeira, no Município de Ilha Comprida/SP.

II. No texto originário da Constituição Federal, em seu artigo 20, inciso IV, havia a inclusão das ilhas oceânicas e costeiras dentre os bens da União.

III. Todavia, a atual redação do artigo 20, inciso IV, da CF determina que as ilhas oceânicas e costeiras são bens da União, com exclusão das que contenham sede de Municípios, exceto as áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental e desde que não pertencentes ao Estado, Município ou inclusive a particulares, citadas no artigo 26, inciso II da CF.

IV. Em situação bastante semelhante ao caso tratado nos presentes autos, a Segunda Turma proferiu acórdão, de relatoria da Desembargadora Federal Cecília Mello, no sentido de que os terrenos do interior do Município de Ilha Comprida/SP, por ser então a ilha costeira sede de município desde 1993, deixaram de ser bens da União.

V. Assim sendo, considerando que os terrenos localizados no Município de Ilha Comprida/SP não são de propriedade da União Federal, deve ser afastada a exigência da taxa de ocupação.

VI. Apelação a que se nega provimento.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2040948 - 0004607-38.2012.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, julgado em 12/03/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2019 )

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. TAXA DE OCUPAÇÃO. ILHA COMPRIDA. ILHA COSTEIRA. DOMÍNIO DA UNIÃO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA.

1. O entendimento jurisprudencial é no sentido de que o art. 20, IV, da Constituição da República, em sua redação original, ao dispor que as ilhas costeiras eram de domínio da União, não afastou o domínio já consolidado em favor dos Estados, Municípios e particulares (STF, RE n. 217013, Relator Min. Ilmar Galvão, j. 14.13.98; TRF da 3ª Região, AC n. 1999.03.99.108756-7, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 27.05.13; TRF da 1ª Região, AC n. 00569307420134013700, Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, j. 16.12.14; TRF da 2ª Região, ApelRE n. 200850010117034, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, j. 11.07.11).

2. No caso dos autos, o domínio por particulares consta das matrículas dos imóveis (fls. 100/111). Embora os registros imobiliários não gerem presunção absoluta do direito real de propriedade, mas apenas relativa (CC/1916, art. 527 e CC/2002, art. 1.231), devem surtir seus naturais efeitos jurídicos, considerando-se que a União não juntou aos autos documentos hábeis à comprovação de seu domínio.

3. Portanto, assiste razão aos autores ao afirmarem ser indevido o lançamento das taxas de ocupação pela União, à míngua de comprovação de domínio. Em decorrência, resta prejudicada a análise da alegação da União acerca dos prazos decadencial/prescricional a que se sujeitariam as taxas de ocupação no período anterior a 2004.

(...)

5. Reexame necessário e apelação da União não providos. Recurso adesivo dos autores provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA,  ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1616329 - 0008802-83.2009.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 19/10/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/10/2015 )

                                   

TAXA DE OCUPAÇÃO - ILHAS OCEÂNCIAS E COSTEIRAS - SEDE DO MUNICÍPIO - EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 46/2005

I - Redação do artigo 20, IV, da Constituição Federal. Alteração pela Emenda Constitucional n.º 46/05. Ilhas oceânicas e costeiras que contenham sede de Municípios. Bens que não pertencem à União. Precedentes desta E. Corte.

II - Recurso de apelação e remessa oficial não providos.

(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA,  ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1588997 - 0007513-40.2008.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, julgado em 09/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/06/2015 )

                                   

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. ILHA COSTEIRA.

1. Descabida a pretensão de cobrança de taxa de ocupação de imóvel, em sua integralidade, por estar situado em ilha costeira, ante a superveniência da EC nº 46/2005.

2. De acordo com os documentos apresentados pelas partes, verifica-se que o terreno, desde antes da EC nº 46/2005, está registrado em nome de particular, não encontrando, portanto, amparo a pretensão da União Federal de estender a sua área de domínio para além daquela porção reconhecida como terreno de marinha, ainda que situado em ilha costeira.

3. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1240256 - 0402180-31.1997.4.03.6103, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 13/05/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/05/2019 )

                                   

 

TAXA DE OCUPAÇÃO - COBRANÇA - TERRENOS FORA DO DOMÍNIO DA UNIÃO - IMPOSSIBILIDADE - INTERIOR DA ILHA COMPRIDA - LITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - DISTINÇÃO ENTRE ILHA COSTEIRA E ILHA OCEÂNICA - EC 46/2005 - USUCAPIÃO PELA  SOCIEDADE CIVIL DO LITORAL PAULISTA.

1 - A Ilha Comprida, no litoral do Estado de São Paulo fez parte de antigas sesmarias e conhecida por vários nomes, tais como:  Ilha do Mar, Ilha do Mar Pequeno, Ilha do Canapuí, Ilha Grande, até a sua denominação atual de Ilha Comprida,  desmembrada dos municípios de Cananéia e Iguape, em 1991 e instalado em 1993.

2 - O Município de Ilha Comprida, após a sua emancipação, passou a ser o novo titular dos bens públicos municipais, exercendo a competência constitucional de lançar e cobrar impostos sobre os bens imóveis de particulares.

3 - A Constituição Federal de 1988 fez a distinção entre ilhas oceânicas e costeiras, qual seja, as primeiras são ilhas distantes da costa e localizadas no chamado mar aberto, e as costeiras são ilhas localizadas na costa brasileira dentro do mar territorial.

4 - A Emenda Constitucional 46/2005 alterou os artigos 20 e 26 da Constituição Federal, dirimindo as dúvidas acerca da possibilidade de terrenos do interior de ilha costeira pertencerem à União, aos Estados ou Municípios e aos particulares.

5 - Terrenos dos autores localizados  no interior da Ilha Comprida, no Balneário Monte Carlo, que foram usucapidos pela Sociedade Civil do Litoral Paulista (documentos juntados à fl. 142/144), não estão sujeitos à cobrança de taxa de ocupação pela  União Federal, inclusive no  período compreendido entre os anos de 1997 a 2005.

6 - Instalada na Ilha Comprida em 1993  a sede de seu Município, especificamente, no Balneário de Monte Carlo, os terrenos que eventualmente pertencessem à União, a partir dessa data, passaram a  pertencer ao  Município de Ilha Comprida, nos termos dos artigos 20 e 26, II, da Constituição Federal.

7 - Recurso de apelação e remessa oficial improvidos,  mantendo na íntegra a r. sentença.

(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA,  ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1455533 - 0004981-35.2004.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, julgado em 28/02/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/03/2012 )

 

Por todas as considerações acima, é de ser mantida a sentença que declarou nulidade da taxa de ocupação sobre os imóveis desde o ano de 1995.

 

Dos honorários recursais

 

Custas e despesas processuais ex lege.

 

Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do artigo 85 do NCPC.

Assim, com base no art. 85, §3º, I e §11 do NCPC, devem ser majorados os honorários advocatícios levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, os quais acresço 1%, totalizando 11% sobre o valor atualizado da causa.

 

Dispositivo

 

Ante o exposto, não conheço do reexame necessário, com fundamento no art. 496, §3º, I, do Código de Processo Civil/2015, e NEGO PROVIMENTO à apelação da União.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO. TERRENOS DE MARINHA. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. LAUDO PERICIAL. IMÓVEL FORA DOS LIMITES DE TERRENO DE MARINHA. TERRENO NO INTERIOR DA ILHA COMPRIDA. PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO E DE PARTICULARES. TERRENO FORA DO DOMÍNIO DA UNIÃO. NULIDADE DA TAXA DE OCUPAÇÃO. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA.

1. Remessa Necessária e Apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido ao ponderar que os imóveis estão compreendidos no Município de Ilha Comprida, não se encontrando localizados em área comprovadamente pertencente à União, concluindo ser indevida a cobrança da taxa de ocupação.

2. Reexame Necessário não conhecido: nos termos do artigo 496, §3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, o reexame necessário não se aplica nos casos de sentença proferida contra a União e as suas respectivas autarquias, quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa não exceder a 1.000 (mil) salários-mínimos. Precedentes deste TRF-3ª Região.

3. A parte autora aduziu que não houve processo de demarcação da área de terreno de marinha, não tendo a União contestado a alegação. A perícia judicial, que apurou a distância mínima entre os imóveis e a Linha Preamar Média de 1831 (LPM), conclui que os imóveis dos autores encontram-se fora dos limites de abrangência de terrenos de marinha, ficando ressalvado, ainda, que não foram constatados terrenos acrescidos de marinha.

4. A cobrança da taxa de ocupação sobre ilha costeira no período anterior à promulgação da Emenda Constitucional 46/2005 é devida caso comprovado que terreno encontra-se no limite dos terrenos de marinha a profundidade de 33 (trinta e três) metros contados do preamar médio ou que o terreno não esteja sob o domínio dos Estados, Municípios ou de particulares.

5. Na hipótese, entretanto, depreende-se dos documentos apresentados pelas partes, que, antes mesmo da EC nº 46/2005, os imóveis estavam registrados em nome de particulares, não encontrando, portanto, amparo a pretensão da União Federal de estender a sua área de domínio para além daquela porção reconhecida como terreno de marinha, ainda que situado em ilha costeira.

6. Não há que se falar em cobrança da taxa de ocupação no período anterior à EC 46/2005, por se enquadrar na exceção prevista no artigo 20, IV, da CF, em sua redação original.

7. Precedentes desta Corte no sentido de que os terrenos localizados no interior do Município de Ilha Comprida/SP, pertencentes a particulares ou ao Município de Ilha Comprida, não são de propriedade da União Federal, devendo ser afastada a exigência da taxa de ocupação.

8. Majoração dos honorários sucumbenciais (art. 85, §11 do CPC).

9. Reexame Necessário não conhecido. Recurso de apelação da União Federal não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, não conheceu do reexame necessário e negou provimento à apelação da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.