Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6241224-16.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA PEREIRA FRANQUIM

Advogado do(a) APELADO: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6241224-16.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA APARECIDA PEREIRA FRANQUIM

Advogado do(a) APELADO: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.

A sentença, prolatada em 10.09.2019, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado por MARIA APARECIDA PEREIRA FRANQUIM em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL INSS, o benefício assistencial mensal de prestação continuada de que cuidam os artigos 203, inciso V, da Constituição Federal e 20, “caput”, da Lei 8.742/93, respeitada a prescrição quinquenal, desde o requerimento administrativo, em 13/11/2018. Outrossim, condeno o réu ao pagamento de uma vez das parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária, desde quando devidas nos índices do manual de cálculo do Conselho da Justiça Federal e de juros de mora fixados nos termos da nova redação do artigo 1º-F, da Lei n.º 9.494/97, determinada pela Lei n.º 11.960/2009 segundo a modulação de efeitos dada pelo E. STF na ADI 4357. Pela sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o total das prestações vencidas até a prolação desta sentença (Súmula 111 do STJ). Custas na forma da lei. Oportunamente, arquivem-se. A presente sentença servirá como ofício. P.I.C.”

Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento de que não restaram comprovados os requisitos de deficiência/impedimento de longo prazo e de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício, consoante disposto no §§2º e 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011. Subsidiariamente recorre em relação aos juros e correção monetária. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.

Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6241224-16.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA APARECIDA PEREIRA FRANQUIM

Advogado do(a) APELADO: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.

Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.

A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.

O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 8742/93 art. 20, §§ 2º e 10º).

A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."

No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo pericial médico e no estudo social, produzidos pelos peritos do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.

Confira-se:

“O laudo pericial da assistência social mostra que a autora conta com sessenta e um anos de idade, não exerce atividade laborativa e não tem nenhuma fonte de renda que possa garantir seu sustento. Recebe benefício assistencial por meio de programa do governo federal. A renda familiar é proveniente da atividade eventual realizada por seu companheiro, cujo valor auferido não é suficiente nem mesmo para prover as despesas mensais básicas do lar. Mesmo contando com ajuda eventual e sistemática de seus filhos a Autora enfrenta dificuldades financeira, estando exposta a vulnerabilidade social, uma vez que não vem sendo atendida integralmente em suas necessidades pessoais básicas. Verifica-se, deste modo, que o quesito socioeconômico encontra-se preenchido. No tocante ao laudo médico, o perito judicial constatou que a requerente está acometida de "Artrite reumatoide, Transtorno misto ansioso e depressivo, Hipertensão arterial, Osteoartrose e Diabetes". Aduz o especialista que as patologias de que é possuidora a autora a incapacitam para todas as atividades laborais que exijam esforços físicos acentuados. Conclui que há incapacidade de maneira Parcial e Permanente. Atesta o laudo como data de início da incapacidade Março de 2019. Ante a tais constatações, em que pese o expert ter concluído pela incapacidade parcial, não se pode abandonar os demais elementos constantes no laudo pericial e nos documentos acostados aos autos, os quais evidenciam não só a condição de deficiente da autora, mas também a inviabilidade de reingresso no atual mercado de trabalho.”

Quanto à miserabilidade, algumas considerações são necessárias. Ressalta-se que o artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, com redação dada pela Lei12.435/2011, estabelece o limite de ¼ do salário mínimo como critério para aferição da miserabilidade, que enseja a concessão do benefício. No entanto, tal critério é apenas um referencial, um parâmetro, que não obsta que o magistrado, no caso concreto, examine o conjunto da prova e enquadre a parte dentre aquelas pessoas que fazem jus ao benefício. (...)

Quanto à condição de deficiente da parte autora, o laudo médico pericial, elaborado em 08.03.2019 (ID 110767522/110767549) revela que a parte autora, desempregada, com 61 anos de idade no momento da perícia é portadora de Artrite reumatóide – CID 10: M.06.8, Transtorno misto ansioso e depressivo – CID 10: F.41.2, Hipertensão arterial – CID 10: I.10, Osteoartrose – CID 10: M. 15.0, Diabetes – CID 10: E.14,  apresenta incapacidade laboral parcial e permanente conforme resposta ao item 2, que ora transcrevo:

“2- Em virtude da moléstia que acomete o (a) autor (a) está incapacitado (a) total e definitivamente?

Atualmente, de acordo com a anamnese, exame físico e a análise dos documentos médicos e exames apresentados e os contidos nos autos, está incapacitada para todas as atividades laborais que requeiram esforços físicos moderados e/ou acentuados. Não está incapacitada para as atividades laborais que requeiram esforços físicos leves. Não está incapacitada para a sua atividade laboral habitual de bordadeira (requer esforço físico leve). A incapacidade laboral parcial é permanente. Os sinais e sintomas das patologias permitem sua reabilitação/capacitação em outra atividade laboral que requeiram esforço físico leve capaz de garantir a sua subsistência. Não está incapacitada para os atos da vida diária. Não necessita do auxílio de terceiros em seu cotidiano.”

Depreende-se da leitura do laudo que, apesar de reconhecer a existência de doenças, o Expert do Juízo concluiu que tais patologias não caracterizam deficiência ou incapacidade para as atividades da vida diária e para seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.

Por sua vez, o restante do conjunto probatório acostado aos autos não contém elementos capazes de ilidir as conclusões contidas no laudo pericial.

Também não está comprovada a existência de miserabilidade.

O estudo social, realizado em 22.02.2019 (ID 110767521), revela que a parte autora vive com seu companheiro, Sr. João Batista Francisco, 57 anos, eletricista em imóvel alugado, de alvenaria, laje, piso de ladrilho, contendo 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, imóvel em péssimo estado de conservação, mobília, eletrodomésticos e eletroeletrônicos (geladeira, máquina de lavar, 3 ventiladores, TV 29 polegadas, guarda roupa, cama de casal, mesa e cadeiras), em péssimo estado de conservação. Compõe o patrimônio da autora:

“02 (dois) veículos estão em seu nome, são utilizados por seus filhos, mas não são de sua propriedade, conforme descrito a seguir: um Voyage - Volksvagem - 1983 - álcool, que é utilizado por sua filha Andreia e uma Camionete S10 - Chevrolet - 1994 - álcool, que é utilizado por seu filho Adriano.

1 (uma) casa, na cidade de Osvaldo Cruz - SP, financiada pela CDHU com 60 m2 de área construída. Este imóvel está com 33 (trinta e três) parcelas de prestação do financiamento e 04 (quatro) anos de IPTU em atraso, como processo judicial para penhora. No imóvel reside um parente da Autora, que segundo esta informou, não efetua pagamento de aluguel.”

Quanto à renda advém da atividade informal do companheiro que gira em torno de R$ 250,00, do benefício assistencial do Programa Federal Bolsa Família no valor de R$ 90,00, da ajuda da filha Elaine de R$ 350,00 (pagamento do aluguel) e de R$ 10,00 (recarga do celular), da filha Andreia.

As despesas elencadas são: Energia elétrica R$ 70,00; Água R$ 28,47; Gás R$ 21,50; Alimentação, produtos de higiene e limpeza R$ 150,00, totalizando R$269,97.

Em que pese o teor do laudo social verifico que não restou comprovada a existência de miserabilidade/hipossuficiência.

Embora a autora tenha informado que companheiro não tem emprego fixo, a autora possui imóvel próprio e dois veículos em seu nome. Tem-se ainda que a autor possui três filhos (Elaine, Andreia e Adriano) com vida independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la. 

Não preenchidos os requisitos de miserabilidade/hipossuficiência e deficiência/impedimento de longo prazo, resta inviável a concessão do benefício assistencial.

Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

Diante do exposto DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO.MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

2. A perícia médica judicial, apesar de reconhecer a existência de doenças, concluiu que as patologias da parte autora não caracterizam deficiência ou incapacidade para as atividades da vida diária e para seu sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.

3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Conjunto probatório indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

4. Benefício assistencial indevido.

5. Inversão do ônus da sucumbência.

6. Apelação do INSS provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.