Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000753-18.2008.4.03.6123

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: MUNICIPIO DE ATIBAIA

Advogado do(a) APELANTE: MARIO DE CAMARGO SOBRINHO - SP81647

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000753-18.2008.4.03.6123

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: MUNICIPIO DE ATIBAIA

Advogado do(a) APELANTE: MARIO DE CAMARGO SOBRINHO - SP81647

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município da Estância de Atibaia/SP contra a sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, por inépcia da inicial, condenando-o ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa.

A demanda foi ajuizada pelo Município da Estância de Atibaia/SP, perante o D. Juízo de Direito da Comarca de Atibaia, em face da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, visando à desapropriação, por utilidade pública, de  uma área de 140.320 m², localizada no bairro Caetetuba do referido município, de propriedade da expropriada, ofertando, a título de indenização, o valor de R$ 598.686,84 (quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos).

Houve a nomeação de perito judicial, que avaliou a área em R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais), para novembro/2006 (ID 99796475, p. 46/104).

Em 14 de dezembro de 2006, foi deferida a imissão na posse, mediante depósito da primeira parcela da indenização, conforme acordado administrativamente entre as partes (ID 99796475, p. 118).

A União foi incluída no polo passivo, na qualidade de sucessora da RFFSA, razão pela qual os autos foram remetidos à Justiça Federal (ID 99803644, p. 88/89).

Devidamente citada, a União apresentou Contestação (ID 99803644, p.104/113).

Réplica do expropriante (ID 99803644, p. 144/154).

Sobreveio sentença (ID 99803644, p. 164/168), nos termos acima delineados.

Irresignado, o expropriante interpôs recurso de apelação (ID 99803644 p. 173/190), requerendo a reforma da r. sentença, sob o argumento de que: a) a possibilidade jurídica do pedido decorre do fato de não se tratar de desapropriação de bens da União, mas, sim, de imóveis não operacionais de uma extinta pessoa jurídica de direito privado, sendo, portanto, passíveis de desapropriação por Município; b) a Lei n. 11.483/07 e a Lei n. 11.124/05 permitem a venda de imóveis da União aos Municípios, para fins de regularização fundiária e implementação de programas habitacionais para população de baixa renda; c) a presente desapropriação não precisa de Decreto do Presidente da República, posto que há lei que a autorize (Lei n. 11.483/07); d) o Decreto Municipal que declarou a utilidade pública do bem em questão é anterior à sucessão da RFFSA pela União.

Com contrarrazões, os autos vieram a este E. Tribunal.

O expropriante peticionou, alegando a existência de fato novo, qual seja, a expedição da Medida Provisória n.° 496/2010, convalidando as desapropriações de imóveis não operacionais da extinta RFFSA por outros entes federativos, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenha se dado antes de 22 janeiro de 2007. Requereu, assim, a antecipação da tutela e a intimação da União, para que se manifestasse sobre a possibilidade de acordo, renúncia de valores ou doação do bem (ID 99803644, p. 249/253).

A União informou que, após diversas tentativas de busca em todos os órgãos da Administração Pública pertinentes, não localizou qualquer registro ou pedido para abertura de procedimento administrativo referente à convalidação da desapropriação em questão. Dessa forma, requereu o prosseguimento do feito (ID 99803644, p. 319/320).

O Ministério Público Federal requereu a intimação do expropriante e a remessa dos autos ao gabinete de conciliação (ID 129070157).

Intimado, o expropriante manifestou que ainda há interesse no julgamento do feito e reiterou o pedido de antecipação da tutela (ID 131649660).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000753-18.2008.4.03.6123

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: MUNICIPIO DE ATIBAIA

Advogado do(a) APELANTE: MARIO DE CAMARGO SOBRINHO - SP81647

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

A demanda foi ajuizada pelo Município da Estância de Atibaia/SP em face da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, sucedida pela União, visando à desapropriação, por utilidade pública, de  uma área de 140.320 m², localizada no bairro Caetetuba do referido município, de propriedade da expropriada, ofertando, a título de indenização, o valor de R$ 598.686,84 (quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos).

A r. sentença extinguiu o feito sem resolução do mérito, por inépcia da inicial, sob o fundamento de impossibilidade de desapropriação de bem da União por Município, e condenou o expropriante ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa.

Em suas razões recursais, o expropriante alega que: a) a possibilidade jurídica do pedido decorre do fato de não se tratar de desapropriação de bens da União, mas, sim, de imóveis não operacionais de pessoa jurídica de direito privado extinta, sendo, portanto, passíveis de desapropriação por Município; b) a Lei n. 11.483/07 e a Lei n. 11.124/05 permitem a venda de imóveis da União aos Municípios, para fins de regularização fundiária e implementação de programas habitacionais para população de baixa renda; c) a presente desapropriação não precisa de Decreto do Presidente da República, posto que há lei que a autorize (Lei n. 11.483/07); d) o Decreto Municipal que declarou a utilidade pública do bem em questão é anterior à sucessão da RFFSA pela União.

Posteriormente, o expropriante peticionou, alegando a existência de fato novo, qual seja, a edição da Medida Provisória n. 496/2010, convalidando as desapropriações de imóveis não operacionais da extinta RFFSA por outros entes federativos, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenha se dado antes de 22 janeiro de 2007. Requereu, assim, a antecipação da tutela e a intimação da União, para que se manifestasse sobre a possibilidade de acordo, de renúncia de valores ou de doação do bem.

A União informou que, após diversas tentativas de busca em todos os órgãos da Administração Pública pertinentes, não localizou qualquer registro ou pedido para abertura de procedimento administrativo referente à convalidação da desapropriação em questão. Dessa forma, requereu o prosseguimento do feito.

Nesse contexto, observo que, de fato, a Medida Provisória n. 496/2010, posteriormente convertida na Lei n. 12.348/2010, determina em seu artigo 8º, in verbis:

 

"Art. 8º Ficam convalidadas as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007.

§ 1º A União fica autorizada a celebrar acordos, renunciar valores, principais e acessórios, nas ações de que trata o caput, até a quitação total dos precatórios, desde que as áreas desapropriadas estejam sendo utilizadas ou sejam destinadas a projeto de reabilitação de centros urbanos, funcionamento de órgãos públicos ou execução de políticas públicas, sem fins lucrativos.

§ 2º Poderão ser realizados acordos em relação à parcela da área desapropriada que cumpra os requisitos do § 1º, seguindo a desapropriação em relação ao restante do imóvel.

§ 3º Não serão devidas quaisquer devoluções de valores já pagos em decorrência dos acordos com fundamento no § 1º." (g.n.)

 

No caso, conforme informações da própria Inventariança da extinta RFFSA, "os imóveis objetos do proc. 0000753- 18.2008.403.6123, 1ª Turma - TRF 3° Região, fizeram parte do nosso acervo e devido as suas caracteristicas eram considerados não operacionais" (g.n. - ID 99803644, p. 303).

Ademais, embora conste nos autos apenas a data em que foi autorizada a imissão na posse (dezembro de 2006 -  ID 99796475, p. 118) e não a data em que efetivamente se deu, o Município da Estância de Atibaia detém a posse da área desde 28 de junho de 2006, quando firmou Contrato de Concessão de Direito Real de Uso com a RFFSA (ID 99796475, p. 02/06), atendendo, portanto, o requisito temporal do caput do artigo supra. Tal fato restou reconhecido pela própria União, em suas contrarrazões:

 

"É importante frisar que a Municipalidade da Estância de Atibaia não necessita da imissão na posse em questão, pois ela já é detentora, s.m.j., de tal qualidade, conforme comprova o parágrafo único da cláusula primeira do "Contrato de Cessão de Uso", a título gratuito e por tempo indeterminado, do bem imóvel tratado neste feito." (ID 99803644, p. 212)

 

Outrossim, não há necessidade de decreto ou autorização Presidencial para a referida desapropriação, posto que, ao editar a Medida Provisória n. 496/2010, a Presidência da República ratificou expressamente as desapropriações de imóveis da extinta RFFSA, feitas por outros entes federativos, nos termos acima delineados.

Ressalte-se, ainda, a existência de tratativas entre a RFFSA e o Município da Estância de Atibaia para a venda dos imóveis, sendo firmado, em 02 de julho de 2004, um Protocolo de Intenções entre ambos (ID 99796474, p. 68/72), objetivando "viabilizar a aquisição pela PEA de Bens Imóveis, com área total de 253.730;00 m², de propriedade da RFFSA localizados na Estância de Atibaia" (cláusula primeira). Posteriormente, em 19 de maio de 2006, a RFFSA ratificou os termos do Protocolo (ID 99796475, p. 01).

Desta feita, resta evidenciada a possibilidade de desapropriação dos bens objeto dos autos pelo Município da Estância de Atibaia, não havendo que se falar em extinção do feito sem resolução do mérito, por inépcia da inicial.

Nesse sentido, já decidiu esta E. Primeira Turma, em situação idêntica:

 

"PROCESSO CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. IMÓVEL DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL. SUCESSÃO PELA UNIÃO FEDERAL. VEDAÇÃO DO DECRETO-LEI N.°3.365, ART. 2, PARÁGRAFO 3. IMISSÃO NA POSSE. APLICABILIDADE LEI 12.438/2010. POSSIBILIDADE JURÍDICA. LAUDO PERICIAL. JUSTA INDENIZAÇÃO.

1 - As questões preliminares referentes à impossibilidade jurídica do pedido devem ser afastadas em razão do disposto no artigo 8º, da Medida Provisória n° 496/2010, posteriormente convertida na Lei Federal 12.348/10.

2 - O citado diploma legal convalida as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007, como se depreende da sua simples leitura.

3 - Considerando que não houve impugnação quanto à natureza não operacional do imóvel em discussão, vê-se que o pedido de imissão na posse deduzido na inicial foi deferido pelo Juízo "a quo" em 14 de dezembro de 2006 (fls. 144), sendo certo que a decisão judicial apenas modificou o fundamento jurídico da posse que a Autora já titularizava em razão de contrato de concessão de direito real de uso firmado entre a Rede Ferroviária Federal S.A. e o Município da Estância de Atibaia em 28 de junho de 2006 (fls. 95/99), como afirmado pela própria União Federal em contrarrazões de apelação.

4 - Ainda que a transferência do domínio do imóvel não tenha se consumado, a imissão da posse em momento anterior à data fixada no diploma legal em discussão já permite a aplicação do texto legal em discussão, ainda que o trânsito em julgado da decisão judicial lhe seja posterior, considerando a inexistência de qualquer exigência legal nesse sentido.

5 - Depreende-se da simples leitura do texto legal, que a mens legis da norma é a manutenção das situações de fato criadas com a imissão na posse de Imóveis pertencentes à extinta RFFSA por entes públicos diversos, eis que, garantida a justa indenização pela perda da propriedade, a reversão dos atos materiais praticados, caso se aplique a vedação constante no decreto lei 3365/41, estaria em contrariedade ao interesse público que motivou a prática do ato expropriatório.

6 - No que tange à aventada necessidade de prévio decreto presidencial para a desapropriação de bens da Rede Ferroviária Federal, nos termos do § 3º, do artigo 2º, do Decreto Lei 3365/41, verifico que o texto legal veda "a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização", sendo certo que, no caso concreto, a desapropriação resume-se a imóveis não operacionais da extinta RFFSA e, como já dito, com a edição da Medida Provisória 496/2010, a Presidência da República ratificou expressamente as desapropriações de bens da RFFSA por entes menores, desde que a imissão na posse se desse em data anterior à 22 de janeiro de 2007.

7 - Considerando que a desapropriação do Imóvel visa a reurbanização de áreas ocupadas por habitações precárias destinadas à população de baixa renda e que própria União Federal, no caso concreto, manifestou interesse na transferência do bem imóvel ao Município Apelante (fls. 480/481, 485/487 e 499/500), a aplicabilidade do artigo 8º, da Lei 12.348/2010 ao caso concreto mostra observância ao disposto no artigo 8º, do Código de Processo Civil que dispões que "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência".

8 - Na inicial a parte Autora atribuiu ao imóvel em discussão o valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil, quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos - fls. 20), em consonância com laudo realizado pela Caixa Econômica Federal de fls. 47/104. Por sua vez, o laudo elaborado pelo perito do Juízo atribuiu ao referido imóvel o valor de R$ 23.300,00 (vinte e três mil e trezentos reais - fls. 155/208).

9 - Não há que se falar em qualquer vício no laudo apresentado, uma vez que o trabalho pericial foi minucioso, tendo sido realizado por profissional especializado, equidistante das partes, que levou em consideração o valor de mercado do imóvel à época da realização da perícia.

10 - No que tange à alegada obrigatoriedade da aplicação do método involutivo de avaliação, prevista no § 2º, do artigo 14, da Lei 11.483/07, essa refere-se tão somente à possibilidade de alienação direta pela União Federal, dos imóveis não-operacionais oriundos da extinta RFFSA, o que não é o caso dos autos.

11 - Cumpre ainda ressaltar que o laudo realizado pela Caixa Econômica Federal, cujo valor é extremamente similar ao laudo elaborado pelo perito do juízo, contou com a participação de profissionais atuantes no mercado imobiliário e foi elaborado levando em conta as particularidades do imóvel, ainda que se refira a uma área mais abrangente daquela em discussão.

12 - o mero inconformismo em relação ao resultado da perícia, sem qualquer referência a elementos concretos que permitam aquilatar o efetivo valor do bem, não possui o condão de qualificar como imprestável a prova realizada.

13 - Considerando as peculiaridades do caso concreto, onde o valor trazido pelos laudos periciais colacionados se mostram extremamente similares e o apresentado pela parte autora traz uma condição ligeiramente mais favorável a ré, tendo inclusive sido acolhido pela RFFSA em momento anterior à sua efetiva liquidação, adoto o laudo trazido pela parte autora, no valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil e quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos) como o valor da justa indenização.

14 - Uma vez que o valor ofertado coincide com o valor da condenação, deixo de condenar a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 27, § 1º, do Decreto Lei 3665/41 (ApCiv 0005956-78.2009.4.03.6105, DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/05/2019).

15 - Recurso de apelação provido."

(TRF 3ª Região - Primeira Turma - AC n. 2008.61.23.000480-5/SP, Rel. Juíza Convocada Adriana Taricco, D.E. 25/09/2019)

 

Assim, considerando que o processo se encontra em condições de imediato julgamento, passo à análise do mérito.

O Decreto Municipal nº 5.031, de 15 de agosto de 2006, declarou a utilidade pública da área em questão, para fins de implantação do Projeto de Melhoria das Condições de Habitabilidade e de Regularização Fundiária.,"considerando que a área como um todo já foi declarada de utilidade pública para fins de urbanização, conforme o Decreto n° 4. 053, de 05 de outubro de 2001; considerando que a área foi criada também como Zona Especial de Interesse Social - ZEIS, através do Decreto n°4. 539, de 16 de junho de 2004; considerando o que ficou acertado com a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA, objeto dos autos administrativos n° 15.338/04, no sentido da ratificação do interesse de alienar as áreas em questão pelas condições já avençadas; considerando o projeto de melhoria de condições de habitabilidade a ser desenvolvido nas áreas, com relevante interesse social para o Município, e o apoio financeiro do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social a ser repassado" (ID 99796474, p. 48/52).

No tocante ao valor da indenização, observo que o perito judicial atribuiu à área o valor R$ 560.000,00, para novembro/2006 (ID 99796475, p. 46/104), montante similar ao ofertado pelo expropriante - R$ 598.686,84, para setembro/2006 - conforme consta na inicial:

 

"A área total da RFFSA que se pretende desapropriar, correspondente a 253.130,00 m², foi avaliada pela Caixa Econômica Federal, inicialmente, em R$ 1.080.000,00 (um millhão e oitenta mil reais). A parte da área sobre a qual versa a presente demanda corresponde a 55,43% da área total, e, portanto, ao valor de R$ 598.686,84 (quinhentos e noventa e oito mil e seiscentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos)."

 

Dessa forma, considerando a proximidade dos valores, bem como que a RFFSA havia aceitado a quantia apurada pela Caixa Econômica Federal (ID 99796475, p. 01), entendo que a indenização deve corresponder ao preço da oferta. Frise-se, ainda, que, em nenhuma de suas manifestações nos autos, a União impugnou o referido valor.

Assim, estabeleço o valor da justa indenização em R$ 598.686,84 (quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos), para setembro/2006, com correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Ademais, tendo em vista que o expropriante já havia depositado parte do valor acordado, tal montante deve ser  levantado, de imediato, pela União e, por conseguinte, descontado do total devido.

No que se refere aos juros compensatórios, assinalo que a Medida Provisória n. 1.577, de 11-06-1997, contrariando os termos da Súmula 618 do STF, que determina a incidência de juros compensatórios no patamar de 12% a.a., impôs a aplicação dos referidos juros no percentual de 6% a.a. sobre o valor da diferença eventualmente apurada entre a oferta e a indenização, a contar da imissão na posse. A referida MP foi sucessivamente reeditada até a MP nº 2.183-56 de 27-08-01, que, reproduzindo os textos anteriores, incluiu o artigo 15-A no Decreto-Lei nº 3365/41:

 

"Art. 15A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos."

 

Ocorre que a eficácia da expressão "de até seis por cento ao ano", constante no citado artigo, foi suspensa por decisão proferida pelo Pleno do C. STF, publicada em 13-09-2001, que deferiu a liminar nos autos da ADI n. 2.332.

Diante disso, o C. Superior Tribunal de Justiça, ao proferir decisão no Recurso Especial nº 1.111.829/SP, sob a sistemática do artigo 543-C do CPC/1973, pacificou o entendimento de que os juros compensatórios em desapropriação devem incidir no patamar de 6% ao ano, no período de vigência da MP nº 1.577/97 (REsp 1.111.829/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009). Outrossim, o C. STJ editou a Súmula 408, consolidando tal entendimento em relação à forma de aplicação dos juros compensatórios nas ações de desapropriação, in verbis:

 

"Súmula 408: Nas ações de desapropriação , os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal."

 

Todavia, em 17/05/2018, o C. Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da ADI nº 2332, decidindo, em relação ao caput do artigo 15-A do Decreto-Lei 3.365/41: a) reconhecer a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios de 6% a.a.; b) declarar a inconstitucionalidade do vocábulo "até"; c) interpretá-lo conforme a Constituição, de maneira a incidir juros compensatórios sobre a diferença entre 80% do preço ofertado e o valor do bem fixado na sentença.

Declarou-se, outrossim, a constitucionalidade dos §§ 1º e 2º do referido artigo 15-A, segundo os quais os juros compensatórios devem ser aplicados somente para compensar perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário, em decorrência da imissão provisória do ente expropriante na posse do imóvel.

Sendo assim, considerando que, no caso, a expropriada já havia concedido a posse da área em questão para uso do ente expropriante, a título gratuito e por tempo indeterminado, não há que se falar em perda de renda da União a justificar a incidência de juros compensatórios. Ainda que assim não fosse, inexiste base de cálculo para os referidos juros, posto que o valor da indenização corresponde ao preço da oferta.

Em relação aos juros de mora, o artigo 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/41, incluído pela MP nº 2.183-56/2001, determina que nas ações de desapropriação "serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição".

Por fim, assevero que, nas ações de desapropriação, os honorários sucumbenciais devem ser fixados em conformidade com a regra disposta no art. 27, § 1°, do Decreto-Lei nº 3.365/41, com redação dada pela MP nº 1.997-37/2000, posteriormente reeditada para a MP nº 2.183-56/2001.

Com efeito, a sentença proferida após a edição da citada Medida Provisória, que fixar indenização em valor superior ao preço inicialmente oferecido, deverá condenar o expropriante a pagar honorários advocatícios no patamar de 0,5% (meio por cento) a 5% (cinco por cento) sobre o valor da diferença.

Ocorre que, conforme alhures mencionado, o preço ofertado coincide com o valor da indenização, razão pela qual são indevidos os honorários advocatícios pelo expropriante.

Em face do exposto, dou provimento ao recurso de apelação, para afastar a extinção do feito sem resolução do mérito, e, nos termos do artigo 1013, §3º, I, do CPC, fixar o preço da oferta como justa indenização, com incidência de correção monetária, de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, e juros de mora nos termos do artigo 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/41, descontando-se os valores já depositados pelo expropriante, os quais devem ser levantados pela União.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. IMÓVEIS NÃO OPERACIONAIS DA EXTINTA RFFSA. SUCESSÃO PELA UNIÃO. POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO POR MUNICÍPIO. MP 496/2010 CONVERTIDA NA LEI 12.348/2010. CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO FIRMADO EM JUNHO DE 2006. AFASTADA A EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. PREÇO DA OFERTA CONFIGURA JUSTA INDENIZAÇÃO. DESCONTO DE VALORES JÁ DEPOSITADOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. RECURSO PROVIDO.

1. A demanda foi ajuizada pelo Município da Estância de Atibaia/SP em face da Rede Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, sucedida pela União, visando à desapropriação, por utilidade pública, de  uma área de 140.320 m², localizada no bairro Caetetuba do referido município, de propriedade da expropriada, ofertando, a título de indenização, o valor de R$ 598.686,84 (quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos).

2. A r. sentença extinguiu o feito sem resolução do mérito, por inépcia da inicial, sob o fundamento de impossibilidade de desapropriação de bem da União por Município, e condenou o expropriante ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa.

3. Em suas razões recursais, o expropriante alega que: a) a possibilidade jurídica do pedido decorre do fato de não se tratar de desapropriação de bens da União, mas, sim, de imóveis não operacionais de pessoa jurídica de direito privado extinta, sendo, portanto, passíveis de desapropriação por Município; b) a Lei n. 11.483/07 e a Lei n. 11.124/05 permitem a venda de imóveis da União aos Municípios, para fins de regularização fundiária e implementação de programas habitacionais para população de baixa renda; c) a presente desapropriação não precisa de Decreto do Presidente da República, posto que há lei que a autorize (Lei n. 11.483/07); d) o Decreto Municipal que declarou a utilidade pública do bem em questão é anterior à sucessão da RFFSA pela União.

4. Posteriormente, o expropriante peticionou, alegando a existência de fato novo, qual seja, a edição da Medida Provisória n. 496/2010, convalidando as desapropriações de imóveis não operacionais da extinta RFFSA por outros entes federativos, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenha se dado antes de 22 janeiro de 2007. Requereu, assim, a antecipação da tutela e a intimação da União, para que se manifestasse sobre a possibilidade de acordo, de renúncia de valores ou de doação do bem.

5. A União informou que, após diversas tentativas de busca em todos os órgãos da Administração Pública pertinentes, não localizou qualquer registro ou pedido para abertura de procedimento administrativo referente à convalidação da desapropriação em questão. Dessa forma, requereu o prosseguimento do feito.

6. Nesse contexto, observa-se que, de fato, a Medida Provisória n. 496/2010, posteriormente convertida na Lei n. 12.348/2010, determinava em seu artigo 8º, in verbis"Art. 8º Ficam convalidadas as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007".

7. No caso, conforme informações da própria Inventariança da extinta RFFSA, "os imóveis objetos do proc. 0000753- 18.2008.403.6123, 1ª Turma - TRF 3° Região, fizeram parte do nosso acervo e devido as suas caracteristicas eram considerados não operacionais".

8. Ademais, embora conste nos autos apenas a data em que foi autorizada a imissão na posse (dezembro/2006) e não a data em que efetivamente se deu, o Município da Estância de Atibaia detém a posse da área desde 28 de junho de 2006, quando firmou Contrato de Concessão de Direito Real de Uso com a RFFSA, atendendo, portanto, o requisito temporal do caput do artigo supra.

9. Tal fato restou reconhecido pela própria União, em suas contrarrazões: "É importante frisar que a Municipalidade da Estância de Atibaia não necessita da imissão na posse em questão, pois ela já é detentora, s.m.j., de tal qualidade, conforme comprova o parágrafo único da cláusula primeira do "Contrato de Cessão de Uso", a título gratuito e por tempo indeterminado, do bem imóvel tratado neste feito".

10. Outrossim, não há necessidade de decreto ou autorização Presidencial para a referida desapropriação, posto que, ao editar a Medida Provisória n. 496/2010, a Presidência da República ratificou expressamente as desapropriações de imóveis da extinta RFFSA, feitas por outros entes federativos, nos termos acima delineados.

11. Ressalte-se, ainda, a existência de tratativas entre a RFFSA e o Município da Estância de Atibaia para a venda dos imóveis, sendo firmado, em 02 de julho de 2004, um Protocolo de Intenções entre ambos, objetivando "viabilizar a aquisição pela PEA de Bens Imóveis, com área total de 253.730;00 m², de propriedade da RFFSA localizados na Estância de Atibaia" (cláusula primeira). Posteriormente, em 19 de maio de 2006, a RFFSA ratificou os termos do Protocolo.

12. Desta feita, resta evidenciada a possibilidade de desapropriação dos bens objeto dos autos pelo Município da Estância de Atibaia, não havendo que se falar em extinção do feito sem resolução do mérito, por inépcia da inicial. Nesse sentido, já decidiu esta E. Primeira Turma, em situação idêntica: TRF 3ª Região - Primeira Turma - AC n. 2008.61.23.000480-5/SP, Rel. Juíza Convocada Adriana Taricco, D.E. 25/09/2019.

13. Assim, considerando que o processo se encontra em condições de imediato julgamento, passa-se à análise do mérito.

14. O Decreto Municipal nº 5.031, de 15 de agosto de 2006, declarou a utilidade pública da área em questão, para fins de implantação do Projeto de Melhoria das Condições de Habitabilidade e de Regularização Fundiária.,"considerando que a área como um todo já foi declarada de utilidade pública para fins de urbanização, conforme o Decreto n° 4. 053, de 05 de outubro de 2001; considerando que a área foi criada também como Zona Especial de Interesse Social - ZEIS, através do Decreto n°4. 539, de 16 de junho de 2004; considerando o que ficou acertado com a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA, objeto dos autos administrativos n° 15.338/04, no sentido da ratificação do interesse de alienar as áreas em questão pelas condições já avençadas; considerando o projeto de melhoria de condições de habitabilidade a ser desenvolvido nas áreas, com relevante interesse social para o Município, e o apoio financeiro do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social a ser repassado".

15. No tocante ao valor da indenização, observa-se que o perito judicial atribuiu à área o valor R$ 560.000,00, para novembro/2006, montante similar ao ofertado pelo expropriante - R$ 598.686,84, para setembro/2006 - com base no laudo produzido pela Caixa Econômica Federal. Dessa forma, considerando a proximidade dos valores, bem como que a RFFSA havia aceitado a quantia apurada pela CEF, entende-se que a indenização deve corresponder ao preço da oferta. Frise-se, ainda, que, em nenhuma de suas manifestações nos autos, a União impugnou o referido valor.

16. Desse modo, estabelece-se o valor da justa indenização em R$ 598.686,84 (quinhentos e noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e seis reais e oitenta e quatro centavos), para setembro/2006, com correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. Ademais, tendo em vista que o expropriante já havia depositado parte do valor acordado, tal montante deve ser  levantado, de imediato, pela União e, por conseguinte, descontado do total devido.

17. No que se refere aos juros compensatórios, em 17/05/2018, o C. Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento da ADI nº 2332 e declarou a constitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 15-A do Decreto-Lei 3.365/41, segundo os quais os juros compensatórios devem ser aplicados somente para compensar perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário, em decorrência da imissão provisória do ente expropriante na posse do imóvel.

18. Sendo assim, considerando que, no caso, a expropriada já havia concedido a posse da área em questão para uso do ente expropriante, a título gratuito e por tempo indeterminado, não há que se falar em perda de renda da União a justificar a incidência de juros compensatórios. Ainda que assim não fosse, inexiste base de cálculo para os referidos juros, posto que o valor da indenização corresponde ao preço da oferta.

19. Em relação aos juros de mora, o artigo 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/41, incluído pela MP nº 2.183-56/2001, determina que nas ações de desapropriação "serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição".

20. Os honorários sucumbenciais devem ser fixados em conformidade com a regra disposta no art. 27, § 1°, do Decreto-Lei nº 3.365/41, com redação dada pela MP nº 1.997-37/2000, posteriormente reeditada para a MP nº 2.183-56/2001. Com efeito, a sentença proferida após a edição da citada Medida Provisória, que fixar indenização em valor superior ao preço inicialmente oferecido, deverá condenar o expropriante a pagar honorários advocatícios no patamar de 0,5% (meio por cento) a 5% (cinco por cento) sobre o valor da diferença.

21. Ocorre que, conforme alhures mencionado, o preço ofertado coincide com o valor da indenização, razão pela qual são indevidos os honorários advocatícios pelo expropriante.

22. Recurso de apelação a que se dá provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, deu provimento ao recurso de apelação, para afastar a extinção do feito sem resolução do mérito, e, nos termos do artigo 1013, § 3º, I, do CPC, fixar o preço da oferta como justa indenização, com incidência de correção monetária, de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, e juros de mora nos termos do artigo 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/41, descontando-se os valores já depositados pelo expropriante, os quais devem ser levantados pela União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.