Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010347-63.2019.4.03.6000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: JULIO CESAR DIAS DE ALMEIDA - MS11713-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010347-63.2019.4.03.6000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: JULIO CESAR DIAS DE ALMEIDA - MS11713-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

 

 R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Caixa Econômica Federal contra a sentença proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), que julgou extinto o feito sem resolução do mérito com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil (Id n. 136802148).

Alega-se, em síntese, o seguinte:

a) trata-se de embargos de terceiro ajuizado pela Caixa Econômica Federal em face da União ante à decretação de perdimento de bem imóvel relacionado à prática de delito, matriculado no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Campo Grande (MS) sob o n. 99.016, que é garantia do “Contrato de Venda e Compra de Imóvel, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia no SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário n. 1.6000.0022188-4”, firmado em 20.07.18, mediante o qual Márcio José Tonin França vendeu o imóvel referido a Valdecir Ramos e Valdete Fátima Guarinão Ramos, tendo a Caixa Econômica Federal figurado como credora fiduciária;

b) a sentença assinala que a propriedade fiduciária da Caixa Econômica Federal sobre o bem imóvel descrito, cujo perdimento foi decretado por este Tribunal Regional no julgamento da Ação Penal n. 0011817-79.2003.403.6000, não poderia ser defendida por intermédio de embargos de terceiro, na medida em que o Juízo de primeiro grau não poderia desconstituir decisão proferida em segunda instância, porém “o intento da CAIXA consiste em, mesmo considerando a validade da r. condenação criminal que culminou com o perdimento do citado bem imóvel, obter provimento judicial que assegure a defesa do direito de propriedade do terceiro de boa-fé” (destaques originais, Id n. 136802154, p. 5);

c) “não se está buscando perante o primeiro grau de jurisdição uma decisão que desconstitua o v. acórdão transitado em julgado, mas apenas que seja assegurada a execução da pena imposta ao Sr. Márcio José Tonin França sem que terceiros de boa-fé sejam prejudicados” (destaques originais, Id n. 136802154, p. 5);

d) a pena de perdimento do supracitado imóvel foi aplicada por esta Corte Regional, em 25.10.16, o contrato com a Caixa Econômica Federal foi celebrado em 20.07.18 e a informação sobre o perdimento somente foi certificada na matrícula em 31.10.19;

e) na época da celebração do contrato com a Caixa Econômica Federal, não havia restrição sobre o mencionado imóvel, não sendo possível suspeitar que tivesse sido objeto de pena de perdimento;

f) não se objetiva a desconstituição da condenação proferida na Ação Penal n. 0011817- 79.2003.403.6000, mas somente a defesa do direito de terceiro de boa-fé, que não pode sofrer os efeitos da sentença penal condenatória;

g) a adequação da via eleita deflui do disposto nos arts. 119 e 674, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, no art. 130, II, do Código de Processo Penal e art. 4º-A, § 10º, III, da Lei n. 9.613/98;

h) em 20.07.18, foi celebrado o “Contrato de Venda e Compra de Imóvel, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia no SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário n. 1.6000.0022188-4”, mediante o qual o Márcio José Tonin França vendeu o imóvel acima descrito a Valdecir Ramos e a Valdete Fatima Guarinão Ramos, tendo a Caixa Econômica Federal figurado como credora fiduciária, cuja garantia consiste na alienação fiduciária de coisa imóvel (art. 17, IV, da Lei n. 9.514/97);

i) a alienação fiduciária de imóvel em garantia é espécie do gênero negócio fiduciário, pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor ou fiduciário da propriedade resolúvel de coisa imóvel (art. 22, Lei n. 9.514/97), cujo aperfeiçoamento ocorre mediante o registro no ofício imobiliário (art. 24, Lei n. 9.514/97), o que foi devidamente observado pela Caixa Econômica Federal;

j) a boa-fé da Caixa Econômica Federal encontra-se demonstrada, já que a negociação foi devidamente registrada na matrícula do imóvel, antes que houvesse qualquer informação sobre a existência de pena de perdimento em favor da União;

k) o perdimento não pode se sobrepor ao direito do terceiro de boa-fé, a Caixa Econômica Federal, que não participou dos ilícitos apurados na Ação Penal n. 0011817-79.2003.403.6000;

l) antes do trânsito em julgado da citada ação penal, não houve qualquer medida acautelatória, a exemplo do sequestro, averbada na matrícula do imóvel, inexistindo óbices à concessão do financiamento imobiliário e consequente constituição da alienação fiduciária;

m) “a legislação acima comentada é bastante clara e direta ao assegurar, mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o direito de defesa patrimonial pelo terceiro de boa-fé” (destaques originais, Id n. 136802154, p. 9);

n) apesar de proferida em 25.10.16, a pena de perdimento não foi devidamente executada, pois nada foi registrado na matrícula do imóvel até 31.10.19;

o) considerando que a matrícula do imóvel não apresentava registro de informações sobre a existência da ação penal, tampouco acerca da aplicação da pena de perdimento, a transferência da propriedade fiduciária do imóvel à Caixa Econômica Federal é absolutamente lícita, encontrando respaldo no art. 54, da Lei n. 13.097/15;

p) ainda que a ação penal e a decretação de perdimento do imóvel sejam cronologicamente anteriores à celebração do “Contrato de Venda e Compra de Imóvel, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia no SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário”, fato é que a perda do bem não produziu efeitos, pois não foi tempestivamente registrada na matrícula do imóvel, permitindo que a propriedade fiduciária do imóvel fosse licitamente transferida à Caixa Econômica Federal;

q) a Caixa Econômica Federal não foi parte, tampouco foi intimada acerca dos atos processuais praticados na mencionada ação penal; sendo absolutamente surpreendida pela informação da decretação do perdimento do bem imóvel em favor da União;

r) a sentença também ignorou, completamente, que a boa-fé é presumida e a má-fé é que deve ser provada, conforme se depreende do art. 113 do Código Civil, sendo que a boa-fé da Caixa Econômica Federal decorre da observância rigorosa do procedimento previsto na Lei n. 9.514/97, inclusive com o registro da alienação fiduciária na matrícula do imóvel, antes que houvesse qualquer informação sobre perdimento em favor da União;

s) constitui ônus da apelada comprovar, cabalmente, a má-fé da Caixa Econômica Federal, afastando o seu direito de defesa da propriedade fiduciária;

t) não deve prosperar o fundamento da sentença segundo o qual haveria disputa do direito de propriedade e necessidade de discussão quanto à eventual reparação de danos perante o Juízo cível, sopesando que a Caixa Econômica Federal observou, estritamente, o procedimento da Lei n. 9.514/97 e do art. 54, da Lei n. 13.097/15, assegurando, para si, a transferência da propriedade fiduciária do bem imóvel;

u) a União jamais adquiriu a propriedade do citado bem imóvel, pois o respectivo título judicial não foi registrado na matrícula do imóvel, a teor dos arts. 1.227 e 1.245, ambos do Código Civil;

v) estando devidamente registrada a propriedade fiduciária da Caixa Econômica Federal, esta não tem interesse jurídico em eventual ação visando à reparação de danos ocasionados por Márcio José Tonin França, medida que poderá ser manejada pela União;

w) apesar de considerar inadequada a medida judicial aviada pela Caixa Econômica Federal, a sentença não indica a ação cabível, levando a entender que não haveria remédio para o lídimo exercício do direito de sequela pela Caixa para defesa da propriedade fiduciária (direito real);

x) a sentença privilegiou o interesse da União quanto ao cumprimento da pena de perdimento do imóvel a despeito da inobservância dos ditames legais (Lei n. 9.514/97 e o art. 54, da Lei n. 13.097/15), em flagrante infringência às garantias constitucionais da isonomia, do direito à propriedade, da intranscendência da pena, do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal;

y) requer-se o provimento do presente recurso, reformando-se a sentença para reconhecer o interesse processual da Caixa, determinando-se o regular processamento do feito em seus ulteriores termos;

z) caso este Tribunal considere que o processo está em condições de julgamento, requer-se, desde logo, seja apreciado o mérito da demanda, com fundamento no art. 1.013, §3º, do Código de Processo Civil, julgando-se procedentes os embargos de terceiro;

a’) desprovido o presente recurso, pleiteia-se expressa manifestação desta Corte sobre a violação ou negativa de vigência aos arts. 113, 1.227, 1.228 e 1,245, todos do Código Civil, aos arts. 17, IV, 22 e 24, todos da Lei n. 9.514/97, ao art. 54, da Lei n. 13.097/15, ao art. 674, §1º, do Código de Processo Civil, ao art. 130, II, do Código de Processo Penal e ao art. 4- A, §10º, III, da Lei n. 9.613/98, bem como sobre a contrariedade ao art. 5º, caput, XXII, XLV, LIV e LV, da Constituição da República (Id n. 136802154).

Foram apresentadas contrarrazões recursais (Id n. 136802159).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação interposto pela Caixa Econômica Federal.

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5010347-63.2019.4.03.6000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

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Advogado do(a) APELANTE: JULIO CESAR DIAS DE ALMEIDA - MS11713-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

 

 V O T O

 

Na Ação Penal n. 0011817-79.2003.4.03.6000, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Márcio José Tonin França pela prática dos delitos dos arts. 16 da Lei n. 7.492/86 e 1º, VI, da Lei n. 9.613/98 (redação original).

A denúncia narra que Márcio José Tonin França, na qualidade de sócio-administrador da Overcash Câmbio e Turismo, operou o câmbio de moeda nacional por estrangeira e vice-versa, sem a devida autorização do Banco Central do Brasil, desde o descredenciamento da empresa em 20.12.96 até a data de sua prisão em flagrante, em 30.10.03, e ainda em 12 ou 13.05.2004, quando trocou reais por euros para Waldemir da Costa Diniz.

Descreve que, com os recursos provenientes da atividade ilícita de câmbio, Márcio José Tonin França adquiriu casa localizada na Rua Alagoas, 55, na cidade de Campo Grande (MS), e para ocultar a origem espúria do dinheiro utilizado na compra do imóvel, simulou tanto a existência de empréstimos, que constaram na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda apresentada no exercício de 2002, quanto a existência de hipoteca sobre o bem, constituída em dezembro de 2003, um mês após ter sido preso em virtude das operações de câmbio sem a correspondente autorização, tendo como beneficiário Heitor Luiz Borghetti, um dos seus credores.

A sentença julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, para: i) absolver Márcio José Tonin França da imputação relativa ao delito do art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98 (redação original), com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal; e ii) condenar Márcio José Tonin França a 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e a 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito do art. 16, da Lei n. 7.492/86 (Id n. 136802141).

No julgamento do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal contra referida sentença, esta Quinta Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento para: i) aumentar a pena-base do delito do art. 16, da Lei n. 7.492/86; e ii) condenar Márcio José Tonin França como incurso nas sanções do art. 1º, IV, da Lei n. 9.613/98 (redação original), resultando a pena definitiva em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 24 (vinte e quatro) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, sendo decretada a perda, em favor da União, do bem imóvel relacionado à prática do delito de lavagem de capitais e matriculado no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Campo Grande/MS sob o n. 99.016 (Id n. 136802142).

Márcio José Tonin França interpôs recurso especial, que restou inadmitido pela Vice-Presidência deste Tribunal. Interposto agravo em recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça, este não foi conhecido, sendo desprovido o agravo regimental interposto, mantendo-se o acórdão proferido por esta Corte Regional, que transitou em julgado em 26.06.18 (Id n. 137671381, p. 3).

Neste feito, consta que, em 20.07.18, foi celebrado o “Contrato de Venda e Compra de Imóvel, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia no SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário n. 1.6000.0022188-4”, mediante o qual o Márcio José Tonin França, contrariando título executivo judicial, com trânsito em julgado em 26.06.18, vendeu o imóvel acima descrito a Valdecir Ramos e Valdete Fatima Guarinão Ramos, tendo a Caixa Econômica Federal figurado como credora fiduciária da negociação (Id n. 136802137).

Em razões recursais, a Caixa Econômica Federal suscita o direito de terceiro de boa fé, que sustenta decorrer da observância rigorosa do procedimento previsto na Lei n. 9.514/97 e no art. 54, da Lei n. 13.097/15, que assegurou a transferência, para si, da propriedade fiduciária do bem imóvel, devidamente registrada na matrícula do imóvel, antes que houvesse qualquer informação sobre a existência de ação penal movida contra o vendedor, de medida assecuratória de sequestro ou de perdimento decretado em favor da União, o que ocorreu apenas em 31.10.09.

O recurso de apelação não merece provimento.

A decretação do perdimento do bem, em favor da União, é efeito da condenação (CP, art. 91, caput, e II) e está ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, que pode impugnar o sequestro por meio de embargos (CPP, arts. 129 e 130, II). E a sentença que julga os embargos de terceiro previstos no art. 129 do Código de Processo Penal é passível de impugnação por via de recurso de apelação, processada na forma do art. 593 e seguintes do mesmo Código.

A procedência dos embargos de terceiro está condicionada à demonstração da transferência do bem, a título oneroso, e da boa fé, a teor do art. 130, II, do Código de Processo Penal.

Nesse mesmo sentido, o art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98 assinala que a constrição dos bens somente pode ser levantada mediante comprovação de sua origem lícita.

De acordo com o acórdão proferido pela Quinta Turma desta Corte na Ação Penal n. 0011817-79.2003.4.03.6000, o imóvel situado na Rua Alagoas, 55, Campo Grande (MS), foi adquirido por Márcio José Tonin França com o produto do crime contra o Sistema Financeiro Nacional consubstanciado nas operações de câmbio por ele ilicitamente praticadas (Lei n. 7.492/86, art. 16), não ficando comprovado tivesse outras fontes de renda lícitas para suportar a compra do imóvel, à evidência de que os empréstimos por ele declarados como origem do dinheiro utilizado no negócio não passaram de simulação. O mesmo decisum assinala, ainda, que a constituição da hipoteca, em favor de seu padrinho e credor, Heitor Luiz Borghetti, logo após sua prisão e mediante escritura lavrada no Cartório do 5º Ofício de Campo Grande (MS), onde trabalhava sua esposa, Ana Paula Gomes Leite, denotam o propósito de salvaguardar o bem dos efeitos de eventual condenação criminal (Id n. 136802142, pp. 9-14).

Mencionado acórdão registra que, em dezembro de 2001, Argemiro Sguissardi e Melises Teles Pereira Sguissardi venderam o aludido imóvel por cerca de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), a Márcio José Tonin França (Id n. 136802142, pp. 9-14), sucedendo, então, a venda do imóvel realizada por Márcio José Tonin França a Valdecir Ramos e a Valdete Fatima Guarinao Ramos por R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), com recursos financiados pela Caixa Econômica Federal, conforme prenotação na matrícula datada de 26.07.18 (Id n. 136802140, pp. 4-5), ou seja, após o trânsito em julgado da Ação Penal n. 0011817-79.2003.4.03.6000, em 26.06.18.

Em que pese o perdimento decretado na Ação Penal n. 0011817-79.2003.4.03.6000 não ter sido informado na matrícula do imóvel citado ao tempo do registro da venda efetuada a Valdecir Ramos e Valdete Fatima Guarinao Ramos e da constituição da alienação fiduciária em garantia, em favor da Caixa Econômica Federal (26.07.18, Id n. 136802140, pp. 4-5), não foi demonstrada a aquisição de boa-fé do imóvel citado por Valdecir Ramos e Valdete Fatima Guarinao Ramos, que não se presume.

Com efeito, o imóvel foi adquirido por valor expressivo, bastante superior ao que teria sido pago por Márcio José Tonin França anos antes, com recursos provenientes dos ilícitos contra o Sistema Financeiro Nacional por ele praticados, tendo a venda sido concretizada no exíguo lapso temporal entre o trânsito em julgado do acórdão condenatório (26.06.18) e o recebimento do ofício que determinava a averbação (07.08.18).

Ressalte-se que o decurso de tempo entre o trânsito em julgado do acórdão condenatório e o registro em cartório da pena de perdimento nele determinada, que não se pode eliminar por completo, não tem o condão de repercutir a perda da propriedade judicialmente determinada, revestindo-se o acórdão proferido da natureza de título executivo judicial, que, no presente caso, é anterior à celebração contratual com a Caixa Econômica Federal.

É importante relevar que, quitado o financiamento imobiliário pelos devedores, com a transferência da propriedade fiduciária, a teor do art. 1.361, § 3º, do Código Civil, ficam superadas discussões acerca da boa-fé dos devedores e do direito de propriedade da Caixa Econômica Federal, que só existe em função de contrato de alienação fiduciária.

Eventual prejuízo financeiro suportado pela Caixa Econômica Federal poderá ser objeto de reclamação no Juízo cível, entre os particulares, notando-se que, nos autos originários, foi expedido ofício ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul para verificar eventual delito cometido por Márcio José Tonin França em face dos devedores Valdecir Ramos e Valdete Fatima Guarinao Ramos e credora fiduciária (Id n. 136802147, p. 2).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação.

É o voto.

 



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO DA CREDORA FIDUCIÁRIA. PERDIMENTO DE BEM IMÓVEL EM FAVOR DA UNIÃO DECRETADO EM ACÓRDÃO CONDENATÓRIO COM TRÂNSITO EM JULGADO. CRIMES DO ART. 16 DA LEI N. 7.492/86 E 1º, IV, DA LEI N. 9.613/98. DIREITO DO TERCEIRO DE BOA-FÉ. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE BOA FÉ PELOS DEVEDORES FIDUCIÁRIOS.

1. A decretação do perdimento do bem, em favor da União, é efeito da condenação (CP, art. 91, caput, e II) e está ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, que pode impugnar o sequestro por meio de embargos (CPP, arts. 129 e 130, II). E a sentença que julga os embargos de terceiro previstos no art. 129 do Código de Processo Penal é passível de impugnação por via de recurso de apelação, processada na forma do art. 593 e seguintes do mesmo Código.

2. A procedência dos embargos de terceiro está condicionada à demonstração da transferência do bem, a título oneroso, e da boa fé, a teor do art. 130, II, do Código de Processo Penal.

3. O art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98 assinala que a constrição dos bens somente pode ser levantada mediante comprovação de sua origem lícita.

4. De acordo com o acórdão proferido pela Quinta Turma desta Corte na Ação Penal n. 0011817-79.2003.4.03.6000, o imóvel situado na Rua Alagoas, 55, Campo Grande (MS), foi adquirido por Márcio José Tonin França com o produto do crime contra o Sistema Financeiro Nacional consubstanciado nas operações de câmbio por ele ilicitamente praticadas (Lei n. 7.492/86, art. 16), não ficando comprovado tivesse outras fontes de renda lícitas para suportar a compra do imóvel, à evidência de que os empréstimos por ele declarados como origem do dinheiro utilizado no negócio não passaram de simulação. O mesmo decisum assinala, ainda, que a constituição da hipoteca, em favor de seu padrinho e credor, Heitor Luiz Borghetti, logo após sua prisão e mediante escritura lavrada no Cartório do 5º Ofício de Campo Grande (MS), onde trabalhava sua esposa, Ana Paula Gomes Leite, denotam o propósito de salvaguardar o bem dos efeitos de eventual condenação criminal (Id n. 136802142, pp. 9-14).

5. Em que pese o perdimento decretado na Ação Penal n. 0011817-79.2003.4.03.6000 não ter sido informado na matrícula do imóvel citado ao tempo do registro da venda efetuada a Valdecir Ramos e Valdete Fatima Guarinao Ramos e da constituição da alienação fiduciária em garantia, em favor da Caixa Econômica Federal (26.07.18, Id n. 136802140, pp. 4-5), não foi demonstrada a aquisição de boa-fé do imóvel citado por Valdecir Ramos e Valdete Fatima Guarinao Ramos, que não se presume.

6. O imóvel foi adquirido por valor expressivo, bastante superior ao que teria sido pago por Márcio José Tonin França anos antes, com recursos provenientes dos ilícitos contra o Sistema Financeiro Nacional por ele praticados, tendo a venda sido concretizada no exíguo lapso temporal entre o trânsito em julgado do acórdão condenatório (26.06.18) e o recebimento do ofício que determinava a averbação (07.08.18).

7. O decurso de tempo entre o trânsito em julgado do acórdão condenatório e o registro em cartório da pena de perdimento nele determinada, que não se pode eliminar por completo, não tem o condão de repercutir a perda da propriedade judicialmente determinada, revestindo-se o acórdão proferido da natureza de título executivo judicial, que, no presente caso, é anterior à celebração contratual com a Caixa Econômica Federal.

8. Quitado o financiamento imobiliário pelos devedores, com a transferência da propriedade fiduciária, a teor do art. 1.361, § 3º, do Código Civil, ficam superadas discussões acerca da boa-fé dos devedores e do direito de propriedade da Caixa Econômica Federal, que só existe em função de contrato de alienação fiduciária.

9. Recurso de apelação desprovido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.