AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5021249-33.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
Advogado do(a) AGRAVANTE: THIAGO MACHADO DIAS DE SIQUEIRA - PA26269-N
AGRAVADO: ILIDIO CAPUTO - EPP
Advogado do(a) AGRAVADO: CHRISTIANO FERRARI VIEIRA - SP176640-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5021249-33.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) AGRAVANTE: THIAGO MACHADO DIAS DE SIQUEIRA - PA26269-N AGRAVADO: ILIDIO CAPUTO - EPP Advogado do(a) AGRAVADO: CHRISTIANO FERRARI VIEIRA - SP176640-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto pela FAZENDA NACIONAL em face de decisão que, nos autos da execução fiscal proposta na instância de origem, determinou o levantamento da penhora realizada sobre o imóvel de matrícula n. 54.091 do 1º Cartório de Registro de Imóveis de Presidente Prudente/SP, ao argumento de que a propriedade constrita representava bem de família e não poderia ser penhorada. Inconformada, a agravante sustenta que o imóvel objeto do litígio assume natureza híbrida, porque é residencial na parte superior e comercial na parte térrea, conforme fotos constantes do laudo de avaliação e constatação firmado pelo Oficial de Justiça. Defende que é plenamente possível a manutenção da penhora apenas em relação à parte comercial do imóvel, haja vista que tal circunstância não gera prejuízo à parte residencial e não viola a proteção legal que se confere ao bem de família. Aduz que a orientação aqui propugnada é acolhida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça. Considerando que a parte agravante não formulou pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal ou de efeito suspensivo, este Relator determinou a intimação da parte agravada para que, querendo, ofertasse a sua contraminuta, com fulcro no art. 1.019, inc. II, do Código de Processo Civil de 2015 (ID 90115434, página 1). Devidamente intimada, a agravada ILÍDIO CAPUTO EPP deixou de apresentar sua contraminuta. Neste ponto, vieram-me conclusos os autos. É o relatório, dispensada a revisão, nos termos regimentais.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5021249-33.2019.4.03.0000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL Advogado do(a) AGRAVANTE: THIAGO MACHADO DIAS DE SIQUEIRA - PA26269-N AGRAVADO: ILIDIO CAPUTO - EPP Advogado do(a) AGRAVADO: CHRISTIANO FERRARI VIEIRA - SP176640-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão que se coloca nos autos do presente agravo de instrumento é a de se saber se o bem imóvel objeto do litígio pode ser cindido para que a sua parte comercial sofra constrições em executivo fiscal, preservando-se apenas a sua parte residencial, ou se, ao revés, não há que se falar na penhorabilidade do bem como um todo, visto que a penhora da sua parte comercial levaria à excussão da parte residencial por consequência, o que não se admite em face da proteção legal conferida ao bem de família. Dispõe o artigo 1º da Lei nº 8.009/1990: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Como se percebe, o imóvel que serve de residência para uma entidade familiar não pode sofrer constrições em demandas executivas, pois a lei quer preservar o direito que ela tem a uma moradia digna. No caso em comento, não há dúvidas de que uma parte do imóvel sob matrícula n. 54.091 do 1º CRI de Presidente Prudente/SP serve de residência à entidade familiar, uma vez que o Oficial de Justiça, dando cumprimento a mandado de constatação emitido pelo juízo de primeiro grau, teve a oportunidade de certificar o seguinte (ID 89850871, página 268): “Relativamente ao imóvel matrícula 54.091 do 1º CRI, dada a sua peculiaridade, faço aqui algumas considerações: o executado Ilídio Caputo é dono da parte ideal correspondente a 50% do imóvel, sendo os outros 50% pertencente(s) a sua cunhada Ana Lúcia Pinheiro, que não é parte no processo. Observei ‘in loco’ que apesar de se tratar de matrícula única, os coproprietários estabeleceram uma divisão fática sobre o imóvel (conforme representada no laudo em anexo). Ambos construíram em suas respectivas partes ideais, sendo ambas as construções de natureza híbrida, ou seja, residencial na parte superior e comercial na parte térrea. Este oficial de justiça esteve no local em três oportunidades e nas três a esposa do executado, Dona Fátima, e a coproprietária, Ana Lúcia, estavam no local. Também presenciei na residência filhos e netos do executado Ilídio. Não restou dúvidas a este oficial de justiça de que o imóvel serve de moradia tanto à família do executado quanto à co-proprietária Ana Lúcia.” (grifos meus) É incontroverso, pois, que o imóvel serve, pelo menos em alguma medida, para garantir a moradia da família do executado. O que a Fazenda Pública pretende alegar, contudo, é que outra parcela do imóvel poderia ser penhorada, pois não atende ao desiderato de garantir moradia ao núcleo familiar, mas tem finalidade comercial. Confrontado com esta alegação, contudo, tenho que razão não lhe assiste, pelos fundamentos que passo a expor na sequência. Não desconheço que o Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que seria viável a penhora de parte do imóvel caracterizado em alguma medida como bem de família, quando restasse demonstrado que a parte efetivamente constrita deste imóvel não serve para a residência familiar, mas para fins comerciais. No entanto, impende salientar que aquela Corte Superior consigna expressamente que a penhora sobre a parte comercial de um imóvel que também serve de moradia para o devedor somente pode ocorrer quando o bem de família for desmembrável e desde que a constrição não prejudique ou inviabilize a residência do núcleo familiar. Tal entendimento é o que se dessume do próprio aresto trazido à colação pela União, senão vejamos: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA DIVISÍVEL. PAVIMENTOS INDEPENDENTES. PENHORA DE FRAÇÃO IDEAL DO PAVIMENTO COMERCIAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A orientação jurisprudencial das Turmas componentes da Segunda Seção desta Corte Superior é firme no sentido de que o imóvel indivisível protegido pela impenhorabilidade do bem de família deve sê-lo em sua integralidade, sob pena de tornar inócua a proteção legal. 2 Contudo, esta Corte possui também o entendimento de que é viável a penhora de parte do imóvel caracterizado como bem de família, quando desmembrável, e desde que este desmembramento não prejudique ou inviabilize a residência da família. 3. No caso dos autos, o acórdão recorrido consignou tratar-se de imóvel com destinações distintas e separadas uma da outra, situando-se a parte comercial no pavimento térreo e a residencial no pavimento superior, ficando caracterizada a possibilidade de penhora da fração do bem relativa à parcela de uso comercial. 4. A alteração do acórdão recorrido, para concluir pela indivisibilidade do imóvel ou afastar o seu uso comercial, na forma que pretende o recorrente, demandaria a reanálise do acervo fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 573.226/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 10/02/2017) No caso em referência, todavia, a matrícula do imóvel é única, havendo apenas uma divisão fática do bem em parte residencial ou comercial. Para que se pudesse garantir com segurança a penhora realizada sobre a parte comercial, sem qualquer possível prejuízo à parte residencial, seria necessário proceder à cisão da matrícula do bem, tarefa esta que, contudo, exige conhecimentos técnicos altamente especializados. Tanto é assim que o próprio Código de Processo Civil de 2015 traça um procedimento especializado para o fim de extinguir propriedades condominiais e dividir matrículas, quando esta questão é judicializada (procedimento da divisão contido nos artigos 588 a 598), para não falar de trâmites perante a Prefeitura local. Por outras palavras, enquanto a matrícula do imóvel for única e não houver o desmembramento seguro do bem de família, realizado pelos profissionais competentes a partir de expedientes próprios, penderá o risco de que a penhora sobre a parte faticamente comercial atinja a residência do executado, risco que a própria jurisprudência invocada pretende afastar, donde não há que se falar em acolhimento do pleito recursal. Sendo o imóvel indivisível ou – como sucede no caso em tela - estando o imóvel ainda não dividido ou desmembrado, estende-se a proteção legal conferida ao bem de família à integralidade de sua extensão, conforme remansoso entendimento desta Egrégia Primeira Turma, exemplificado no aresto que, mutatis mutandis, transcrevo abaixo: “PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI 8.009/1990. DIREITO À MORADIA. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL INDIVISÍVEL. PROTEÇÃO À INTEGRALIDADE DO BEM. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Lei 8.009/90 confere impenhorabilidade ao único bem imóvel familiar utilizado para moradia permanente, o qual não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, ressalvadas as hipóteses legalmente previstas, cuja interpretação deve ser restritiva. 2. O imóvel indivisível deve ser protegido pela impenhorabilidade do bem de família em sua integralidade, e não apenas na fração ideal do coproprietário, sob pena de tornar inócua a proteção conferida pelo ordenamento. 3. Sendo o imóvel penhorado um bem de família, não se aplica a regra do art. 843, do Código de Processo Civil, de modo que a impenhorabilidade da fração de imóvel indivisível contamina a totalidade do bem, impedindo sua alienação em hasta pública. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional. 4. No que tange à caracterização do imóvel enquanto bem de família, já estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça que é suficiente, para tanto, a demonstração de que o bem trata-se de único imóvel familiar utilizado para moradia permanente, cuja impenhorabilidade constitui meio a assegurar o direito constitucional à moradia, o qual é desdobramento da própria dignidade humana. Precedente. 5. Verba honorária majorada para 12% (doze por cento) do valor de avaliação do imóvel penhorado, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil. 6. Negado provimento ao recurso de apelação.” (grifei) (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0010410-36.2016.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 14/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/02/2020) Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento interposto, mantendo integralmente a decisão recorrida, nos termos da fundamentação supra. É como voto.
E M E N T A
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE IMÓVEL DO EXECUTADO QUE SERVE EM PARTE PARA A RESIDÊNCIA DE SEU NÚCLEO FAMILIAR E, EM OUTRA PARTE, PARA FINS COMERCIAIS. PLEITO DA FAZENDA PÚBLICA PELA MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO SOBRE A PARTE COMERCIAL. INVIABILIDADE NO CASO CONCRETO. IMÓVEL NÃO DESMEMBRADO DO PONTO DE VISTA REGISTRAL. POSSIBILIDADE DE SE ATINGIR A PARCELA QUE SERVE DE MORADIA À FAMÍLIA. DESMEMBRAMENTO A EXIGIR CONHECIMENTOS ALTAMENTE ESPECIALIZADOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
1. O imóvel que serve de residência para uma entidade familiar não pode sofrer constrições em demandas executivas, pois a lei quer preservar o direito que ela tem a uma moradia digna (art. 1º da Lei n. 8.009/1990). No caso em comento, não há dúvidas de que uma parte do imóvel objeto do litígio serve de residência à entidade familiar, uma vez que o Oficial de Justiça, dando cumprimento a mandado de constatação emitido pelo juízo de primeiro grau, teve a oportunidade de certificar este fato.
2. É incontroverso, pois, que o imóvel serve, pelo menos em alguma medida, para garantir a moradia da família do executado. O que a Fazenda Pública pretende alegar, contudo, é que outra parcela do imóvel poderia ser penhorada, pois não atende ao desiderato de garantir moradia ao núcleo familiar, mas tem finalidade comercial.
3. Não se desconhece que o C. STJ firmou compreensão no sentido de que seria viável a penhora de parte do imóvel caracterizado em alguma medida como bem de família, quando restasse demonstrado que a parte efetivamente constrita do imóvel não serve para a residência familiar, mas para fins comerciais. No entanto, impende salientar que aquela Corte Superior consigna expressamente que a penhora sobre a parte comercial de um imóvel que também serve de moradia para o devedor somente pode ocorrer quando o bem de família for desmembrável e desde que a constrição não prejudique ou inviabilize a residência do núcleo familiar (AgInt no AREsp 573.226/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, j. 02/02/2017, DJe 10/02/2017).
4. No caso em referência, todavia, a matrícula do imóvel é única, havendo apenas uma divisão fática do bem em parte residencial ou comercial. Para que se pudesse garantir com segurança a penhora realizada sobre a parte comercial, sem qualquer possível prejuízo à parte residencial, seria necessário proceder à cisão da matrícula do bem, tarefa esta que, contudo, exige conhecimentos técnicos altamente especializados. Tanto é assim que o próprio CPC/2015 traça um procedimento especializado para o fim de extinguir propriedades condominiais e dividir matrículas, quando esta questão é judicializada (procedimento da divisão contido nos artigos 588 a 598), para não falar de trâmites perante a Prefeitura local.
5. Por outras palavras, enquanto a matrícula do imóvel for única e não houver o desmembramento seguro do bem de família, realizado pelos profissionais competentes a partir de expedientes próprios, penderá o risco de que a penhora sobre a parte faticamente comercial atinja a residência do executado, risco que a própria jurisprudência invocada pretende afastar, donde não há que se falar em acolhimento do pleito recursal. Sendo o imóvel indivisível ou – como sucede no caso em tela - estando o imóvel ainda não dividido ou desmembrado, estende-se a proteção legal conferida ao bem de família à integralidade de sua extensão, conforme remansoso entendimento desta Egrégia Primeira Turma (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv 0010410-36.2016.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 14/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/02/2020).
6. Agravo de instrumento a que se nega provimento.