APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000295-55.2017.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMINIO
Advogados do(a) APELANTE: HUMBERTO LUCAS MARINI - SP304375-A, RENATO LOPES DA ROCHA - RJ145042-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000295-55.2017.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMINIO
Advogados do(a) APELANTE: HUMBERTO LUCAS MARINI - SP304375-A, RENATO LOPES DA ROCHA - RJ145042-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Apelação interposta pela Companhia Brasileira de Alumínio contra sentença que, em sede de mandado de segurança, extinguiu o processo, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, ao fundamento de que a matriz não tem legitimidade para demandar em juízo, isoladamente, em nome das filiais, dado que são considerados estabelecimentos autônomos (Id 1027650).
Aduz (Id 1027662) que:
a) a sentença é nula, pois violou o princípio do contraditório, nos termos dos artigos 10 e 493 do CPC;
b) conforme disposto no artigo 90 da Portaria n.º 23/2011 da Secretaria de Comércio Exterior – SECEX, sob o mesmo ato de concessão do drawback poderão operar a matriz e dos demais estabelecimentos filiais, que deverão ter a mesma raiz, composta dos oito primeiros números, no cadastro das pessoas jurídicas – CNPJ;
c) ao realizar o preenchimento de cem registros de exportação, deixou de vinculá-los ao ato concessório de drawback, contudo a retificação foi deferida pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior – DECEX;
d) a recusa da autoridade aduaneira em Santos/SP em proceder ao despacho aduaneiro de exportação dos bens objeto dos registros retificados, ao fundamento de que não há amparo legal para que a Receita Federal faça a mudança do enquadramento “exportação normal” para “exportação drawback”, viola o disposto nos artigos 18, inciso IV, do Anexo I, do Decreto n.º 8.917/2016 e 386 do Decreto n.º 6.759/09;
e) os despachos que deferiram as retificações pelo DECEX são perfeitos, válidos e eficazes, de modo que a autoridade impetrada não pode deixar de exercer a competência que lhe foi outorgada e praticar os atos de despacho aduaneiro de exportação dos bens vinculados ao ato concessório de drawback em questão.
Em contrarrazões (Id 1027669), a União requer o desprovimento do recurso.
O Parquet entendeu ausente o interesse institucional apto a justificar a sua intervenção e se manifestou pelo prosseguimento do feito (Id 1174583).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000295-55.2017.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMINIO
Advogados do(a) APELANTE: HUMBERTO LUCAS MARINI - SP304375-A, RENATO LOPES DA ROCHA - RJ145042-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
I - Dos fatos
Mandado de segurança impetrado por Companhia Brasileira de Alumínio contra ato praticado pelo Inspetor Chefe da Alfândega da Receita Federal do Brasil no Porto de Santos/SP, com vista à determinação de vinculação ao ato concessório de drawback n° 20140053735 e o despacho aduaneiro dos bens indicados nos registros de exportação retificados e deferidos pelo DECEX.
Argumenta o apelante que, equivocadamente, 100 (cem) de suas operações de exportação foram registradas sem vinculação ao ato concessório de drawback n.º 20140053735. A retificação dos registros de exportação foi realizada com a anuência do Departamento de Operações de Comércio Exterior – DECEX. Contudo, a autoridade aduaneira no Porto de Santos afirma que não há amparo legal para realizar mudança de enquadramento.
II – Da nulidade da sentença
A recorrente alega que a sentença é nula, dado que não foi concedida ao impetrante a oportunidade para manifestação sobre a preliminar de ilegitimidade de parte, na forma do artigo 10 do CPC. Contudo, não lhe assiste razão.
De acordo com a jurisprudência pátria, a declaração de nulidade de um ato tem que ser fundamentada na existência de prejuízo às partes, o que não ocorreu no presente pleito. Ademais, o recorrente teve oportunidade de se manifestar acerca do tema na apelação, de modo que não se constata prejuízo concreto para sua defesa na espécie. Nesse sentido: de acordo com a moderna ciência processual, que coloca em evidência o princípio da instrumentalidade e o da ausência de nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief), antes de se anular todo o processo ou determinados atos, o que gera atraso no atendimento da prestação jurisdicional, deve-se perquirir se a alegada nulidade causou efetivo prejuízo às partes. Confira-se: STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1837730/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 15.06.2020, DJe 18.06.2020; EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1563273/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 08.06.2020, DJe 12.06.2020 e REsp 1708334/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 12.05.2020, DJe 18.05.2020.
Desse modo, inexiste a alegada ofensa aos artigos 10 e 493 do Código de Processo Civil.
III – Do drawback
O regime aduaneiro especial de drawback, instituído pelo Decreto-Lei n.º 37/66, consiste na suspensão ou supressão dos tributos incidentes sobre insumos importados para utilização na industrialização de bem a ser exportado. A sua finalidade, como explica Sacha Calmon Navarro Coelho (in Drawback -suspensão: a dispensável vinculação física entre os insumos importados e os produtos finais posteriormente exportados, São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 221, fevereiro 2014, p. 138/149): é propiciar a redução dos custos tributários na industrialização de produtos que serão exportados, de forma a possibilitar ao empresário competir no mercado internacional, em igualdade de condições com seus concorrentes de outros países. Cuida-se, em síntese, de incentivo fiscal concedido às exportações.
No caso, à apelante foi concedido o benefício do drawback integrado suspensão, que se caracteriza pela suspensão dos tributos incidentes na importação ou na aquisição no mercado interno de bens que serão utilizados na industrialização de produtos a serem exportados.
IV - Da legitimidade
Segundo Hugo de Brito Machado (in Mandado de Segurança em Matéria Tributária, São Paulo: Dialética, 8ª edição, 2009, p. 73): o impetrante no mandado de segurança deve ser o titular do direito líquido violado ou ameaçado por ato ilegal ou abusivo, de autoridade.
No caso, a apelante impetrou a ação mandamental em seu nome com o fim de assegurar à sua filial, exportadora das mercadorias objeto do pedido de retificação do registro de exportação, a concessão de ordem que determine à autoridade aduaneira a vinculação ao ato concessório de drawback n° 20140053735 e o despacho aduaneiro dos bens indicados nos registros retificados com a anuência do DECEX.
Nos termos do artigo 1.142 do Código Civil, considera-se estabelecimento todo o complexo de bens organizado para exercício da empresa, empresário ou sociedade empresária. A partir desse conceito, observa-se que a filial é um bem, uma universalidade de fato que integra o patrimônio da sociedade empresária e não uma pessoa distinta desta.
Por sua vez no âmbito do Direito Tributário, o artigo 127, inciso II, do Código Tributário Nacional estabeleceu o princípio da autonomia dos estabelecimentos, segundo o qual cada unidade que compõe a sociedade empresária (matriz ou filiais) deverá cumprir suas obrigações tributárias de forma independente em relação àqueles tributos que prevejam a ocorrência da hipótese de incidência de forma individualizada:
Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:
(...)
II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento; [destaquei].
Consoante ensina Paulo de Barros Carvalho (in Curso de Direito Tributário, São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 310/311), o Direito Tributário reconhece aptidão para realizar o fato, ou dele participar, a entes, agregados econômicos, unidades profissionais, enfim, organizações de pessoas ou bens, não contempladas pelo direito privado com personalidade jurídica. A elas confere possibilidade jurídica de promover aqueles acontecimentos hipoteticamente previstos na lei, reputando-os válidos e eficazes para desencadear os efeitos jurídicos característicos, significa dizer, a inauguração do vinculum juris que dá ao Estado o direito subjetivo de exigir parcelas do patrimônio privado. Este é, sem outros torneios, o campo de eleição do sujeito capaz de realizar o fato jurídico tributário, ou dele participar, e os sucessos que nessa conformidade ocorrem assumem a magnitude própria que o direito associa aos fatos jurídicos tributários.
Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 1.578/77, que dispõe sobre imposto de exportação, é o sujeito passivo da tributação qualquer pessoa que promova a saída do produto do território nacional. No caso, as operações de exportação foram realizadas pela filial, inscrita no cadastro do Ministério da Fazenda sob o número 61.409892/0003-35 , como demonstram os documentos juntados com a petição inicial (Id 1027495), de maneira que somente ela é a parte legítima para em juízo discutir as questões relativas ao tributo, inclusive no que se refere aos benefícios fiscais concedidos, como no caso do drawback. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ÓBICES PROCESSUAIS. ILEGITIMIDADE DA MATRIZ PARA REPRESENTAR PROCESSUALMENTE AS FILIAIS. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
(...)
IV - O acórdão objeto do recurso especial está em confronto com a jurisprudência desta Corte. Verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido de que a matriz não tem legitimidade para representar processualmente as filiais nos casos em que o fato gerador do tributo opera-se de maneira individualizada em cada estabelecimento, como no caso dos autos. Nesse sentido: AgRg nos EDcl no REsp n. 1.427.132/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/8/2014, DJe 15/8/2014; AgRg no REsp n. 1.232.736/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/8/2013, DJe 6/9/2013.
V - Correta, portanto, a decisão agravada que deu provimento ao recurso especial para restabelecer os termos da sentença.
VI - Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1694426/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 01.10.2019, DJe 03.10.2019, destaquei).
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. REPRESENTAÇÃO DAS FILIAIS. MATRIZ. ILEGITIMIDADE. PRECEDENTES.
1. A jurisprudência desta Corte tem entendimento firme no sentido de que a matriz não tem legitimidade para representar processualmente as filiais nos casos em que o fato gerador do tributo opera-se de maneira individualizada em cada estabelecimento comercial/industrial, uma vez que, para fins fiscais, matriz e filial são considerados entes autônomos. Precedentes: AgRg nos EDcl no REsp 1.283.387/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 10.04.2012, DJe 19.04.2012; AgRg no REsp 832.062/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 06.11.2008, DJe 02.12.2008; AgRg no REsp 642.928/SC, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, j. 06.03.2007, DJ 02.04.2007.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1232736/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 27.08.2013, DJe 06.09.2013, destaquei).
Desse modo, a autorização contida no artigo 90 da Portaria SECEX n.º 23/2011, segundo o qual: poderão operar sob um único ato concessório de drawback, a matriz e os demais estabelecimentos filiais da mesma empresa, os quais deverão possuir a mesma raiz (oito primeiros dígitos idênticos) no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), não altera a legitimidade estabelecida pelo artigo 127, inciso III, do CTN.
Relativamente à alegação de solidariedade invocada pelo apelante, com fundamento no artigo 124, inciso I, do CTN, segundo o qual o liame decorre do interesse comum, cumpre destacar que, ante a imprecisão do termo usado pelo legislador, coube à doutrina elaborar que tal situação decorre da participação dos sujeitos na realização da hipótese de incidência. Conforme destaca o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.273.396, conquanto exista essa divergência doutrinária acerca da exata medida da condição em que figuram os partícipes da concretização do fato gerador, deve prevalecer o entendimento de que somente se estabelece o nexo entre os devedores da prestação tributária originária, quando todos os partícipes contribuem para a realização de uma situação que constitui fato gerador da exação, ou seja, que a hajam praticado conjuntamente. Penso ser esta a melhor inteligência do art. 124, I do CTN, pois, se assim não for, poderá a solidariedade tributária ser identificada em qualquer relação jurídica contratual, por exemplo, o que conduziria à inaceitável conclusão de universalidade da corresponsabilidade tributária (destaquei). Observa-se que as operações de exportação foram realizadas pela filial e eventual responsabilização da matriz por supostos débitos deve ser analisada no caso concreto.
Por fim, as questões relativas ao demais artigos suscitados pelo apelante, quais sejam, 383 e 386 do Decreto n.º 6.759/2009, 18, IV, do Decreto nº 8.917/2016, 258 da Portaria MF n. º 203/2012, bem como a Lei n.º 12.016/09, não têm condão de alterar esse entendimento pelos motivos já apontados.
V – Do dispositivo
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO VERIFICADA. ADUANEIRO. DRAWBACK. ARTIGO 90 DA PORTARIA SECEX N.º 23/2011. ILEGITIMIDADE DA MATRIZ. RECURSO DESPROVIDO.
- De acordo com a jurisprudência pátria, a declaração de nulidade de um ato tem que ser fundamentada na existência de prejuízo às partes, o que não ocorreu no presente pleito. Nesse sentido, de acordo com a moderna ciência processual, que coloca em evidência o princípio da instrumentalidade e o da ausência de nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief), antes de se anular todo o processo ou determinados atos, o que gera atraso no atendimento da prestação jurisdicional, deve-se perquirir se a alegada nulidade causou efetivo prejuízo às partes.
- O regime aduaneiro especial de drawback, instituído pelo Decreto-Lei n.º 37/66, consiste na suspensão ou supressão dos tributos incidentes sobre insumos importados para utilização na industrialização de bem a ser exportado.
- O Código Tributário Nacional , em seu o artigo 127, inciso II, estabeleceu o princípio da autonomia dos estabelecimentos, segundo o qual cada unidade que compõe a sociedade empresária (matriz ou filiais) deverá cumprir suas obrigações tributárias de forma independente em relação àqueles tributos que prevejam a ocorrência da hipótese de incidência de forma individualizada.
- Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 1.578/77, que dispõe sobre imposto de exportação, é o sujeito passivo da tributação qualquer pessoa que promova a saída do produto do território nacional. No caso, as operações de exportação foram realizadas pela filial, de modo que somente ela é a parte legítima para em juízo discutir as questões relativas ao tributo, inclusive no que se refere aos benefícios fiscais concedidos, como no caso do drawback.
- Relativamente à alegação de solidariedade invocada com fundamento no artigo 124, inciso I, do CTN, segundo o qual o liame decorre do interesse comum, cumpre destacar que, ante a imprecisão do termo usado pelo legislador, coube a doutrina elaborar que tal situação decorre da participação dos sujeitos na realização da hipótese de incidência.
- Apelação desprovida.