APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007749-91.2014.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: INCREMENTO EMPREENDIMENTOS E REFLORESTAMENTO S/A
Advogados do(a) APELANTE: RAFAEL ANTONIETTI MATTHES - SP296899-A, LETICIA FURLANETTO BERTOGNA PRATA - SP213432-A, JOAO HENRIQUE GIOMETTI BERTONHA - SP106378-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007749-91.2014.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: INCREMENTO EMPREENDIMENTOS E REFLORESTAMENTO S/A Advogados do(a) APELANTE: RAFAEL ANTONIETTI MATTHES - SP296899-A, LETICIA FURLANETTO BERTOGNA PRATA - SP213432-A, JOAO HENRIQUE GIOMETTI BERTONHA - SP106378-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença de improcedência em ação anulatória de débito fiscal relativo a ITR, exercício 2009, objeto da notificação de lançamento 08106/00006/2013, com fixação de verba honorária em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC (ID 90378717, f. 22/8). Alegou-se que: (1) a propriedade tributada é isenta de ITR, nos termos do artigo 104, parágrafo único, da Lei 8.171/1991, pois inserida em duas estações ecológicas (Banhados de Iguape e Banhados de Iguape – Itatins), unidades de conservação que haviam sido criadas pelo Estado de São Paulo desde 2006 e que acabaram por limitar a fruição do direito de propriedade; (2) conforme laudo ambiental de f. 145/57, o imóvel é coberto por vegetação nativa da Mata Atlântica, bioma com legislação específica para proteção (CF, artigo 225, § 4º e Lei 11.428/2006); (3) objetivando a exploração econômica de palmito jussara na propriedade, protocolou em 2006 pedido de licenciamento ambiental para implantação de projeto de manejo sustentável (PAs 73106/06 e 73223/07) junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SMA/SP, que restou indeferido justamente “devido ao imóvel encontrar-se inserido na estação Ecológica da Jureia-Itatins” (manifestação da Fundação Florestal do Estado de São Paulo), sujeitando-se a restrições das Leis 9.985/2000 e 11.428/2006 e Decreto Estadual 50.664/2006; (4) “ainda que a lei que criou a Estação Ecológica Jureia-Itatins (Lei 12.406/2006) tenha sido declarada inconstitucional, por sua vez o Decreto 50.664/2006 que institui a Estação Ecológica Banhados de Iguape ainda possuía e possui validade (posteriormente incorporado à área da recente Estação Ecológica criada pela Lei 14.982/2013), sobrepondo sua área protetiva ao imóvel rural da Apelante, limitando o livre gozo de seu direito de propriedade” (v. Parecer PJ 626/10/PJM, proferido pela CETESB; (5) também o laudo técnico ambiental apresentado atestou a sobreposição de 88,62% da Fazenda Jussara aos novos limites da Estação Ecológica Jureia-Itatins, criada pela Lei Estadual 14.982/2013 e que incorporou a Estação Ecológica Banhados de Iguape; (6) a Lei 9.985/2000 inseriu a estação ecológica na categoria mais restritiva de unidade de conservação, no caso como unidade de proteção integral (artigos 7º, I, §§ 1º e 2º, 8º, I, 9º, § 4º); (7) a isenção encontra-se também prevista no artigo 10, § 1º, I, da Lei 9.393/1996, que dispensa expressamente o contribuinte de fazer prova documental da exclusão da área de proteção ambiental da base de cálculo do ITR (§ 7º); (8) foram, portanto, desrespeitados os princípios da legalidade, moralidade, eficiência e publicidade (artigos 5º, II, e 37, da CF); (9) “merece destaque a propriedade da Apelante, tendo em vista possuir uma das últimas áreas com remanescente de vegetação nativa quase que intocada em sua totalidade, sendo pressionada constantemente pela expansão populacional desenfreada dos municípios lindeiros, todavia, protegida às próprias expensas da empresa proprietária”; (10) há de ser observado o princípio da verdade legal, consagrado no artigo 148 do CTN; (11) encontra-se consolidada a jurisprudência que reconhece a inexigibilidade de Ato Declaratório Ambiental (ADA) para concessão de isenção do ITR, até porque a instrução normativa que assim dispõe inovou no ordenamento jurídico (artigo 176 do CTN); (12) houve abuso e ilegalidade no arbitramento do valor da terra nua (VTN), que não obedeceu aos requisitos mínimos estabelecidos em lei (artigos 14, § 1º, da Lei 9.393/1996 e 12, § 1º, II, da Lei 8.629/1993), “utilizando tão somente as informações sobre preços de terras, constantes do sistema da Receita Federal (SIPT), apurados com base em pesquisa de mercado (sem a demonstração da fonte) e apurando-o através da multiplicação da área pelo valor informado pela RFB”, ou seja, com base no valor médio das declarações do imposto sobre propriedade territorial rural - DITRs entregues no município, enfim critérios incorretos; e (13) em sendo a propriedade inteiramente coberta por mata, com restrições ambientais, o respectivo valor é muito abaixo do usualmente praticado pelo mercado (ID 90378717, f. 31/57). Foram apresentadas contrarrazões (ID 90378717, f. 67/79). É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007749-91.2014.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: INCREMENTO EMPREENDIMENTOS E REFLORESTAMENTO S/A Advogados do(a) APELANTE: RAFAEL ANTONIETTI MATTHES - SP296899-A, LETICIA FURLANETTO BERTOGNA PRATA - SP213432-A, JOAO HENRIQUE GIOMETTI BERTONHA - SP106378-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Senhores Desembargadores, preliminarmente, não se conhece da apelação na parte em que impugna a ilegalidade do arbitramento do valor da terra nua no lançamento ora questionado, uma vez que tal alegação não foi objeto da inicial, que circunscreve os limites objetivos da lide. Com efeito, a inovação da lide, em razões de apelação, viola o devido processo legal e é inadmissível, segundo a jurisprudência consolidada: RESP 1.726.927, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE de 23/11/2018: “PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. INOVAÇÃO RECURSAL. EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES OBJETIVOS DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexiste a alegada negativa de prestação jurisdicional, visto que a Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem, ao julgar os Embargos Declaratórios opostos, deixou consignado, quanto à questão referente à incidência da contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário proporcional ao aviso-prévio indenizado, que "não há que se falar em qualquer omissão quando, em nenhum momento, esta Corte foi provocada a manifestar-se sobre a matéria". 3. Uma vez que o Tribunal de origem não se pronunciou sobre o tema apontado nas razões recursais, o Superior Tribunal de Justiça fica impedido de se manifestar diretamente sobre a matéria, ante a ausência do indispensável prequestionamento. Aplicáveis, assim, as Súmulas 282 e 356 do STF. 4. Observa-se da leitura dos autos que a tese aventada pela recorrente, no que diz respeito à incidência da contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário proporcional ao aviso-prévio indenizado, foi suscitada apenas quando interposta a Apelação. 5. Já assentou o STJ: "A inicial e a contestação fixam os limites da controvérsia. Segundo o princípio da eventualidade toda a matéria de defesa deve ser arguida na contestação" (REsp 301.706/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 25.6.2001). 6. Recurso Especial não conhecido.” (g.n.) No mérito, discute-se a tese de isenção tributária de imóvel rural Fazenda Jussara, no Município de Iguape/SP, objeto da notificação de lançamento 08106/00006/2013, especificamente com fundamento nos artigos 104 da Lei 8.171/199 e 10, § 1º, II, da Lei 9.393/1996, porque inserido em duas Estações Ecológicas (Banhados de Iguape e Banhados de Iguape – Itatins), unidades de conservação que restringem o uso da propriedade, impedindo o seu aproveitamento econômico. Para comprovar o direito alegado, a apelante instruiu a inicial com ofício da CETESB, que informa que o órgão gestor para licenciamento ambiental do imóvel em questão é a Fundação para a Conservação e Produção Florestal do Estado de São Paulo – Fundação Florestal, que emitiu o Parecer AJ 104/2008, em 26/08/2008, nos seguintes termos (ID 90378715, f. 68/71): “Trata-se de solicitação de revalidação de autorização relativa ao processo de licenciamento para manejo sustentável da palmeira jussara, em área originariamente situada no entorno da EE da Jureia-Itatins (fls. 852). O perímetro da EE foi ampliado pela Lei Estadual 12.406/2006, de modo que atualmente a área onde ocorre o manejo encontra-se no interior da referida EE, a qual ainda não tem plano de manejo aprovado. A estação ecológica é uma categoria de unidade de conservação que integra o grupo das unidades de proteção integral (art. 8º, inc. I da Lei 9.985 de 18/07/2000 – Lei do SNUC). Nas unidades de proteção integral somente se admite o uso indireto dos recursos naturais (art. 7º, § 1º), isto é, aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais (art. 2º, inc. IX), salvo as exceções previstas na mesma lei (art. 7º, § 1º). Ora o manejo sustentável de palmito é típico caso de coleta. [...] Pelo que se pode verificar, nenhuma dessas exceções aplica-se ao caso em tela. [...] Sendo assim, por se tratar de área inserida em estação ecológica, não é possível nela realizar-se o manejo sustentável do palmito. [...]” (grifamos) Noticiada a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual 12.406/2006 (ID 90378715, f. 72), repercutindo, pois, na abrangência do perímetro da unidade de conservação, para fins da isenção postulada, a apelante providenciou, durante a instrução processual, laudo ambiental particular, elaborado em agosto de 2014, com base nos Decretos 24.646/1986 e 50.664/2006 e nas Leis 5.649/1987 e 14.982/2013, concluindo que, do total estimado de 7.522,73ha da propriedade, apenas 11,38% estão fora de qualquer área de estação ecológica, enquanto que o restante (88,62%) insere-se em áreas sobrepostas da EE Banhados de Iguape-Banhado Grande e EE Jureia-Martins (ID 90378715, f. 170/7). Em atendimento à ordem judicial, a Fundação Florestal emitiu informações técnicas entre dezembro de 2014 a janeiro de 2015, no sentido de que “a referida área encontra-se dentro dos limites da Estação Ecológica Juréia-Itatins, Unidade de Conservação gerida pela Fundação Florestal, e da APA Federal Cananeia-Iguape-Peruíbe, com a gestão feita pelo ICMBio”, esclarecendo, ainda, a propósito, que (ID 90378715, f. 229 a ID 90378716, f. 3): “A área em questão não se trata de Barra do Una: Barra do Una é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável que se encontra inserida no Mosaico de Unidades de Conservação de Jureia-Itatins, no Município de Peruíbe – SP, porém fora dos limites da área citada no processo, cito a Fazenda Jussara. Em 23 de outubro de 1984, publicou-se o decreto federal 90.347, que criou a APA CIP (Cananeia-Iguape-Peruíbe); em 20 de janeiro de 1986 publicou-se o decreto 24.646 que criou a Estação Ecológica de Jureia-Itatins, sendo regulamentada pela lei 5.649/1987; em 30 de março de 2006 foi publicado o decreto 50.664, que criou a Estação Ecológica Banhados de Iguape, sendo que com a publicação da lei 14.982/2013, de criação do Mosaico de Unidades de Conservação Jureia-Itatins, a Estação Ecológica Banhados de Iguape passou a ser incorporada à Estação Ecológica de Jureia Itatins.” Ocorre que a legislação de regência do direito alegado dispõe que: Lei 8.171/1991: “Art. 104. São isentas de tributação e do pagamento do Imposto Territorial Rural as áreas dos imóveis rurais consideradas de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei n° 4.771, de 1965, com a nova redação dada pela Lei n° 7.803, de 1989. Parágrafo único. A isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) estende-se às áreas da propriedade rural de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declarados por ato do órgão competente federal ou estadual e que ampliam as restrições de uso previstas no caput deste artigo.” (g.n.) Lei 9.393/1996: “Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior. § 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á: [...] II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas: a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012; b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior;” (g.n.) Na espécie, consta dos autos que em 01/01/2005 já havia autorização à apelante, válida até 03/01/2006, para “exploração/manejo sustentado de palmito” em 911,87ha do total de 6.672,64ha da Fazenda Jussara (ID 90378721, f. 10/1), o que se repetiu em 30/03/2007, válida até 29/03/2008, sobre a área de 2.059,63ha (ID 90378721, f. 5/9 e ID 90378726, f. 22/3). Em junho/2007 houve nova “proposta de plano de manejo sustentado da palmeira jussara [...], para que seja submetido à apreciação dos órgãos competentes. [...] O trabalho desenvolvido é uma continuidade dos manejos florestais realizados [...] na Fazenda Jussara, [...], onde foram emitidas as seguintes licenças ambientais: 051/03 e 052/03 ETIG (Revalidação); 017/06 e 018/06 ETIG; e ainda 041/07 e 042/07 (Revalidação)”, em 4.136,90ha da área total de 4.234,14ha (grifamos - ID 90378729, f. 54/60). O próprio documento inicial ofertado pela apelante, o Parecer AJ 104/2008 da Fundação Florestal, emitido em 26/08/2008, já havia consignado que se tratava “de solicitação de revalidação de autorização relativa ao processo de licenciamento para manejo sustentável da palmeira jussara, em área originalmente situada no entorno da EE da Jureia-Itatins [...] Sendo assim, por se tratar de área inserida em estação ecológica, não é possível nela realizar-se o manejo sustentável de palmito. Quando muito, em respeito ao direito adquirido do proprietário, é possível permitir a exploração sustentável até o final do prazo da autorização concedida em vigor, quando não poderá mais ser renovada” (grifamos – ID 90378715, f. 70). Em 28/09/2009, a própria apelante elaborou a Declaração de ITR exercício 2009, referente ao imóvel Fazenda Jussara, NIRF 3.329.130-6, informando área total de 3.692,0ha, 100% utilizados na atividade de exploração extrativa, embora sem plano de manejo aprovado (ID 90378730, f. 47/53). Entre meados a final de 2011 a apelante ainda apresentou documentos para proposta de manejo sustentado para exploração da palmeira jussara em 1.235,72ha do total de 1.431,78ha do imóvel Fazenda Jussara (ID 90378725, f. 3/30), inclusive com a ressalva de que “não incluímos na área de manejo florestal 196,06 hectares pertencentes à propriedade, mas que estão dentro dos limites da Estação Ecológica Banhados de Iguape” (ID. 90378725, f. 23). Conforme informado pelo Fisco, a DITR exercício 2009 incidiu em malha fiscal, razão pela qual a apelante foi intimada a comprovar dados e informações relativos às áreas de exploração extrativa no período de 01/01 a 31/12/2008: “Notas fiscais do produtor; certificado de depósito (em caso de armazenagem de produto). No caso de área explorada com plano de manejo aprovado pelo IBAMA deveria apresentar Plano de Manejo Florestal Sustentado, acompanhado do documento de aprovação ou autorização (ofício/certidão) emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais – IBAMA, bem como autorizações para extração e comprovações do cumprimento do cronograma estipulado no plano de manejo do período de 01/01/2008 a 31/12/2008” (ID 90378716, f. 13). Considerando que a documentação não fazia referência específica ao período de 01/0 a 31/12/2008, objeto da DITR em malha, foi realizado lançamento de ofício do ITR, exercício 2009, do imóvel Fazenda Jussara, NIRF 3.329.130-6, no Município de Iguape/SP, cuja notificação 08106/00006/2013 (processo 10845725511201382), lavrada em 25/11/2013, indicou a seguinte descrição de fatos e enquadramento legal (ID 90378715, f. 61/6): “Descrição dos fatos e enquadramento legal Área de Exploração Extrativa informada não comprovada Descrição dos Fatos: Após regularmente intimado, o sujeito passivo não comprovou área efetivamente utilizada para fins de exploração extrativa declarada. O Documento de Informação e Apuração do ITR (DIAT) foi alterado e os seus valores encontram-se no demonstrativo de apuração do imposto devido, em folha anexa. Enquadramento legal: Art. 10, § 1º, inciso V, alínea ‘c’ da Lei 9.393/96 Valor da Terra Nua declarado não comprovado Descrição dos Fatos: Após regularmente intimado, o sujeito passivo não comprovou por meio de Laudo de Avaliação do imóvel, conforme estabelecido na NBR 14.653-3 da ABNT, o valor da terra nua declarado. No Documento de Informação e Apuração do ITR (DIAT), o campo valor da terra nua por há (VTN/há) foi arbitrado considerando o valor obtido no Sistema de Preços da Terra (SIPT) e o valor total da terra nua foi calculado multiplicando-se esse VTN/há arbitrado pela área total do imóvel. O Sistema de Preços de Terra 9SIPT) da RFB, instituído através da Portaria SRF 447, de 28/,3/02, é alimentado com os valores recebidos das Secretarias Estaduais ou Municipais de Agricultura ou entidades correlatas, sendo que esses valores são informados para cada município/UF, de localização do imóvel rural, e exercício (AC da DITR); assim foram obtidos os dados para os respectivos campos: município, UF e exercício. Os valores do DIAT encontram-se no Demonstrativo de Apuração do Imposto Devido, em folha anexa. Enquadramento legal: Art. 10, § 1º, inciso I e art. 14 da Lei 9.393/96. Complemento da Descrição dos Fatos: A Declaração de ITR do sujeito passivo incidiu em Malha Fiscal, nos parâmetros Área Utilizada e Cálculo do Valor da Terra Nua VTN. Regularmente intimado e transcorrido o prazo fixado, o sujeito passivo não atendeu todas as exigências contidas no Termo de Intimação Fiscal 08106/00001/2013. Em relação à Área Utilizada o sujeito passivo informou na Declaração de Informação e Apuração do ITR DIAT 2009, no quadro Distribuição da Área Utilizada na Atividade Rural, 3.692ha como Área de Exploração Extrativa. Em relação às Áreas de Exploração Extrativa o sujeito passivo apresentou ampla documentação dentre elas Planos de Manejo e autorizações de extração, porém estas autorizações não são referentes ao período analisado nesta Revisão Interna que é o de 01/01/2008 a 31/12/2008, solicitado no Termo de Intimação. No tocante à comprovação do Valor da Terra Nua (VTN), o sujeito passivo não apresentou Laudo Técnico emitido por engenheiro agrônomo ou florestal, conforme estabelecido na NBR 14.653 da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT com fundamentação e grau de precisão II, com anotação de responsabilidade técnica ART registrada no CREA, contendo todos os elementos de pesquisa identificados e suas planilhas de cálculo, e preferivelmente pelo método comparativo direto de dados de mercado. Nem tampouco a apresentação de avaliação efetuada pelas Fazendas Públicas Estaduais (exatorias), Municipais, ou aquelas efetuadas pela Emater, não apresentando os métodos de avaliação e as fontes pesquisadas, que levassem à convicção do valor atribuído ao imóvel na Declaração do ITR DITR 2009. Conforme a NBR 14.653 da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT, o Laudo de Avaliação de imóveis rurais deve conter: 1. identificação da pessoa física ou jurídica que tenha solicitado o trabalho; 2. objetivo e finalidade da avaliação; 3. roteiro de acesso ao imóvel avaliando; 4. descrição da região; 5. quanto às amostras: a) correta identificação dos dados de mercado, devendo constar a localização e a especificação; b) identificação das fontes de informação e sua confiabilidade; c) número de dados de mercado efetivamente utilizados, de acordo com o grau de fundamentação; d) sua semelhança com o imóvel objeto da avaliação, no que diz respetio à sua localização, à destinação e à capacidade de uso das terras; 6. identificação e caracterização do bem avaliando; 7. indicação do(s) método(s) utilizado(s), com justificativa de escolha; 8. pesquisa de valores; 9. memória de cálculo do tratamento utilizado; 10. especificação da avaliação, com grau de fundamentação e precisão; 11. data da vistoria, conclusão, resultado da avaliação e sua data de referência; 12. qualificação legal completa e assinatura do profissional responsável pela avaliação; 13. local e data do laudo. Além do exposto, no Laudo de Avaliação do Imóvel, são obrigatórios em qualquer grau: explicitação do critério adotado e dos dados colhidos no mercado; vistoria do imóvel avaliando; identificação das fontes e mínimo de três dados de mercado, efetivamente utilizados. Para atingir o grau II são obrigatórios: a apresentação de fórmulas e parâmetros utilizados, mínimo de cinco dados de mercado efetivamente utilizados; a apresentação de informações relativas a todos os dados amostrais e variáveis utilizados na modelagem e que, no caso da utilização de fatores de homogeneização, o intervalo admissível de ajuste para cada fatos e para o conjunto de fatores esteja compreendido entre 0,80 e 1,20. Desta forma, o valor do VTN declarado foi contestado à vista do artigo 14 da Lei 9.393, de 19/12/1996, transcrito a seguir: Art. 14. No caso de falta de entrega do DIAC ou do DIAT, bem como de subavaliação ou prestação de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas, a Secretaria da Receita Federal procederá à determinação e ao lançamento de ofício do imposto, considerando informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, apurados em procedimentos de fiscalização. § 1º As informações sobre preços de terra observarão os critérios estabelecidos no art. 12, § 1º, inciso II da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e considerarão levantamentos realizados pelas Secretarias de Agricultura das Unidades Federadas ou dos Municípios. Considerando o disposto no artigo 14 da Lei 9.393/96, o Sistema de Preços de Terras SIPT foi instituído pela Portaria SRF 447, de 28/03/02, com dados publicados pelas Secretarias Estaduais de Agricultura ou entidades correlatas. Para o imóvel objeto desta Notificação de Lançamento, localizado no município de Iguape, o valor constante do SIPT, para o exercício de 2009, está descrito na consulta a este sistema juntada aos autos. Com base nesses dados, foi então utilizado o Valor da Terra Nua CTN pra o exercício 2009, em R$ 1.408,72/há, perfazendo um total de R$ 5.200.994,24 (cinco milhões, duzentos mil, novecentos e noventa e quatro reais e vinte e quatro centavos), conforme demonstrado abaixo: Área total do imóvel declarada 3.692,0 há VTN/há = R$ R$ 1.408,72 VTN do imóvel – R$ VTN/há x área do imóvel VTN do imóvel = R$ 1.408,72 x 3.692,0 = R$ 5.200.994,24 Desta forma, considerando o não atendimento às exigências contidas no Termo de Intimação Fiscal 08106/00001/2013, lavrou-se o presente lançamento de ofício, exercício 2009 alterou-se o valor da terra nua declarado pelo sujeito passivo e glosou-se a área de 3.692,0 há relativa à Área de Exploração Extrativa, em cumprimento ao artigo 14 da Lei 9.393/1996.” Como se observa, a própria apelante declarou que a propriedade era economicamente explorada, sem fazer qualquer menção ou ressalva à área isenta. Tal situação, inclusive, restou cabalmente corroborada por farta documentação nos autos, que demonstrou que, a despeito de inserir-se em estação ecológica, o imóvel é objeto de exploração extrativa de palmito, ao menos, desde 2003, até 2011, pelo menos - ainda que sem a autorização ambiental para o manejo -, inclusive 2008, período abrangido pelo lançamento de ofício objeto da notificação 08106/00006/2013 (ITR exercício 2009). Daí porque não se cogita tenha o imóvel sofrido restrição de uso para fins de gozo da isenção de ITR prevista nos artigos 104 da Lei 8.171/199 e 10, § 1º, II, da Lei 9.393/1996, tal como corretamente reconhecido em sentença: “A isenção discutida é regida pelo art. 104 da Lei n. 8.171/91 e pelo art. 10, II, "a" a "c" e 7º da Lei n. 9.393/96: Art. 104. São isentas de tributação e do pagamento do Imposto Territorial Rural as áreas dos imóveis rurais consideradas de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei n 4.771, de 1965, com a nova redação dada pela Lei n 7.803, de 1989.Parágrafo único. A isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) estende-se às áreas da propriedade rural de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declarados por ato do órgão competente federal ou estadual e que ampliam as restrições de uso previstas no caput deste artigo. Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior. § 1º Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á: (...) II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas: a) de preservação permanente e de reserva legal, previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989; b) de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, e que ampliem as restrições de uso previstas na alínea anterior; c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual; (...) § 7º A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas "a" e "d" do inciso II, 1o, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) Assim, para o gozo da isenção pretendida é necessário comprovar que a área discutida encontra-se imprestável à exploração por limitações ambientais, como área de preservação permanente, reserva legal ou declaração de interesse ecológico, prova esta que pode ser feita por simples declaração do Poder Público, o que basta para dispensar o contribuinte de tal ônus. [...] A despeito da juntada da prova documental, dando conta da criação da Estação Ecológica Banhados de Iguape, em 30/03/2006, posteriormente incorporada pela Estação Ecológica de Jureia Itatins, não afastou a parte autora o principais fundamentos de constituição do crédito tributário, quais sejam, (i) a declaração do imposto de propriedade territorial rural e (ii) a efetiva exploração da área declarada (3.692,0 hectares), por meio de autorização estatal para tanto, do que se conclui da utilização da Fazenda Jussara como forma de obtenção de lucro, ao menos até 2011, segundo projeto de manejo apresentado pela própria parte autora. Ressalto que, embora a Estação Ecológica (art. 9º da Lei n. 9.985/2000) seja área de proteção integral, com vedação, portanto, de exploração econômica pelo proprietário, mormente para extração de palmito, e, como tal, conduziria a procedimento de desapropriação direta, pelo Poder Público, após a publicação dos atos normativos para tanto, ou indireta, por iniciativa do administrativo, em processo judicial, e daí se poderia concluir que a hipótese seria de imunidade recíproca em relação ao ITR, é certo que, enquanto não houver desapropriação, de qualquer natureza, e diante da exploração da terra, como assentado pelo próprio contribuinte, que informa a área efetiva de manejo 4.136,90 hectares como de efetivo manejo, descontada a área de preservação ambiental, conforme consta do processo administrativo n. 10845.725511/2013-82, isso em 2011, ou seja, após os fatos geradores discutidos no processo (2008), a indicar que, em 2008, havia efetiva exploração de atividade econômica na Fazenda Jussara. Sendo assim, de rigor a incidência de ITR, pois eventual isenção, não cabível porquanto não há autorização legal, tem como pressuposto a redução da área de exploração econômica da terra, com significativo impacto nos rendimentos que seriam obtidos por seu proprietário. Do contrário, sem alteração da área de exploração, de rigor a cobrança do referido imposto. Saliento que a própria área declarada na declaração de ITR é inferior àquele constante no plano de manejo (3.692,0 x 4.136,90 hectares), do que concluo que a própria parte autora, ao contrário do que alega, tem pleno conhecimento de que explora economicamente a Fazenda Jussara, a despeito das restrições à propriedade de ordem ambiental. Ainda que assim não fosse, não há prova suficiente de que teve limitação ao seu direito de propriedade, seja porque não juntou prova da desapropriação, se existente, seja em razão da insuficiência da documentação juntada para comprovação das alegações.” Diante, pois, da exploração econômica do imóvel, revelada nos diversos documentos carreados aos autos e reconhecida na própria DITR exercício 2009 elaborada pela apelante, em relação à totalidade da área declarada, a afastar a alegação de restrição de uso para fins da isenção defendida, não há que se falar em abuso ou ilegalidade na atuação fiscal, violação à moralidade, eficiência, publicidade ou verdade real, ou reforma da sentença. Os honorários advocatícios, considerados o trabalho adicional em grau recursal e os critérios do artigo 85, §§ 2º a 6º e 11, CPC, especialmente grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido de atuação nesta fase do processo, devem ser fixados, pela atuação nesta instância, em 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa, a ser acrescido ao fixado na sentença. Ante o exposto, conheço parcialmente da apelação e, nesta parte, nego-lhe provimento. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. ITR. INOVAÇÃO EM SEDE DE RAZÕES DE APELAÇÃO. ISENÇÃO. ÁREA INSERIDA EM ESTAÇÃO ECOLÓGICA. RESTRIÇÃO DE USO.
1. Preliminarmente, não se conhece da apelação na parte em que impugna a ilegalidade do arbitramento do valor da terra nua no lançamento ora questionado, uma vez que tal alegação não foi objeto da inicial, que circunscreve os limites objetivos da lide. A inovação da lide, em razões de apelação, viola o devido processo legal e é inadmissível, segundo a jurisprudência consolidada.
2. No mérito, a controvérsia dos autos restringe-se à tese de isenção de imóvel rural Fazenda Jussara, no Município de Iguape/SP, objeto da notificação de lançamento 08106/00006/2013, com fundamento nos artigos 104 da Lei 8.171/199 e 10, § 1º, II, da Lei 9.393/1996, porque inserido em duas Estações Ecológicas (Banhados de Iguape e Banhados de Iguape – Itatins), unidades de conservação que restringem o uso da propriedade.
3. Não obstante o reconhecimento pela Fundação Florestal de que “a referida área encontra-se dentro dos limites da Estação Ecológica Juréia-Itatins, Unidade de Conservação gerida pela Fundação Florestal, e da APA Federal Cananeia-Iguape-Peruíbe, com a gestão feita pelo ICMBio”, restou cabalmente demonstrado, por farta documentação nos autos, que o imóvel é objeto de exploração extrativa de palmito, ao menos, desde 2003, até 2011, pelo menos - ainda que sem a autorização ambiental para o manejo -, inclusive 2008, período abrangido pelo lançamento de ofício objeto da notificação 08106/00006/2013 (ITR exercício 2009).
4. Em 28/09/2009, a própria contribuinte elaborou a Declaração de ITR exercício 2009, referente ao imóvel Fazenda Jussara, NIRF 3.329.130-6, informando área total de 3.692,0ha, 100% utilizados na atividade de exploração extrativa, embora sem plano de manejo aprovado.
5. Daí porque não se cogita tenha o imóvel sofrido restrição de uso para fins de gozo da isenção de ITR prevista nos artigos 104 da Lei 8.171/199 e 10, § 1º, II, da Lei 9.393/1996, não havendo que se falar em abuso ou ilegalidade na atuação fiscal, violação à moralidade, eficiência, publicidade ou verdade real, ou reforma da sentença.
6. Fixada verba honorária pelo trabalho adicional em grau recursal, em observância ao comando e critérios do artigo 85, §§ 2º a 6º e 11, do Código de Processo Civil.
7. Apelação parcialmente conhecida e, nesta parte, desprovida.