Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002336-64.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LUIZ CARLOS CUESTA HERNANDEZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: ELTON PASSERINI FERREIRA - SP260509-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, LUIZ CARLOS CUESTA HERNANDEZ

Advogado do(a) APELADO: ELTON PASSERINI FERREIRA - SP260509-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002336-64.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LUIZ CARLOS CUESTA HERNANDEZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: ELTON PASSERINI FERREIRA - SP260509-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, LUIZ CARLOS CUESTA HERNANDEZ

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação em que se pleiteia a revisão da RMI de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (NB 42/160.358.597-4 com DIB na DER em 04.04.2014 – ID 77847708/180-181), mediante o reconhecimento de período(s) laborado(s) em atividades especiais (02.03.94 a 08.07.2014).

A sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito (art. 485, VI, do CPC/2015) quanto ao pleito relativo ao período de 02.03.94 a 24.08.99, tendo em vista que o autor laborou sob o regime próprio de previdência da Prefeitura Municipal de Pedranópolis/SP e julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborado(s) em atividades especiais o(s) período(s) de 25.08.99 a 08.07.2014, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a revisão do benefício com a devida averbação, condenando-o, em consequência, ao pagamento das diferenças desde a data do requerimento administrativo (04.04.2014), corrigidas monetariamente com aplicação dos índices do INPC e IPCa-e  e acrescidas de juros de mora de 0,5% ao mês até a vigência do Código Civil/2002; 1% ao mês até 29.06.2009 e, a partir daí, com a aplicação da Lei nº 11.960/09. Diante da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de honorários de advogado de seus respectivos patronos, bem como em custas processuais na proporção de 50%.

Sentença (proferida em 16.04.2018) não submetida à remessa necessária.

Foi determinada, ainda, em sede de antecipação de tutela, a revisão imediata do benefício.

Apela a parte autora, pugnando pelo reconhecimento do labor em condições especiais no período de 02.03.94 a 24.08.99 e acolhimento integral do pedido exordial. Argumenta haver laborado sob o regime geral da previdência social.

Por sua vez, apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS sustentando a impossibilidade do enquadramento das atividades exercidas pela parte autora como especiais, notadamente em razão do uso de EPI, da insuficiência do conjunto probatório produzido nos autos e da ausência de laudo técnico contemporâneo. Subsidiariamente, requer a reforma da sentença quanto à observância da prescrição quinquenal e aos critérios de atualização monetária do débito, com a aplicação da Lei nº 11.960/09.

Sem contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002336-64.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LUIZ CARLOS CUESTA HERNANDEZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: ELTON PASSERINI FERREIRA - SP260509-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, LUIZ CARLOS CUESTA HERNANDEZ

Advogado do(a) APELADO: ELTON PASSERINI FERREIRA - SP260509-A

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V O T O

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do(s) recurso(s) de apelação.

Dispõe o art. 201, da Constituição Federal:

 

"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...)

§ 9º. Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei".

 

A Lei de Benefícios disciplina ainda a contagem recíproca de tempo de serviço no caput do artigo 94 e inciso IV do artigo 96, que transcrevo:

 

"Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente." (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)

"Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

I - não será admitida a contagem em dobro ou em outras condições especiais;(...)

 

Nos termos do art. 201, § 9º da Constituição Federal, bem como dos artigos 94, caput e 96 ambos da Lei nº 8.213/91, assegura-se ao INSS o direito de consignar na certidão de tempo de serviço a falta de recolhimento ou indenização das contribuições previdenciárias correspondentes ao período, para fins de contagem recíproca junto ao regime próprio de previdência do autor.

A iniciativa da compensação entre o Regime Geral da Previdência Social e o regime estatutário, e a correspondente prova da indenização, deverá partir do regime em que for concedido o benefício, consoante a elucidativa ementa do julgado seguinte:

 

"AGRAVO LEGAL. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO URBANO EXERCIDO SEM REGISTRO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. EXPEDIÇÃO DA RESPECTIVA CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO URBANO VINCULADO AO REGIME GERAL. POSSIBILIDADE. EXERCÍCIO DO PODER-DEVER DO INSS. AGRAVO LEGAL DESPROVIDO.

- No presente caso, a parte autora afirma que trabalhou no escritório da Fazenda Cachoeira, na função de auxiliar de escritório, no período de 16.06.80 a 31.07.85. - Com respeito ao exercício da atividade urbana, o conjunto probatório revela razoável início de prova material. - De sua vez, a prova testemunhal corrobora a documentação contemporânea aos fatos e basta à comprovação da atividade de trabalhador urbano, para efeito de cômputo do tempo de serviço do segurado. - Comprovado se acha, portanto, o tempo de serviço no período de 20.01.84 a 1º.01.85.

- Cumpre salientar que incumbe aos empregadores recolher as contribuições previdenciárias, em decorrência da relação de emprego, a teor do art. 5º, I, e art. 69, I e III, da L. 3.807/60. - A certidão a ser expedida é assegurada a todos, nos termos do artigo 5º, XXXIV, "b", da Constituição, pois, no caso em tela, a sua obtenção se destina à defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal relacionados à contagem recíproca. - Aliás, pondo uma pá de cal nessa questão, cumpre ter em mente que, na hipótese vertente, a autarquia carece de legitimidade para opor-se à certidão de contagem recíproca, em alegando faltar a indenização das contribuições correspondentes ao período reconhecido.

- Em sendo caso de servidor público, sempre quem tem essa legitimidade é o regime instituidor do beneficio, nos termos do artigo 4º da L. 9.796/99, isto porque a contagem recíproca é direito assegurado pela Constituição, independentemente de compensação financeira entre os regimes de previdência social, e pode nem sequer se concretizar se por algum motivo o servidor não utilizar a certidão. - Destarte, a legitimidade para exigir a prova da indenização das contribuições é do regime instituidor do benefício, isto é, do regime próprio do servidor (RPPS), por isso mesmo, reconhecido o tempo de serviço, descabe ao regime de origem (INSS) recusar-se a cumprir seu dever-poder de expedir a certidão de contagem recíproca. - Ressalte-se, com isso, que a parte autora, enquanto filiada ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), não está obrigada ao recolhimento das contribuições para aposentar-se (RE 148.510 SP, Min. Marco Aurélio). - Não, porém, quando se cogitar de regime próprio, pois, nesta hipótese, a autarquia poderá consignar que a utilização do tempo certificado, para fins de benefício em regime diverso do RGPS, poderá gerar indenização das contribuições previdenciárias correspondentes ao período trabalhado. - Agravo legal desprovido.(AC 00352224920014039999, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/06/2013 .FONTE_REPUBLICACAO:.)

 

Constata-se que o autor pleiteia a revisão da RMI de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (NB 42/160.358.597-4 com DIB na DER em 04.04.2014 – ID 77847708/180-181), mediante o reconhecimento de período(s) laborado(s) em atividades especiais (02.03.94 a 08.07.2014).

Verifica-se dos autos que o autor foi nomeado em decorrência de aprovação em concurso público, ao cargo de provimento efetivo de “trabalhador braçal” perante a Prefeitura Municipal de Pedranópolis/SP (Portaria nº 57/02.03.94 e termo de posse – ID 77847708/21-22), tendo laborado no regime próprio do Município (estatutário) no período de 02.03.94 a 24.08.99, com contribuição para o Fundo Municipal de Seguridade, conforme comprova declaração emitida pela Prefeitura Municipal de Pedranópolis/SP e a Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) (ID 77847708/116-120).

A partir de 25.08.99 a 08.07.2014, ocorreu a migração do autor para o Regime Geral de Previdência, tendo sido exonerado em 08.07.2014, conforme Portaria nº 4514/08.07.2014 (ID 77847708/67).

Neste contexto, no pertinente ao reconhecimento das atividades especiais exercidas por servidores públicos estatutários, no caso em tela, no período compreendido entre 02.03.94 a 24.08.99, o tema tem merecido atenção específica dos tribunais.

Nos casos em que a migração de regime ocorre compulsoriamente pela lei, o Supremo Tribunal Federal tem entendido possível a conversão de tempo de serviço especial, desde que anterior ao advento da Lei nº 8.112/90, pois a partir daí seria necessária a devida regulamentação exigida pela CF no artigo 40, §4º.

Contudo, no julgamento do Mandado de Injunção nº 721, em 30/11/2007, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, o STF considerou superada a exigência da regulamentação, reconhecendo à servidora o direito à aposentadoria especial, tendo em vista que o regime geral já disciplinava a matéria, conforme se verifica da transcrição do aresto:

 

"MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada.

MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada.

APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAUDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57,§1º, da Lei 8.213/91."

 

Assim, não resta dúvida ser possível o reconhecimento das atividades especiais.

No entanto, para o reconhecimento das atividades especiais do servidor, a ação deve ser proposta contra o ente público que arcará com o benefício de aposentadoria ou, em casos como o presente, em que se pleiteia a contagem recíproca, que arcará com a indenização ao órgão concessor, inclusive do tempo ficto.

Dessa forma, entendo que, no pertinente ao período compreendido entre 02.03.94 a 24.08.99, o INSS é parte ilegítima para o reconhecimento das atividades especiais, como reconhecido na sentença, cabendo à parte autora demandar perante o Município pugnando pelo reconhecimento judicial da insalubridade, razão pela qual deve a sentença extintiva ser mantida.

Por outro lado, não há óbice quanto à apreciação do pleito relativo ao reconhecimento das atividades especiais exercidas enquanto celetista (25.08.99 a 08.07.2014), vez que vinculado ao regime geral da previdência, não sendo hipótese de ilegitimidade passiva do INSS.

Passo ao exame do mérito.

 

Aposentadoria Especial

A aposentadoria por tempo de serviço especial teve assento primeiro no artigo 31 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, que estabeleceu que seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.

Prevê ainda, o mencionado diploma legal, no art. 162, o reconhecimento de atividade especial prestada em data anterior à sua edição, na hipótese de seu cômputo ser mais benéfico ao segurado.

Como assentado pelas Cortes Superiores "tal hipótese, apesar de similar, não se confunde com a questão da legislação aplicável ao caso de concessão de aposentadoria, tampouco com aquela que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa da lei nova que estabeleça restrição ao cômputo do tempo de serviço. (...) Interpretação diversa levaria à conclusão de que o segurado, sujeito a condições insalubres de trabalho, só teria direito à aposentadoria especial após 15, 20 e 25 anos de trabalho exercida depois da Lei nº 3.807/60, desconsiderando, portanto, todo o período de labor, também exercido em tal situação, porém em data anterior à lei de regência" (Ag Rg no REsp nº 1015694, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza Assis de Moura, DJe 01/02/2011)

Essa norma foi expressamente revogada pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973, que passou a discipliná-la no artigo 9º, alterando, em efeitos práticos, apenas o período de carência de 15 (quinze) anos para 5 (cinco) anos de contribuição, mantendo no mais a redação original.

Sobreveio, então, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, reclassificando as atividades profissionais segundo os agentes nocivos e os grupos profissionais tidos por perigosos, insalubres ou penosos, com os respectivos tempos mínimos de trabalho.

Importante ressaltar que os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79 tiveram vigências simultâneas, de modo que, conforme reiteradamente decidido pelo C. STJ, havendo colisão entre as mencionadas normas, prevalece a mais favorável ao segurado. (REsp nº 412351, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/10/2003, DJ 17/11/2003, pág. 355).

As atividades insalubres previstas nas aludidas normas são meramente exemplificativas, podendo outras funções ser assim reconhecidas, desde que haja similitude em relação àquelas legalmente estatuídas ou, ainda, mediante laudo técnico-pericial demonstrativo da nocividade da ocupação exercida. Nesse sentido, o verbete 198 da Súmula do TFR.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a matéria passou a ser prevista no inciso II do artigo 202 e disciplinada no artigo 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação original previa que o benefício de aposentadoria especial seria devido ao segurado que, após cumprir a carência exigida, tivesse trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, restando assegurada, ainda, a conversão do período trabalhado no exercício de atividades danosas em tempo de contribuição comum (§3º).

Em seguida, foi editada a Lei nº 9.032/95, alterando o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, dispondo que a partir desse momento não basta mais o mero enquadramento da atividade exercida pelo segurado na categoria profissional considerada especial, passando a ser exigida a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, que poderá se dar por meio da apresentação de informativos e formulários, tais como o SB-40 ou o DSS-8030.

Posteriormente, com a edição do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, que estabeleceu requisitos mais rigorosos para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, passou-se a exigir-se a apresentação de laudo técnico para a caracterização da condição especial da atividade exercida. Todavia, por se tratar de matéria reservada à lei, tal exigência apenas tem eficácia a partir da edição da Lei n.º 9.528, de 10/12/1997.

Cumpre observar que a Lei nº 9528/97 também passou a aceitar o Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que busca retratar as características de cada emprego do segurado, de forma a facilitar a futura concessão de aposentadoria especial. Assim, identificado no documento o perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, é possível a sua utilização para comprovação da atividade especial em substituição ao laudo pericial.

Ressalto que no tocante ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e à forma da sua demonstração, deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho, conforme jurisprudência pacificada da matéria (STJ - Pet 9.194/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).

A extemporaneidade do documento comprobatório das condições especiais de trabalho não prejudica o seu reconhecimento como tal, "pois a situação em época remota era pior ou ao menos igual a constatada na data da elaboração do laudo, tendo em vista que as condições do ambiente de trabalho só melhoraram com a evolução tecnológica." (Des. Fed. Fausto De Sanctis, AC nº 2012.61.04.004291-4, j. 07/05/2014)

Especificamente em relação ao ruído, o Decreto nº 53.831/64 considerava insalubre o labor desempenhado com exposição permanente a ruído acima de 80 dB; já o Decreto nº 83.080/79 fixava a pressão sonora em 90 dB. Na medida em que as normas tiveram vigência simultânea, prevalece disposição mais favorável ao segurado (80 dB).

Com a edição do Decreto nº 2.172/97, a intensidade de ruído considerada para fins de reconhecimento de insalubridade foi elevada para 90 dB, mas, em 2003, essa medida foi reduzida para 85 dB, por meio do Decreto nº 4.882, de 18 de novembro de 2003.

Até 09 de outubro de 2013, os Tribunais adotavam o enunciado pela Súmula nº 32 da TNU. Contudo, esta Súmula foi cancelada em decorrência do julgamento da PET 9059 pelo Superior Tribunal de Justiça (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJe 09/09/2013) cujo entendimento foi sufragado no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), sob a sistemática dos recursos repetitivos.

Em relação ao agente ruído, vigora o princípio do tempus regit actum. Considera-se especial a atividade desenvolvida acima do limite de 80dB até 05/03/1997, quando foi editado o Decreto nº 2.172/97, a partir de então deve-se considerar especial a atividade desenvolvida acima de 90dB até 18/11/2003, quando foi editado o Decreto nº 4882/2003. A partir de 19/11/2003 o limite passou a ser de 85 dB.

Saliente-se que a especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico previdenciário (a partir de 11/12/97).

É corrente em nossos tribunais a tese de que sempre se exigiu laudo técnico para comprovar a exposição do trabalhador aos agentes físicos ruído e calor em níveis superiores aos limites máximos de tolerância. Entretanto, no tocante às atividades profissionais exercidas até 10/12/97 - quando ainda não havia a exigência legal de laudo técnico -, essa afirmação deve ser compreendida, não na literalidade, mas no sentido de ser necessário o atesto efetivo e seguro dos níveis de intensidade dos agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto durante sua jornada laboral.

Logo, para as atividades profissionais exercidas até 10/12/97, é suficiente que os documentos apresentados façam expressa menção aos níveis de intensidade dos agentes nocivos.

Uso de equipamento de proteção individual - EPI, como fator de descaracterização do tempo de serviço especial

A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 664335, da relatoria do E. Ministro Luiz Fux, com reconhecimento de repercussão geral, na data de 04.12.2014, em que restou decidido que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional ao reconhecimento das atividades especiais.

Restou assentado também que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

O fato de a empresa fornecer equipamento de proteção individual - EPI para neutralização dos agentes agressivos não afasta, por si só, a contagem do tempo especial, pois cada caso deve ser examinado em suas peculiaridades, comprovando-se a real efetividade do aparelho e o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1428183/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/02/2014, DJe 06/03/2014).

Ainda, conforme a jurisprudência citada, tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em níveis acima dos limites legais, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.

Caso concreto - elementos probatórios

De início, verifica-se que a controvérsia cinge-se à especialidade das atividades trabalhadas no(s) período(s) de 25.08.99 a 08.07.2014 (objeto de impugnação no apelo do INSS).

Quanto ao reconhecimento da insalubridade, o(s) período(s) de 25.08.99 a 04.04.2014 (DER), laborado na função de coletor de lixo/limpeza pública, junto à Prefeitura Municipal de Pedranópolis/SP, deve(m) ser reconhecido(s) como especial(is), à vista da comprovação da exposição habitual e permanente a agentes biológicos, sem uso de EPI eficaz, conforme documentos (PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, laudo técnico) (ID 77847708/23-252), enquadrando-se no código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, no item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 2.172/97.

A descrição pormenorizada das atividades, constante dos documentos (ID 77847708/23-252), confirma a efetiva exposição, bem como o contato físico com material potencialmente contagioso (microorganismos e parasitas infecto-contagiosos).

No mais, improcede a pretensão da parte autora à revisão do benefício, mediante o cômputo de período contributivo posterior à DER (05.04.2014 a 08.07.2014).

O requerimento administrativo constitui ato formal de manifestação da vontade que determina toda uma série encadeada de atos técnicos e administrativos que redundarão ou não na concessão do benefício previdenciário.

Cumpre observar que, para o cálculo dos benefícios previdenciários, deve ser observada a legislação vigente à época em que o segurado preencheu os requisitos para sua concessão, sendo fixado o termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo.

Concedido o benefício, tal ato se reveste da proteção da lei, como ato jurídico perfeito e acabado, não se admitindo a renúncia e a retratação da manifestação da vontade, sendo que, nesse sentido, o C. Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento do dia 26.10.2016, proferiu decisão no RE nº 661.256/SC, submetido à sistemática da repercussão geral estabelecida no artigo 543-B do Código de Processo Civil/1973, na análise das hipóteses da chamada "desaposentação".

Neste contexto, para os casos de concessão da aposentadoria por tempo de serviço, o art. 54 da Lei 8.213/91 se reporta expressamente ao art. 49 da mesma lei, no sentido de determinar que a data de início da aposentadoria por tempo de serviço, assim como da aposentadoria por idade, será fixada:

 

"Art. 49. omissis

I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir:

da data do desligamento do emprego, quanto requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou

da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea "a"."

 

Assim, verifica-se que o requerimento administrativo é o marco temporal que formaliza a intenção de se aposentar, notadamente para os segurados que optam por continuar a trabalhar, como no caso do autor.

A data de início do benefício somente retroagiria à data do desligamento, caso o requerimento do benefício ocorresse em até 90 dias de tal desligamento, visando prestigiar o segurado com a melhor solução de continuidade após a cessação da atividade profissional.

Assim, absolutamente inviável o pleito do autor concernente ao cômputo de período contributivo posterior à DER, vez que não há qualquer fundamento legal para tanto.

Ao formalizar requerimento administrativo para concessão de benefício previdenciário, o autor desencadeou processo irretratável e se condicionou à forma de cálculo vigente em tal data, ainda que circunstância superveniente lhe revele cálculo mais vantajoso.

Destarte, deve o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora (NB nº 42/160.358.597-4), reconhecendo-se a especialidade das atividades trabalhadas no(s) período(s) de 25.08.99 a 04.04.2014.

São devidas as diferenças decorrentes do recálculo de sua RMI desde a data do requerimento administrativo em 04.04.2014, uma vez que a parte autora demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários ao reconhecimento das atividades especiais desde então.

Acresça-se, no pertinente à fixação do termo inicial do benefício, jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “[...] o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão de benefício previdenciário deve retroagir à data da concessão do benefício, uma vez que o deferimento da ação revisional representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado” (REsp nº 1.732.289/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 21/11/2018). No mesmo sentido: REsp nº 1745509/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019.

Ressalte-se a inocorrência da prescrição quinquenal (artigo 103, §único, da Lei n° 8.213/91), à vista da propositura da presente ação em 26.01.2017.

No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.

Tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença  e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial.

Considerando o não provimento do recurso da parte autora, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, observada, no caso, a concessão da gratuidade.

Ante o exposto, de ofício, fixo os critérios de atualização do débito, dou parcial provimento à apelação do INSS, para restringir o reconhecimento do labor em condições especiais ao período de 25.08.99 a 04.04.2014, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado, mantida, no mais, a sentença recorrida.

É como voto.



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. REVISÃO DA RMI DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES BIOLÓGICOS. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.

1. Regime próprio de previdência - para o reconhecimento das atividades especiais do servidor, a ação deve ser proposta contra o ente público que arcará com o benefício de aposentadoria ou, em casos como o presente, em que se pleiteia a contagem recíproca, que arcará com a indenização ao órgão concessor, inclusive do tempo ficto.

2. São requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições, ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à Emenda Constitucional 20/98 equivale a tempo de contribuição, a teor do seu art. 4º.

3. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.

4. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico previdenciário (a partir de 11/12/97).

5. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente a agentes biológicos (vírus, bactérias e protozoários), nos termos do código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, item 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79 e item 3.0.1 do Decreto n° 2.172/97.

6. Concedido o benefício, tal ato se reveste da proteção da lei, como ato jurídico perfeito e acabado, não se admitindo a renúncia e a retratação da manifestação da vontade, sendo que, nesse sentido, o C. Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento do dia 26.10.2016, proferiu decisão no RE nº 661.256/SC, submetido à sistemática da repercussão geral estabelecida no artigo 543-B do Código de Processo Civil/1973, na análise das hipóteses da chamada "desaposentação".

7. Reconhecidas as atividades especiais, deve o INSS proceder ao recálculo da renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora.

8. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.

9. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.

10. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS parcialmente provida. Apelação da parte autora não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu de ofício, fixar os critérios de atualização do débito, dar parcial provimento à apelação do INSS, negar provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majorar os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.