APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007386-76.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: LUIZA VIEIRA DE ALMEIDA QUEIROZ
Advogado do(a) APELANTE: VALDEIR ORBANO - SP262501-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: VALERIA DE FATIMA IZAR DOMINGUES DA COSTA - SP117546-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007386-76.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: LUIZA VIEIRA DE ALMEIDA QUEIROZ Advogado do(a) APELANTE: VALDEIR ORBANO - SP262501-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: VALERIA DE FATIMA IZAR DOMINGUES DA COSTA - SP117546-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por LUIZA VIEIRA DE ALMEIDA QUEIROZ, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o restabelecimento de benefício de auxílio-doença e, caso preenchidas as condições legais, sua conversão em aposentadoria por invalidez. A r. sentença julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, em virtude da ocorrência de coisa julgada. Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC (ID 108949188, p. 197-202). Em razões recursais, a parte autora pugna pela anulação da sentença, ao fundamento de que a presente ação é distinta daquela que ajuizou em face do mesmo ente autárquico, em meados de 2008. No mérito, sustenta que preenche os requisitos para a concessão dos benefícios ora vindicados (ID 108949188, p. 214-220). O INSS apresentou contrarrazões (ID 103312651, p. 07). Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: A par do respeito e da admiração que nutro pelo Ilustre Relator, dele divirjo. Para a configuração da coisa julgada, é preciso a existência da tríplice identidade entre as demandas. É dizer, que as partes, os pedidos e causa de pedir sejam idênticos em dois processos, sendo que um deles já esteja julgado. Destaco que, nas ações de concessão de benefício por incapacidade, há que se levar em conta que pode haver alteração da capacidade laboral do segurado com o decurso do tempo, tanto assim que a Lei nº 8.213/91, em seu artigo 101, prevê a necessidade de perícias médicas periódicas para verificar se houve alteração das condições que autorizaram a concessão do benefício. Por essa razão, as sentenças proferidas nessas ações estão vinculadas aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, nelas estando implícita a cláusula rebus sic stantibus, de modo que há nova causa de pedir sempre que modificadas as condições fáticas ou jurídicas nas quais se embasou a coisa julgada material. Pretende a parte autora, nesta ação, ajuizada em 18/07/2013, o restabelecimento de auxílio-doença, cessado em 07/06/2013, alegando ser portadora de espondilose, transtorno de disco lombar, dor lombar e espondiloartrose, que a impedem de retornar ao trabalho, tendo instruído o pedido com documentos médico, datado de 01/07/2013 (fl. 41). Na ação anterior, proposta em 12/06/2008 (fl. 30), a parte autora requereu a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, tendo-lhe concedido a antecipação dos efeitos da tutela, para implantação do auxílio-doença. A ação foi julgada procedente (fl. 32), mas a sentença foi reformada por decisão do Ilustre Desembargador Federal David Dantas, proferida em 07/03/2014 e transitada em julgado em 08/05/2014 (fls. 164/168), que revogou a tutela anteriormente deferida. Assim, ainda que as partes sejam as mesmas, não se verifica identidade de pedido, nem de causa de pedir. Destaco que o auxílio-doença é um benefício provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade for definitiva para a atividades habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por invalidez, se o segurado for considerado insusceptível de reabilitação. Assim, se o auxílio-doença foi implantado por força de decisão judicial, pode o INSS, se constatar a recuperação da capacidade laboral, cessar o benefício, cumprindo ao segurado, se entender ainda não estar em condições de retornar ao trabalho, requerer, na esfera administrativa, a prorrogação do benefício, como no caso. O benefício implantado por força de decisão que, na ação anterior, antecipou os efeitos da tutela deixou de ser pago em 07/06/2013, em razão de decisão administrativa, da qual a parte autora recorreu em 23/09/2012 (fls. 22/25), mas não obteve sucesso (fl. 28), o que motivou a propositura da presente ação. E a decisão que, naqueles autos, revogou a tutela só foi proferida em 28/04/2014, quando o benefício já havia sido cessado administrativamente e a nova ação, ajuizada, sendo certo, ademais, que a tutela só foi revogada porque a ação foi julgada improcedente por esta Egrégia Corte, e não porque a parte autora estivesse apta para o trabalho, quando da prolação da decisão. Esta só foi proferida apenas em 07/03/2014 (fls. 164/167) e os laudos já haviam sido juntados antes de junho de 2011 (fl. 34/39). Na verdade, o que ficou decidido naquela decisão, protegido sob o manto da coisa julgada, não pode ser utilizado para retratar uma situação posterior às perícias realizadas naqueles autos. A perícia judicial, realizada nestes autos, confirmou que a parte autora é portadora dos males apontados na inicial e concluiu pela sua incapacidade definitiva para a atividade habitual, como se vê do laudo de fls. 111/117. Embora o perito afirme que a incapacidade teve início em janeiro de 2008, o documento médico de fl. 18 é suficiente para se concluir que, quando do requerimento administrativo, em 23/10/2012, a parte autora já não tinha condições de trabalhar. E não configurada a tríplice identidade entre as demandas, não há que se falar em coisa julgada. Afastada, pois, a extinção do feito, e estando o processo em condições para imediato julgamento, passo ao exame do mérito do pedido, com fundamento no artigo 1.103, parágrafo 2º, do CPC/2015. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59). No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação. Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei. Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 31/10/2014, constatou que a parte autora, doméstica, idade atual de 58 anos, está incapacitada definitivamente para o exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo constante de fls. 111/117: "1. A requerente possui alguma doença/lesão? Sim." (fl. 114) 2. Qual ou quais tipos de doença/lesão? Artrose lombar com protusões discais e hipertensão arterial." (fl. 114) "5. Se positiva a resposta anterior, após o tratamento da(s) doença(s)/lesões, a requerente poderá exercer suas atividades laborativas habituais? Não. A autora está em tratamento desde 2008 e não apresentou melhora significativa." (fl. 114) "19. Sabendo-se que absoluta é a incapacidade para qualquer atividade que garanta a subsistência da parte autora, ou seja, incapacidade ominiprofissional, pergunta-se: a incapacidade da parte autora, caso constatada, é absoluta ou existe apenas para a sua atividade habitual. Apenas para a atividade habitual." (fl. 116) "23. Sabendo-se que definitiva é a incapacidade laboral irreversível, pergunta-se: a incapacidade da parte autora, caso constatada, é temporária ou definitiva¿ Definitiva." (fl. 117) "18. Qual a data de início da incapacidade laborativa? Justifique a sua fixação. 25/01/2008, baseado em tomografia apresentada." (fl. 116) Como se vê, a incapacidade parcial e permanente da parte autora, conforme concluiu o perito judicial, impede-a de exercer a sua atividade habitual. Assim, ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes. O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que se falar em realização de nova perícia judicial. Outrossim, o laudo pericial atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Além disso, levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos autos. Há que se considerar, também, os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais da segurada, sendo certo que, no caso concreto, a parte autora exerceu, por toda vida, apenas atividade como doméstica, e conta, atualmente, com idade de 58 anos, não tendo condição e aptidão intelectual para se dedicar a outra profissão. Desse modo, considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer, de forma definitiva, a sua atividade habitual, e não tendo ela idade nem condição para se dedicar a outra atividade, é possível conceder o auxílio-doença e convertê-lo em aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais. Restou incontroverso, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº Constam, desse documento, vários recolhimentos, os últimos deles nas competências 07/2007 a 07/2009 A presente ação foi ajuizada em 18/07/2013. Ainda que, entre o último recolhimento em agosto de 2009 e o ajuizamento da ação em 18/07/2013, tenha decorrido período superior ao prazo previsto no inciso II do artigo 15 da Lei nº 8.213/91, não há que se falar, no caso dos autos, em perda da qualidade de segurado da Previdência. Isso porque, na ação anterior, foi concedido auxílio-doença por força de decisão que antecipou os efeitos da tutela, constando, do documento de fl. 20 (extrato CNIS), o recebimento de auxílio-doença até 07/06/2013. E, no período de gozo de benefício por incapacidade, ainda que por força de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, a parte autora manteve a sua condição de segurado, pois, nessa situação, não poderia retornar ao trabalho (Lei nº 8.213/91, artigos 46 e 60, parágrafo 6º), nem estava obrigada ao recolhimento da contribuição (artigo 29). Entendimento diverso não só contraria a legislação previdenciária, mas ofende os princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Nesse sentido, ademais, dispõe o artigo 13 do Decreto nº 3.048/99 que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, "até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração" (inciso II). Em caso que guarda similaridade com o presente, assim já decidiu esta Turma: Cumpre lembrar que os requisitos atinentes à qualidade de segurado e ao cumprimento da carência legal restaram incontroversos, eis que a demanda visa o restabelecimento de benefício previdenciário. De fato, na data da alta médica dada pelo INSS, que se mostrou indevida, inegável que o requerente estava filiado ao RGPS, nos exatos termos do art. 15, I, da Lei 8.213/91, acima citado. Para que não restem dúvidas acerca do implemento de tais requisitos, informações extraídas da Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, já mencionadas, dão conta que o demandante, antes da concessão administrativa do auxílio-doença de NB: 560.557.135-0, em 13/04/2007, objeto do pedido de restabelecimento, percebeu outro beneplácito de auxílio-doença, de NB: 505.636.993-0, entre 20/06/2005 e 01/03/2007. Tendo em vista que o art. 13, II, do Dec. 3.048/99, prevê que mantém a qualidade de segurado, aquele que recebia benefício por incapacidade, até 12 (doze) meses após a cessação de referido beneplácito, in casu, se mostra inquestionável que o requerente era filiado ao RGPS no momento da concessão administrativa do auxílio-doença de NB: 560.557.135-0. (AC nº 0001719-77.2009.4.03.6112/SP, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, DE 23/01/2018 ) O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício. No caso, há que se levar em conta, ainda, a data do trânsito em julgado da decisão proferida na ação anterior, pois, de acordo com o entendimento firmado pela Colenda 3ª Seção, desta Egrégia Corte Regional, embasada no ensinamento do ilustre jurista Daniel Amorim Assumpção Neves, em seu Manual de Direito Processual Civil, volume único, 8ª. ed., pág. 801, deve ser observada a função positiva da coisa julgada, segundo a qual, ainda que não haja obstáculo para julgamento de mérito da nova ação, nesse julgamento o juiz estará vinculado ao que foi decidido na ação anterior, que está protegido pela coisa julgada material (Ação Rescisória nº 5010713-94.2018.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento, j. 01/10/2019). No caso, considerando que a decisão proferida na ação anterior transitou em julgado posteriormente à citação, fixo o termo inicial do benefício em 09/05/2014, dia seguinte ao trânsito em julgado. E, tendo em conta a idade atual da parte autora (58 anos), e a ausência de condições de reabilitá-la para outra atividade (baixa instrução), deve o auxílio-doença, a partir do presente julgamento, ser convertido em aposentadoria por invalidez. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data do presente julgamento (Súmula nº 111/STJ). No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo (Lei nº 9.289/96, art. 1º, I, e Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003). Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora. Também não o dispensa do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32). Ante o exposto, divergindo do voto do Ilustre Relator, DOU PROVIMENTO ao apelo, para condenar o Instituto-réu a conceder-lhe o AUXÍLIO- DOENÇA, nos termos dos artigos 59 e 61 da Lei nº 8.213/91, a partir de 09/05/2014, convertendo-o em APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, nos termos dos artigos 42 e 44 da Lei nº 8213/91, a partir do julgamento desta apelação, determinando, ainda, na forma acima explicitada, a aplicação de juros de mora e correção monetária, bem como o pagamento de encargos de sucumbência. É COMO VOTO. /gabivi/asato
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V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Os presentes autos foram propostos perante o Juízo Estadual da Vara Única do Foro Distrital de Iepê/SP, distribuídos em 18.07.2013, sob o número 0016828-38.2012.8.26.0362 (ID 108949188, p. 02).
Ocorre que a parte autora havia ingressado com outra ação pleiteando a concessão do mesmo benefício de auxílio-doença, cujo trâmite se deu perante o mesmo Juízo, e foi autuada sob o número 0000938-76.2008.8.26.0240, conforme documentos acostados aos autos (ID 108949188, p. 31-40, 100-101 e 179-187).
A princípio, as ações aparentam ser distintas. Nestes autos a demandante pleiteia na exordial o restabelecimento do benefício cessado em junho de 2013, enquanto naquela deduziu pleito de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, em 2008. Nesta última, houve prolação de sentença de procedência, que veio a ser reformada em sede de 2º grau de jurisdição para negar o pedido, tendo esta decisão transitado em julgado (ID 108949188, p. 187).
No entanto, durante o transcurso da demanda, foi concedida a tutela antecipada para que o auxílio-doença fosse implantado em nome da autora, tendo a benesse perdurado até perícia administrativa, a qual não constatou a continuidade do seu impedimento, na forma do art. 101 da Lei 8.213/91 (a revisão periódica é obrigação imputada à autarquia por disposição legal, motivo pelo qual não necessita de autorização do Poder Judiciário para cumprir aquilo que a própria lei lhe determina).
Daí porque a autora afirma que seu benefício - que quer ver restabelecido com a presente demanda - foi cessado em meados de 2013. Daí porque também se verifica que a requerente discute a mesma situação fática já discutida em outra demanda e acobertada pela coisa julgada.
A Egrégia 8ª Turma desta Colenda Corte, ao julgar improcedente o pedido de auxílio-doença da demandante, revogando a tutela antecipada anteriormente concedida, decidiu, definitivamente, que a benesse de NB: 534.905.483-6 é indevida (ID 108949188, p. 21 e 183-187).
Em outros termos, é como se tal auxílio-doença, para fins jurídicos, nunca tivesse existido, e a autora, ao debater sua cessação neste processo, em verdade, debate os requisitos para sua concessão em meados de 2008, os quais, segundo decisão judicial transitada em julgado, repisa-se, não restaram preenchidos.
Lembro que embora as ações, nas quais se postula benefícios por incapacidade, sejam caracterizadas por terem como objeto relações continuativas, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação jurídica.
Assim sendo, verificada a existência de ações idênticas, com a mesma causa de pedir, partes e pedido, sendo que na outra houve o trânsito em julgado de decisão de mérito anteriormente ao término desta, se mostra de rigor a extinção do processo, sem a análise do mérito.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA - COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA - AFASTADA A EXTINÇÃO DO FEITO - APRECIAÇÃO DO MÉRITO COM FUNDAMENTO NO ART. 1.103, § 3º, DO CPC/2015 - INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA A ATIVIDADE HABITUAL - IDADE AVANÇADA - DEMAIS REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA - APELO PROVIDO - SENTENÇA DESCONSTITUÍDA - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1. Para a configuração da coisa julgada ou litispendência, é preciso a existência da tríplice identidade entre as demandas - das partes, dos pedidos e das causas de pedir. E, nas ações de concessão de benefício por incapacidade, há que se levar em conta que pode haver alteração da capacidade laboral do segurado com o decurso do tempo. Assim, as sentenças proferidas nessas ações estão vinculadas aos pressupostos do tempo em que foram formuladas, nelas estando implícita a cláusula rebus sic stantibus, de modo que há nova causa de pedir sempre que modificadas as condições fáticas ou jurídicas nas quais se embasou a coisa julgada material.
2. A cessação do benefício por incapacidade, ainda que concedido judicialmente, dá ensejo a pedido administrativo de prorrogação e/ou a propositura de nova ação para restabelecimento do benefício, nos casos em que o segurado, como no caso, entende não estar ainda em condições de retornar ao trabalho. Nesse ponto, ainda que as partes sejam as mesmas, não se verifica identidade de pedido, nem de causa de pedir. Não configurada, assim, a tríplice identidade entre as demandas, não há que se falar em litispendência ou coisa julgada.
3. Embora a tutela concedida na ação anterior, ajuizada em 12/06/2008, tenha sido revogada, há que se considerar que tal revogação foi posterior ao recurso administrativo e ao ajuizamento da presente ação, em 18/07/2013, e foi motivada pela improcedência do pedido, declarada por esta Egrégia Corte em decisão proferida em 07/03/2014, e não porque a parte autora estivesse apta para o trabalho, quando proferida a decisão. Na verdade, o que ficou decidido naquela decisão, protegido pelo manto da coisa julgada, não pode ser utilizado para retratar uma situação posterior às perícias realizadas naqueles autos. A perícia realizada nestes autos concluiu pela incapacidade da parte autora e, embora afirme que a incapacidade teve início em janeiro de 2008, embasado no documento médico de fl. 118, este é suficiente para se concluir que, quando do recurso administrativo, em 23/10/2012, a parte autora não tinha condições de trabalhar.
4. Afastada a extinção do feito, e estando o processo em condições para imediato julgamento, o mérito do pedido foi apreciado com fundamento no artigo 1.103, parágrafo 3º, do CPC/2015.
5. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
6. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
7. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 31/10/2014, constatou que a parte autora, doméstica, idade atual de 58 anos, está incapacitada definitivamente para o exercício de sua atividade habitual, como se vê do laudo oficial.
8. Ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes.
9. O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que falar em realização de nova perícia judicial. Atendeu, ademais, às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados, e levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos autos.
10. Há que se considerar, também, os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais da segurada, sendo certo que, no caso concreto, a parte autora exerceu, por toda vida, apenas atividade como doméstica, e conta, atualmente, com idade de 58 anos, não tendo condição e aptidão intelectual para se dedicar a outra profissão.
11. Considerando que a parte autora, conforme concluiu o perito judicial, não pode mais exercer, de forma definitiva, a sua atividade habitual, e não tendo ela idade nem condição para se dedicar a outra atividade, é possível conceder o auxílio-doença e convertê-lo em aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
12. Comprovado, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91.
13. No período de gozo de benefício por incapacidade, ainda que por força de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, a parte autora manteve a sua condição de segurado, pois, nessa situação, não poderia retornar ao trabalho (Lei nº 8.213/91, arts. 46 e 60, § 6º), nem estava obrigada ao recolhimento da contribuição (art. 29). Entendimento diverso não só contraria a legislação previdenciária, mas ofende os princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Nesse sentido, ademais, dispõe o artigo 13 do Decreto nº 3.048/99 que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, "até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração" (inciso II).
14. O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
15. Há que se levar em conta, ainda, a data do trânsito em julgado da decisão proferida na ação anterior, pois, de acordo com o entendimento firmado pela Colenda 3ª Seção, desta Egrégia Corte Regional, embasada no ensinamento do ilustre jurista Daniel Amorim Assumpção Neves, em seu Manual de Direito Processual Civil, volume único, 8ª. ed., pág. 801, deve ser observada a função positiva da coisa julgada, segundo a qual, ainda que não haja obstáculo para julgamento de mérito da nova ação, nesse julgamento o juiz estará vinculado ao que foi decidido na ação anterior, que está protegido pela coisa julgada material (Ação Rescisória nº 5010713-94.2018.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento, j. 01/10/2019).
16. No caso, considerando que a decisão proferida na ação anterior transitou em julgado posteriormente à citação, fixo o termo inicial do benefício em 09/05/2014, dia seguinte ao trânsito em julgado. E, tendo em conta a idade atual da parte autora (58 anos), e a ausência de condições de reabilitá-la para outra atividade (baixa instrução), deve o auxílio-doença, a partir do presente julgamento, ser convertido em aposentadoria por invalidez.
17. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS.
18. Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores.
19. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data do presente julgamento (Súmula nº 111/STJ).
20. A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais, tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça do Estado de São Paulo (Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003), mas (i) não do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (ii) nem do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
21. Apelo provido. Sentença desconstituída. Ação julgada procedente.