APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0031264-35.2013.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ANTONIO RONALDO DE OLIVEIRA BELLO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARCIO SILVEIRA LUZ - SP286245-N
APELADO: ANTONIO RONALDO DE OLIVEIRA BELLO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: MARCIO SILVEIRA LUZ - SP286245-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0031264-35.2013.4.03.9999 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: ANTONIO RONALDO DE OLIVEIRA BELLO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELANTE: MARCIO SILVEIRA LUZ - SP286245-N APELADO: ANTONIO RONALDO DE OLIVEIRA BELLO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: MARCIO SILVEIRA LUZ - SP286245-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, pleiteando o reconhecimento do tempo de serviço exercido na atividade rural, no período de 7/10/73 a 22/9/85, com a expedição da certidão de tempo de serviço. Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita. O Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS "a expedir em favor do autor certidão de tempo de serviço de atividade rural relativo ao período mencionado na petição inicial” (doc. nº 104194718 – página 70). Condenou a autarquia ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00. Inconformada, apelou a autarquia, pleiteando a reforma da R. sentença. Caso não seja esse o entendimento, requer a exclusão da condenação em verba honorária. A parte autora também recorreu, alegando não ser caso de servidor público filiado a regime próprio sendo, portanto, desnecessário o recolhimento de contribuições para o período de atividade rural reconhecido, “condenando o apelado a expedir certidão de tempo de serviço para os fins colimados, computando-se este período como efetivo tempo de contribuição” (doc. nº 104194718 – página 87). Com contrarrazões das partes, subiram os autos a esta E. Corte. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0031264-35.2013.4.03.9999 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA APELANTE: ANTONIO RONALDO DE OLIVEIRA BELLO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELANTE: MARCIO SILVEIRA LUZ - SP286245-N APELADO: ANTONIO RONALDO DE OLIVEIRA BELLO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: MARCIO SILVEIRA LUZ - SP286245-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Peço vênia para discordar do E. Relator, para reconhecer o trabalho rural exercido pelo autor a partir dos 12 anos de idade, conforme precedentes jurisprudenciais, com a ressalva de que o período a ser averbado pelo INSS, de 07/10/1975 a 22/09/1985 não pode ser computado para efeito de carência, com vistas à aposentadoria por tempo de contribuição, em face ao não recolhimento de contribuições previdenciárias e somente para os benefícios previstos no art.39, in.I, da Lei nº 8213/91. É o voto.
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Tendo em vista o julgamento dos Embargos de Divergência nº 600.596/RS, pela Corte Especial do C. STJ, deve ser apreciada a remessa oficial em ações meramente declaratórias.
Passo, então, à análise das apelações e da remessa oficial, tida por ocorrida.
Inicialmente, cumpre ressaltar que a parte autora não pleiteia o reconhecimento do labor rural para fins de contagem recíproca.
No que tange ao reconhecimento de tempo de serviço rural, dispõe o § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
"A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no Art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Da simples leitura do referido dispositivo legal, bem como da análise da legislação pertinente e da observância da jurisprudência dominante, depreende-se que para o reconhecimento do tempo de serviço é indispensável a existência de início de prova material, corroborado por coerente e robusta prova testemunhal. Outrossim, nos termos da Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário."
O C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.348.633-SP, firmou posicionamento no sentido de ser possível o reconhecimento do "tempo de serviço rural mediante apresentação de um início de prova material sem delimitar o documento mais remoto como termo inicial do período a ser computado, contanto que corroborado por testemunhos idôneos a elastecer sua eficácia" (Primeira Seção, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, por maioria, j. 28/08/2013, DJe 05/12/14). O E. Relator, em seu voto, deixou consignada a regra que se deve adotar ao afirmar: "Nessa linha de compreensão, mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório."
Ressalto, adicionalmente, que o C. STJ possui diversos julgados no sentido de que o Recurso Especial Representativo de Controvérsia acima mencionado autorizou o reconhecimento do tempo de serviço rural não apenas relativamente ao período anterior ao documento mais antigo, mas também posterior à prova material mais recente, desde que amparado por prova testemunhal robusta. Nesse sentido: Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.452.001/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, j. em 5/3/15, v.u., DJ 12/3/15 e Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.347.289/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Og Fernandes, j. em 24/4/14, v.u., DJ 20/5/14).
Anoto que o convencimento da verdade de um fato ou de uma determinada situação jurídica raramente decorre de circunstância isoladamente considerada.
Os indícios de prova material, singularmente analisados, talvez não fossem, por si sós, suficientes para formar a convicção do magistrado. Nem tampouco as testemunhas provavelmente o seriam. Mas a conjugação de ambos os meios probatórios - todos juridicamente idôneos para formar a convicção do juiz - torna inquestionável a comprovação da atividade laborativa rural.
Com relação às contribuições previdenciárias, dispõe o §2º do art. 55 da Lei nº 8.213/91 que o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, "anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento." Havendo período posterior ao advento da Lei de Benefícios, sem o recolhimento das contribuições, o mesmo somente poderá ser utilizado para os fins específicos previstos no art. 39, inc. I, da Lei de Benefícios. Quadra mencionar que o C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.352.791/SP, adotou o entendimento de que o período de atividade rural registrado em carteira profissional deve ser computado como carência.
No que tange ao reconhecimento do trabalho exercido pelo autor, no período anterior aos 12 anos de idade, verifico encontrar-se em pleno vigor o acórdão proferido na Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, pela E. 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual, com abrangência nacional, possibilitou o cômputo do "período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade", conforme ementa in verbis:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO.
(...)
2. Não há falar em restrição dos efeitos da decisão em ação civil pública a limites territoriais, pois não se pode confundir estes com a eficácia subjetiva da coisa julgada, que se estende a todos aqueles que participam da relação jurídica. Isso porque, a imposição de limites territoriais, prevista no art. 16 da LACP, não prejudica a obrigatoriedade jurídica da decisão judicial em relação aos participantes da relação processual.
(...)
16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida". (TRF-4ª Região, 6ª Turma, Relatora para acórdão Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, pm, j. 9/4/18.)
Passo à análise do caso concreto.
Relativamente ao reconhecimento de tempo de serviço rural da parte autora, nascida em 7/10/63, encontram-se acostadas aos autos as cópias dos seguintes documentos (doc. n.º 104194714 – página 18 a doc. n.º 104194718 – página 6):
1) Certidão de nascimento do autor, qualificando seu genitor como lavrador;
2) Certidão de nascimento de irmã do autor, no ano de 1968, qualificando o genitor como lavrador;
3) Cartão de inscrição do genitor do autor ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, constando o autor como dependente, emitido em 26/1/78;
4) Documentos de aquisição de imóvel rural pelo genitor do autor no ano de 1982, qualificado como lavrador;
5) Documentos escolares do autor, constando a profissão de seu genitor como lavrador e sua residência em área rural, nos anos de 1971 a 1981 e
6) Notas fiscais de comercialização de produção rural em nome do pai do requerente, referentes aos anos de 1972 a 1986.
Os documentos supramencionados constituem inícios razoáveis de prova material para comprovar a condição de rurícola do requerente.
Por sua vez, todas as testemunhas foram unânimes em afirmar que conhecem o autor desde sua infância e que o mesmo já exercia atividade rural, em regime de economia familiar (doc. n.º 104194718 – páginas 60/61).
Os documentos considerados como início de prova material, somados aos depoimentos testemunhais, formam um conjunto harmônico apto a demonstrar que a parte autora exerceu atividades no campo, no período de 7/10/73 a 22/9/85. Ressalvo que a atividade rural reconhecida no período anterior à Lei nº 8.213/91 não poderá ser utilizado para fins de carência.
Outrossim, cumpre ressaltar que a parte autora não pleiteia o reconhecimento do labor rural para fins de contagem recíproca, motivo pelo qual, merece reforma a r. sentença, para determinar apenas a averbação do período rural reconhecido, não sendo necessária a expedição da certidão de tempo de serviço.
Com relação aos honorários advocatícios, tendo em vista a inexistência de prestações vencidas, os mesmos deverão ser fixados à razão de 10% sobre o valor dado à causa na petição inicial, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/73.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para afastar a obrigatoriedade do recolhimento das contribuições previdenciárias e dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por ocorrida, para ressalvar que a atividade rural reconhecida no presente feito não poderá ser utilizada para fins de carência e determinar a sua averbação no RGPS, não sendo necessária a expedição de certidão de tempo de serviço e fixar a verba honorária na forma acima indicada.
É o meu voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0031264-35.2013.4.03.9999
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VOTO-VISTA
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Trata-se de demanda proposta objetivando o reconhecimento do tempo de serviço rural, realizado no período de 07/10/1973 a 22/09/1985, com a expedição da certidão de tempo de serviço.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado.
O INSS apelou, pleiteando a integral reforma da sentença e, se vencido, a exclusão da condenação em honorários advocatícios.
A parte autora apelou, sustentando não se tratar de servidora pública, razão pela qual desnecessário o recolhimento de contribuições relativas ao período de atividade rural declarado.
Na sessão de 08/06/2020, o Exmo. Desembargador Federal Newton De Lucca deu parcial provimento à apelação da parte autora, bem como à apelação do INSS, e à remessa oficial, tida por ocorrida, tendo sido acompanhado pelo Exmo. Desembargador Federal David Dantas. Divergiu o Exmo. Desembargador Federal Luiz Stefanini quanto à declaração do tempo rural do menor de 12 anos, no que foi acompanhado do Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan, em antecipação de voto.
Pedi vista dos autos para melhor analisar a matéria relativa à possibilidade de reconhecer o trabalho rural desenvolvido por menor de 12 anos de idade.
Do voto do Excelentíssimo Senhor Relator, para o que interessa ao presente exame, extraem-se a fundamentação e o dispositivo:
Relativamente ao reconhecimento de tempo de serviço rural da parte autora, nascida em 7/10/63, encontram-se acostadas aos autos as cópias dos seguintes documentos (doc. n.º 104194714 – página 18 a doc. n.º 104194718 – página 6):
1) Certidão de nascimento do autor, qualificando seu genitor como lavrador;
2) Certidão de nascimento de irmã do autor, no ano de 1968, qualificando o genitor como lavrador;
3) Cartão de inscrição do genitor do autor ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, constando o autor como dependente, emitido em 26/1/78;
4) Documentos de aquisição de imóvel rural pelo genitor do autor no ano de 1982, qualificado como lavrador;
5) Documentos escolares do autor, constando a profissão de seu genitor como lavrador e sua residência em área rural, nos anos de 1971 a 1981 e
6) Notas fiscais de comercialização de produção rural em nome do pai do requerente, referentes aos anos de 1972 a 1986.
Os documentos supramencionados constituem inícios razoáveis de prova material para comprovar a condição de rurícola do requerente.
Por sua vez, todas as testemunhas foram unânimes em afirmar que conhecem o autor desde sua infância e que o mesmo já exercia atividade rural, em regime de economia familiar (doc. n.º 104194718 – páginas 60/61).
Os documentos considerados como início de prova material, somados aos depoimentos testemunhais, formam um conjunto harmônico apto a demonstrar que a parte autora exerceu atividades no campo, no período de 7/10/73 a 22/9/85. Ressalvo que a atividade rural reconhecida no período anterior à Lei nº 8.213/91 não poderá ser utilizado para fins de carência.
Outrossim, cumpre ressaltar que a parte autora não pleiteia o reconhecimento do labor rural para fins de contagem recíproca, motivo pelo qual, merece reforma a r. sentença, para determinar apenas a averbação do período rural reconhecido, não sendo necessária a expedição da certidão de tempo de serviço.
Com relação aos honorários advocatícios, tendo em vista a inexistência de prestações vencidas, os mesmos deverão ser fixados à razão de 10% sobre o valor dado à causa na petição inicial, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/73.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para afastar a obrigatoriedade do recolhimento das contribuições previdenciárias e dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, tida por ocorrida, para ressalvar que a atividade rural reconhecida no presente feito não poderá ser utilizada para fins de carência e determinar a sua averbação no RGPS, não sendo necessária a expedição de certidão de tempo de serviço e fixar a verba honorária na forma acima indicada.
Inicialmente, com a devida licença do Excelentíssimo Senhor Relator, esclareça-se não ser caso de se considerar a remessa oficial tida por interposta. Isso porque, consoante o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, o direito controvertido, considerado o valor atribuído à causa, não impugnado pela autarquia-ré e atualizado até a presente data, não excede a 1.000 (mil) salários mínimos.
No mais, quanto à análise propriamente dita da questão de fundo, a respeito do limite de idade mínima para cômputo do tempo de serviço rural, há histórico de vedação constitucional do trabalho infantil desde a Constituição de 1934, quando fixado em 14 anos.
Apenas com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar os menores de 12 anos.
A Constituição de 1988 fixava em 14 anos a idade mínima, excetuada a condição de menor aprendiz, a partir dos 12 anos, dispositivo alterado pela EC nº 20/98, que estabeleceu como idade mínima 16 anos, exceto para menor aprendiz, a partir dos 14 anos.
Não obstante os preceitos constitucionais, a realidade socioeconômica do país nos coloca longe da erradicação do trabalho infantil, não obstante os esforços nesse sentido. Deixar de reconhecê-lo representaria prejuízo adicional àquele que teve o seu direito à plena infância violado. As normas jurídicas que restringem o trabalho do menor visam a protegê-lo, não podendo, pois, ser invocadas para prejudicá-lo no que concerne à contagem de tempo de serviço para fins previdenciários.
Esse é o entendimento sedimentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como se depreende da decisão que negou seguimento ao Recurso Extraordinário 1225475/RS, interposto contra acórdão prolatado nos autos da ACP n.º 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, que visa a que o INSS se abstenha de fixar idade mínima para reconhecimento de tempo de serviço.
Registrou o Excelentíssimo Senhor Relator, Ministro Ricardo Lewandowski (DJE 16/08/2019):
A pretensão recursal não merece acolhida.
Isso porque, o acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que o art. 7°, XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos. Esse entendimento prevalece inclusive no trato de questões previdenciárias. Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes deste Tribunal:
“Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL ÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. GENITORA INDÍGENA COM IDADE INFERIOR A 16 ANOS. ARTIGO 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO JUÍZO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO NESTA SEDE RECURSAL. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO” (RE 1.061.044-AgR/RS, Rel. Min. Luiz Fux).
“Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento” (AI 529.694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes).
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES.
Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos” (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli).
Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 600.616- AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso).
Nesse mesmo sentido, destaco as seguintes decisões, entre outras: RE 1.146.902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 1.140.879/SC, Rel. Min. Roberto Barroso; RE 953.372/MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes; RE 920.290/RS, Rel. Min. Teori Zavascki; RE 920.686, Rel. Min. Dias Toffoli; AI 476.950-AgR/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 502.246/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia; e RE 633.797/SP, Rel. Min. Luiz Fux.
Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça veio a se manifestar nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise juducial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes.
2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância.
3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.
4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância.
5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.
6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969).
7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.
8. Agravo Interno do Segurado provido.
(AgInt no AREsp 956.558/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 17/06/2020)
Desta forma, uma vez comprovado o trabalho, não há que se impor limite de idade mínima para o seu reconhecimento.
No caso concreto, o conjunto probatório coligido, baseado em início de prova material ratificado por depoimentos idôneos e consistentes, permite concluir no sentido da ocorrência do trabalho pelo autor desde os seus 10 anos de idade, sendo possível declarar o período de 07/10/1973 a 22/09/1985.
Com relação ao recolhimento de contribuições previdenciárias, mister a observância do previsto no art. 55, § 2.º, da Lei n.° 8.213/91, que preceitua: "O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o regulamento".
Desse dispositivo legal, depreende-se que a atividade rural desempenhada em data anterior a novembro de 1991 pode ser considerada para averbação do tempo de serviço, sem necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias, exceto para fins de carência.
A partir do advento da Lei n.º 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias facultativas, se pretender o cômputo do tempo de serviço rural para fins de obtenção de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do art. 39.
Nesse sentido, inclusive, a Súmula n.º 272 do Superior Tribunal de Justiça, que expressamente determina que o segurado especial somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço se recolher as contribuições facultativas.
Dessa forma, o reconhecimento de período posterior, sem contribuições previdenciárias facultativas, servirá somente para futura concessão de aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão ou pensão, ficando vedado o aproveitamento para os demais fins previdenciários.
Posto isso, reiterada a vênia, divirjo do Ilustre Relator apenas para não conhecer de ofício do reexame necessário, acompanhando-o, integralmente, quanto ao decreto de parcial provimento às apelações da parte autora e do INSS. Vencida quanto ao conhecimento do reexame necessário, acompanho o Relator.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL - TRABALHO RURAL A PARTIR DOS 12 ANOS DE IDADE - RECONHECIMENTO - PRECECEDENTES - CONCESSÃO - AVERBAÇÃO COM RESSALVA - VEDAÇÃO DE CÔMPUTO PARA EFEITO DE CARÊNCIA COM VISTAS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - NÃO RECONHIMENTOS DE CONTRIBUIÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL - PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO E DA REMESSA OFICIAL, DADA POR INTERPOSTA.
1. Reconhecimento do trabalho rural a partir dos 12 anos de idade, conforme precedentes jurisprudenciais.
2. Averbação com ressalva de que o tempo reconhecido não conta para efeitos de carência com vistas à aposentadoria por tempo de contribuição.
3.Carência para efeito dos benefícios do art. 39, I, da Lei nº 8213/91.
4. Parcial provimento da apelação e da remessa oficial, dada por interposta.