Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026425-59.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: MARIA JOSE DA SILVA SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: RUTE MATEUS VIEIRA - SP82062-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO CARMO DE ARAUJO COSTA

Advogado do(a) APELADO: HELOISA CRISTINA FERREIRA TAMURA - SP328066-N
Advogados do(a) APELADO: GUILHERME HENRIQUE CORREA CARVALHO - MG167574, GIZELLE DA SILVA FRAGA - MG111957

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026425-59.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: MARIA JOSE DA SILVA SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: RUTE MATEUS VIEIRA - SP82062-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO CARMO DE ARAUJO COSTA

Advogado do(a) APELADO: HELOISA CRISTINA FERREIRA TAMURA - SP328066-N
Advogado do(a) APELADO: VANDIR LEONEL DE CASTRO - SP111957

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de apelação interposta por MARIA JOSÉ DA SILVA SANTOS, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e de MARIA DO CARMO ARAÚJO COSTA, objetivando a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte.

 

Em sede de decisão interlocutória, prolatada em 12/09/2014, o MM. Juízo 'a quo' acolheu a preliminar de litisconsórcio passivo necessário arguida pelo INSS e anulou todos os atos praticados após a citação e, por conseguinte, a primeira audiência de instrução realizada em 16/04/2014, determinando a emenda da petição inicial para a inclusão da corré Maria do Carmo Araújo Costa.

 

A r. sentença, prolatada em 19/09/2016, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial e condenou a demandante no pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados estes últimos em R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada corréu, condicionando, contudo, a exigibilidade destas verbas à perda dos benefícios da gratuidade judiciária.

 

Em razões recursais, a autora pugna pela reforma do r. decisum, ao fundamento de que foram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício, pois ela convivia maritalmente com o falecido à época do passamento.

 

Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026425-59.2016.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: MARIA JOSE DA SILVA SANTOS

Advogado do(a) APELANTE: RUTE MATEUS VIEIRA - SP82062-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO CARMO DE ARAUJO COSTA

Advogado do(a) APELADO: HELOISA CRISTINA FERREIRA TAMURA - SP328066-N
Advogado do(a) APELADO: VANDIR LEONEL DE CASTRO - SP111957

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não.

 

O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.

 

A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época do óbito, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes, in verbis:

 

"I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido." (*grifei)

 

O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal".

 

Por sua vez, o Decreto nº 3.048/99, no seu art. 16, § 6º, com a redação vigente à época do óbito, considera união estável "aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1º do art. 1.723 do Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002".

 

Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.

 

Do caso concreto.

 

O evento morte do Sr. Amador Clemente da Costa, ocorrido em 16/11/2011, restou comprovado com a certidão de óbito.

 

O requisito relativo à qualidade de segurado do de cujus restou incontroverso, eis que ele usufruía do benefício de aposentadoria por invalidez na época do passamento (NB 113.812.901-9).

 

A celeuma diz respeito à alegada união estável entre a autora e o de cujus.

 

Segundo a narrativa delineada na petição inicial, a demandante conviveu maritalmente com o falecido desde meados de 2009 até a data do óbito, em 16/11/2011.

 

A fim de comprovar a convivência marital do casal, anexou-se os seguintes documentos:

 

a) duas fotos do casal no mesmo evento;

 

b) cupons fiscais em nome do falecido com o mesmo endereço consignado como domicílio no recibo de pagamento do aluguel feito pela autora em março de 2011.

 

Ainda que tais provas materiais sirvam de indícios de existência de intimidade entre o casal, os depoimentos, colhidos na audiência realizada 28/06/2016, infirmam a tese de que o relacionamento entre eles pudesse ser enquadrado juridicamente como união estável.

 

A informante, Srª. Zenaide da Silva Brito, declarou que é amiga próxima da autora e que ambas eram vizinhas, quando aquela residia na Rua Capitão Abssay de Andrade. Segundo o seu relato, a demandante conviveu maritalmente com o de cujus de 2009 a 2011. Disse ainda que o falecido era separado da esposa e dormia na casa da demandante. Após o óbito do segurado instituidor, a autora se mudou do local. O casal era reconhecido publicamente como marido e mulher e frequentava grupos da terceira idade. No que se refere à dependência econômica, afirmou que a autora trabalhava como doméstica e o falecido contribuía com o custeio das despesas do lar.

 

A primeira testemunha, a Srª. Maria das Graças de Souza Alves, declarou que a autora foi sua vizinha na época dos fatos. Segundo o seu relato, a demandante morava na Rua Capitão Abssay de Andrade e o de cujus ia lá visitá-la, pernoitando eventualmente. Não sabe se ele era casado, nem pôde afirmar que o casal era reconhecido publicamente como marido e mulher. No que se refere à dependência econômica, disse que a autora fazia "bicos".

 

A segunda testemunha, a Srª. Cícera Gomes Bezerra, disse que foi vizinha da autora na época dos fatos. Segundo o seu relato, a autora morava junto com o falecido, mas não soube dizer o nome dele. Via-o saindo da residência dela, mas não o avistava dormindo lá de forma ininterrupta. Ele ia de vez em quando. No que se refere à dependência econômica, afirmou que a autora trabalhava e acha que ela passou por dificuldades após o óbito do segurado instituidor.

 

A terceira testemunha, a Srª. Benedita Silva Nascimento, declarou que a autora foi sua inquilina no imóvel localizado na Rua Capitão Abssay de Andrade. Segundo o seu relato, a autora morava junto com o falecido, que dormia todos os dias no imóvel. O casal sempre saía juntos de mãos dadas e "combinava demais". Não soube dizer, contudo, em que época eles se mudaram para o local, só pôde afirmar que ficaram por mais de um ano no imóvel. A depoente esclareceu que sua casa era próxima a do casal. No que se refere à dependência econômica, informou que a autora e o falecido se revezavam no pagamento do aluguel. A autora trabalhava.

 

A quarta testemunha, a Srª. Antonia Aparecida de Assis, declarou ser vizinha da corré. Segundo o seu relato, o falecido e a Srª. Maria do Carmo moravam juntos na época do óbito, em Delta - Minas Gerais. Disse que a corré foi surpreendida com a notícia de que ele pudesse ter tido outra companheira, pois ele estava sempre por perto da família. Afirmou nunca ter ouvido falar da autora. No entanto, reconheceu o falecido na foto que acompanha a petição inicial (ID 107361664 - p. 17). Por fim, disse que o de cujus não se ausentou da cidade de Delta, de forma prolongada, no último ano antes do passamento.

 

A quinta testemunha, a Srª. Maria Pereira Balbino, declarou conhecer a corré. Segundo o seu relato, o falecido e a autora estavam morando juntos, em Delta - Minas Gerais, na época do passamento. Presenciava-os indo a eventos da terceira idade, sempre juntos. Não soube dizer se o de cujus tinha outra pessoa. No último ano, disse que ele continuou frequentando os eventos em Delta normalmente.           

 

A prova oral esclareceu que o relacionamento amoroso mantido pelo falecido com a demandante se tratava apenas de um namoro, uma vez que o casal se encontrava apenas eventualmente e não se apresentava publicamente como marido e mulher, tampouco acalentava o desejo de constituir família. Ademais, a prova documental apresentada é extremamente limitada, o que reforça a tese de que ele pernoitava esporadicamente na casa da autora. Realmente, não foi apresentada uma única conta ou correspondência em nome do falecido enviada ao mesmo endereço da autora.

 

Por outro lado, foi apresentada vasta prova documental pela corré, indicando que ela e o falecido residiam juntos em Delta próximo à época do passamento, tais como:

 

a) correspondência bancária em nome do de cujus, relativa a setembro de 2011, e carta do plano de saúde UNIMED em nome da corré, enviada ao mesmo endereço apontado como residência do falecido na certidão de óbito - Rua Delphina Zago, 62 - Delta - Minas Gerais;

 

b) registro do Ministério do Meio Ambiente, emitido em 13/01/2010, no qual consta que o falecido residia na Rua Delphina Zago, 62, centro, Delta - Minas Gerais;

 

c) guia de recolhimento da união - GRU, emitida pelo Ministério do Meio Ambiente em 31/07/2011, no qual consta que o falecido residia na Rua Delphina Zago, 62, centro, Delta - Minas Gerais;

 

d) ficha social da municipalidade de Delta, preenchida em 10/03/2009, na qual o de cujus afirma residir na Rua Delfina Zago, 62, centro, Delta - MG e ser casado com a corré;

 

e) inúmeras fotos do casal em eventos sociais e familiares.

 

Além disso, em consulta realizada ao site Google Maps, constatou-se que a distância entre as cidades de Igarapava - SP e Delta - MG é pouco superior a dez quilômetros, podendo ser percorrida de carro em menos de vinte minutos, segundo estimativa do próprio site, o que torna verossímil a possibilidade de ter ocorrido encontros amorosos casuais entre a autora e o de cujus, conforme afirmado pelas primeira e segunda testemunhas.  

 

Realmente, é pouco crível que a autora e o falecido tivessem mantido convivência marital por mais de dois anos, segundo a narrativa deduzida na inicial, e tenham produzido tão escassos indícios materiais da coabitação do casal, da mútua assistência para a consecução de objetivos comuns ou da publicidade da relação marital.

 

Para além disso, verifica-se que o segurado veio a óbito, aos 64 anos de idade, em decorrência de "falência múltipla de órgãos e sistemas. Choque hemodinâmico séptico. Broncopneumonia", tendo sido declarante a filha, Débora Cristina da Costa que, na oportunidade, informou ser o genitor casado com a corré, Maria do Carmo de Araujo Costa. Caso o falecido mantivesse convivência marital com a demandante, seria natural que, até mesmo pela causa mortis, ela se fizesse presente no cartório por ocasião da declaração do óbito.

 

Por fim, é necessário tecer um breve esclarecimento: no bojo dos inúmeros documentos apresentados pela corré em nome do falecido e contemporâneos ao óbito, aparece eventualmente, como endereço do de cujus, a Rua Oitenta e um, 62, centro, Delta - MG. Em consulta ao Google Maps, ao contrário da Rua Oitenta e um, não foi possível localizar a Rua Delphina Zago, embora haja estabelecimentos listados na busca do Google situados neste último endereço. Por outro lado, se verifica que os códigos de endereçamento postal das ruas são idênticos (CEP 38108-000), o que leva à conclusão de que possa ter havido a alteração do nome da rua em algum momento próximo à data do óbito. Isso, contudo, não tem o condão de esterilizar o efeito probante da vastíssima prova documental apresentada pela corré e corroborada pelos depoimentos testemunhais.   

 

Em decorrência, não comprovada a condição de companheira, a autora não pode ser habilitada como dependente válida do de cujus.

 

A propósito, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional:

 

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. SEM DOCUMENTOS. TUTELA CESSADA. BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO.

1. Para a obtenção do benefício da pensão por morte, faz-se necessário a presença de dois requisitos: qualidade de segurado e condição de dependência.

2. No que tange à qualidade de segurado, restou comprovada em consulta ao extrato do sistema CNIS/DATAPREV verifica-se que o falecido era beneficiário de aposentadoria por invalidez.

3. Com relação à condição de dependente, não restou comprovada, não há nos autos documentação que comprove a dependência econômica entre eles.

4.Impõe-se, por isso, a improcedência da pretensão e, por conseguinte, a revogação da antecipação da tutela anteriormente concedida, que determinou a implantação do benefício em questão, pelo que determino a expedição de ofício ao INSS, com os documentos necessários para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em julgado..

5. Apelação provida." 

(TRF 3ª Região, 7ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5062008-49.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 12/03/2019, Intimação via sistema DATA: 22/03/2019)

 

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE REIVINDICADA PELA COMPANHEIRA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. BENEFÍCIO INDEVIDO.

1. O artigo 16 da Lei nº 8.213/91 estabelece a relação dos dependentes econômicos dos segurados, sendo que essa dependência é presumida para os elencados no inciso I: cônjuge, companheira, companheiro, filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido. Para os demais a dependência econômica deve ser comprovada: os pais; irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido (Redação dada pela Lei nº 9.032/95).

2. Em relação a qualidade de segurado restou comprovado nos autos que na data do falecimento, o de cujus era aposentado e vinculado ao regime previdenciário (fl. 11).

3. Não restou comprovada união estável entre a Autora e o falecido, e conseqüentemente sua dependência econômica em relação a ele, pois os documentos trazidos aos autos não autorizam a conclusão da existência da alegada convivência.

4. As únicas provas existentes são as fotografias juntadas aos autos (fls. 13/21) e o registro nº 61.80305309-2 em nome da Autora, referente ao cadastro no SESC - Serviço Social do comércio (fls. 22/24), documentos que, também, não se mostram suficientes para se acolher a tese da união estável.

5. A Autora é beneficiária de pensão por morte de seu ex-esposo desde 31.08.88 (fl. 08), o que permite concluir que a sua dependência econômica em relação ao de cujus não é evidente e demandaria a produção de provas que levariam a concessão da pensão mais vantajosa para a Autora.

6. Apelação não provida."

(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1098384 - 0010123-04.2006.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 19/06/2006, DJU DATA:21/09/2006 PÁGINA: 499)

 

Cabia à autora demonstrar o fato constitutivo de seu direito, nos termos preconizados pelo art. 373, I, do Código de Processo Civil. No entanto, nos presentes autos não foram juntados quaisquer documentos indiciários do preenchimento do requisito relativo à dependência.

 

Diante disso, não há nos autos elementos de convicção que apontem para a comprovação do requisito em apreço, razão pela qual deve ser mantida a sentença de 1º grau de jurisdição.

 

Ante o exposto, nego provimento à apelação da autora.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 16, II e 74 A 79 DA LEI N.º 8.213/91. UNIÃO ESTÁVEL. CARÁTER ESPORÁDICO DA CONVIVÊNCIA E AUSÊNCIA DA INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. EXISTÊNCIA DE MERO NAMORO. ESCASSEZ DE INDÍCIOS MATERIAIS DA CONVIVÊNCIA MARITAL. HABILITAÇÃO DA AUTORA COMO DEPENDENTE. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 16, III e 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não.

2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.

3 - A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época dos óbitos, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes: "I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido."

4 - O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal". Por sua vez, o Decreto nº 3.048/99, no seu art. 16, § 6º, com a redação vigente à época do óbito, considera união estável "aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1º do art. 1.723 do Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002".

5 - Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.

6 - O evento morte do Sr. Amador Clemente da Costa, ocorrido em 16/11/2011, restou comprovado com a certidão de óbito. O requisito relativo à qualidade de segurado do de cujus restou incontroverso, eis que ele usufruía do benefício de aposentadoria por invalidez na época do passamento (NB 113.812.901-9).

7 - A celeuma diz respeito à alegada união estável entre a autora e o de cujus.

8 - Segundo a narrativa delineada na petição inicial, a demandante conviveu maritalmente com o falecida desde meados de 2009 até a data do óbito, em 16/11/2011. A fim de comprovar a convivência marital do casal, anexou-se os seguintes documentos: a) duas fotos do casal no mesmo evento; b) cupons fiscais em nome do falecido com o mesmo endereço consignado como domicílio no recibo de pagamento do aluguel feito pela autora em março de 2011.

9 - Ainda que tais provas materiais sirvam de indício de existência de intimidade entre o casal, os depoimentos, colhidos na audiência realizada 28/06/2016, infirmam a tese de que o relacionamento entre eles pudesse ser enquadrado juridicamente como união estável.

10 - A prova oral esclareceu que o relacionamento amoroso mantido pelo falecido com a demandante se tratava apenas de um namoro, uma vez que o casal se encontrava apenas eventualmente e não se apresentava publicamente como marido e mulher, tampouco acalentava o desejo de constituir família. Ademais, a prova documental apresentada é extremamente limitada, o que reforça a tese de que ele pernoitava esporadicamente na casa da autora. Realmente, não foi apresentada uma única conta ou correspondência em nome do falecido enviada ao mesmo endereço da autora.

11 - Por outro lado, foi apresentada vasta prova documental pela corré, indicando que ela e o falecido residiam juntos em Delta próximo à época do passamento: a) correspondência bancária em nome do de cujus, relativa a setembro de 2011, e carta do plano de saúde UNIMED em nome da corré, enviada ao mesmo endereço apontado como residência do falecido na certidão de óbito - Rua Delphina Zago, 62 - Delta - Minas Gerais; b) registro do Ministério do Meio Ambiente, emitido em 13/01/2010, no qual consta que o falecido residia na Rua Delphina Zago, 62, centro, Delta - Minas Gerais; c) guia de recolhimento da união - GRU, emitida pelo Ministério do Meio Ambiente em 31/07/2011, no qual consta que o falecido residia na Rua Delphina Zago, 62, centro, Delta - Minas Gerais; d) ficha social da municipalidade de Delta, preenchida em 10/03/2009, na qual o de cujus afirma residir na Rua Delfina Zago, 62, centro, Delta - MG e ser casado com a corré; e) inúmeras fotos do casal em eventos sociais e familiares.

12 - Além disso, em consulta realizada ao site Google Maps, constatou-se que a distância entre as cidades de Igarapava - SP e Delta - MG é pouco superior a dez quilômetros, podendo ser percorrida de carro em menos de vinte minutos, segundo estimativa do próprio site, o que torna verossímil a possibilidade de ter ocorrido encontros amorosos casuais entre a autora e o de cujus, conforme afirmado pelas primeira e segunda testemunhas.  

13 - Realmente, é pouco crível que a autora e o falecido tivessem mantido convivência marital por mais de dois anos, segundo a narrativa deduzida na inicial, e tenham produzido tão escassos indícios materiais da coabitação do casal, da mútua assistência para a consecução de objetivos comuns ou da publicidade da relação marital. 

14 - Para além disso, verifica-se que o segurado veio a óbito, aos 64 anos de idade, em decorrência de "falência múltipla de órgãos e sistemas. Choque hemodinâmico séptico. Broncopneumonia", tendo sido declarante a filha, Débora Cristina da Costa que, na oportunidade, informou ser o genitor casado com a corré, Maria do Carmo de Araujo Costa. Caso o falecido mantivesse convivência marital com a demandante, seria natural que, até mesmo pela causa mortis, ela se fizesse presente no cartório por ocasião da declaração do óbito.

15 - Por fim, é necessário tecer um breve esclarecimento, no bojo dos inúmeros documentos apresentados pela corré em nome do falecido e contemporâneos ao óbito, aparece eventualmente, como endereço do de cujus, a Rua Oitenta e um, 62, centro, Delta - MG. Em consulta ao Google Maps, ao contrário da Rua Oitenta e um, não foi possível localizar a Rua Delphina Zago, embora haja estabelecimentos listados na busca do Google situados neste último endereço. Por outro lado, se verifica que os códigos de endereçamento postal das ruas são idênticos (CEP 38108-000), o que leva à conclusão de que possa ter havido a alteração do nome da rua em algum momento próximo à data do óbito. Isso, contudo, não tem o condão de esterilizar o efeito probante da vastíssima prova documental apresentada pela corré e corroborada pelos depoimentos testemunhais.   

16 - Em decorrência, não comprovada a condição de companheira, a autora não pode ser habilitada como dependente válida do de cujus. Precedentes.

17 - Cabia à autora demonstrar o fato constitutivo de seu direito, nos termos preconizados pelo art. 373, I, do Código de Processo Civil. No entanto, nos presentes autos não foram juntados quaisquer documentos indiciários do preenchimento do requisito relativo à dependência.

18 - Diante disso, não há nos autos elementos de convicção que apontem para a comprovação do requisito em apreço, razão pela qual deve ser mantida a sentença de 1º grau de jurisdição.

19 - Apelação da autora desprovida. Sentença mantida. Ação julgada improcedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da autora. Sustentou oralmente, por videoconferência, o Dr. Guilherme Henrique Correa Carvalho, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.