APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001511-23.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA AMARO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ALEX TAVARES DE SOUZA - SP231197
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001511-23.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA APARECIDA AMARO DA SILVA Advogado do(a) APELADO: ERICA CRISTINA SOUZA LEME - SP326785 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que se objetiva a concessão benefício previdenciário por incapacidade ou de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 27.04.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício assistência à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Por todo o exposto e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a ação movida por MARIA APARECIDA AMARO DA SILVA contra INSS para condenar o requerido ao pagamento do benefício pleiteado (Benefício Assistencial de Prestação Continuada - LOAS) à autora desde o seu requerimento administrativo indeferido (DER: 27/11/2013). Correção monetária dos valores a partir do vencimento de cada parcela e juros de mora contados do indeferimento, na forma da fundamentação. Demais disso, CONDENO o requerido, ainda, a pagar os honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (principal, correção e juros), observando-se que a base de cálculo sobre a qual incidirá mencionado percentual será composta apenas do valor das prestações devidas entre o termo inicial do benefício e a data da sentença, em consonância com a Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, desde logo anoto que o vencido é isento de custas (art. 8º, § 1º, da Lei n. 8.620/93). Demais disso, justamente porque a dilação probatória terminou e a prova evidenciou a presença dos requisitos ensejadores da concessão da tutela antecipada (a parte requerente tem urgência no recebimento dos valores - que são indispensáveis à sua própria sobrevivência com dignidade; e, mais, o contraditório foi plenamente exercido), independentemente do trânsito em julgado, isto é, DE IMEDIATO, determino que o INSS providencie, no prazo de 30 (trinta) dias, o necessário para a implantação do benefício, contados da intimação pessoal do procurador a respeito do teor desta sentença ou do recebimento do ofício que será expedido determinando a implantação do benefício concedido (o que acontecer primeiro), sob pena de pagamento do valor do benefício em dobro até a efetiva implantação. De imediato, oficie-se conforme acima determinado (isto é, remetendo cópia da sentença e dos documentos relacionados e solicitando providências para a imediata implantação do benefício cujo pagamento foi determinado). Oportunamente, desde que obedecidas as formalidades legais, arquive-se. Sentença sujeita a reexame necessário. P.R.I.C.” Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade a amparar a concessão do benefício. Aduz que: “o estudo social demonstrou que o marido da Apelada aufere valores suficientes a tornar a renda per capita superior ao limite legal, bem assim ainda lhe permite o recolhimento de contribuições, conforme se verifica nos documentos de fls. 147/152. Ora, só efetuam recolhimentos de contribuições previdenciárias como segurado facultativo aquele que dispõe de recursos para tanto, não sendo crível que o façam aqueles em situação de extrema necessidade.” Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001511-23.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA APARECIDA AMARO DA SILVA Advogado do(a) APELADO: ERICA CRISTINA SOUZA LEME - SP326785 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (27.11.2013), seu valor e a data da sentença (27.04.2018), que o valor total a condenação será inferior à importância de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecida no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015. Afinal, o valor que superaria a remessa oficial é equivalente a 14 anos de benefícios calculados no valor máximo, o que certamente não será o caso dos autos. Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido por perito do Juízo, tendo se convencido restar configurada a condição de miserabilidade necessária para a concessão do benefício. Confira-se: “Conforme o laudo social juntado às fs. 130-135, a renda per capta mensal da família da autora é de R$350, considerando que tem a renda total de R$700,00, a ser dividia entre a requerente e seu esposo. Deveras, a renda familiar per capta ultrapassa ¼ do salário mínimo nacional mensal. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o limite objetivo estabelecido pelo dispositivo legal referido importa em presunção de miserabilidade, mas não impede a análise de outros meios de prova em cada caso concreto para aferição desse estado. Confira-se (...) Assim, em alguns casos, desde que comprovada a situação de miserabilidade, o benefício ora pleiteado, pode ser concedido ainda que a renda familiar per capita seja superior ao máximo legal. Nesta esteira, reporto-me ao laudo social, cuja conclusão da assistente social, que esteve no imóvel em que reside a família e acompanhou a rotina do grupo familiar, comprova que a autora vive em uma situação socioeconômica vulnerável, necessitando de auxílio financeiro, sendo a inclusão da autora em tal programa essencial para que esta tenha uma melhor condição de vida.” Por sua vez, o estudo social (ID 85465299 – pag. 153/158), elaborado em 16.09.2017, revela que a parte autora vive com seu marido, o neto e sua companheira e a bisneta (4 anos de idade), em imóvel próprio, de alvenaria, com dois quartos, cozinha, banheiro e quintal, em condição favorável de habitação. A casa está guarnecida com móveis e utensílios que atendem às necessidades da família. A renda da casa advém do trabalho informal do marido da autora, que aufere R$ 700,00/mês, exercendo atividade de pedreiro. Informam que o neto da autora e sua companheira estão desempregados. Relataram despesas com luz (R$ 150,00), alimentação (R$ 350,00), gás (R$ 60,00) e medicação (R$ 50,00), perfazendo total de R$ 610,00. A perita social concluiu que: “VI - CONSIDERACÕES E CONCLUSÃO A partir das informações colhidas por meio do processo pericial e considerando-se os principais indicadores comumente aceitos para classificação socioeconômica de um grupo familiar, quais sejam: situação financeira, condições de habitação e situação de saúde, constatamos o que segue: Do ponto de vista da situação financeira, constatamos que o orçamento familiar é hipossuficiente a família não consegue manter suas principais despesas. Do ponto de vista das condições de habitação, não há indícios de situação de vulnerabilidade e insegurança mas de conforto e tranquilidade. Por fim, do ponto de vista das condições de saúde, a autora deverá manter acompanhamento médico e uso de medicação diariamente, para controle de sua saúde. Com base nas informações colhidas, concluindo a perícia social, tecnicamente, podemos afirmar que a autora Maria Aparecida Amaro da Silva não possui fonte de renda própria e a sobrevivência familiar vem sendo mantida pelo rendimento informal do seu esposo Joaquim.” Notória a vulnerabilidade socioeconômica do grupo familiar que apresenta rendimento baixo, incerto e variável. O fato do marido da parte autora promover o recolhimento de contribuição previdenciária, por si só, não possui o condão de descaracterizar o teor do laudo social, produzido por perito de confiança do juízo, sob o crivo do contraditório. Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e, atestada a condição de miserabilidade no estudo social, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos. No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%. Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conheço da remessa oficial e NEGO PROVIMENTO à apelação do INSS e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001511-23.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA AMARO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ERICA CRISTINA SOUZA LEME - SP326785
REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE/HIPOSSUFICIÊNCIA. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. Valor da condenação inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. Remessa necessária não conhecida.
2.O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.
4. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Correção de ofício.
5. Sucumbência recursal da autarquia. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
6. Sentença corrigida de ofício. Remessa necessária não conhecida. Apelação do INSS não provida.