AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014944-96.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO
AGRAVANTE: GOL LINHAS AEREAS S.A.
Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - SP186458-S
AGRAVADO: IMUNOLAB LABORATORIO DE ANALISES CLINICAS S/S LTDA
Advogado do(a) AGRAVADO: THAIS BARROS MESQUITA - SP281953-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014944-96.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO AGRAVANTE: GOL LINHAS AEREAS S.A. Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - SP186458-S AGRAVADO: IMUNOLAB LABORATORIO DE ANALISES CLINICAS S/S LTDA Advogado do(a) AGRAVADO: THAIS BARROS MESQUITA - SP281953-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto por Gol Linhas Aéreas S.A. em face de decisão que deferiu pedido de tutela de urgência de Imunolab Laboratório de Análises Clínicas S/S Ltda., para que a entidade concessionária, juntamente com outras companhias aéreas, a ANAC e a União deem prioridade máxima ao embarque e desembarque de sangue e hemocomponentes nas operações de transporte que se originem da cidade de São Paulo ou que a ela se destinem. Sustenta que, em função da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) e do estado de calamidade pública decretado, houve uma redução drástica de voos domésticos, com a implantação de uma malha aérea essencial para o atendimento de transporte emergencial. Argumenta que o transporte de materiais biológicos também passou por adaptação e tem sido prestado no ritmo permitido pela regulamentação da ANAC e a pandemia. Alega que uma série de exigências deve ser atendida para a atividade, sobretudo de natureza sanitária. Afirma que a imposição de prioridade máxima para o embarque e desembarque da carga configura uma obrigação inexequível, que não encontra viabilidade no contexto de força maior e de procura de outros laboratórios. Pondera que Imunolab Laboratório de Análises Clínicas S/S Ltda. não pode ser favorecida nas circunstâncias, seja porque não demanda uma grande quantidade de serviços de transporte, seja porque outros laboratórios seriam prejudicados pela prioridade máxima da carga de um único cliente, em violação do princípio da isonomia. Requereu a antecipação de tutela recursal, que foi deferida. Houve a interposição de agravo interno. Imunolab Laboratório de Análises Clínicas S/S Ltda. apresentou resposta ao agravo de instrumento. O Ministério Público Federal se manifestou pelo provimento do agravo de instrumento. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014944-96.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO AGRAVANTE: GOL LINHAS AEREAS S.A. Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO - SP186458-S AGRAVADO: IMUNOLAB LABORATORIO DE ANALISES CLINICAS S/S LTDA Advogado do(a) AGRAVADO: THAIS BARROS MESQUITA - SP281953-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A pretensão recursal procede. O transporte de sangue e hemocomponentes não tem sido dificultado, a ponto de justificar a imposição de prioridade máxima num contexto de pandemia do novo coronavírus (COVID-19) e de controle de deslocamento de pessoas e carga. Imunolab Laboratório de Análises Clínicas S/S Ltda. não comprovou que o embarque e o desembarque do material biológico com origem ou destino na Capital de São Paulo ultrapassem um prazo razoável. Conforme os próprios relatos de situações que configurariam retenção desmedida de carga, o atraso não excedeu a um dia e não pôs em perigo a própria durabilidade do material. Segundo o tempo de validade de cada hemocomponente que consta da petição inicial da tutela de urgência, a extensão do embarque e desembarque pelo prazo médio de um dia não chega a trazer risco de perecimento aos materiais, tanto que a laboratório não apresentou qualquer exemplo de inutilização em escala preocupante. A ampliação do translado do sangue em relação ao tempo dos voos regulares se deve a uma pandemia, a um estado de calamidade pública, que levaram à restrição e, em alguns casos, à interdição do transporte aéreo, como garantia de contenção do alastramento da doença. Naturalmente, a presença de força maior, enquanto evento extraordinário e imprevisível, suspende total ou parcialmente as garantias de serviço público, sobretudo as de regularidade, continuidade e generalidade (artigo 65, II, d, da Lei n. 8.666 de 1993, artigo 6°, § 1o, da Lei n. 8.987 de 1995 e artigo 264, I, da Lei n. 7.565 de 1986). Não se pode exigir do Poder concedente ou da concessionária a prestação de um serviço no ritmo cabível em cenário de normalidade econômica e institucional. Cabe a eles, na verdade, procurar minimizar os impactos da pandemia e do isolamento social, principalmente em relação a cargas cujo transporte seja essencial, como o sangue e hemocomponentes. E a ANAC tem agido dessa forma, mantendo o transporte aéreo regular em nível condizente com as medidas do estado de calamidade pública – “malha aérea essencial” -, sem que se possa cogitar de prioridade máxima num ambiente de limitação geral de voos. Como já se explicou, o atraso do embarque e desembarque em operações de transporte que se originem da capital de São Paulo ou que a ela se destinem não se mostra desproporcional, nem produziu perecimento de material biológico em dimensão significativa, a ponto de caracterizar omissão da agência reguladora e justificar a intervenção do Poder Judiciário, na tutela do direito à saúde materializado no serviço de hemoterapia. A ANAC, inclusive, em resposta à redução dos voos regulares e à essencialidade das cargas para o serviço de saúde do país, habilitou diversos operadores aéreos para o transporte de material biológico da categoria B, que abrange sangue, hemoderivados e hemocomponentes (Portaria n. 880/SPO de 2020). Trata-se de mais um paliativo governamental para a ampliação de transporte de carga, que, embora seja mais oneroso, tenta suavizar a procura dos voos regulares e otimizar o embarque e o desembarque de produtos essenciais. Nessas circunstâncias, não se pode cogitar de omissão da agência reguladora, nem de descumprimento de obrigações pelas companhias aéreas. O atraso no embarque e desembarque não tem chegado a nível preocupante e vem sendo atenuado em nível administrativo, através de habilitação de novos operadores aéreos. A prestação do serviço aéreo ocorre numa conjuntura de força maior, de álea econômica extraordinária, que representa impedimento técnico para a política convencional de aviação civil e um limite para a intervenção do Poder Judiciário. Se a ANAC e as companhias aéreas mantêm o transporte para atividades essenciais e oferecem opção para a redução de embarque e desembarque que se tornaram naturalmente mais demorados em decorrência de pandemia e de estado de calamidade pública, a intervenção do Poder Judiciário no sentido de prever prioridades máximas implica assunção de função administrativa, em ofensa da separação dos Poderes e da independência técnica e decisória das agências reguladoras (artigo 2° da CF, artigo 3°, caput, da Lei n. 13.848 de 2019 e artigo 8°, X, da Lei n. 11.182 de 2005). A precipitação se torna ainda mais evidente, diante da constatação de que o serviço de hemoterapia não se encontra colapsado pelo tempo médio do translado – razoável em situação de redução drástica de voos domésticos – ou por perecimento de material biológico, cuja validade é bem superior. A diminuição vertiginosa das doações de sangue, devido à pandemia da COVID-19 e ao isolamento social, não pode ser carreada ao setor de aviação civil, na forma de aceleração do transporte dos estoques já doados. Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, para revogar a tutela de urgência concedida, julgando prejudicado o agravo interno. É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE AÉREO DE CARGA. SANGUE E HEMOCOMPONENTES. PRIORIDADE MÁXIMA. DESCABIMENTO. PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. OPÇÕES TRAZIDAS PELA ANAC PARA O TRANSPORTE DO MATERIAL BIOLÓGICO. AUSÊNCIA DE PROVA DO PERECIMENTO DAS SUBSTÂNCIAS NO RITMO DISPONÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
I. A pretensão recursal procede.
II. O transporte de sangue e hemocomponentes não tem sido dificultado, a ponto de justificar a imposição de prioridade máxima num contexto de pandemia do novo coronavírus (COVID-19) e de controle de deslocamento de pessoas e carga.
III. Imunolab Laboratório de Análises Clínicas S/S Ltda. não comprovou que o embarque e o desembarque do material biológico com origem ou destino na Capital de São Paulo ultrapassem um prazo razoável. Conforme os próprios relatos de situações que configurariam retenção desmedida de carga, o atraso não excedeu a um dia e não pôs em perigo a própria durabilidade do material.
IV. Segundo o tempo de validade de cada hemocomponente que consta da petição inicial da tutela de urgência, a extensão do embarque e desembarque pelo prazo médio de um dia não chega a trazer risco de perecimento aos materiais, tanto que a laboratório não apresentou qualquer exemplo de inutilização em escala preocupante.
V. A ampliação do translado do sangue em relação ao tempo dos voos regulares se deve a uma pandemia, a um estado de calamidade pública, que levaram à restrição e, em alguns casos, à interdição do transporte aéreo, como garantia de contenção do alastramento da doença.
VI. Naturalmente, a presença de força maior, enquanto evento extraordinário e imprevisível, suspende total ou parcialmente as garantias de serviço público, sobretudo as de regularidade, continuidade e generalidade (artigo 65, II, d, da Lei n. 8.666 de 1993, artigo 6°, § 1o, da Lei n. 8.987 de 1995 e artigo 264, I, da Lei n. 7.565 de 1986). Não se pode exigir do Poder concedente ou da concessionária a prestação de um serviço no ritmo cabível em cenário de normalidade econômica e institucional.
VII. Cabe a eles, na verdade, procurar minimizar os impactos da pandemia e do isolamento social, principalmente em relação a cargas cujo transporte seja essencial, como o sangue e hemocomponentes. E a ANAC tem agido dessa forma, mantendo o transporte aéreo regular em nível condizente com as medidas do estado de calamidade pública – “malha aérea essencial” -, sem que se possa cogitar de prioridade máxima num ambiente de limitação geral de voos.
VIII. Como já se explicou, o atraso do embarque e desembarque em operações de transporte que se originem da capital de São Paulo ou que a ela se destinem não se mostra desproporcional, nem produziu perecimento de material biológico em dimensão significativa, a ponto de caracterizar omissão da agência reguladora e justificar a intervenção do Poder Judiciário, na tutela do direito à saúde materializado no serviço de hemoterapia.
IX. A ANAC, inclusive, em resposta à redução dos voos regulares e à essencialidade das cargas para o serviço de saúde do país, habilitou diversos operadores aéreos para o transporte de material biológico da categoria B, que abrange sangue, hemoderivados e hemocomponentes (Portaria n. 880/SPO de 2020).
X. Trata-se de mais um paliativo governamental para a ampliação de transporte de carga, que, embora seja mais oneroso, tenta suavizar a procura dos voos regulares e otimizar o embarque e o desembarque de produtos essenciais.
XI. Nessas circunstâncias, não se pode cogitar de omissão da agência reguladora, nem de descumprimento de obrigações pelas companhias aéreas. O atraso no embarque e desembarque não tem chegado a nível preocupante e vem sendo atenuado em nível administrativo, através de habilitação de novos operadores aéreos.
XII. A prestação do serviço aéreo ocorre numa conjuntura de força maior, de álea econômica extraordinária, que representa impedimento técnico para a política convencional de aviação civil e um limite para a intervenção do Poder Judiciário.
XIII. Se a ANAC e as companhias aéreas mantêm o transporte para atividades essenciais e oferecem opção para a redução de embarque e desembarque que se tornaram naturalmente mais demorados em decorrência de pandemia e de estado de calamidade pública, a intervenção do Poder Judiciário no sentido de prever prioridades máximas implica assunção de função administrativa, em ofensa da separação dos Poderes e da independência técnica e decisória das agências reguladoras (artigo 2° da CF, artigo 3°, caput, da Lei n. 13.848 de 2019 e artigo 8°, X, da Lei n. 11.182 de 2005).
XIV. A precipitação se torna ainda mais evidente, diante da constatação de que o serviço de hemoterapia não se encontra colapsado pelo tempo médio do translado – razoável em situação de redução drástica de voos domésticos – ou por perecimento de material biológico, cuja validade é bem superior.
XV. A diminuição vertiginosa das doações de sangue, devido à pandemia da COVID-19 e ao isolamento social, não pode ser carreada ao setor de aviação civil, na forma de aceleração do transporte dos estoques já doados.
XVI. Agravo de instrumento a que se dá provimento. Agravo interno prejudicado.