APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004771-53.2018.4.03.6181
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: CARLOS GUSTAVO ROCHA, ANDERSON PEREIRA RAMOS
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004771-53.2018.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: CARLOS GUSTAVO ROCHA, ANDERSON PEREIRA RAMOS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Trata-se de apelações criminais interpostas por CARLOS GUSTAVO ROCHA e ANDERSON PEREIRA RAMOS, em face da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de São Paulo/SP, que os condenou pela prática dos crimes previstos no art. 289, §1º e art. 291, ambos do CP, em concurso material. Narra a denúncia (ID 143460878 – pag. 3/6): “Consta dos autos que CARLOS GUSTAVO ROCHA e ANDERSON PEREIRA RAMOS, de forma livre e consciente, utilizando-se de diversos equipamentos específicos, confeccionavam moedas falsas. Apurou-se que, no dia 20 de abril de 2018, policiais civis receberam denúncia anônima informando que em um galpão, localizado na Avenida Doutor Assis Ribeiro, nº 2270, Cangaíba, São Paulo/SP, era realizada a confecção de moedas falsas. Chegando ao local indicado, os policiais civis ficaram em vigilância e, após um determinado tempo, um indivíduo chegou e abriu o galpão. Imediatamente, o indivíduo foi abordado pelos policiais e identificou-se como CARLOS GUSTAVO ROCHA, confessando que, juntamente a seu colega ANDERSON PEREIRA RAMOS, utilizava o local para a falsificação de moedas, de acordo com o Boletim de Ocorrência às fls. 08/10. Os policiais civis, então, adentraram ao galpão e visualizaram duas prensas, as quais são utilizadas para produção de moedas falsas, bem como observaram a existência de diversas moedas já confeccionadas sobre um balcão. Após um período de tempo, ANDERSON chegou ao local e, indagado sobre os fatos, também confessou a prática de falsificação de moedas (fls. 03/04). [...] Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia ANDERSON PEREIRA RAMOS e CARLOS GUSTAVO ROCHA pela prática dos crimes previstos nos artigos 289 e 291 c.c. o artigo 70, todos do Código Penal”. A denúncia foi recebida em 15/05/2018 (ID 143460878 – pag. 8/9). Após regular instrução, o Juízo da 5ª Vara Federal de São Paulo/SP proferiu a sentença ID 143460879 (pag. 128/149), publicada em 06/03/2020, por meio da qual condenou ANDERSON PEREIRA RAMOS e CARLOS GUSTAVO ROCHA pela prática dos crimes do art. 289, §1º e art. 291 do CP, em concurso material, à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 20 dias multa, no valor unitário equivalente a 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. A defesa de Carlos Gustavo Rocha interpôs apelação (ID 143461144), pleiteando a absorção do crime previsto no art. 291 do CP pelo art. 289, §1º do CP, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, após a aplicação do princípio da consunção. Requer, por fim, a gratuidade da justiça (ID 143461159). A defesa de Anderson Pereira Ramos interpôs apelação (ID 143461145). Preliminarmente, alega que o magistrado violou o sistema acusatório ao determinar, de ofício, diligências para aferição da materialidade delitiva. Alega, ainda, nulidade por afronta ao princípio da correlação, uma vez que o Ministério Público Federal denunciou os réus pela prática de crimes em concurso formal e, na sentença, o Juízo a quo reconheceu o concurso material, sem que a defesa pudesse se manifestar. No mérito, pede a aplicação do princípio da consunção para que o crime do art. 291 seja absorvido pelo delito do art. 289, §1º do CP. Por fim, pede o reconhecimento do concurso formal de crimes (ID 143461160). Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (ID 143461164). Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento dos recursos (ID 143529240). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004771-53.2018.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: CARLOS GUSTAVO ROCHA, ANDERSON PEREIRA RAMOS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos interpostos por Anderson Pereira Ramos e Carlos Gustavo Rocha. Preliminarmente Da alegação de violação ao sistema acusatório A defesa de Anderson alega que, ao determinar, de ofício, a realização de diligências que comprovariam a materialidade delitiva, o magistrado afrontou o sistema acusatório, violando os arts. 129, I, da CF; 5º, LIV, LV e LVII da CF; 93, IX da CF e 3º-A do CPP. Após a apresentação dos memoriais escritos, o Juízo a quo determinou a juntada aos autos de 10 amostras de cada moeda falsa, para melhor examinar a potencialidade lesiva dessas moedas metálicas, não obstante a conclusão pericial atestando a boa qualidade da falsificação. Eis a decisão: “A Defesa de ambos os réus afirmou que não haveria prova da materialidade do delito, haja vista que não foram juntados aos autos nenhuma das moedas apreendidas, o que teria impedido, até mesmo, de discutir sobre a capacidade de iludir das moedas falsificadas. Apesar do laudo pericial ter atestado que a falsificação não era grosseira, é certo que o juízo poderá, se entender de modo diverso, desprezar o laudo pericial. Portanto, tenho como imprescindível que as partes tenham contato direto com as moedas tidas por falsas. Especialmente os réus, para que possam se defender plenamente. Anoto que, ao juiz é lícito, mesmo de oficio, determinar diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, conforme previsto no artigo 156, II, do Código de Processo Penal: [...] Assim. Determino seja requisitada da Polícia Federal a remessa a este Juízo, no prazo de 2 (dois) dias úteis contados da intimação, de amostra das moedas examinadas, sendo que para cada moeda deverão ser encaminhadas dez unidades. Com a remessa das amostras de moedas, intimem-se as partes, para, no prazo comum de cinco dias manifestarem-se como de direito. [...] A intimação das partes acerca desta decisão deverá ocorrer depois da vinda das amostras das moedas falsificadas”. Não se verifica, na espécie, violação ao sistema acusatório, tampouco aos dispositivos legais citados pelo apelante. O Juízo procedeu nos estritos limites do art. 156, II do CPP, a fim de dirimir dúvida sobre ponto relevante, mais especificamente, a potencialidade lesiva das moedas falsas. De acordo com o auto de exibição e apreensão (ID 143460877 – pag. 17), no galpão situado na Avenida Doutor Assis Ribeiro, nº 2270, Cangaíba, São Paulo/SP, foram encontrados, além de petrechos para falsificação, 01 saco contendo diversas moedas com valor nominal de 50 centavos e 01 saco contendo diversas moedas com valor nominal de 1 real, todas falsas. As moedas metálicas apreendidas foram submetidas a exame pericial. Os experts confirmaram a falsidade e atestaram que as falsificações não são grosseiras “em razão de as referidas moedas terem sido reproduzidas com bastante nitidez dos dizeres e imagens. Tais reproduções dos aspectos visuais, comuns às moedas autênticas, levaram o signatário a concluir que o objeto do presente laudo pode passar por autêntico no meio circulante, enganando terceiros de boa –fé” (ID 143460879 – pag. 15). Tem-se, portanto, que antes de sentenciar o feito o magistrado determinou a juntada aos autos de alguns exemplares dessas moedas, para que ele próprio examinasse a potencialidade lesiva, ou seja, a capacidade de enganar o homem de conhecimento médio. Ressalte-se que o art. 156, II do CPP permite que o Juiz, de ofício, antes de proferir sentença, determine a realização de diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante. E assim agiu o magistrado, no caso concreto. Importante salientar que o art. 3º-A do CPP, introduzido pela Lei 13.964/19 denominada “Pacote Anticrime”, aplica-se à fase de investigação, impedindo a iniciativa do Juízo na colheita de provas no curso das investigações. Aliás, por força de decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux na ADI 6298 MC / DF, a eficácia do referido dispositivo está suspensa. In casu, a diligência serviu para que o magistrado formasse seu juízo de convicção, pois, embora já constasse dos autos o laudo pericial, seria lícito ao MM. Juiz Federal decidir de maneira diversa, não estando vinculado à conclusão dos peritos, o que, aliás, poderia beneficiar os réus. Outrossim, não se verifica cerceamento de defesa, na medida em que as partes puderam se manifestar sobre os materiais juntados aos autos, antes da prolação da sentença. A propósito, observo que a defesa de Anderson complementou seus memoriais, alegando atipicidade material da conduta em razão da falsificação grosseira, e reiterou os pedidos anteriormente deduzidos. Desse modo, afasto a preliminar arguida. Da alegação de nulidade por inobservância ao princípio da correlação A defesa sustenta que o Ministério Público Federal denunciou os réus pela prática de crimes em concurso formal, todavia, na sentença, o Juízo a quo reconheceu o concurso material, sem que a defesa pudesse se manifestar, em inobservância ao art. 384 do CPP. Sem razão o apelante. Extrai-se da sentença: "O MPF, em sua peça inicial requereu a condenação dos réus pelos dois crimes em concurso formal, nos termos do artigo 70, do Código Penal. No entanto, entendo não ser o caso de aplicação do concurso formal entre os crimes. Conforme verifico dos autos, apesar da apreensão das moedas falsas e dos petrechos terem acontecido no mesmo momento, fato é que os crimes foram praticados com desígnios autônomos e o crime previsto no artigo 291, do Código Penal, aconteceu antecedentemente ao crime de moeda falsa, de forma que não é possível se dizer que ambos os crimes foram cometidos por meio de uma só ação. Assim, aplicando a regra do concurso material, com espeque no artigo 69, do Código Penal, somo as reprimendas [...]”. Na hipótese em apreço, não há se falar em mutatio libelli; mas, sim, em emendatio libelli. O Juízo de origem não acresceu fato novo a imputação penal, o que implicaria em mutatio libelli (art. 384 do CPP). Em verdade, foi dado novo enquadramento aos fatos em análise, de modo a afastar a aplicação do concurso formal e fazer incidir o concurso material. Nos termos do art. 383, do Código de Processo Penal, emendatio libelli consiste na atribuição de definição jurídica diversa ao arcabouço fático descrito na inicial acusatória, ainda que isso implique agravamento da situação jurídica do réu, mantendo-se, contudo, intocada a correlação fática entre acusação e sentença, afinal, o réu defende-se dos fatos no processo penal. Ademais, o momento adequado à realização da emendatio libelli pelo órgão jurisdicional é o momento de proferir sentença, haja vista que o Parquet é o titular da ação penal, a quem se atribui o poder-dever da capitulação jurídica do fato imputado. Por essas razões, não há nulidade a ser reconhecida, ressaltando-se que o procedimento previsto no art. 384 do CPP não se aplica ao caso concreto. Do mérito Não houve impugnação quanto à materialidade e autoria, que estão suficientemente demonstradas. No entanto, a defesa de ambos os réus requer a aplicação do princípio da consunção, para que o crime do art. 291 do CP seja absorvido pelo delito do art. 289, §1º do CP. Os réus foram condenados pela prática dos crimes previstos no art. 291 do CP e art. 289, §1º do CP, verbis: Petrechos para falsificação de moeda Art. 291 - Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. Moeda Falsa Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa. Depreende-se dos autos que, após denúncia anônima, policiais civis dirigiram-se ao galpão situado na Avenida Doutor Assis Ribeiro, nº 2270, Cangaíba, São Paulo/SP, onde encontraram diversos petrechos para falsificação de moedas, além de dois sacos contendo moedas metálicas com valor nominal de R$0,50 e R$1,00, todas falsas. Os réus confessaram a prática delitiva. Tudo isso está demonstrado através do boletim de ocorrência 53/2018, auto de exibição e apreensão, laudos periciais e prova testemunhal (IDs 143460876, 143460878, 143460879). Foram apreendidos: uma prensa de 4 toneladas sem marca aparente; uma prensa de 3 toneladas sem marca aparente; um compressor de ar sem marca aparente; uma guia de chapa metálica sem marca aparente; um difusor de energia sem marca aparente; uma cuba de ferro sem marca aparente; 08 sacos de plásticos contendo diversos anéis na cor dourada; 01 saco contendo diversas moedas de 50 centavos falsas; 01 saco contendo diversas moedas de 1 real falsas; 11 moldes de estamparia contendo os desenhos muito próximos de original de moedas em circulação e 01 saco contendo anéis metálicos que serviriam para base de produção de moedas falsas. Consoante o laudo de perícia criminal federal nº 2366/2018, “Os exames possibilitam afirmar que muitos dos materiais ora examinados são considerados como petrechos com tecnologia compatível de ser utilizada na confecção de moeda metálica falsa, sendo que a análise dos maquinários permite afirmar que o processo utilizado para a confecção de moeda metálica está relacionado principalmente à estampagem e galvanoplastia”. Especificamente sobre a prensa mecânica excêntrica - marca GUTMANN, os peritos atestaram que “apresentava um molde instalado com estampa semelhante - dizeres e imagens ao verso (parte superior do molde) e ao anverso (parte inferior do molde) utilizado em moeda metálica autêntica de R$ 0.50 (figura 11). Além disso, o diâmetro da estampa presente no molde é compatível ao das moedas de R$ 0,50 analisadas no Laudo n 2325/2018. Tais características possibilitam afirmar que este equipamento estava sendo utilizado para a cunhagem de moedas metálicas deste tipo”. Em juízo, Anderson declarou que trabalhava na empresa pertencente a Carlos, situada no local dos fatos. Inicialmente eram fabricadas fivelas para cintos. Posteriormente, passaram a fabricar moedas metálicas. Já foi condenado pela prática de tráfico de drogas e roubo. Cumpriu pena. Confessa a prática delitiva. Carlos estava sendo cobrado por agiotas e a empresa enfrentava crise financeira. Um indivíduo chamado Mauricio sugeriu a confecção de moedas. No momento da abordagem policial, ainda estavam tentando melhorar a qualidade das moedas. Não chegou a vender lotes de moedas. Já fez um teste para ser se as moedas seriam aceitas. Introduziu umas 10 ou 20 moedas de R$1,00 em circulação, com êxito, sendo que isso ocorreu uma semana antes da prisão em flagrante. O réu explicou o processo de confecção de moedas. Possuíam aproximadamente 400 quilos de aço, que era a matéria prima para a fabricação das moedas. Estavam trabalhando na confecção de moedas há 3 meses. Carlos foi o responsável pela aquisição de maquinário, que custou R$6.000,00. Estimavam ganhar R$30.000,00 ou R$20.000,00 com a venda de moedas falsas (ID 143461135). Carlos Gustavo foi interrogado em juízo. Declarou que havia montado uma metalúrgica, em 2016, para fabricar material de automação. Alugou um ponto e comprou maquinário. Depois, passou a fabricar fivelas de cinto e arruelas para prender suporte de telhas. Confessa a prática delitiva. No ano de 2017, estava enfrentando dificuldade financeira. Passou a fabricar moedas, que totalizaram, até a data da apreensão, aproximadamente R$3.000,00. A qualidade das moedas era baixa. A ideia de fabricar moeda surgiu por desespero. O maquinário que já possuía foi adaptado para a fabricação de moedas. Não precisou comprar equipamentos especiais para a confecção de moedas falsas. Possui formação técnica e por isso conseguiu desenvolver o molde das moedas. O imóvel era alugado. Conhece Anderson há muitos anos. Quando começou a trabalhar com cintos, convidou Anderson para lhe ajudar. Entregava a Anderson uma porcentagem sobre o valor de produção. Tinha aproximadamente 380 quilos de aço comum e 250 quilos de aço inox. Esse material seria usado na fabricação de moedas. Anderson venderia as moedas e posteriormente partiriam para outro negócio lícito. Pretendiam vender as moedas de R$1,00 por R$0,60. Não conheceu Maurício. Não sabe se Anderson introduziu moedas em circulação. A sentença não merece reparo, uma vez que os equipamentos e materiais apreendidos não se destinaram unicamente à fabricação das moedas falsas apreendidas nos presentes autos. Das declarações prestadas pelos réus durante o interrogatório judicial é possível concluir que os maquinários, moldes e matéria-prima existentes naquele galpão continuariam a ser utilizados na fabricação de moedas metálicas falsas, como já estavam sendo utilizados há aproximadamente três meses. O que se verifica, portanto, a partir do exame do conjunto probatório, é a existência de uma pequena estrutura industrial voltada à confecção de moedas falsas. A corroborar essa conclusão, o acusado Anderson afirmou que pretendiam obter um lucro de R$20.000,00 ou R$30.000,00 com a venda das moedas, sendo que, segundo o corréu Carlos, cada moeda com valor nominal de R$1,00 seria vendida por R$0,60. O denunciado Carlos Gustavo também afirmou que tinha a intenção de prosseguir na fabricação de moedas para posteriormente revendê-las a fim de superar a crise financeira pela qual vinha passando. Diante de tal cenário, reputo que a conduta típica consistente na guarda de maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda não exauriu sua potencialidade na fabricação das moedas metálicas apreendidas, que estavam guardadas em sacos naquele galpão, não sendo o caso de absorção do delito do art. 291 pelo crime do art. 289, §1º do CP. Não há que se falar em ante factum impunível, na medida em que os réus agiram com desígnios autônomos em relação à posse de petrechos destinados à fabricação de moedas falsas e a guarda de moedas metálicas contrafeitas destinadas à introdução em circulação. Sobre o assunto, trago precedentes desta Corte Regional: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. MOEDA FALSA. ARTIGO 289, §1º, DO CP. PETRECHOS PARA A FALSIFICAÇÃO DE MOEDA. ART. 291 DO CP. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS PARA AMBOS OS RÉUS. AUSÊNCIA DE CONSUNÇÃO. CRIMES DISTINTOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA REDIMENSIONADA. RECURSO DA DEFESA DE MARCELO. ATENUANTE DA CONFISSÃO. REGIME FECHADO MANTIDO. INCABÍVEL SUBSTITUIÇÃO DA PENA. DESCABIDA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. RECURSO DE NELSON DESPROVIDO. RECURSO DE MARCELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados para os réus pela prática dos delitos do artigo 289, § 1º, e 291, ambos do Código Penal. Conjunto probatório autoriza a condenação. 2. A consunção somente é aplicável quando um delito é absorvido pelo outro, se esgota no outro, sendo que tal princípio seria eventualmente aplicável, se se comprovasse que os réus usaram petrechos para falsificar moeda uma única vez, sendo que não praticariam mais tal delito. 3. Dosimetria da pena. Ausência de antecedentes criminais. Circunstâncias judiciais, culpabilidade e consequências do crime autorizam a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Reconhecimento da atenuante da confissão. Súmula 545 do STJ: "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal". 4. Regime semiaberto, consoante o artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal. 5. Descabida substituição da pena privativa de liberdade, ante o não preenchimento dos requisitos do artigo 44 do Código Penal, em face do quantum da pena fixada. 6. Em relação ao pedido da Procuradoria Regional da República de execução provisória da pena após esgotadas as vias ordinárias, considerando que o Supremo Tribunal Federal admitiu a execução provisória da sentença penal condenatória (STF, Repercussão geral em ARE n. 964.246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.11.16), cumpre dar eficácia a esse entendimento. 7. Recursos parcialmente providos. (TRF3. ACR 0003234-22.2018.4.03.6181. Relator Desembargador Federal Mauricio Kato. Quinta Turma. e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/09/2019) - grifei PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO MARGINATUS. MOEDA FALSA. PETRECHOS PARA FALSIFICAÇÃO DE MOEDA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. FALSA IDENTIDADE. CORRUPÇÃO DE MENORES. ARTIGOS 288, 289, § 1º, 291 E 307, TODOS DO CÓDIGO PENAL. ARTIGO 244-B, DA LEI Nº 8.069/90. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL CONSTANTE NO DISPOSITIVO DA SENTENÇA. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA DEMONSTRADA EM RELAÇÃO AOS RÉUS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA RECONHECER A INCIDÊNCIA DO CONCURSO MATERIAL EM RELAÇÃO A ALGUMAS DAS APREENSÕES ENVOLVENDO A CORRÉ MÁRCIA. PENAS DE MULTA DE ALGUNS RÉUS REVISTAS DE OFÍCIO. PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS DE STEPHANIE, LUCIANE, MARCELO, LEANDRO E MARCOS. DEMAIS RECURSOS NÃO PROVIDOS. [...] 6. Condenação de MARCO ANTONIO GUIDOLIN mantida. Materialidade e autoria demonstradas. Recurso do réu desprovido. 7. Desprovimento do apelo do réu JOSIMAR. A materialidade das condutas dos dias 24.08.2013 e 19.09.2013 foi devidamente demonstrada. A autoria é igualmente inconteste. O réu foi interceptado em várias conversas com a corré MÁRCIA COLLISTOCK negociando a compra de notas. 8. A pena privativa de liberdade de JOSIMAR foi adequadamente estabelecida, não carecendo de reforma. 9. Recurso do réu PHILIPE DE OLIVEIRA parcialmente provido, apenas para reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea em seu benefício. Pena final reduzida para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa. 10. No tocante aos apelos de MARCOS SANTOS DE MELO e LEANDRO MARIN ROSA, o conjunto probatório é farto ao demonstrar a responsabilidade dos réus pela prática do delito do artigo 289, do Código Penal. 11. Além disso, não procede a alegação defensiva dos corréus de que os equipamentos apreendidos não podem ser considerados "petrechos para falsificação de moeda", visto que são objetos rotineiros, podendo existir em qualquer casa ou garagem. O petrecho apto para configurar o delito em comento não precisa ser exclusivamente destinado à falsificação do papel moeda, mas necessariamente, tem que ter por finalidade precípua a contrafação, como constatado na hipótese dos autos. 12. Não há como reconhecer ainda a incidência do princípio da consunção. O delito do artigo 291, do Código Penal não pode ser absorvido pelo crime do artigo 289, também do Código Penal. Os réus agiam com desígnios autônomos em relação a tais crimes. 13. Condenações mantidas pelos delitos de moeda falsa e petrechos para falsificação de moeda. [..] Penas-base dos delitos dos artigos 288 e 289, § 1º, do Código Penal reduzidas ao mínimo legal. O envolvimento de menores de idade é a elementar do delito do artigo 244-B, da Lei nº 8.069/90. Dessa forma, tal circunstância não pode ser valorada negativamente na primeira fase da dosimetria da pena dos demais delitos, sob pena de bis in idem. Apelo parcialmente provido. 27. Redução, de ofício, das penas de multa de MARCO ANTONIO GUIDOLIN, JOSIMAR DONIZETE DA SILVA, PHILIPE DE OLIVEIRA, ANDRESSA DULCETTI, STEPHANIE COLLISTOCK e MÁRCIA VIOLA COLLISTOCK. (TRF3. ACR 0015338-22.2013.4.03.6181. Relator Desembargador Federal Paulo Fontes. Quinta Turma. e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2017) - grifei Destarte, afasto o pedido de aplicação do princípio da consunção e mantenho a condenação de Carlos Gustavo Rocha e Anderson Pereira Ramos pela prática dos crimes previstos no art. 289, §1º do CP e art. 291 do CP. Da dosimetria A defesa de Anderson pede o reconhecimento do concurso formal (art. 70 do CP). a) Réu Carlos Gustavo Rocha a1) Do delito do art. 291 do CP Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Na segunda fase, foi reconhecida a atenuante referente à confissão espontânea, mas a pena foi corretamente mantida no patamar mínimo em observância à Súmula 231 do STJ. Na terceira fase, sem causas de diminuição e de aumento. Pena fixada em 2 anos de reclusão e 10 dias multa. a2) Do delito do art. 289, §1º do CP Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Na segunda fase, foi reconhecida a atenuante referente à confissão espontânea, mas a pena foi corretamente mantida no patamar mínimo em observância à Súmula 231 do STJ. Na terceira fase, sem causas de diminuição e de aumento. Pena fixada em 3 anos de reclusão e 10 dias multa. b) Réu Anderson Pereira Ramos. b1) do delito do art. 291 do CP Na primeira fase, a pena-base foi fixada em 2 anos e 8 meses de reclusão, em razão dos maus antecedentes. O réu possui condenação criminal transitada em julgado, conforme certidões ID 143460878 (pag. 14/20). Na segunda fase, presente a atenuante referente à confissão espontânea, a pena intermediária foi fixada em 2 anos de reclusão. Na terceira fase, não há causas de diminuição e de aumento. Pena fixada em 2 anos de reclusão e 10 dias multa. b2) Do delito do art. 289, §1º do CP Na primeira fase, a pena-base foi fixada em 4 anos e 6 meses de reclusão, em razão dos maus antecedentes. O réu possui condenação criminal transitada em julgado, conforme certidões ID 143460878 (pag. 14/20). Na segunda fase, presente a atenuante referente à confissão espontânea, a pena intermediária foi fixada em 3 anos de reclusão. Na terceira fase, não há causas de diminuição e de aumento. Pena fixada em 3 anos de reclusão e 10 dias multa. Do concurso de crimes Na sentença, o magistrado aplicou a regra do concurso material de delitos, pelos seguintes motivos: “entendo não ser o caso de aplicação do concurso formal entre os crimes. Conforme verifico dos autos, apesar da apreensão das moedas falsas e dos petrechos terem acontecido no mesmo momento, fato é que os crimes foram praticados com desígnios autônomos e o crime previsto no artigo 291 do Código Penal, aconteceu antecedentemente ao crime de moeda falsa, de forma que não é possível se dizer que ambos os crimes foram cometidos por meio de uma só ação. Assim, aplicando a regra do concurso material, com espeque no artigo 69, do Código Penal, somo as reprimendas dos crimes no que resulta numa pena total, em relação a CARLOS de 5 (cinco) anos de reclusão e ao pagamento de 20 (vinte) dias -multa; enquanto que a somas das penas de ANDERSON resulta em 5 (cinco) anos de reclusão e ao pagamento de 20 (vinte) dias –multa”. Afasto o pedido da defesa e mantenho o reconhecimento do concurso material, uma vez que, como bem ponderou o Juízo de origem, os crimes não foram praticados mediante uma única ação, o que impede a aplicação da regra do art. 70 do CP. Muito embora a apreensão das moedas falsas e dos equipamentos destinados à falsificação tenham ocorrido ao mesmo tempo, o fato é que o maquinário e os demais artefatos estavam sendo utilizados há alguns meses e, conforme restou comprovado nos autos, não se destinavam única e exclusivamente à produção daquelas moedas apreendidas. Assim, deve ser aplicada a regra do art. 69 do CP, de modo que, somadas, as penas dos réus totalizam 5 anos de reclusão e 20 dias multa, mantido o valor unitário estabelecido na sentença. O regime inicial semiaberto está em consonância com o art. 33, §2º, “b” do CP. Da gratuidade da justiça A defesa de Carlos Gustavo Rocha pede a concessão da gratuidade da justiça. No caso em tela, mostra-se cabível o benefício da gratuidade de justiça, na forma do artigo 98 da Lei nº 13.105/2015. Nada obstante, esclareço que a mera concessão de gratuidade da justiça não exclui a condenação do réu nas custas do processo nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, ficando, contudo, seu pagamento sobrestado enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos, quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o artigo 98, § 3º, do novo Código de Processo Civil. Além disso, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, ou tampouco afasta o seu eventual dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas, nos moldes do artigo 98, §§ 2º e 4º, também da Lei 13.105/2015. Em sintonia com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 23.804/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 01/08/2012; AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 14/06/2011), o pertinente exame acerca da miserabilidade do réu deverá ser realizado, com efeito, em sede do Juízo de Execução, fase adequada para aferir a real situação financeira do condenado, restando, por conseguinte, mantida sua condenação ao pagamento das custas processuais nos termos da r. sentença. Dispositivo Pelo exposto, nego provimento à apelação de Anderson Pereira Ramos e dou parcial provimento à apelação de Carlos Gustavo Rocha para conceder a gratuidade da justiça. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 289, §1º DO CP. ART. 291 DO CP. PRELIMINARES REJEITADAS. ART. 156, II DO CPP. MUTATIO LIBELLI. INOCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONCURSO MATERIAL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
Não se verifica, na espécie, violação ao sistema acusatório, tampouco aos dispositivos legais citados pelo apelante. O art. 156, II do CPP permite que o Juiz, de ofício, antes de proferir sentença, determine a realização de diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante. E assim agiu o magistrado, no caso concreto.
Na hipótese em apreço, não há se falar em mutatio libelli; mas, sim, em emendatio libelli. O Juízo de origem não acresceu fato novo a imputação penal, o que implicaria em mutatio libelli (art. 384 do CPP). Em verdade, foi dado novo enquadramento aos fatos em análise, de modo a afastar a aplicação do concurso formal e fazer incidir o concurso material.
Os equipamentos e materiais apreendidos não se destinaram unicamente à fabricação das moedas falsas apreendidas nos presentes autos. Os maquinários, moldes e matéria-prima existentes naquele galpão continuariam a ser utilizados na fabricação de moedas metálicas falsas, como já estavam sendo utilizados há aproximadamente três meses.
A conduta típica consistente na guarda de maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda não exauriu sua potencialidade na fabricação das moedas metálicas apreendidas, que estavam guardadas em sacos naquele galpão, não sendo o caso de absorção do delito do art. 291 pelo crime do art. 289, §1º do CP.
Os crimes não foram praticados mediante uma única ação, o que impede a aplicação da regra do art. 70 do CP. Mantido o concurso material aplicado na sentença.
Concessão da gratuidade da justiça ao réu C.G.R.
Desprovida a apelação de A.P.R. Parcialmente provida a apelação de C.G.R.