Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5027199-86.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: MARIO PANZIERA JUNIOR
PACIENTE: THIAGO ALVES MARTINS

Advogado do(a) PACIENTE: MARIO PANZIERA JUNIOR - MS17767-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE COXIM/MS - 1ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5027199-86.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: MARIO PANZIERA JUNIOR
PACIENTE: THIAGO ALVES MARTINS

Advogado do(a) PACIENTE: MARIO PANZIERA JUNIOR - MS17767-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE COXIM/MS - 1ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de THIAGO ALVES MARTINS, contra ato do Juízo da 1ª Vara Federal de Coxim/MS, que revogou a liberdade provisória do ora paciente, no bojo dos autos nº 0000161-79.2018.403.6007.

Segundo a impetração, o paciente foi preso no dia 18/08/2018, na cidade de Coxim/MS, pela suposta prática do crime de contrabando de maços de cigarros de origem estrangeira.

Após homologação da prisão em flagrante, o Juízo de origem concedeu ao paciente liberdade provisória condicionada aos seguintes requisitos: a) monitoração eletrônica por meio de tornozeleira; b) comparecimento mensal ao Juízo de seus domicílios; c) comunicação prévia de qualquer mudança de endereço; d) fixação de fiança no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 325, inciso II, do Código de Processo Penal.

Narra o impetrante que, embora não haja provas de que o paciente de fato tenha praticado o crime em apreço, THIAGO cumpria as condições que lhe foram impostas, e “fez de tudo para auxiliar a justiça tanto no inquérito policial, quanto no comparecimento mensal em Juízo na Comarca de Goiânia onde é residente e domiciliado”.

Assevera que no ano de 2019 a defesa do paciente requereu ao MM. Juízo da Comarca de Goiânia/GO uma autorização de viagem ao exterior, para a Inglaterra, o que foi deferido. No entanto, em virtude de problemas financeiros, agravados pela situação da pandemia mundial de Covid-19, o paciente restou impossibilitado de retornar ao Brasil. Por tal razão, o Ministério Público Federal requereu a prisão preventiva do acusado, a qual foi decretada pelo Juízo impetrado.

Aduz que, mesmo diante de tal cenário, tem ciência da ação penal pela qual responde e interesse na elucidação dos fatos descritos na denúncia e no comparecimento a todos os atos judiciais do processo. Afirma ainda que o paciente pode ser facilmente contatado por telefone. Tais motivos tornariam injustificada a decretação da prisão em desfavor do paciente.

Consigna que ainda que condenado, ao paciente seria aplicado o regime inicial aberto ou impostas somente penas restritivas de direitos, razão pela qual não se justifica a medida constritiva.

Sustenta que devem ser observadas no presente caso as medidas recomendadas pelo CNJ para prevenção do novo coronavírus no âmbito do sistema de Justiça Penal (Resolução CNJ 62/2020), especialmente quanto às hipóteses de prisão desnecessária. Ressalta que o paciente é enfermo crônico de bronquite e asma, o que o colocaria no grupo de alto risco para Covid-19.

Consigna ser flagrante o constrangimento ilegal, visto que não estão presentes os requisitos da prisão cautelar (seria genérica a motivação apresentada na decisão quanto ao resguardo da ordem pública). Argumenta que a gravidade abstrata do delito e a menção a crimes anteriores, não transitados em julgado, não são fundamentos idôneos para o decreto da prisão preventiva.  

Afirma que o paciente não ostenta maus antecedentes e as condições pessoais, tais como trabalho, família constituída e residência fixa, são favoráveis. Ademais, não irá se furtar à aplicação da lei penal. 

Requer, liminarmente, a revogação da prisão preventiva decretada em desfavor do paciente com a concessão da liberdade provisória sem fiança, expedindo-se o competente alvará de soltura, com salvo conduto. No mérito, pleiteia a concessão definitiva da ordem.

O pedido liminar foi indeferido (ID 143790712).

A autoridade impetrada prestou as informações (ID 144090739).

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 144098711).

É o relatório.

 

 

 

 


HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5027199-86.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: MARIO PANZIERA JUNIOR
PACIENTE: THIAGO ALVES MARTINS

Advogado do(a) PACIENTE: MARIO PANZIERA JUNIOR - MS17767-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE COXIM/MS - 1ª VARA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Consoante se extrai dos autos, o paciente THIAGO ALVES MARTINS foi preso em flagrante em conjunto com João Evangelista Vicente Diniz e Welder Nunes da Cunha, pela suposta prática dos crimes previstos no artigo 334-A do Código Penal e no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 por, em tese, atuar como batedor no contrabando de cigarros de origem estrangeira.

Conforme já fiz constar em decisão proferida no bojo do Habeas corpus nº 5022232-66.2018.4.03.0000, impetrado anteriormente em favor do ora paciente, e como também é possível verificar nos elementos juntados ao presente writ, no dia 18/08/2018, policiais rodoviários federais que estavam de serviço no Posto da PRF de Coxim-MS, receberam informações de que cinco veículos suspeitos haviam saído de uma rodovia vicinal e trafegavam em alta velocidade. Após diligências, alcançaram dois veículos, um Fiat/Doblô e um Zafira, os quais não obedeceram ordem de parada. No entanto, o veículo Doblô, conduzido por Welder Nunes da Cunha, teve pane mecânica e parou. No interior desse veículo foi encontrada grande quantidade de cigarros de origem estrangeira. Já o veículo Zafira, que também estava carregado de cigarros, foi localizado abandonado logo à frente. Em ambos os veículos havia rádios comunicadores configurados na mesma frequência.

Consta, ainda, que, ao retornarem para Coxim/MS, os policiais rodoviários federais encontraram o veículo Fiat/Palio, do qual já suspeitavam de sua condição de “batedor”. Esse veículo era conduzido pelo paciente THIAGO e tinha João Evangelista como passageiro. Diante do nervosismo de ambos durante a abordagem, os policiais fizeram vistoria no veículo e encontraram um rádio comunicador em compartimento oculto.

Inquirido, Welder confessou que havia sido contratado para transportar a carga de cigarros e que havia batedores, cuja comunicação era feita por rádio e celular. THIAGO e João disseram não conhecer Welder, mas admitiram a compra de eletrônicos na região de Ponta Porã/MS, cujas mercadorias estariam em outro veículo. Além disso, disseram desconhecer a existência de rádio comunicador no veículo em que viajavam.

A prisão em flagrante do ora paciente foi homologada em 19/08/2018 e, no dia 20/08/2018, o Juízo impetrado concedeu liberdade provisória mediante a aplicação das seguintes medidas cautelares: (i) monitoração eletrônica por meio de tornozeleira; (ii) comparecimento mensal ao Juízo de seus domicílios, para informar e justificar suas atividades; (iii) comunicação prévia de qualquer mudança de endereço; (iv) fixação de fiança no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 325, inciso II, do Código de Processo Penal. Consta dos autos que THIAGO foi colocado em liberdade no dia 22/08/2018, mediante o pagamento da fiança e monitoração eletrônica por meio de tornozeleira.

No bojo dos autos de origem (processo nº 0000161-79.2018.4.03.6007), a defesa do ora paciente requereu a revogação da medida cautelar de monitoramento eletrônico, pedido que foi indeferido pelo magistrado a quo (ID 144090739).

Perante esta Corte, foi impetrado o writ anteriormente mencionado (HC nº 5022232-66.2018.4.03.0000), também com o fito de revogar a medida cautelar de monitoramento eletrônico, a qual estaria causando constrangimento ilegal ao ora paciente. No entanto, o pedido liminar foi indeferido (em 14/09/2018), e posteriormente, denegada a ordem de Habeas corpus (em 11/10/2018)De acordo com elementos coligidos ao feito, em 20/02/2019, foi realizada a desativação do equipamento de monitoração eletrônica do paciente.   

Conforme consta das informações prestadas pela autoridade coatora, o paciente THIAGO iniciou o cumprimento das medidas cautelares impostas pelo Juízo. Em 09/05/2019, o réu requereu autorização para viajar à Inglaterra, pelo período de 30 (trinta) dias (precisamente de 05/07/2019 a 05/08/2019), com o intuito de visitar o irmão que reside naquele local. O pedido foi deferido pelo Juízo, contudo, conforme certidão juntada aos autos de origem, até o dia 17/10/2019, THIAGO não havia voltado, e sequer foram apresentadas informações sobre a data de retorno.

Saliente-se que, instado a se manifestar por meio de seu defensor em 10/02/2020, o réu, ora paciente, permaneceu silente. Em 28/02/2020, foi expedida carta precatória para citação e intimação de THIAGO ALVES MARTINS, tentativa que restou infrutífera, por estar o réu residindo no exterior.

Com isso, o Ministério Público Federal requereu a decretação da prisão preventiva do paciente, para garantia da aplicação da lei penal pelo descumprimento das medidas cautelares anteriormente aplicadas. Intimada mais uma vez se manifestar, com o intuito de informar o atual paradeiro do réu, a defesa constituída do paciente apresentou resposta à acusação, requerendo, dentre outros pleitos, o indeferimento do pedido de revogação da liberdade provisória, o que não foi acatado. Eis o teor da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente (ID 143461945):

 

“(...). Decido.

O caso comporta revogação da liberdade provisória concedida e novo decreto de prisão preventiva a THIAGO ALVES MARTINS.

Com efeito, a prisão preventiva do autuado foi substituída por medidas cautelares diversas, quais sejam: a) fixação de fiança (sendo para THIAGO, no valor de R$10.000,00 – dez mil reais), b) monitoração eletrônica por meio de tornozeleira; c) comparecimento mensal ao Juízo de seus domicílios; e d) comunicação prévia de qualquer mudança de endereço (ID 19013139, p.12-15).

Ademais, o r. decisum é claro ao dispor: 9. Advirtam-se os autuados que o descumprimento de qualquer das condições impostas poderá ensejar o decreto de prisão preventiva.” (grifo e destaque proposital).

O descumprimento de qualquer das obrigações impostas ao acusado pode ensejar a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 282, §4º, CPP, bem como do art. 312, §1º, ambos do CPP, in verbis:

Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:           (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;           (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.          (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

(...)

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.       (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) 

§ 1º  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Nesse contexto, noticiado o descumprimento da ordem judicial, já que não houve retorno da viagem à Inglaterra, e sequer previsão da volta, resta evidente que houve o descumprimento das medidas cautelares anteriormente fixadas, em especial, de comparecimento mensal ao Juízo de seu domicílio para informar e justificar suas atividades (art. 319, inc. I, do CPP). Além do comparecimento trimestral, deveria o réu comunicar ao Juízo qualquer mudança de endereço. Ainda, a autorização da viagem determinava o retorno em 30 (trinta) dias, o que também não foi cumprido.

A ausência do retorno da viagem previamente autorizada, com descumprimento da medida cautelar de recolhimento domiciliar demonstra claramente o descaso e desprezo do réu com relação às ordens emanadas do Poder Judiciário.

Ademais, não há sequer informação concreta acerca do endereço em que o réu está, apenas informações genéricas prestadas pelo advogado, familiares e terceiros de que estaria na Inglaterra.

Não sendo o réu citado para responder à acusação, necessária se faz a sua intimação por edital (arts. 361 e 363, §1º, ambos do Código Penal). 

Isto porque, muito embora apresentada resposta à acusação pelo advogado constituída em fase inquisitorial (ID 36113426), a procuração que se encontra nos autos (ID 19013525, pág. 25) outorga poderes específicos ao advogado para atuar exclusivamente em fase pré-processual.

Ou seja, em que pese a referência aos poderes da cláusula ad judicia, a procuração acostada aos presentes se refere a fim especial, qual seja, a de promover o “pedido de liberdade provisória/ordem de Habeas Corpus”, o que impede a presunção de que o réu está aqui representado.

Dessa forma, considerando que o réu sequer foi encontrado para ser citado, não é possível presumir que ainda esteja sendo representado pelo causídico Dr. Mario Panziera Júnior (OAB/MS 17.767). A ampla defesa abrange o direito à defesa técnica, que tem como um de seus desdobramentos o direito de escolha do defensor pelo acusado. A supressão deste direito prejudicaria a ampla defesa, garantia que prepondera no interesse geral de um processo justo.

(...)

Dessa forma, a fim de se evitar eventual anulação de futuros atos processuais, DETERMINO a citação por edital do réu THIAGO ALVES MARTINS.

Outrossim, violado o cumprimento das medidas cautelares anteriormente fixadas, verifica-se não haver outra medida cautelar menos gravosa para o caso concreto. Portanto, com fulcro nos arts. 282, §4º, 312, caput e §1º, e 313, I, todos do CPP, DECRETO a PRISÃO PREVENTIVA de THIAGO ALVES MARTINS.  

COMUNIQUE-SE ao Juízo deprecado da 5ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de Goiânia/GO acerca desta decisão.

EXPEÇA-SE o Mandado de Prisão, atentando-se aos termos da Instrução Normativa nº 01 de 2010 da Corregedoria Nacional de Justiça, e registre-se no BNMP, expressamente consignando no texto do mandado que o réu encontra-se foragido no exterior, provavelmente na Inglaterra.

Encaminhe-se cópia autenticada do Mandado de Prisão à Superintendência Regional da Polícia Federal no Mato Grosso do Sul, para gins de sua inclusão da lista de difusão vermelha (red notice) da Interpol.

Sendo efetuada a prisão do acusado no exterior, este Juízo se compromete a enviar a formalização do pedido de extradição, através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, integrante do Ministério da Justiça.

Ciência ao MPF.

Por economia e celeridade processual, cópia desta decisão servirá de OFÍCIO a ser encaminhado para a Carta Precatória nº 24322-65.2018.4.01.3500, ao Juízo deprecado da Vara Criminal da Comarca de Mineiros/GO.

Cumpra-se.”.

 

Diante dos elementos trazidos à análise de mérito, não vislumbro flagrante ilegalidade na decisão que decretou a prisão preventiva do paciente. A decretação da custódia cautelar está pautada em motivação concreta, em observância ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e ao artigo 315 do Código de Processo Penal, bem assim com respaldo na devida análise fática e jurídica, em atenção às disposições legais que regulam o tema.

No presente writ, o impetrante impugna a decisão proferida pelo Juízo impetrado sob a alegação de desnecessidade da medida constritiva em tela, tendo em vista a suficiência de medidas alternativas menos gravosas, bem como de não preenchimento dos requisitos da custódia preventiva.

No entanto, deve-se observar que, no caso em apreço, restou evidente o descumprimento, pelo paciente, das medidas cautelares alternativas à prisão anteriormente aplicadas pela apontada autoridade coatora, bem assim o manifesto risco de que o paciente se furte à aplicação da lei penal, uma vez que, deferida a autorização de viagem com prazo determinado de 30 (trinta) dias, o acusado não só deixou de retornar depois de transcorrido o referido período, como não apresentou dados informativos acerca de sua localização ou pretensão de retorno. Como se vê, há elementos consistentes no sentido de o paciente ter deliberadamente tentado se evadir da responsabilização em ação penal à qual responde em território brasileiro. Ressalte-se, nesse sentido, que até o presente momento não foram apresentadas informações satisfatórias sobre o paradeiro do paciente no exterior.  

Tais circunstâncias evidenciam o risco à aplicação da lei penal que decorreria da desconstituição do decreto de prisão exarado pelo Juízo impetrado, do que deflui o periculum libertatis a ordenar a manutenção da custódia cautelar. Nesse contexto, e diante de atos concretos extraídos dos autos, não são suficientes ao paciente as aventadas condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, exercício de atividade profissional lícita, família constituída e endereço fixo. Frise-se que sequer se tem conhecimento da precisa localização do ora paciente neste momento.    

Do mesmo modo, está presente o fumus comissi delicti, haja vista os elementos que autorizaram o desencadeamento da persecução penal em detrimento do acusado pela prática dos crimes previstos no artigo 334-A, caput, e §1º, I, do Código Penal e artigo 70 da Lei nº 4.117/62, praticados em concurso material. In casu, evidenciam-se os elementos constantes do auto de prisão em flagrante (mormente do auto de apresentação e apreensão da carga de cigarros de origem estrangeira e laudos periciais) e dos depoimentos colhidos em sede de inquérito policial, conforme exposto na inicial acusatória já recebida pelo Juízo impetrado. Os elementos apontam que THIAGO ocupava um dos veículos utilizados como batedores para escoltar outros automóveis, nos quais eram transportadas grandes quantidades de cigarros contrabandeados, todos se comunicando por meio de rádios transportadores clandestinos. Há, portanto, indícios suficientes de materialidade e de autoria delitiva.

Destarte, não há que se falar em manifesto constrangimento ilegal a ser sanado pela presente via. A cautela máxima se justifica no caso em lume, especialmente, para assegurar a aplicação da lei penal, consoante já demonstrado no presente voto, e também para garantir a ordem pública, eis que evidente a gravidade concreta da conduta delitiva, ante a grande quantidade de cigarros de origem estrangeira apreendidos e o modo de execução organizado do crime, valendo-se de batedores e de rádios transmissores para comunicação entre os agentes delitivos. Ressalte-se que o descumprimento das condições impostas demonstra serem insuficientes as medidas cautelares alternativas à prisão aplicadas ao paciente anteriormente, além de autorizar a decretação da prisão preventiva nos moldes do artigo 312, §1º, do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, o precedente do Superior Tribunal de Justiça:

 

"PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO COMPARECIMENTO EM JUÍZO. RISCO DE REITERAÇÃO. CONDENAÇÃO POR CRIME POSTERIOR E DIVERSAS PASSAGENS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. ALEGADO DESCONHECIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES IMPOSTAS. CONDIÇÕES EXPLICADAS NA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, CONSTANTES NO TERMO DE COMPROMISSO E NO ALVARÁ DE SOLTURA. GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça - STJ firmou posicionamento segundo o qual, considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. A custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP. No caso dos autos, a prisão preventiva foi adequadamente motivada pelas instâncias ordinárias, tendo sido demonstrado, com base em elementos concretos, o incontroverso descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão anteriormente impostas, consubstanciado no não comparecimento mensal em Juízo, o que demonstra a inclinação em furtar-se da aplicação da lei penal. Ademais, o Magistrado de primeiro grau asseverou a existência de risco de reiteração delitiva, pois o recorrente foi condenado em razão de crime cometido posteriormente ao que aqui se discute. Outrossim, o Tribunal a quo ressaltou que o recorrente possui registro geral de documento de identidade diverso do que foi apresentado na delegacia, no qual constam diversas passagens por envolvimento em crimes contra o patrimônio, sendo, inclusive, instaurado inquérito policial para apuração do delito de uso de documento falso. Nesse contexto, forçoso concluir que a prisão processual está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, não havendo falar, portanto, em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar a sua revogação. 2. Não há falar em desconhecimento das medidas cautelares impostas, notadamente, o comparecimento mensal em Juízo, pois na audiência de custódia o recorrente tomou ciência de todas as condições estabelecidas pelo Magistrado de primeiro grau, na concessão de liberdade provisória, bem como estas estavam descritas no termo de compromisso assinado pelo recorrente e no alvará de soltura. 3. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.". (RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 119892 2019.03.26018-6, JOEL ILAN PACIORNIK, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 19/12/2019 ..DTPB:.).

 

Sendo assim, tais circunstâncias demonstram ser imperativa a manutenção da medida constritiva de liberdade, eis que presentes os seus pressupostos legais.

Não se sustentam as alegações do impetrante no que tange aos riscos advindos da pandemia de Covid-19, ocasionada pelo novo coronavírus. Para a aplicação da mencionada Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, exige-se a análise acerca do grau de risco da colocação do paciente em liberdade, conjugada com sua potencial inclusão (ou não) em grupos de risco já constatados cientificamente como mais propensos ao desenvolvimento dos sintomas mais graves da doença. Prestigiam-se a saúde e a dignidade humana, nos casos em que há maior risco à vida em relação à média da população.

No caso dos autos, em que pese tenha o impetrante afirmado que o paciente é enfermo crônico de bronquite e asma, o que o colocaria no grupo de alto risco para Covid-19, não foram juntados ao feito documentos e laudos médicos que comprovem ser portador da enfermidade, tampouco apontado o grau de debilidade ocasionado pela doença indicada. Ausente, portanto, demonstração de fator que coloque o paciente em situação de risco superior à média da população.

No mesmo sentido é o parecer do Parquet Federal (ID 144098711):

 

“Em que pese a situação de pandemia em razão da Covid-19, fato público e notório, e o disposto na Recomendação nº 62/2020, a prisão preventiva no caso em tela não deve ser revogada. Também é descabida a concessão de liberdade provisória com imposição de medidas cautelares ou a prisão domiciliar.

O paciente não se encontra nos grupos de risco, não sendo minimamente comprovado, no presente writ, eventual estado de saúde debilitado. A simples alegação de superlotação dos presídios não é o suficiente, sendo necessário a comprovação de casos de infecção no estabelecimento prisional ou a falta de infraestrutura médica, inclusive incapacidade de pronto atendimento ou encaminhamento hospitalar. Por fim, não restou demonstrada qualquer outra hipótese a permitir sua libertação.

Eventual transcurso do lapso temporal de 90 (noventa) dias da prisão preventiva de crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa não implica na revogação da custódia cautelar, uma vez ainda ser necessária a análise das circunstâncias concretas do caso analisado, desde que devidamente comprovadas.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, na decisão que indeferiu habeas corpus da Defensoria Pública da União impetrado em favor de todas as pessoas presas ou que venham a ser presas e que estejam nos grupos de risco do novo coronavírus, ressaltou que os pedidos de liberdade em razão da pandemia “necessitam de averiguação mais profunda pelo Tribunal Regional, que deverá apreciar a argumentação da impetração e as provas juntadas ao habeas corpus no momento adequado” (STJ – HC 570440 (2020/0079174-0) – Decisão Monocrática do Ministro Antônio Saldanha Palheiro – Dje 06/04/2020).

(...)

Ou seja, o simples fato do crime ter sido cometido sem violência ou grave ameaça, não é motivo o suficiente para revogar a prisão preventiva do paciente, sendo necessário mais circunstâncias concretas acerca do perigo de contágio.

Saliente-se que, a rigor, a deliberada colocação de presos em liberdade, poderá, na verdade, agravar o risco de contaminação da pessoa que já se encontra isolada e com acesso imediato as equipes de saúde que atendem os estabelecimentos prisionais.”.  

 

Em relação à alegação de desproporcionalidade da prisão cautelar, ante o argumento de que, em caso de condenação, poderá ocorrer a adoção de penas restritivas de direitos em detrimento de pena privativa de liberdade, cumpre esclarecer que a prisão processual não se confunde com a pena decorrente de sentença penal condenatória, que visa à prevenção, retribuição e ressocialização do apenado. Na verdade, a prisão preventiva constitui providência acautelatória, destinada a assegurar o resultado final do processo-crime. Assim, estando presentes os requisitos autorizadores previstos no diploma processual penal, a prisão cautelar poderá ser decretada, ainda que, em caso de condenação, venha a ser fixado regime de cumprimento menos gravoso ou substituição da pena corporal por restritivas de direitos.

Por derradeiro, no que diz respeito aos argumentos relacionados à responsabilidade penal do paciente, consigne-se que para essa fase processual basta a existência de indícios suficientes de materialidade e de autoria para prosseguimento da ação penal, o que de fato se verifica no caso em apreço.

 

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÕES. DECISÃO FUNDAMENTADA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS CAUTELARES IMPOSTAS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. MANUTENÇÃO DA PRISÃO. COVID-19. ORDEM DENEGADA.

1. O paciente neste habeas corpus foi preso em flagrante, juntamente com outros dois investigados, no dia 18/08/2018, pela suposta prática dos delitos previstos no artigo 334-A do Código Penal e no artigo 183 da Lei 9.472/97 por, em tese, atuar como batedor no contrabando de cigarros de origem estrangeira.

2.  A prisão em flagrante foi homologada e concedida a liberdade provisória ao paciente mediante a aplicação das medidas cautelares de monitoração eletrônica por meio de tornozeleira, comparecimento mensal ao Juízo, comunicação prévia de mudança de endereço e fixação de fiança. Paciente colocado em liberdade e, posteriormente, desativado o equipamento de monitoração eletrônica.

3. Depois de concedida ao réu autorização de viagem ao exterior (Inglaterra) pelo Juízo a quo, pelo prazo de 30 (trinta) dias, o paciente deixou de retornar e de apresentar informações sobre seu paradeiro.     

4. A decretação da prisão preventiva está pautada em motivação concreta, em observância ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e ao artigo 315 do Código de Processo Penal. Evidente o descumprimento das medidas cautelares alternativas à prisão anteriormente aplicadas pela apontada autoridade coatora, bem assim o manifesto risco de que o paciente se furte à aplicação da lei penal.

5. . A cautela máxima se justifica no caso em lume, especialmente, para assegurar a aplicação da lei penal e também para garantir a ordem pública, eis que evidente a gravidade concreta da conduta delitiva.

6. O descumprimento das condições impostas demonstra serem insuficientes as medidas cautelares alternativas à prisão aplicadas ao paciente anteriormente, além de autorizar a decretação da prisão preventiva nos moldes do artigo 312, §1º, do Código de Processo Penal.

7. Não se sustentam as alegações do impetrante no que tange aos riscos advindos da pandemia de Covid-19, ocasionada pelo novo coronavírus. Para a aplicação da Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, exige-se a análise acerca do grau de risco da colocação do paciente em liberdade, conjugada com sua potencial inclusão (ou não) em grupos de risco já constatados cientificamente como mais propensos ao desenvolvimento dos sintomas mais graves da doença. Diante dos elementos trazidos aos autos, não se torna aplicável à hipótese.

8. Ordem denegada.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.