APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001652-40.2013.4.03.6123
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: ALINE DA SILVA CARVALHO CAMARA
Advogado do(a) APELADO: KARINA CIBELE DA SILVA - SP300380
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001652-40.2013.4.03.6123 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: UNIAO FEDERAL APELADO: ALINE DA SILVA CARVALHO CAMARA Advogado do(a) APELADO: KARINA CIBELE DA SILVA - SP300380 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo interno interposto pela União Federal, contra a decisão monocrática prolatada nos seguintes termos: "Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL, nos autos da ação de indenização por danos morais e materiais em virtude de suspensão do pagamento do seguro-desemprego. A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a requerida a pagar à requerente o valor o valor correspondente às duas últimas prestações do seguro-desemprego, a ser apurado em sede de liquidação de sentença, incidindo os índices de correção monetária e juros, estes a partir da citação, previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução 267/2013, bem como a ao pagamento da importância de R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigidos monetariamente desde a data da sentença, nos termos da Súmula º 362- STJ e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso- data de vencimento da penúltima prestação do aludido benefício, nos termos da Súmula 54 do STJ. Diante da sucumbência mínima da requerente, condenação da União em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Custas na forma da lei. Sentença não sujeita ao reexame necessário, nos termos do artigo 475, § 2º, do Código de processo Civil, (ID. 108328383). Apelação da UNIÃO FEDERAL postulando pela reforma da sentença, ao argumento de que não está configurado ato omissivo ou comissivo do Estado que tenha configurado ato ilícito indenizável, nem tampouco, relação de causa e efeito entre as ações do ente federal e o suposto dano causado à autora. Aduz que agiu com acerto ao suspender o pagamento das parcelas do seguro-desemprego por constatar irregularidades no cadastro, ou seja, dentro da estrita legalidade. Destaca que os dados errôneos inseridos no cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego são preenchidos pelas empresas sendo que eventual ilícito é imputável à empresa que lançou erroneamente os dados, bem como à Caixa Econômica Federal, responsável pela criação e alteração do PIS, (ID. 108328383). Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte. É o relatório. Decido. De início, cumpre explicitar que o art. 932, IV e V do CPC de 2015 confere poderes ao Relator para, monocraticamente, negar e dar provimento a recursos. Ademais, é importante clarificar que, apesar de as alíneas dos referidos dispositivos elencarem hipóteses em que o Relator pode exercer esse poder, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: "Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas."("Curso de Processo Civil", 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544). Nessa linha, o STJ, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, aprovou a Súmula 568 com o seguinte teor: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". Veja-se que a expressão entendimento dominante aponta para a não taxatividade do rol em comento. Além disso, uma vez que a decisão singular do relator é recorrível por meio de agravo interno (art. 1.021, caput, CPC/15), não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser provocada a se manifestar por meio do referido recurso. Nesse sentido: "PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). APOSENTADORIA ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 932 DO CPC PERMITIDA. TERMO INICIAL FIXADO NA DATA DA CITAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA COM LAUDO JUDICIAL. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. - O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação. - O termo inicial do benefício foi fixado na data da citação, tendo em vista que a especialidade da atividade foi comprovada através do laudo técnico judicial, não havendo razão para a insurgência da Autarquia Federal. - Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal. - Agravo improvido." (ApReeNec 00248207820164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017). Assim, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V do Código de Processo Civil de 2015. Cinge-se a controvérsia na verificação de ocorrência da responsabilidade civil do Estado pelos danos morais e materiais, decorrentes da suspensão do pagamento de seguro-desemprego, mesmo após a correção das irregularidades do cadastro do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Responsabilidade Civil do Estado Está consagrado no direito brasileiro de que a responsabilidade Civil do Estado é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal e se baseia na teoria do risco administrativo, com exigência da ocorrência de dano, de uma ação administrativa, e o nexo causal entre ambos. Há, ainda, a possibilidade de se verificar a culpa da vítima, quando poderá haver abrandamento ou mesmo exclusão da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. Todavia, tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil do Estado, como regra geral, é subjetiva, e se baseia na teoria da culpa administrativa, na qual deve ser comprovada, (por quem sofreu a lesão), a falta ou a deficiência de um serviço público, o qual o Estado estava obrigado, o dano e o nexo de causalidade entre a omissão havida e o dano sofrido. Na teoria da culpa administrativa deve ser comprovada a ocorrência de uma falha na prestação de um serviço público, consoante a expressão consagrada pelo direito administrativo francês “faute de service”, em que deve ser verificada se a falta ou a prestação defeituosa ou retardamento de um serviço público acarretou prejuízo a terceiros. Nesta teoria da culpa administrativa a responsabilidade civil do Estado é subjetiva, ou seja, exige-se a ocorrência do dolo ou culpa, (esta, numa das três vertentes: negligência, imprudência ou imperícia), que, no entanto, não precisam estar individualizadas, porquanto a culpa pode ser atribuída ao serviço público de forma genérica, ou seja, pela “falta do serviço”, oriunda da “faute de service” do direito francês. Entretanto, o poder público, em face de sua omissão, poderá também responder objetivamente, isto ocorre quando o Estado está na posição de garante, ou seja, quando tem o dever legal de assegurar a integridade de pessoas ou coisas que estejam sob sua guarda, proteção direta ou custódia, sendo o caso de aplicação da “teoria do risco administrativo”, conforme explicitado anteriormente, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal, mesmo sem haver atuação dos agentes estatais, porque a omissão, neste caso, se iguala a uma conduta comissiva. Danos morais O direito à indenização por dano material, moral ou à imagem encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, assegurado no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, verbis: "Art. 5º. (...) ... V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; ... X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)". Outrossim, o dano moral, segundo Orlando Gomes, é o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial, não refletindo no campo econômico, mas causa sofrimento profundo, tais como mágoa, desgosto, desonra, vergonha. Nesse sentido, a visão que prevalece na doutrina é o conceito de danos morais com base na afronta aos direitos da personalidade. Suspensão das parcelas de Seguro-desemprego O seguro-desemprego é benefício de natureza previdenciária, criado pelo Decreto-Lei nº 2.283/86, republicado pelo Decreto-Lei nº 2.284/86, como uma das medidas integrantes do chamado Plano Cruzado. Promulgada a Constituição Federal, foi inserido em seu artigo 7º, inciso II, que o elevou à categoria de direito fundamental social daqueles trabalhadores levados a uma situação de desemprego involuntário. Posteriormente, foi regulamentado pela Lei nº 7.998/90, que o manteve com a função de auxiliar financeira e temporariamente "ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa" (art. 2º, inciso I, primeira parte), bem como, por advento da Lei 10.608/02, "ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo" (art. 2º, inciso I, segunda parte, c/c art. 2º-C). Com base nas citadas normas (art. 30 do Decreto-Lei nº 2.284/86 e art. 3º, § 2º, da Lei nº 7998/90) coube à União, por intermédio do Ministério do Trabalho, instituir o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, bem como o CODEFAT, órgão colegiado, de caráter tripartite e paritário, composto por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo, que atua como gestor do FAT. Referidas entidades, assim, são responsáveis pela regulamentação, gestão, fiscalização e pagamento de tais benefícios. No caso dos autos a documentação juntada pela autora, especificamente o “Relatório Situação do Requerimento Formal”, mostra dois vínculos empregatícios junto ao Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, (em divergência com o verdadeiro vínculo, constante de sua Carteira de Trabalho – CTPS), com a utilização de seus dados, mas com número de PIS divergente de seu original. Tal procedimento ocasionou a inserção indevida de seu nome na RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e no CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), sistemas utilizados pelo MTE para verificação dos cidadãos beneficiários do seguro-desemprego. Em consequência, seu benefício previdenciário que já estava sendo pago, foi suspenso, sob a ocorrência de “reemprego” e “restituição”, porquanto o sistema entende que o beneficiário não faz jus ao benefício em razão do vínculo de emprego. Em contestação a apelante juntou o Ofício 01/2014 do SETEM da GRT de Jundiaí e novo Relatório de Situação do Requerimento Formal, dando conta de que a situação registrada como “reemprego” e como “restituição” já havia sido retirada do sistema, após recurso administrativo protocolado pela autora. No entanto, o Ministério do Trabalho e Emprego manteve a suspensão do benefício, o que não se pode admitir, porquanto a situação já fora regularizada via recurso administrativo, sendo certo que o número do PIS da autora sempre foi o de nº 13011030234, (ID. 1083283863 – fls. 29, 60/62). Desta forma, após a regularização da ocorrência do “reemprego” e da “restituição”, não há razões para que o Ministério do Trabalho e Emprego mantenha a suspensão do pagamento das parcelas do referido benefício, de modo que como gestor operacional do seguro-desemprego, remanesce sua responsabilidade pela indenização do prejuízo causado à autora consistentes na indenização material relativas às duas últimas parcelas do seguro. Destarte, não há, no caso específico dos autos, de se responsabilizar a Caixa Econômica Federal – CEF ou as “supostas empresas”, porquanto, mesmo após a correção das irregularidades do cadastro e do Sistema Rais e CAGED, o Ministério do Trabalho e Emprego continuou a negar o pagamento das duas ultimas prestações. Com relação ao dano moral, não há dúvidas de que está comprovado nos autos, eis que a autora sofreu abalo de ordem psíquica em sua personalidade ao estar em situação de desemprego e sem a verba alimentar, imprescindível à sobrevivência mínima, havendo, portanto, o dever da ré em repará-lo, sendo que nestes casos o dano moral é in re ipsa, no qual a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido capaz de ensejar a indenização. Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos. Nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios devidos pela apelante em 1% (um por cento), sobre o valor da condenação. Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação supra, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição, com majoração dos honorários advocatícios em 1% (um por cento), sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 11 do CPC. Publique-se e intimem-se. Após o trânsito em julgado e ultimadas as providências necessárias, baixem os autos à Vara de origem, observadas as formalidades legais. São Paulo, 21 de maio de 2020." A parte agravada não apresentou contrarrazões. É o relatório do essencial.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001652-40.2013.4.03.6123 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: UNIAO FEDERAL APELADO: ALINE DA SILVA CARVALHO CAMARA Advogado do(a) APELADO: KARINA CIBELE DA SILVA - SP300380 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. Ressalto que a vedação insculpida no art. 1.021, §3º do CPC/15 contrapõe-se ao dever processual estabelecido no §1º do mesmo dispositivo, que determina: Art. 1.021. (...) § 1o Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada. Assim, se a parte agravante apenas reitera os argumentos ofertados na peça anterior, sem atacar com objetividade e clareza os pontos trazidos na decisão que ora se objurga, com fundamentos novos e capazes de infirmar a conclusão ali manifestada, decerto não há que se falar em dever do julgador de trazer novéis razões para rebater alegações genéricas ou repetidas, que já foram amplamente discutidas. Diante do exposto, voto por negar provimento ao agravo interno. É como voto.
E M E N T A
AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO. ART. 1.021, § 3º DO NCPC. REITERAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
- A vedação insculpida no art. 1.021, §3º do CPC/15 contrapõe-se ao dever processual estabelecido no §1º do mesmo dispositivo.
- Se a parte agravante apenas reitera os argumentos ofertados na peça anterior, sem atacar com objetividade e clareza os pontos trazidos na decisão que ora se objurga, com fundamentos novos e capazes de infirmar a conclusão ali manifestada, decerto não há que se falar em dever do julgador de trazer novéis razões para rebater alegações genéricas ou repetidas, que já foram amplamente discutidas.
- Agravo interno desprovido.