Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006155-78.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS DA 2 REGIAO

APELADO: CONSTRUTORA TENDA S/A

Advogado do(a) APELADO: MARTA CRISTINA DE FARIA ALVES - RJ150162-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006155-78.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS DA 2 REGIAO

APELADO: CONSTRUTORA TENDA S/A

Advogado do(a) APELADO: MARTA CRISTINA DE FARIA ALVES - RJ150162-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença que, em ação ordinária, julgou procedente o pedido para anular o auto de infração 2017/005114 e, consequentemente, a multa aplicada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis – CRECI, fixada verba honorária de cinco mil reais, nos termos do artigo 85, § 8º, do CPC.

Apelou o CRECI, alegando que: (1) a sentença esvazia o poder de polícia do órgão de fiscalização profissional, que “pode e deve penalizar os corretores devidamente qualificados e estagiários inscritos em seu quadro, bem como aqueles profissionais que atuam a sorrelfa da lei sem as qualificações mínimas exigidas para o desempenho de tal função, bem como as pessoas físicas ou jurídicas regularmente inscritas nesse Conselho que facilitam por qualquer meio o exercício ilegal da profissão de corretores de imóveis aos impedidos ou não inscritos; (2) a causa deve ser dirimida à luz do princípio da separação dos poderes, restringindo-se ao exame da legalidade e conformidade com devido processo legal, contraditório e ampla defesa, estritamente observados na fiscalização e respectiva autuação; (3) não foram consideradas as provas carradas aos autos, sobretudo à contestação; (4) a empresa é inscrita perante o conselho apelante, e o responsável técnico registrado é próprio diretor da pessoa jurídica, sendo, pois, válida a fiscalização realizada; (5) “tem se mostrado firme no cumprimento de sua obrigação institucional de fiscalização, em razão do elevado número de constatações de irregularidades no exercício da profissão (ex vi., ficha cadastral da Apelada)”; (6) a atividade imobiliária realizada por pessoas jurídicas, invade atribuições privativas do profissional corretor de imóveis (artigos 3º da Lei 6.530/1978 e 3º, parágrafo único, do Decreto 81.871/1978); (7) o Código Civil disciplina o contrato de corretagem e da relação entre as partes de forma geral sem prejuízo da legislação especial existente (artigo 729); (8) “pouco importa se a venda diga respeito a imóvel próprio ou de terceiros: se operacionalizada por pessoa jurídica contratada, devidamente habilitada, e dirigida a venda ao público, o atendimento deverá ser operacionalizado por corretor de imóveis, inscrito”; (9) uma situação é o proprietário vender diretamente imóvel próprio, sem assistência de corretor de imóveis, “diferentemente, porém, é o caso de uma empresa que tenha na venda de vários imóveis próprios um ramo de atividade econômica, sendo que, para atrair compradores, faz anúncios na mídia e lançamentos em estandes de vendas, precisando de terceiros para operacionalizar e comandar os negócios”; (10) não se confunde um corretor de imóveis com um simples vendedor de imóveis; e (11) “a empresa Tenda S/A. não estava negociando diretamente seus imóveis. Seus sócios ou diretores não estavam presentes ao plantão de vendas, tampouco comprovou ou demonstrou estar seus vendedores munidos de poderes de representação na espécie. Na verdade, ao invés de contratar uma empresa do ramo imobiliário, ou corretores de imóveis devidamente habilitados (inscritos neste Conselho), a Apelada pretende perpetuar patente manobra para burlar a lei, como se nome jurídico fosse capaz de transmudar a essência da atividade comercial desenvolvida”.

Houve contrarrazões, com preliminar de intempestividade do recurso.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006155-78.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS DA 2 REGIAO

APELADO: CONSTRUTORA TENDA S/A

Advogado do(a) APELADO: MARTA CRISTINA DE FARIA ALVES - RJ150162-A

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, rejeita-se a preliminar de intempestividade da apelação, arguida em contrarrazões, pois conforme informações do sistema PJE1, foi registrada a ciência da sentença por ambas as partes em 04/05/2020 e, considerando o prazo recursal da autarquia de trinta dias úteis, o próprio sistema acusou 17/06/2020 como data limite para manifestação, pelo que tempestivo o recurso interposto.

No mérito, consolidado o entendimento de que a Lei 6530/1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis e disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização, não confere poderes para que o CRECI aplique multas ou quaisquer outras sanções a pessoas não inscritas nos quadros do conselho profissional.

Senão vejamos:


 
"Art. 5º. O Conselho Federal e os Conselhos Regionais são órgãos de disciplina e fiscalização do exercício da profissão de Corretor de Imóveis, constituídos em autarquia, dotada de personalidade jurídica de direito público, vinculada ao Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, operacional e financeira.
Art 6º As pessoas jurídicas inscritas no Conselho Regional de Corretores de Imóveis sujeitam-se aos mesmos deveres e têm os mesmos direitos das pessoas físicas nele inscritas.

(...)

Art. 21. Compete ao Conselho Regional aplicar aos Corretores de Imóveis e pessoas jurídicas as seguintes sanções disciplinares;

(...)

III - multa;"

 

Como se observa, apesar de ser atribuição do conselho a fiscalização e a autuação de irregularidades, inexiste previsão legal que o possibilite aplicar multas em face de terceiros que não sejam corretores de imóveis ou pessoas jurídicas regularmente inscritos nos quadros do conselho profissional.

No caso, consta dos autos que a autora é inscrita no CRECI/SP (IDs 136947769 e 136947892), portanto, o cerne da questão diz respeito ao enquadramento da atividade exercida pela autora dentre aquelas privativas do corretor de imóveis.

Nesse passo, dispõe a Lei 6.530/80:

 

"Art. 3º Compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária.

Parágrafo único: As atribuições constantes deste artigo poderão ser exercidas, também, por pessoa jurídica inscrita nos termos desta lei.".

 

Assim, a atividade de corretor de imóveis abrange a intermediação das operações de compra, venda, permuta e locação de imóveis, não estando inserido nela a figura do proprietário, pessoa física ou jurídica, que comercializa ou loca os seus próprios imóveis.

Na espécie, a empresa foi autuada pelo conselho apelante, em 09/05/2017, “por acumpliciar-se aos que exercem ilegalmente atividade de transações imobiliárias” (auto de constatação 2017/074183 e auto de infração 2017/005114 – ID 136947746), ou como descreveu a própria inicial, “facilitação do exercício irregular da profissão” (ID 136947745, f. 2).

Consta do estatuto social que a atividade-básica exercida pela empresa é a de “(i) execução de obras de construção civil, (ii) promoção, participação, administração ou produção de empreendimentos imobiliários de qualquer natureza, incluindo incorporação e loteamento de imóveis próprios ou de terceiros; (iii) aquisição e alienação de imóveis, prontos ou a construir, residenciais ou comerciais, terrenos e frações ideais vinculadas ou não a unidades futuras; (iv) prestação de serviços; (v) intermediação da comercialização de quotas de consórcio; (vi) locação de imóveis próprios e (vii) participação em outras sociedades, no Brasil ou no exterior” (grifamos - ID 136947768, f. 33).

O comprovante de inscrição e de situação cadastral da autora no CNPJ aponta como atividade econômica principal a “construção de edifícios”, e como atividades econômicas secundárias “promoção de vendas; incorporação de empreendimentos imobiliários; administração de obras; corretagem na compra e venda e avaliação de imóveis; outras obras de engenharia civil não especificadas anteriormente; atividades de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários; aluguel de imóveis próprios; outras sociedades de participação, exceto holdings” (ID 136947893).

Como se observa, embora o estatuto social e a inscrição no CNPJ sejam, de fato, genéricos e abrangentes, sem especificar que tais operações sejam exclusivamente de bens próprios, o apelante não questiona que as vendas realizadas pela construtora-autora sejam de imóveis próprios, reconhecendo, ao contrário, que a empresa tem na venda de vários imóveis próprios o ramo de atividade econômica.

Tal conclusão é compatível, de resto, com o tipo de atividade desenvolvida pela autora, enquanto construtora, em termos de negociação de imóveis próprios, construídos ou em construção, diretamente ao consumidor, não constando do auto de infração a descrição de que a empresa estivesse a promover como intermediária a negociação imobiliária entre proprietário e adquirente, para caracterizar, assim, a prática de ato privativo de corretor de imóveis, com exigência de registro da empresa e contratação de profissional devidamente inscrito no CRECI. 

A presunção de legitimidade do ato administrativo é decorrência do cumprimento da legislação, o que não ocorre se o auto de infração não descreve prática específica e concreta capaz de enquadrar a conduta na tipicidade administrativa em questão com violação do bem jurídico tutelado. 

Importa registrar, neste sentido, que é firme a jurisprudência da Corte em dispensar a atuação de corretores de imóveis inscritos no CRECI quando as operações da empresa limitam-se a imóveis próprios:

 

AC 00109217520134036100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 15/05/2015: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS. EMPRESA QUE VENDE IMÓVEIS PRÓPRIOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. INSCRIÇÃO NO CRECI. INEXIBILIDADE. LEI 6530/78. RECURSO DESPROVIDO. 1. Manifestamente infundada a alegação de ilegitimidade passiva, tendo como objeto a prática de infração à legislação profissional, cuja fiscalização cabe à apelante, tendo sido imposta multa equivalente a 6 anuidades, em favor da mesma, assim demonstrando a respectiva legitimidade e interesse processual no feito, independentemente da atuação eventual do COFECI, na revisão do auto de infração. 2. Nos termos do artigo 3º da Lei nº 6.530/80, a atividade de corretor de imóveis compreende a intermediação das operações de compra, venda, permuta e locação de imóveis, não estando inserido nela a figura do proprietário que comercializa ou loca os seus próprios imóveis, como ocorre no caso da apelada. 3. Caso em que, ao contrário do que alega o apelante, o cancelamento independe de qualquer outra comprovação que não a alteração do respectivo contrato social. No caso, não se trata de alteração de objeto social no contrato, porém a intermediação nunca fez parte do objeto social disposto no estatuto social da autora. Saliente-se que a própria assessoria jurídica da apelante concluiu pela não obrigatoriedade de registro da apelada. 4. Agravo inominado desprovido." (g.n.)

 

ApCiv 0015364-98.2015.4.03.6100, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e - DJF3 de 12/05/2020: “ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONSELHO PROFISSIONAL. CRECI. INCORPORADORA. ATIVIDADE PREPONDERANTE. INSCRIÇÃO. DESNECESSIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do artigo 1º da Lei 6.839/80: Art.1º - O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros. 2. Quanto ao tema, a jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a obrigatoriedade de registro nos conselhos profissionais e a contratação de profissional específico é determinada pela atividade básica ou pela natureza dos serviços prestados pela empresa. 3. O artigo 3º da Lei nº 6.530/78, que regula o exercício da profissão de corretor de imóveis, descreve as atividades de competência privativa desses profissionais: Art 3º. Compete ao Corretor de imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária. Parágrafo único. As atribuições constantes deste artigo poderão ser exercidas, também, por pessoa jurídica inscrita nos termos desta lei. 4. Como se pode ver, o corretor de imóveis atua na intermediação da compra e venda, permuta e locação de bens de terceiros. 5. O objeto social da autora, ora apelada, é a administração de bens e direitos próprios e de terceiros; exploração de empreendimentos imobiliários, incorporação e comercialização de unidades imobiliárias; e participação em outras sociedades, como acionista ou quotista ou associada (ID 107778628). Segundo consta do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ, a atividade econômica principal da apelada é a compra e venda de imóveis próprios (fl. 105). Ademais, a prova pericial constatou que de fato a autora somente comercializa lotes próprios. 6. O fato de não haver notícia nos autos acerca do registro da apelada perante outro conselho profissional não lhe obriga a proceder ao registro junto ao CRECI, mormente quando a atividade básica que exerce não condiz com o objeto de fiscalização do apelante. 7. Apelação desprovida.” (g.n.)

 

Os honorários advocatícios, pela sucumbência em instância recursal, considerando o grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido de atuação nesta fase do processo, devem ser fixados, nos termos do artigo 85, §§ 2º, 8º e 11, CPC, em juízo de equidade, no montante adicional de R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser acrescido ao fixado na sentença. 

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

 



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMÓVEIS. CONSTRUTORA. VENDA DE IMÓVEIS PRÓPRIOS. INSCRIÇÃO NO CRECI. ATUAÇÃO DE CORRETORES DE IMÓVEIS DEVIDAMENTE CADASTRADOS. DESNECESSIDADE.

1. Rejeitada a preliminar de intempestividade da apelação, arguida em contrarrazões, pois conforme informações do sistema PJE1, foi registrada a ciência da sentença por ambas as partes em 04/05/2020 e, considerando o prazo recursal da autarquia de trinta dias úteis, o próprio sistema acusou 17/06/2020 como data limite para manifestação, pelo que tempestivo o recurso interposto.

2. Consta dos autos que a autora é inscrita no CRECI/SP, portanto, o cerne da questão diz respeito ao enquadramento da atividade exercida pela autora dentre aquelas privativas do corretor de imóveis.

3. A atividade de corretor de imóveis compreende a intermediação de operações de compra, venda, permuta e locação de imóveis, não se sujeitando ao registro obrigatório no CRECI o proprietário, pessoa física ou jurídica, que comercializa ou loca os próprios imóveis, sem prestação de serviços de corretagem a terceiro (artigo 3º da Lei 6.530/1978).

4. Embora o estatuto social e a inscrição no CNPJ sejam, de fato, genéricos e abrangentes, sem especificar que tais operações sejam exclusivamente de bens próprios, o apelante não questiona que as vendas realizadas pela construtora-autora sejam de imóveis próprios, reconhecendo, ao contrário, que a empresa tem na venda de vários imóveis próprios o ramo de atividade econômica.

5. Tal conclusão é compatível, de resto, com o tipo de atividade desenvolvida pela autora, enquanto construtora, em termos de negociação de imóveis próprios, construídos ou em construção, diretamente ao consumidor, não constando do auto de infração a descrição de que a empresa estivesse a promover como intermediária a negociação imobiliária entre proprietário e adquirente, para caracterizar, assim, a prática de ato privativo de corretor de imóveis, com exigência de registro da empresa e contratação de profissional devidamente inscrito no CRECI. 

6. A presunção de legitimidade do ato administrativo é decorrência do cumprimento da legislação, o que não ocorre se o auto de infração não descreve prática específica e concreta capaz de enquadrar a conduta na tipicidade administrativa em questão com violação do bem jurídico tutelado. 

7. Fixada verba honorária pelo trabalho adicional em grau recursal, em observância ao comando e critérios do artigo 85, §§ 2º, 8º e 11, do Código de Processo Civil.

8. Apelação desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.