Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015492-69.2007.4.03.6110

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA REGINA VALENCA - SP269627

APELADO: HELENA BOITCHENCO, MIOKO BOITCHENCO

Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N

OUTROS PARTICIPANTES:

SUCEDIDO: MIOKO BOITCHENCO
 

ADVOGADO do(a) SUCEDIDO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015492-69.2007.4.03.6110

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: UNIAO FEDERAL, FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA REGINA VALENCA - SP269627

APELADO: HELENA BOITCHENCO, MIOKO BOITCHENCO

Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N

OUTROS PARTICIPANTES:

SUCEDIDO: MIOKO BOITCHENCO
 

ADVOGADO do(a) SUCEDIDO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Tratam-se de apelações interpostas pelo Estado de São Paulo e pela União Federal e recurso adesivo interposto por Helena e espólio de Mioko Boitchenco em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar a União e a Fazenda do Estado de São Paulo a indenizar os herdeiros da parte autora, ora recorrentes, devidamente habilitados nestes autos, por danos morais, no valor de R$ 90.000,00, a ser rateado proporcionalmente aos réus.

A presente ação de indenização foi, inicialmente, proposta por Mioko Boitechenco e Helena Boitchenco em face da União Federal e do Estado de São Paulo objetivando a condenação das requeridas ao pagamento da reparação civil por danos materiais, no patamar de R$ 900.000,00, e danos morais, na cifra de R$ 500.000,00 à primeira autora, e de R$ 300.000,00, à segunda demandante.

Narra a inicial que o falecido, Sr. Miguel Boitchenco, filho e irmão, respectivamente, das autoras, veio a óbito em 30/10/1980, em virtude de atos de perseguição, tortura e prisão perpetrados pelos militares, com cunho exclusivamente político, a partir do qual o obrigava a prestar informações das quais não tinha conhecimento (doc. 04/09).

Aduzem que o falecido foi demitido abrupta e arbitrariamente de seu cargo de escriturário que ocupava no DER/SP em outubro de 1967, sob o manto do art. 1º, §7º do temido e malfadado Ato Institucional, de 09 de abril de 1964, sendo taxado de comunista e subversivo, cuja qualificação não lhe garantiu sequer o direito à ampla defesa e ao contraditório, conforme se comprova da inclusa Certidão emitida pela ABIN - Doe. 10/12.

Relatam que a demissão acarretou perdas financeiras e a impossibilidade de sustento de sua família, na medida em que o rótulo de subversivo e a notoriedade dos acontecimentos implicou na negativa de oportunidade de um novo emprego naquela cidade. Por esse motivo, sustentam que o falecido se mudou para a capital do Estado de São Paulo e, após anos de perseguição política, foi encontrado morto em seu apartamento, sem se saber a causa da morte, conforme consta das informações do médico legista.

Alegam que tais fatos desencadearam transtornos psicológicos e patologias à genitora e à irmã do de cujus (Alzheimer e mal de Parkinson, na primeira autora, e Síndrome do Pânico, na segunda demandante), devido a traumas e pânicos ocasionados pela constante perseguição política. Juntou atestados médicos que dão conta do tratamento por elas submetidas.

Pleiteiam a declaração da condição de anistiado político do de cujus e indenização por danos morais e materiais.

Foi deferido os benefícios da justiça gratuita (fl. 52, ID 137860921).

O feito foi, originariamente, distribuído ao juízo federal que declinou da competência, determinando a remessa do feito para a Justiça Estadual da Comarca de Itapetininga (fls. 108/109, ID 137860921).

Redistribuído o feito e providenciado o regular prosseguimento, sobreveio sentença proferida pelo juízo estadual, que extinguiu o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV do CPC/73, reconhecendo a ocorrência da prescrição (fls. 199/202, ID 137860921). Foi interposto recurso de apelação pela parte autora e o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela incompetência absoluta do juízo a quo para julgar a demanda, anulando a r. sentença, e determinou que a magistrada suscitasse o pertinente conflito de competência negativo, tendo em vista a precedente decisão do juízo federal (fls. 26/36, ID 137860922).

Suscitado o conflito de competência, o STJ declarou competente para julgar a presente demanda o juízo federal da Subseção de Sorocaba (Telegrama de fl. 79/82, ID 137860922).

Redistribuído o processo à Justiça Comum Federal, devidamente instruído e regularmente processado o feito, sobreveio sentença (fls. 165/180, ID 137860922), que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar a União e a Fazenda do Estado de São Paulo a indenizar os herdeiros da parte autora, por danos morais, no valor de R$ 90.000,00, a ser rateado proporcionalmente pelos réus. Deixou de condenar os demandados ao pagamento de indenização por danos materiais. Diante da sucumbência recíproca, condenou a parte autora ao pagamento de custas proporcionais e honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, §3º do CPC/15, quedando-se suspensa em virtude do deferimento da gratuidade de justiça. De outro lado, deixou de condenar a parte ré ao pagamento de custas, por isenção legal, mas condenou-a ao pagamento de honorários, fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, §3º do CPC/15.

Irresignada, apela a Fazenda do Estado de São Paulo, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva do recorrente, a ilegitimidade passiva da parte autora quanto aos danos materiais e a ocorrência da prescrição quinquenal, prevista no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932.

No mérito, aduz que:

a) não há como se atribuir a responsabilidade civil pela morte do Sr. Miguel aos militares do Estado de São Paulo, seja porque restaram ausentes os indícios de participação dos agentes públicos estaduais quanto aos atos de perseguição políticas narrados na exordial, seja porque os militares eram subordinados ao exército da União;

b) a ausência de provas de que a prisão e a demissão do falecido foram ilegais ou indevidas, e que o falecido foi submetido à tortura;

c) a inexistência de provas de que o dano moral foi ocasionado como resultado dos atos de tortura;

d) a irretroatividade do art. 5º, X da CF/88 para alcançar fatos ocorridos durante o regime militar;

e) a aplicabilidade do art. 8º do ADCT somente enseja a possibilidade de indenização pelos materiais sofridos antes da promulgação da atual Constituição Federal;

f) aplicação da teoria da supressio no presente caso, ante a inviabilidade do exercício de um direito pela ausência da realização desta faculdade, de acordo com as respectivas normas jurídicas, durante um determinado lapso de tempo, por contrariedade ao princípio da boa-fé.

Requer a reforma da r. sentença para que sejam acolhidas as preliminares apontadas nas razões recursais, extinguindo o feito sem resolução do mérito. Subsidiariamente, requer seja a presente ação julgada improcedente com a condenação das autoras nas verbas sucumbenciais ou o reajuste do valor indenizatório, para se evitar o enriquecimento sem causa.

Em suas razões recursais, a União Federal sustenta, como preliminar, a ocorrência da prescrição quinquenal, a ilegitimidade passiva do ente público federal e a ausência do interesse de agir da parte autora diante do não exaurimento da instância administrativa para declaração da condição de anistiado político do falecido Sr. Miguel e da obtenção da respectiva reparação econômica.

No mérito, aduz ser indevida a reparação econômica aos autores, tendo em vista a ausência de comprovação da motivação exclusivamente política, condição prevista no art. 2º da Lei de Anistia, a qual somente seria possível se aferir mediante regular procedimento administrativo, com a realização de diligências junto aos órgãos oficiais competentes. Além disso, a concessão deste benefício por meio de decisão judicial enseja a ingerência indevida do Poder Judiciário no mérito dos atos, eminentemente, administrativos, com clara violação ao princípio da separação dos poderes.

Sustenta que não restou evidenciado a culpa ou o dolo do agente público em relação ao dano moral causado à vítima, assim como a existência de violação a bens imateriais. Argumenta que o ônus da prova recai sobre a parte autora, nos termos do art. 373, I do CPC, e que não restou demonstrado nos autos os requisitos ensejadores da responsabilidade civil da União por atos comissivos.

Requer a reforma da sentença para extinguir o feito, sem resolução do mérito, em razão da ilegitimidade passiva da União. Subsidiariamente, requer a declaração da prescrição quinquenal ou a redução do quantum fixado a título de indenização por danos morais.

Contrarrazões da parte autora (ID 137860922).

Por sua vez, apelou, de forma adesiva, a parte autora Helena e espólio de Mioko Boitchenco, devidamente habilitado nestes autos, pugnando pela majoração do valor fixado a título de danos morais. Pleiteou, ainda, condenação da parte ré em honorários advocatícios e ao pagamento de danos materiais, equivalentes aos salários de escriturário do anistiado no DER/SP e suas devidas gratificações, promoções e evolução na carreira, até que completasse 70 (setenta) anos, cuja soma estima-se em R$ 900.000,00, a ser corrigido monetariamente, a contar da data do vencimento de cada parcela e juros legais, a partir do ajuizamento desta ação até o seu efetivo pagamento.

Com contrarrazões ((ID 137860922), subiram os autos a esta Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015492-69.2007.4.03.6110

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: UNIAO FEDERAL, FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA REGINA VALENCA - SP269627

APELADO: HELENA BOITCHENCO, MIOKO BOITCHENCO

Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N
Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N

OUTROS PARTICIPANTES:

SUCEDIDO: MIOKO BOITCHENCO
 

ADVOGADO do(a) SUCEDIDO: HENRIQUE AYRES SALEM MONTEIRO - SP191283-N

 

 

 

V O T O

 

 

 

O cerne da controvérsia versa sobre as seguintes matérias: a) preliminarmente, se restou configurada prescrição e/ou a ausência das condições da ação, quais sejam, o interesse de agir da parte autora e a legitimidade passiva do Estado de São Paulo e da União Federal; b) no mérito, questiona-se a possibilidade de reconhecimento da condição de anistiado na via judicial; e, c) a possibilidade de configuração dos danos morais e materiais suportados pela parte autora em decorrência dos atos de perseguição política perpetrados durante o regime militar de exceção.

Antes de se proceder ao exame do mérito, impõe-se a apreciação das objeções processuais destacadas pelas demandadas.

1. DAS PRELIMINARES:

1.1. DA PRESCRIÇÃO:

Com efeito, a prescrição pressupõe um direito não exercido dentro de certo lapso temporal, tendo como consequência a extinção da ação, com resolução do mérito, tratando-se, pois, de legítima exceção de direito material.

No conceito clássico de Clóvis Beviláqua "prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo" (in, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado, ed. histórica, Editora Rio, 7a. t. da ed. de 1940, vol. I, p. 435).

Por sua vez, assinala Sílvio Rodrigues que: "a) a inércia do credor, ante a violação de um direito seu; b) por um período de tempo fixado na lei; c) conduz à perda da ação de que todo o direito vem munido, de modo a privá-lo de qualquer capacidade defensiva" (in Direito Civil, vol. I, Saraiva, São Paulo, 16a. ed., 1986, p. 340/341).

Conforme preceitos doutrinários, o elemento temporal, cujo período é fixado em lei, aliado à inércia do credor, leva, inexoravelmente, à perda do direito de ação, repercutindo no próprio direito material, que permanece latente, porém, carente de meios defensivos para torná-lo efetivo.

Com relação à Fazenda Pública, não se desconhece que o Decreto nº 20.910/1932, dispõe, em seu artigo 1º, que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra as Fazendas Públicas, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originaram.

A inteligência da referida norma conduz à conclusão de que a partir do momento em que ocorre o fato gerador dos alegados danos, nasce o direito da parte autora de ajuizar ação para reaver o prejuízo sofrido, dentro do prazo de cinco anos. É o chamado princípio da actio nata, significando que o prazo de prescrição se inicia a partir do momento em que o direito de ação possa ser exercido.

Ocorre, contudo, que o referido regramento tem aplicação, apenas, para as situações de normalidade, não se aplicando aos casos de violação a direitos fundamentais, pois, nesses casos, vigora-se a regra da imprescritibilidade do direito, à luz da atual jurisprudência dominante.

De fato, o Superior de Justiça adotava entendimento no sentido de que o termo inicial para a contagem da prescrição quinquenal, com relação às pretensões indenizatórias dos anistiados políticos, fundadas no art. 8º do ADCT, era a data da promulgação da Constituição Federal.

Todavia, com a edição da Lei nº 10.559/2002, que estabeleceu regime próprio para os anistiados políticos e lhes assegurou reparação econômica de caráter indenizatório, a jurisprudência da Corte Superior firmou-se pela imprescritibilidade dos pedidos de indenização por danos decorrentes de violação a direitos da personalidade ocorridos durante o regime militar. 

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes (grifei):

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CARACTERIZADA. ANISTIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR.IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO POLÍTICA NÃO COMPROVADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONSIDERADOS PROTELATÓRIOS, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ.

1. Constata-se que não se configura a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado.

2. No que concerne à questão da prescrição, a jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões.

3. A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: a) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); b) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16).

4. Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade.

5. Com relação ao preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, melhor sorte não assiste à parte. Isso porquanto o acórdão recorrido entendeu tratar-se de prisão com motivação exclusivamente política, não podendo este Tribunal, em Recurso Especial, alterar tal entendimento, o que exige revolvimento de matéria fática e probatória. Incide, portanto, o óbice da Súmula n. 7/STJ.

6. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese da recorrente de que "não há caráter protelatório nos Embargos Declaratórios opostos (...)", demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".

7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(REsp 1783581/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 01/07/2019)

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - QUESTÃO ACERCA DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS DISCUTIDA EM RECURSO REPETITIVO - SOBRESTAMENTO NA ORIGEM - EXISTÊNCIA DE PRELIMINARES DE MÉRITO PREJUDICIAIS AO DEBATE - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR - LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO - IMPRESCRITIBILIDADE - INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1º DO DECRETO 20.910/1932

1 - Pacífica a jurisprudência desta Corte quanto ao direito de os sucessores ajuizarem ação de reparação em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar, transmitindo-se aos herdeiros a legitimidade ativa para ajuizamento da indenizatória.

2 - A Primeira Seção desta Corte, em caso análogo (EREsp 816.209/RJ, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe de 10/11/2009), manifestou-se pela inaplicabilidade do artigo 1º do Decreto 20.910/32 em ações de indenização por danos morais e materiais decorrentes de atos de violência ocorridos durante o Regime Militar, consideradas imprescritíveis.

3 - Agravo regimental improvido."

(AgRg nos EDcl no REsp 1.328.303/PR, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 5/3/2015, DJe de 11/3/2015).

Afasto, portanto, a preliminar de prescrição.

1.2. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO ESTADO DE SÃO PAULO E ILEGITIMIDADE ATIVA DA PARTE AUTORA:

Preliminarmente, alega a União Federal a ausência do interesse de agir da autora nesta demanda, ao argumento de que a Lei de Anistia facultou aos requerentes a obtenção de indenização perante o Ministério da Justiça, com a consequente reparação econômica, devendo o feito ser extinto, sem resolução do mérito, ante a falta de preenchimento de uma das condições da ação.

Por sua vez, o Estado de São Paulo arguiu a sua ilegitimidade passiva.

É notório que o regime de ditadura militar, instalado no país através do Golpe de Estado de 1964, partiu do Comando das Forças Armadas, com apoio de alguns políticos de direita e da elite econômica, receosa de que os comunistas, tidos como “subversivos”, tomassem o poder. O período histórico ficou conhecido como “anos de chumbo” (1964-1979) e envolveu todos os Estados da Federação Brasileira, de sorte que as ordens eram emanadas do Poder Público Federal, o que torna inconteste a legitimidade passiva da União Federal para integrar a presente lide.

De outro lado, cumpre mencionar que o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS), responsável pela prisão do apelado, enquanto órgão de repressão, foi criado durante o Estado Novo e, posteriormente, na Ditadura Militar.

No Estado de São Paulo, as questões de cunho político eram investigadas pela Delegacia de Ordem Política, de Ordem Social, de Estrangeiros, de Ordem Econômica, de Armas e Explosivo e do Serviço Secreto (DEOPS), responsável pela repressão política e censura aos meios de comunicação durante o regime de exceção, órgão integrante da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

A propósito, confira-se:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA DURANTE O REGIME MILITAR. LEGITIMIDADE PASSIVA TAMBÉM DO ESTADO DE SÃO PAULO (AUTOR SUBMETIDO AO DEOPS E RECOLHIDO NO PRESÍDIO TIRADENTES). INTERESSE DE AGIR PRESENTE. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PROVA CONTUNDENTE A POSSIBILITAR O RECEBIMENTO DA INDENIZAÇÃO, QUE EM SEDE DE APELO DO AUTOR É AUMENTADA DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO. REAJUSTAMENTO DOS CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA, EXCETO A VERBA HONORÁRIA. 1. A causa petendi da reparação dos danos morais oriundos de sofrimentos e abalos sofridos em decorrência de perseguições políticas diverge da motivação que enseja a reparação prevista no art. 1º da Lei nº 10.559/2002, cujo art. 16 expressamente ressalva outros direitos de quem sofreu perseguições políticas ("Os direitos expressos nesta Lei não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vedada a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se a opção mais favorável"). Matéria incogitada na Lei Estadual nº 10.726/2001. O dano moral é indenizável conforme comando da Constituição Federal (art. 5º, V e X). 2. Afirmar-se que o Decreto nº 20.910/32 deve incidir em favor da União e dos Estados Federados onde houve perseguição política promovida por agentes oficiais e extra-oficiais agregados ao regime autoritário que vigorou entre nós a partir de 31/3/1964, é fazer pouco caso da História, é optar pelo juridiquês em desfavor da Justiça, é tripudiar sobre aqueles que em determinado momento histórico tiveram suas vidas - e das suas famílias e amigos - atrapalhadas por ações contrárias muitas vezes até ao direito de exceção que vigeu com força naquele período; com o Judiciário cabrestado, os advogados ameaçados e os cidadãos amedrontados pelas leis de segurança nacional e pelos órgãos militares, paramilitares e policiais de repressão, é óbvio que a liberdade de acesso aos mecanismos da Justiça era nenhuma. Oportuno recordar também que o art. 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê: "toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei". Assim, não pode agora o Estado, em época de plenitude democrática, pretender que o Decreto nº 20.910/32 o salvaguarde de responder pelos atos daquele período. 3. Na singularidade do caso não pode produzir efeitos o decurso do tempo como cogitado no Decreto nº 20.910/32, mesmo porque a própria Constituição, no corpo do art. 8º do ADCT, fêz retroagir os efeitos da anistia política até 18 de setembro de 1946. 4. No âmbito do STJ compreende-se pela imprescritibilidade das ações tendentes ao reconhecimento de indenizações por danos materiais e morais decorrentes de atos perpetrados pelos agentes do Estado e outros que a eles buscavam se equiparar, ocorridos na vigência do regime autoritário (1964/1979), diante da supremacia dos direitos fundamentais. Nesse sentido segue a jurisprudência do STJ (AgRg no Ag 1392493/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/07/2011 ). 5. Se o autor foi perseguido também pelo DEOPS (fls. 181/182) e foi mantido em cárcere no Presídio Tiradentes até ser absolvido pela Justiça Militar em 1971, não resta dúvida da solidariedade do Estado de São Paulo com a União, para responderem juntos a presente demanda onde o ex-preso político vindica reparação por danos morais sofridos; fica, pois, reincluído no pólo passivo o Estado de São Paulo, em relação a quem se examinará o mérito também por conta do § 3º do art. 515 do CPC. 6. Não há a mais remota sombra de dúvidas de que o autor foi preso como supostos "agente de subversão", seguidamente interrogado por inquiridores do DOI-CODI vinculado ao II Exército nos meses de novembro e dezembro de 1970, os quais não se identificaram, esteve submetido ao DEOPS, foi preso no Presídio Tiradentes, depois incluído em denúncia e processado como autor de crime contra a segurança nacional, restando depois absolvido por falta de provas; ainda, por conta de sua prisão foi afastado e demitido da empresa de publicidade onde trabalhava na época. Ademais, é de ser tida como uma boa presunção que todo aquele que caía nas garras do sinistro DOI-CODI (em São Paulo suas instalações eram situadas na Rua Tutóia, próximo ao Aeroporto de Congonhas) era desde logo torturado, pois esse é o ensinamento da História. O abalo psíquico sofrido nesse período todo, especialmente quando lançado à prisão por conta de suas idéias (não há vestígios de que o autor tenha "pegado em armas" contra o regime autoritário) deve ser compensado com o valor de R$ 200.000,00, a ser exigido solidariamente das duas rés, posto que está incluída doravante no pólo passivo a Fazenda Estadual. 7. A correção monetária incidirá a partir do arbitramento (Súmula 362/STJ), e tanto essa correção quanto aos juros atenderão a Lei nº 9.494/97, art. 1º/F, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, a partir da data da entrada em vigor dessa segunda norma em 29/6/2009 (tempus regit actum - norma de índole processual) na esteira da compreensão do STJ (REsp 1.205.946/SP, julgado pelo regime do art. 543-C do CPC). Para esse fim dá-se parcial provimento ao apelo da União e a remessa oficial.”

(TRF-3 - AC: 20982 SP 0020982-73.2005.4.03.6100, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 06/12/2012, SEXTA TURMA)

Com acerto, o juízo a quo ao ressaltar que a ausência de formulação de pedido administrativo para a obtenção da reparação civil não impede ao demandante a obtenção da indenização por danos morais na via judicial, tampouco o acesso ao Judiciário pressupõe o exaurimento da via administrativa.

Destaco, inclusive, que o STJ vem admitindo a possibilidade de cumulação da reparação econômica, prevista na Lei de Anistia, com a indenização por danos morais, exatamente por se tratarem de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas. Confira-se (grifei):

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. ANISTIADO POLÍTICO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO DE MÉRITO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A jurisprudência do STJ é  pacificada no sentido de que inexiste vedação à cumulação da reparação econômica com a indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à  recomposição patrimonial (danos emergentes e  lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a  tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. Precedente: AgInt nos EREsp 1.467.148/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, DJe 2.2.2017.2. Para evitar supressão de instância, e diante da impossibilidade nesta via recursal de adentrar no exame dos fatos não constatados no acórdão recorrido, devem os autos retornar ao Tribunal de origem para prosseguimento da análise do mérito dos pedidos apresentados pela ora agravada. 3. Agravo Interno não provido.

(STJ, REsp 1.727.105, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, J. 27/11/2018, Dje 17/12/2018)

Nesse sentido, a Corte Superior editou o Enunciado da Súmula 624 do STJ, que possibilita a cumulação da indenização por dano moral com a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002:

“Súmula 624-STJ: É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei nº 10.559/2002 (Lei da Anistia Política). STJ. 1ª Seção. Aprovada em 12/12/2018, DJe 17/12/2018.”

Afasto, portanto, as preliminares de ilegitimidade ativa e passiva e passo ao exame do mérito.

2. DO MÉRITO:

2.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ENTES PÚBLICOS DEMANDADOS:

Inicialmente, consigne-se que a responsabilidade civil do Estado é regulamentada pelo art. 37, §6º da Constituição Federal, assim transcrito:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:     

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

No mesmo sentido, o Código Civil estabelece que a responsabilidade civil do ente público se afigura objetiva, senão vejamos:

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Nessa esteira, cumpre mencionar que o Brasil adotou a teoria do risco administrativo, segundo a qual responsabiliza o ente público, objetivamente, pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, independentemente da má prestação do serviço ou da culpa do agente público faltoso. Por essa razão, o elemento culpa é dispensado, sendo imprescindível a comprovação de três elementos, quais sejam: a conduta, o dano e o nexo de causalidade.

Tem-se que a conduta é determinada pela atuação do agente público que atue nesta qualidade, ou, ao menos, se aproveite dessa qualidade para causar o dano. Ressalte-se que o entendimento majoritário da doutrina se orienta no sentido de que somente a forma comissiva enseja a responsabilidade objetiva.

No que pertine ao elemento dano, para que se reconheça o dever de indenizar é imprescindível que haja dano jurídico, é dizer, o dano deve infringir um bem jurídico, ainda que exclusivamente moral.

Quanto ao nexo de causalidade, importa mencionar que o Brasil adotou a teoria da causalidade adequada, por meio da qual o Estado responde pelo evento danoso, desde que a sua conduta tenha sido determinante para o dano causado ao agente.

Pois bem.

Na espécie, considero demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilidade civil da União Federal e do Estado de São Paulo, aptos a ensejar a condenação por dano moral, ante a ocorrência do nexo de causalidade, entre a conduta dos agentes públicos e o dano experimentado pela parte autora, via reflexa.

Em cotejo analítico, verifico que a narrativa dos fatos encontra-se em consonância com as provas amealhadas aos autos, notadamente pelo relatório produzido no inquérito policial instaurado pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), certidão emitida pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e publicação oficial da demissão do falecido no cargo de Escrituário do DER (fls. 38/41 e 48, ID 137860921).

Depreende-se do aludido relatório que a prisão em flagrante do Sr. Miguel Boitchenco, então funcionário do DER/SP, se deu por ato de desobediência, desacato e resistência, no interior do Clube Venâncio Aires, conforme trecho que passo a transcrever:

“MIGUEL BOITCHENCO funcionário do DER local, cidadão que, de uma certa feita, quando preso em flagrante por desobediência, desacato e resistência no interior do salão do Clube Venâncio Aires local por ocasião de um baile de carnaval p.p., fez apologia do comunismo e ameaçou os presentes dizendo ... “eu sou mesmo comunista e daqui a uns três meses vocês todos serão postos no “paredon”.

Soma-se a isso que as informações extraídas da Portaria baixada pela Delegacia de Polícia de Itapetininga confirmam que o falecido era tido como comunista. tendo sido indiciado, com fulcro no art. 8º do Ato Institucional do Comando Revolucionário, de 09/04/1964, para aferição dos delitos previstos na Lei de Segurança Nacional nº 1.802, de 05/01/1953, com a determinação de apreensão de “tudo o que tiver relação com suas atividades, contrárias ao regime democrático” (fl. 41, ID 137860921).

Inclusive, a Certidão emitida pela Agência Brasileira de Inteligência informa que o Sr. Miguel Boitchenco figurou na relação de servidores atingidos por medidas punitivas do Governo do Estado de São Paulo, com base em atos da Revolução de 31/03/1964, em 07/10/196, foi demitido do Departamento de Estradas e Rodagem, com fulcro no art. 1º, §7º do Ato Institucional de 09 de abril de 1964. Consta dos autos, ainda, a publicação, no Diário Oficial, da demissão do falecido do cargo de Escrituário Assistente de Administração do Quadro do DER, “à vista do resultado da Investigação Sumária procedida nos termos do Decreto n. 43.217-64” (fl. 48, ID 137860921).

Desse modo, as provas coligidas aos autos pela parte autora são suficientes e aptas à configuração da responsabilidade civil dos entes públicos demandados por atos ilícitos perpetrados em detrimento do Sr. Miguel Boitchenco - perseguição e prisão política - pelos militares, amparados em Atos Institucionais proferidos durante o regime militar de exceção, culminando na perda do cargo.

A violação a direitos da personalidade enseja o dever de indenizar, transmitindo-se aos herdeiros, com o falecimento, o direito de ação de reparação civil, que não se confunde com o direito moral em si, personalíssimo e intransmissível.

2.2. DO DANO MORAL:

Prosseguindo, a União e o Estado de São Paulo pleiteiam o afastamento da reparação civil ou, subsidiariamente, a sua revisão; e o demandante, por sua vez, impugna o quantum arbitrado a título de danos morais, pugnando pela sua majoração.

Consoante doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, deve ser reputado como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento, a humilhação, situações que, fugindo da normalidade do cotidiano, interfiram intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar (in Programa de Responsabilidade Civil. 3ª edição, revista, aumentada e atualizada, Malheiros Editores, 2002, p. 88/89).

Sabe-se que os critérios para fixação da indenização a título de dano moral tem sido objeto de diversos debates doutrinários, causando, inclusive, divergências jurisprudenciais, visto que não há como prever fórmulas predeterminadas para situações que merecem análise individual e casuística.

Dentro dessa ótica, dispõe o magistrado de certa margem de discricionariedade para apreciar, valorar e arbitrar a indenização dentro dos critérios pretendidos pelas partes, devendo-se levar em conta os seguintes requisitos: o tipo de dano, o grau de culpa com que agiu o ofensor, a natureza punitiva e pedagógica do ressarcimento - que tem por fim potencializar o desencorajamento da reiteração de condutas lesivas de natureza idêntica -, e a situação econômica e social de ambas as partes.

Acrescente-se que a indenização por danos morais não deve desencadear o enriquecimento sem causa do ofendido e, tampouco, deve ser inexpressiva, de modo a servir de humilhação à vítima.

No vertente caso, o juízo a quo fixou a indenização por dano moral no importe de R$ 90.000,00 (noventa mil reais) em favor do recorrido.

Observo que a jurisprudência assentada nesta Corte Regional tem fixado o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais em casos de perseguição política, motivo pelo qual acolho o pleito autoral para majorar a reparação civil nesse patamar. Confiram-se os seguintes precedentes (grifei):

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA DURANTE REGIME MILITAR. DEMISSÃO ARBITRÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO PROVIDA.

1. A questão posta nos autos diz respeito a pedido de indenização por danos morais, em razão de demissão arbitrária ocorrida à época do Regime Militar.

2. É sabido que o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece a concessão de anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a promulgação da atual Constituição Federal de 1988, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção.

3. O propósito da norma constitucional e, por consequência, da norma regulamentadora (Lei 10.559/2002) é o de assegurar aos anistiados prejudicados em sua carreira profissional uma indenização que corresponda, da maneira mais fiel possível, aos rendimentos mensais que a vítima auferiria caso não tivesse sofrido perseguição política.

4. No caso em comento, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entendeu que, tendo em vista o curto período de afastamento profissional do autor (demissão em 12.07.1983 e readmissão em 01.06.1985), bastava à sua reparação econômica a contagem do período no tempo de contribuição previdenciária.

5. Não se questiona o mérito da decisão administrativa, mesmo porque não é nesse sentido o pedido do demandante, mas, destaca-se que a reparação administrativa prevista na Lei 10.559/02 refere-se somente aos danos patrimoniais, não versando, portanto, sobre indenização decorrente de danos morais.

6. Considera-se, então, que a indenização fundamentada em abalos psicológicos e a reparação econômica a ser pleiteada em esfera administrativa constituem direitos autônomos e acumuláveis.

7. Assim, ainda que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tivesse entendido pela concessão de indenização em dinheiro ao anistiado, esta não configuraria óbice ao pleito judicial de reparação por danos morais.

8. Igualmente, não há, portanto, qualquer exigência no sentido de prévio esgotamento de vias administrativas, de modo que o autor é livre para requerer judicialmente sua indenização por dano moral sem antes ter requerido administrativamente sua indenização por dano material.

9. O mérito da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.

10. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

11. É certo que o mero reconhecimento de sua condição de anistiado político por parte da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça já pressupõe as perseguições políticas sofridas pelo autor no período do Regime Militar.

12. É notória, portanto, a ocorrência do dano moral, tendo em vista que as perseguições políticas travadas no contexto do Regime Militar ultrapassam em muito o conceito de mero dissabor cotidiano.

13. A hipótese em comento, portanto, encerra um típico caso de dano moral in re ipsa, no qual a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido capaz de ensejar indenização.

14. Destaca-se que, em casos relacionados ao mesmo movimento grevista que originou a demissão arbitrária do demandante, este E. Tribunal vem fixando indenização por dano moral no valor de R$ 100.000,00. Precedentes: TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2260975 - 0005529-08.2014.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 18/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/05/2018; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2244387 - 0014612-82.2013.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 06/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2017; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2246336 - 0014608-45.2013.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 06/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2017).

15. Arbitra-se o quantum indenizatório em R$ 100.000,00 em favor do autor, a título de indenização por danos morais, incidindo correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362 do STJ), e juros de mora a partir da citação, por ser nesse sentido a jurisprudência do C. STJ, havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95.

15. Quanto aos honorários advocatícios, considerando que a prolação da sentença se deu sob a égide do antigo Código Processual Civil, arbitro os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, §3º, do diploma legal.

16. Apelação provida.”

(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014616-22.2013.4.03.6105/SP, Rel. Des. Federal ANTONIO CEDENHO, TERCEIRA TURMA, J. 05/09/2018, DJe 12/09/2018)

“ADMINISTRATIVO. DITADURA MILITAR. LEI Nº 10.559/02. LEI ESTADUAL Nº 10.726/01. IMPRESCRITIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA NA VIA ADMINISTRATIVA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÕES E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.

1. A jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à imprescritibilidade das ações de reparação de danos decorrente de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o regime militar.

2. A reparação econômica prevista na Lei n. 10.559/2002 e na Lei Estadual n. 10.726/2001 não se confunde com a indenização por danos morais requerida nestes autos, pois configuram verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas, de modo que o valor obtido em sede administrativa não deve ser descontado de eventual condenação em indenização por dano moral.

3. O reconhecimento por parte do Ministério da Justiça e da Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania vem tão somente corroborar o que está amplamente provado nos autos, no sentido de que o autor, por defender ações contra o regime militar, foi vigiado, perseguido, detido e torturado, o que, sem dúvida, não gerou mero constrangimento, mas sim efetivo abalo psíquico.

4. Algumas diretrizes hão de ser observadas no tocante à fixação do montante a título de indenização por danos morais, tais como a proporcionalidade à ofensa, a condição social e a viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, além de não ensejar enriquecimento ilícito, nem representar valor irrisório.

5. A conclusão possível é a de que, atento às circunstâncias fáticas do caso concreto, é adequado manter a indenização por danos morais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a serem pagos solidariamente pela União e pelo Estado de São Paulo, acrescidos de juros de mora e correção monetária.

6. Precedentes.

7. Sentença mantida.

8. Agravo retido não conhecido.

9. Apelações e remessa necessária, tida por interposta, desprovidas.”

(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0021676-71.2007.4.03.6100/SP, Des. Federal NELTON DOS SANTOS, TERCEIRA TURMA, J. 05/09/2018, DJe 31/10/2018)

“PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - ANISTIADO POLÍTICO - IMPRESCRITIBILIDADE - LEI Nº 10.559/02 - POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA NA VIA ADMINISTRATIVA - JUROS MORATÓRIOS.

I - A questão referente à possibilidade de cumulação entre a reparação administrativa concedida ao anistiado político e indenização por dano moral encontra-se superada em face da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AgREsp nº 915.872/SP).

II - Pacificado na jurisprudência pátria o entendimento de que é imprescritível a pretensão de reparação por danos que ocorreram na época da Ditadura Militar por se tratar de violação a direitos fundamentais em período no qual a parte não podia sequer deduzir sua pretensão em juízo.

III - É certa a condição de anistiado político do apelante. Farta a documentação no sentido de comprovar a perseguição política sofrida durante o regime ditatorial, incluindo registros policiais e outros, em que aparece como integrante de "organização subversiva", além de seu banimento do país.

IV - Indenização por danos morais fixada de acordo com o que usualmente estabelece esta E. Corte: R$ 100.000,00 (cem mil reais).

V - Juros de mora a partir da citação nos termos do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97. Correção monetária pelo IPCA, a partir da citação (Súmula 362 STJ).

VI - Honorários advocatícios favoráveis ao autor, no percentual de 15% sobre o valor da condenação (artigos 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Código de Processo Civil).

VII - Apelação provida.

(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009379-44.2012.4.03.6104/SP, Rel. Des. Federal CECÍLIA MARCONDES, J. 22/08/2018, DJe 29/08/2018)

2.3. DO DANO MATERIAL:

De outro lado, não restou comprovado o dano material suportado pela parte autora, porquanto alicerçado em alegações genéricas despidas de cunho financeiro que implicaram em efetiva perda patrimonial.

Isto posto, é de se manter a negativa do pleito autoral de condenação das requeridas ao pagamento de danos materiais.

3. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS:

Diante da sucumbência recíproca, mantenho a condenação fixada na origem.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo da União e do Estado de São Paulo e dou parcial provimento ao recurso adesivo da parte autora.

É COMO VOTO.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRISÃO E PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. REGIME MILITAR. VIOLAÇÃO A DIREITOS DA PERSONALIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES PÚBLICOS DEMANDADOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. DANO MORAL MAJORADO. DANO MATERIAL NÃO COMPROVADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELAÇÃO DA UNIÃO E DO ESTADO DE SÃO PAULO IMPROVIDAS. RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. O cerne da controvérsia diz respeito à possibilidade de configuração dos danos morais sofridos pelo autor em decorrência do regime militar de exceção, ou se restou configurada a ausência das condições da ação, quais sejam, o interesse de agir da parte autora e a legitimidade passiva do Estado de São Paulo.

2. Com a edição da Lei n. 10.559/2002, que estabeleceu regime próprio para os anistiados políticos e lhes assegurou reparação econômica de caráter indenizatório, a jurisprudência da Corte Superior firmou-se pela imprescritibilidade dos pedidos de indenização por danos decorrentes a direitos da personalidade ocorridos durante o regime militar.  Preliminar de prescrição afastada.

3. Legitimidade da União e do Estado de São Paulo para figurar no polo passivo desta demanda. Legitimidade ativa do espólio do de cujos para propor ação de reparação civil. 4. A reparação econômica prevista na Lei de Anistia não se confunde com a indenização por danos morais requerida nestes autos, pois configuram verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas. Súmula 642 do STJ.

4. Configurada a responsabilidade civil dos entes públicos demandados pela prisão política do autor e atos de tortura perpetrados em detrimento do falecido, representado pelo espólio nestes autos, durante o regime miliar.

5. Dano moral reajustado ao patamar aplicado segundo a jurisprudência desta Terceira Turma Julgadora (R$ 100.000,00).

6. Dano material não demonstrado.

7. Sucumbência recíproca. Mantidos os honorários fixados na origem.

8. Apelações improvidas. Recurso adesivo parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao apelo da União e do Estado de São Paulo e deu parcial provimento ao recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.