APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001381-72.2010.4.03.6111
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: CLARO S.A., ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES
Advogados do(a) APELANTE: PATRICIA HELENA MARTA MARTINS - SP164253, LUIZ VIRGILIO PIMENTA PENTEADO MANENTE - SP104160
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ LAMKOWSKI MIGUEL - SP236682-N
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001381-72.2010.4.03.6111 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CLARO S.A., ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES Advogado do(a) APELANTE: LUIZ VIRGILIO PIMENTA PENTEADO MANENTE - SP104160 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recursos de apelação interpostos em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face da NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES S/A, sucedida pela CLARO S/A, e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) em que se pleiteou a condenação das corrés nos seguintes termos: 1) da NET Serviços de Comunicações S/A, na obrigação de não fazer consistente em não mais cobrar pelos pontos extras, pontos de extensão e pela locação de decodificadores dos clientes que já pagam pelo ponto principal; 2) da ANATEL, na obrigação de fazer consistente em fiscalizar e sancionar as cobranças ilegais (pontos extras, pontos de extensão e locação de decodificadores) por parte das operadoras de TV a cabo. Alega o Parquet que, em 04/08/2009, Jonathan Nemer compareceu à Procuradoria da República em Marília/SP afirmando que, a partir de julho/2009, a operadora NET alterou a roupagem da cobrança de ponto-extra, então proibida pela ANATEL, passando a cobrar pela locação do decodificador necessário para recepcionar o sinal de transmissão. Narra que, a partir da reclamação, foi instaurado procedimento para apurar sua veracidade. Regularmente oficiada, a NET aduziu, em síntese, que não existe legislação federal que proíba a cobrança de ponto-extra, não podendo a ANATEL criar obrigações que contrariem a legislação federal. Esclarece que, para que o cliente possa assistir sua seleção de canais pagos em mais de um televisor na mesma casa, é necessário alugar outro decodificador. Também oficiada, a ANATEL informou que, com relação à cobrança de ponto-exta e de ponto-de-extensão, é permitida apenas cobrança da instalação e do reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal. Quanto ao aluguel do decodificador de sinal a ser utilizado, não cabe a ela normatizar o fornecimento de equipamentos pelas prestadoras de serviço, regulamentando apenas o serviço a ser prestado, sendo que a forma pela qual a prestadora de serviço vai disponibilizar o equipamento faz parte da estratégia do seu plano de negócio. Defende o Parquet que, como a operadoras de TV a cabo são concessionárias do Poder Público, estão sujeitas ao princípio da legalidade administrativa. Neste sentido, aponta que a legislação que regulamenta o serviço de TV a Cabo (Lei nº 8.977/95) prevê somente a cobrança de duas tarifas (art. 26): 1) adesão, que será cobrada uma única vez, no momento da formalização do contrato de prestação de serviço, destinada a cobrir os eventuais custos com a instalação; e 2) assinatura, que é cobrada periodicamente, em contrapartida à disponibilidade do serviço de TV a Cabo, com o intuito de cobrir os gastos mensais e contínuos com a programação, bem como a manutenção da rede e a remuneração do serviço. Assevera que, ao contrário do que sustenta a NET, inexiste previsão em lei para a cobrança do ponto-extra, ponto-de-extensão ou locação de decodificador, sendo que a sua exigência contraria manifestamente a política tarifária em vigor. Alega que o art. 3º, III, da Lei nº 9.472/97, garante ao usuário de serviços de telecomunicações o direito de não ser discriminado quanto às condições de acesso e de fruição do serviço, ou seja, não pode a concessionária ditar a maneira pela qual o consumidor irá usufruir o sinal de telecomunicações que adquire: se um canal de cada vez ou todos ao mesmo tempo. Assim, a instalação de um segundo ponto, terceiro, quarto, etc., não significa qualquer acréscimo no serviço de TV a Cabo, pois o sinal de telecomunicação já se encontra na dependência do consumidor e o serviço ali se encerra. Narra que a ANATEL editou a Resolução nº 528 vedando expressamente a cobrança pelo ponto-extra e pelo ponto-de-extensão, ressalvando apenas os serviços de instalação e de reparação da rede interna (art. 29). Discorre que a NET burla a proibição da cobrança do ponto-extra e do ponto-de-extensão com a conduta de locar o aparelho decodificado, sem o qual o consumidor não consegue assistir vários canais ao mesmo tempo e em televisores distintos. Quanto à ANATEL, defende que a autarquia não pode ficar inerte no sentido de reprimir tal ilegalidade, prejudicando os consumidores. Em sede de tutela antecipada, requereu “o seu deferimento, inaudita altera parte, para o fim de determinar que a NET regularize a situação, deixando de cobrar pelo ponto-extra e ponto-de-extensão, além de não cobrar mais pelo aluguel de aparelho decodificador da própria empresa, da mesma forma para que a ANATEL fiscalize as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações e não permita que mais empresas cometam a mesma ilegalidade” (ID Num. 102961245 - Pág. 19). Em decisão ID Num. 102961245 - Pág. 138-146, foi concedida a antecipação da tutela nos termos em que pleiteada. A NET interpôs agravo de instrumento para que fosse concedido efeito suspensivo à decisão (autos nº 017114-78.2010.4.03.0000), tendo a então relatora, Desembargadora Federal Alda Basto, concedida a tutela para suspender os efeitos da decisão até o julgamento do recurso pela E. Turma (ID Num. 102961245 - Págs. 173-176). Após a apresentação das contestações, foi determinada a especificação de provas que as partes pretendessem produzir (ID Num. 102962439 - Pág. 174). A NET requereu produção de prova pericial a fim de demonstrar os inúmeros custos e despesas que justificariam a onerosidade do serviço impugnado nos autos (ID Num. 102962439 - Págs. 175-176). A ANATEL pleiteou o julgamento antecipado da lide (ID Num. 102962439 - Pág. 178). O Parquet também pleiteou o julgamento antecipado do feito (ID Num. 102962439 - Pág. 173). Em decisão ID Num. 102962439 - Pág. 179, o r. Juízo Singular indeferiu a produção da prova pericial. Diante de referida decisão, a NET interpôs agravo retido. Na sentença, o r. Juízo a quo julgou procedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC/1973, para reconhecer e declarar a ilegalidade na conduta das corrés, condenando-as nos exatos termos pleiteados pelo Parquet: 1º) "a condenação da NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A. na obrigação de não -fazer, consistente em não mais cobrar pelos pontos-extras, pontos-de-extensão e pela locação de decodificadores dos clientes que já pagam pelo ponto principal"; e 2º) "a condenação da ANATEL na obrigação de fazer, consistente em fiscalizar e sancionar as cobranças ilegais (ponto-extra, pontos-de -extensão e locação de decodificadores) por parte das operadoras de TV a Cabo". Após a oposição de embargos de declaração pela ANATEL, o dispositivo da sentença foi retificado para que a obrigação de fazer esteja limitada à Subseção Judiciária de Marília (ID Num. 102960958 - Pág. 16). Inconformada, a NET interpôs recurso de apelação, requerendo, em preliminar, o conhecimento e o provimento do agravo retido, sob o fundamento de que fora indevidamente indeferido o seu pedido de produção de prova pericial, que seria capaz de demonstrar os inúmeros custos e despesas que justificariam a onerosidade do serviço impugnado nos autos. No mérito, sustenta que: a) os serviços de TV a Cabo são de regime privado e não público, razão pela qual a r. sentença estaria fundamentada em premissa equivocada; b) o serviço de TV por assinatura não é essencial, sendo remunerado por preço privado, não havendo necessidade de interferência estatal, garantindo-se a livre fixação de preço dos serviços; c) o modelo de comercialização do ponto-extra encontra-se em consonância com as diretrizes da ANATEL, bem como disposições legais atinentes à espécie, devendo ser afastada a proibição de cobrança de aluguel de equipamentos instalados para prestação de serviço no ponto extra diante da real existência do custo mensal do serviço privado. Em decisão ID Num. 102960958 - Pág. 73, o r. Juízo a quo recebeu o recurso da NET tão somente no efeito devolutivo. A NET opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados. Inconformada, interpôs agravo de instrumento para que o seu apelo também fosse recebido no efeito suspensivo (autos nº 0009262-66.2011.4.03.0000), tendo a então relatora, Desembargadora Federal Alda Basto, concedida a tutela recursal antecipada (ID Num. 102960958 - Págs. 179-182). A ANATEL também interpôs recurso de apelação, aduzindo que: a) não foi inerte e que age no estrito cumprimento do dever legal; b) atua na regulamentação dos serviços de ponto-extra de TV a cabo; c) a Súmula nº 9 de sua lavra apenas complementa e dá interpretação às disposições legais; d) não deve ser a ela imputada a responsabilidade de fiscalizar eventual cumprimento da decisão judicial. Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Federal. Em parecer, o representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo não provimento do agravo retido e dos recursos de apelação (ID Num. 94750621). Em petição ID Num. 102960958 - Pág. 231, a NET informa que foi incorporada pela empresa CLARO S/A, sendo-lhe deferida a sucessão processual pelo despacho ID Num. 102960959 - Pág. 16. Em nova petição ID Num. 102960959 - Pág. 22, a CLARO acosta a decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp nº 1.449.289/RS, favorável à sua tese. É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ LAMKOWSKI MIGUEL - SP236682-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001381-72.2010.4.03.6111 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CLARO S.A., ANATEL - AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES Advogado do(a) APELANTE: LUIZ VIRGILIO PIMENTA PENTEADO MANENTE - SP104160 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De início, impende esclarecer que, a despeito de o agravo retido não ter sido recepcionado pelo CPC/2015, o recurso deve ser conhecido, tendo em vista que foi reiterado a sua apreciação em apelação, atendendo ao disposto no art. 523, § 1º, do CPC/1973, vigente à época da interposição. A CLARO S/A, sucessora da NET S/A, afirma a ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que requereu a produção de prova pericial a fim de demonstrar os inúmeros custos e despesas que justificariam a onerosidade do serviço questionado nos autos. Sob a égide do Diploma Processual de 1973, o art. 125, II, atribuía ao juiz a responsabilidade de "velar pela rápida solução do litígio". Já o art. 130, previa a competência para "determinar as provas necessárias para a instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias". Com efeito, o juiz é o destinatário final das provas, possuindo ampla liberdade para avaliar a necessidade ou não de produção das provas requeridas pelas partes, justamente para evitar a procrastinação e a demora na tramitação processual. No caso em tela, ao indeferir a prova pericial requerida pela CLARO, o r. Magistrado a quo assim justificou (ID Num. 102962439 - Pág. 179): No caso dos autos, entendo ser possível o julgamento antecipado da lide sem a realização das provas requeridas às fls. 376/377, que visam computar o gasto que a empresa operadora de TV a Cabo tem com a manutenção do ponto adicional. Explico. A presente ação tem por objetivo coibir que a NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A. cobre os pontos-extras, os pontos-de-extensão e a locação de decodificadores dos seus clientes e à ANATEL na obrigação de fiscalizar e sancionar tais cobranças, por não estarem previstas na legislação que regulamenta o serviço de TV a Cabo. De fato, o entendimento deve ser mantido, uma vez que a questão a ser dirimida envolve a cobrança de valores supostamente indevidos do consumidor, o que demanda a estrita análise da legislação regulamentadora dos serviços de TV a Cabo. Logo, por se tratar de questão eminentemente jurídica, a análise dos documentos que instruíram os autos é suficiente para a solução da lide. De rigor, portanto, o não provimento do agravo retido. Cinge-se a questão apresentada nos autos com relação à validade da cobrança efetuada pela CLARO aos seus assinantes pela utilização de pontos-extras, de pontos-de-extensão e de locação de decodificadores, bem como a obrigação de fazer da ANATEL de fiscalizar e sancionar as operadoras de TV a Cabo que descumprirem as normas em vigor. O art. 21, XII, "a", da CF, estabelece a competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão “os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”. Por sua vez, o art. 175 da CF preconiza a obrigação do Estado de prestar os serviços públicos, diretamente ou por meio de contratos de concessão e permissão, remetendo à lei a disciplina quanto à sua execução: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado. Com o propósito de regulamentar o dispositivo constitucional, foi editada a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Em seu art. 29, estão arroladas as incumbências do Poder Concedente, sendo relevantes para o feito destacar as seguintes: Art. 29. Incumbe ao poder concedente: I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação; II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuais; (...) V - homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato; VI - cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; VII - zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas; Como a demanda versa sobre os serviços de telecomunicações, aplicam-se também as disposições da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), precipuamente o seu art. 19, que estabelece as competências da ANATEL, dentre as quais se destacam: Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações; IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes; X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções; XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem; Com fundamento em seu poder normativo, a ANATEL editou a Resolução nº 488, de 03 de dezembro de 2007, aprovando o “Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura”, a qual foi posteriormente alterada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009. Para o presente feito, cumpre transcrever os seguintes dispositivos da Resolução nº 488, com a redação dada pela Resolução nº 528/2009: Art. 29. A programação do Ponto-Principal, inclusive programas pagos individualmente pelo Assinante, qualquer que seja o meio ou forma de contratação, deve ser disponibilizada, sem cobrança adicional, para Pontos-Extras e para Pontos-de-Extensão, instalados no mesmo endereço residencial, independentemente do Plano de Serviço contratado. (Redação dada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009) Art. 30. Quando solicitados pelo Assinante, a Prestadora pode cobrar apenas os seguintes serviços que envolvam a oferta de Pontos-Extras e de Pontos-de-Extensão: (Redação dada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009) I - instalação; e (Redação dada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009) II - reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal ou equipamentos similares. (Redação dada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009) § 1º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo fica condicionada à sua discriminação no documento de cobrança, conforme definido nos arts. 16 e 17 deste Regulamento. (Redação dada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009) § 2º A cobrança dos serviços mencionados neste artigo deve ocorrer por evento, sendo que os seus valores não podem ser superiores àqueles cobrados pelos mesmos serviços referentes ao Ponto-Principal. (Redação dada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009) Diante dos inúmeros questionamentos dos consumidores com relação às cobranças pelos serviços prestados pela operadora de TV a Cabo, a ANATEL editou a Súmula nº 09, de 19 de março de 2010, nos seguintes termos (grifei): O Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura, aprovado pela Resolução nº 488, de 3 de dezembro de 2007, e alterado pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009, aplica-se desde o início de sua vigência em todos os contratos de prestação de serviços de televisão por assinatura em vigor, inclusive os contratos firmados anteriormente a sua vigência, sendo nulas de pleno direito todas as cláusulas contratuais que contrariem as disposições desse Regulamento. O Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura não veda que a prestadora e o assinante disponham livremente sobre a forma de contratação do equipamento conversor/decodificador, sendo cabível, portanto, que o façam por meio de venda, aluguel, comodato, dentre outras, vedado o abuso do poder econômico. A modificação na forma e nas condições de contratação de equipamento conversor/decodificador, como a alteração de comodato para aluguel, deve ser pactuada entre a prestadora e o assinante, sob pena de nulidade da alteração e devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo assinante, acrescidos de correção monetária e juros legais, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis. (...) Assim, diante da Súmula nº 09 e da Resolução nº 488/2007, alterada pela Resolução nº 528/2009, todas da ANATEL, pode-se concluir que: a) até a edição da Resolução ANATEL nº 528/2009, é cabível a cobrança pela utilização de Pontos-Extras e para Pontos-de-Extensão, conforme interpretação a contrario sensu do art. 29 da Resolução nº 488/2007; b) é cabível a cobrança pela contratação de equipamento conversor/decodificador “por meio de venda, aluguel, comodato, dentre outras, vedado o abuso do poder econômico”. Como pontuado pela CLARO em sua manifestação ID Num. 102960959 - Pág. 22, o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.449.289/RS, reconheceu a validade das disposições firmadas pela ANATEL na Súmula nº 09 e na Resolução nº 488/2007, alterada pela Resolução nº 528/2009 (ID Num. 102960959 - Págs. 43-45): RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - SERVIÇOS DE TELEVISÃO A CABO - COBRANÇA POR PONTO EXTRA E ALUGUEL DE EQUIPAMENTO - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE REPUTARAM INDEVIDA A ARRECADAÇÃO PECUNIÁRIA POR PONTOS ADICIONAIS, CONDENANDO A PRESTADORA DE TV POR ASSINATURA À REPETIÇÃO DO INDÉBITO NOS CINCO ANOS ANTECEDENTES AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA - IRRESIGNAÇÃO DA ACIONADA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA REFORMAR O ACÓRDÃO E A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO VEICULADO NA INICIAL QUANTO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Hipótese: Controvérsia acerca da viabilidade de cobrança por ponto extra de televisão por assinatura, bem ainda de aluguel dos aparelhos, equipamentos, conversores e decodificadores pertencentes à prestadora de serviço instalados na residência da autora. 1. Inocorrência de negativa de prestação jurisdicional, porquanto a tese jurídica acerca da possibilidade ou não de cobrança da taxa decorrente da contratação de pontos extras de TV por assinatura restou amplamente discutida pela Corte local. 2. Inaplicabilidade do prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC, uma vez que a cobrança indevida de valores por suposto ponto extra de TV ou aluguel de decodificadores não se subsume a fato do produto ou serviço. 2.1. A pretensão ressarcitória funda-se nos prazos estabelecidos pelo Código Civil, notadamente em virtude de ser assente nesta Corte Superior a jurisprudência, inclusive firmada em sede de recurso repetitivo (Resp 1.360.969/RS, relator para acórdão o Ministro Marco Aurélio Bellizze, Dje 19/09/2016), segundo a qual o reembolso/devolução/repetição de valores decorrentes da declaração de abusividade de cláusula contratual submete-se ao prazo prescricional trienal previsto no art. 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil de 2002, estabelecido para direitos fundados no enriquecimento sem causa, referente às prestações pag0as a maior no período de três anos compreendido no interregno anterior à data da propositura da ação. 3. É lícita a conduta da prestadora de serviço que em período anterior à Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009, da agência reguladora ANATEL, efetua cobranças por ponto extra de TV por assinatura, face a ausência de disposição regulamentar à época vedando o recolhimento a esse título. 4. Não se afigura abusiva a percepção por aluguel de equipamentos adicionais de transmissão ou reprodução do sinal de TV, pois, por serem opcionais, permitem cobrança mensal em número correspondente ao de sua disponibilização, visto acarretarem custos para o fornecedor e vantagens para o consumidor. 4.1. Caso o consumidor não pretenda pagar o aluguel pelos aparelhos disponibilizados pela própria fornecedora do serviço de TV por assinatura em razão direta dos pontos adicionais requeridos, pode optar por comprar ou alugar ou obter em comodato de terceiros os equipamentos necessários para a decodificação do sinal nos exatos termos da faculdade conferida pela normatização regente. Contudo, optando/preferindo o cliente adquirir o pacote de serviços da própria fornecedora do sinal da TV por assinatura contratada, ou seja, com a inclusão do conversor/decodificador, plenamente justificável a cobrança de valor adicional na mensalidade, não havendo falar em abuso. 5. A sucumbência rege-se pela lei vigente à data da deliberação que a impõe ou a modifica, na qual ficarão estabelecidas a proporção de derrota e vitória entre os pedidos das partes, bem ainda todos os requisitos valorativos para a fixação da verba sucumbencial (honorários advocatícios). Nos termos do § 8º do artigo 85 do NCPC, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo, os honorários serão fixados por apreciação equitativa consoante o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 6. Recurso especial provido a fim de reformar o acórdão e a sentença e julgar improcedente o pedido veiculado na inicial quanto à repetição do indébito, ficando prejudicados os demais pontos do reclamo especial. (REsp 1.449.289/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/11/2017, DJe 13/12/2017) É certo que, como consignado pelo Parquet, a supracitada decisão não foi proferida sob a sistemática dos recursos repetitivos. Contudo, a orientação firmada no julgado foi alcançada após a manifestação de diversas entidades convocadas especialmente para analisarem o tema em debate. Em seu relatório, o eminente Ministro Relator assim afirmou (ID Num. 102960959 - Pág. 52-53): Em sessão de julgamento realizada em 18/8/2016, os Ministros integrantes da Quarta Turma desta Corte Superior deliberaram, por unanimidade de votos, realizar a convocação de entidades institucionalmente ligadas ao tema em análise, além do Ministério Público Federal (fls. 446-450). Foram apresentadas as seguintes manifestações: - Associação Brasileira de TV por assinatura - ABTA: "o entendimento histórico da Anatel sobre o tema é no sentido de que a cobrança de mensalidade de ponto extra no período anterior à Resolução 528/2009 é absolutamente lícita; somente a partir da vigência da Resolução 528/2009 a cobrança da mensalidade de ponto extra se tornou ilícita; sendo a cobrança de aluguel de decodificador absolutamente legítima, nos termos da Súmula 09/2010 da Anatel, de 19/03/2010" e de que "tanto o laudo do renomado instituto CPqD, assinado por profissionais especialistas na matéria, como os laudos dos peritos indicados pelo Poder Judiciário produzidos em ações civis públicas comprovam que as operadoras de TV por assinatura incorrem em custos para a prestação do serviço de ponto extra, custos esses constantes e independentes dos custos relativos ao ponto principal, o que justifica a cobrança de uma mensalidade ao menos para fazer frente a tais custos" (fls. 497-534). - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec: afirma que "a cobrança mensal de pontos extras em contrato de TV por assinatura constitui-se em prática ilegal e abusiva criando claro desequilíbrio na relação de consumo" (fls. 1381-1392). - Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel: reconhece a ilegalidade da cobrança do ponto extra, concluindo que "a programação pode ser cobrada uma única vez para ser assistida no mesmo endereço do assinante, uma vez que a programação adquirida para o ponto-principal também poderá ser assistida no ponto-extra, sem cobrança adicional". No entanto, "a prestadora pode cobrar por determinados serviços relativos ao ponto extra, tais como instalação, equipamentos e reparos" e, por outro lado, "o fornecimento de equipamentos conversores ou decodificadores é matéria a ser pactuada no contrato celebrado entre Prestadora e Assinante", não constituindo prestação de serviço e, por conseguinte, sua comercialização não é regulada pela agência reguladora (fls. 1417-1434 e 1454-1466). - Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas - Telecomp: esclarece que não há caráter abusivo na cobrança de pontos extras, seja pelo princípio da mínima intervenção, seja pelos ditames da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) (L. 9.472/97), seja pela existência de uma série de custos despendidos pelas prestadoras na realização do serviço, não havendo, a princípio, a "necessidade de se impor esse tipo de obrigação no mercado de TV por Assinatura. Se tomada, a decisão de cobrar ou não por ponto-extra deve resultar de um possível atributo competitivo escolhido pelos ofertantes que disputam os consumidores; e não de uma intervenção impensada sobre a atividade econômica dessas empresas" (fls. 1437-1450). A Associação Brasileira de Rádio e Televisão - Abratel: deixou de se manifestar, ao fundamento de estar fora do âmbito de sua atuação, já que representa única e exclusivamente a categoria de radiodifusores de som e de som e imagem, não estando incluído aí o serviço de TV por assinatura (fl. 1477). Assim, a despeito de não possuir natureza vinculante, o precedente fora firmado após amplo debate com as entidades interessadas, que contribuíram com elementos de prova para ampliar o campo cognitivo da discussão. Há, inclusive, decisão monocrática em que a orientação firmada no REsp 1.449.289/RS fora integralmente adotada: REsp nº 1.349.542/MS, Relator Ministro Marcos Buzzi, j. 14/05/2020. Desse modo, tenho que o posicionamento adotado no REsp 1.449.289/RS deve ser observado. O art. 29 da Resolução ANATEL nº 488/2007, com a alteração firmada pela Resolução nº 528/2009, é categórico ao vedar a cobrança pela utilização de ponto-extra e de ponto-de-extensão. Tal orientação, no entanto, é válida para momento posterior à sua edição, não podendo retroagir para alcançar situações fáticas já consolidadas. Por outro lado, o art. 30 autoriza a cobrança dos serviços de ponto-extra e de ponto-de-extensão quando envolver a “instalação” e o “reparo da rede interna e dos conversores/decodificadores de sinal ou equipamentos similares”. Sobre o dispositivo, a ANATEL afirmou que (ID Num. 102960958 - Pág. 144): 33. Como ainda pairavam dúvidas quanto à cobrança autorizada pela citada Resolução n° 528/2009, em 19 de março de 2010, o Conselho Diretor da Anatel, no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelo artigo 22 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT), e pelo artigo 35 do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto nº 2.338, de 7 de outubro de 1997, resolveu editar a Súmula n° 9. 34. Mencionada Súmula n° 9/ANATEL, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, complementa e dá interpretação às disposições do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura, de modo especial à parte que trata dos serviços que envolvem a oferta de pontos-extras e pontos-de -extensão que podem ser cobrados pela Prestadora e sobre o fornecimento de equipamentos conversores/decodificadores, assim definiu a questão: (...) A Súmula nº 09 consigna que o Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura, ou seja, a Resolução ANATEL nº 488/2007, “não veda que a prestadora e o assinante disponham livremente sobre a forma de contratação do equipamento conversor/decodificador, sendo cabível, portanto, que o façam por meio de venda, aluguel, comodato, dentre outras, vedado o abuso do poder econômico”. Segundo o Parquet, o ordenamento jurídico não autoriza a cobrança pelo aluguel dos aparelhos decodificadores. A prevalecer a tese, isso significaria que as operadoras de TV a Cabo teriam que arcar integralmente com os custos da produção e da manutenção dos equipamentos, sem qualquer contraprestação por parte do consumidor. Ocorre que a mencionada cobrança tem por fundamento a política tarifária elaborada pela ANATEL, criada nos termos do inciso V, do art. 29, da Lei nº 8.987/95 e no inciso VII, do art. 19, da Lei Geral de Telecomunicações, ambos já transcritas acima. Impende consignar, por outro lado, o inciso I, do art. 128, da Lei Geral de Telecomunicações, preconiza que a ANATEL deve privilegiar a liberdade de atuação das operadoras, devendo ser mínima a sua intervenção para impor condicionantes administrativos: Art. 128. Ao impor condicionamentos administrativos ao direito de exploração das diversas modalidades de serviço no regime privado, sejam eles limites, encargos ou sujeições, a Agência observará a exigência de mínima intervenção na vida privada, assegurando que: I - a liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, restrições e interferências do Poder Público; Ainda, o mesmo Diploma Legal assevera, no inciso V do art. 127, que a disciplina da exploração dos serviços de telecomunicação no regime privado está pautada no “equilíbrio das relações entre prestadoras e usuários dos serviços”. A Lei nº 8.977/95, que regulamenta os serviços de TV a Cabo, confere os seguintes direitos às operadoras, estando, dentre eles, o de “cobrar remuneração pelos serviços prestados” e o de “codificar os sinais” (incisos II e III, do art. 30). Percebe-se, portanto, que o ordenamento jurídico valida a cobrança pelo aluguel de aparelhos decodificadores. Além do aspecto legalista, também justifica a cobrança pelo aluguel dos equipamentos a própria moralidade social, inerente às relações formadas entre os sujeitos de direito. É notória a ampla competitividade que impera no mercado consumidor dos serviços de TV a Cabo. Não apenas pelas inúmeras sociedades empresárias que atuam neste ramo, mas também por outras que, até então, eram desconhecidas do grande público e que, com o desenvolvimento tecnológico, passaram a atuar no mesmo segmento, que é o caso dos serviços de streaming, onde a transmissão dos dados dispensa qualquer aparelho decodificador, bastando apenas o acesso à rede mundial de computadores (internet). Em um cenário tão diversificado, cada sociedade empresária precisa buscar qualidades e conteúdos que a distingam dos demais, atraindo os consumidores que valorizam tais elementos. E, neste sentido, o aperfeiçoamento tecnológico dos televisores, dos computadores, dos aparelhos celulares etc., tem se mostrado um desafio diário às operadoras de serviços de telecomunicação, que precisam se adaptar às novas resoluções de imagem que estes aparelhos eletrônicos ostentam. Para tanto, é imperiosa a adoção de altos investimentos financeiros, tanto do aspecto material/instrumental, como da mão de obra técnica especializada, tendo como propósito disputar o mercado nacional. Todo o avanço tecnológico das operadoras de TV a Cabo chega ao consumidor justamente pelos aparelhos decodificadores, que convertem o sinal da fonte externa para imagem. É inerente, portanto, a conclusão de que tais aparelhos devem possuir tecnologia capaz de atender à sua função. Daí porque uma imposição jurisdicional para que as operadoras fornecessem tamanha tecnologia aos consumidores sem a necessária contrapartida financeira, implicaria em nítido desequilíbrio contratual. Ora, não se mostra consentâneo com os postulados da equidade, da isonomia, da justeza, entre tantos outros, admitir que os ônus de uma determinada atividade estejam vinculados a só uma das partes, enquanto que à outra ficam todos os bônus. Assim, em última análise, o provimento do pedido ministerial significaria chancelar o enriquecimento indevido do consumidor frente à operadora de TV a Cabo, o que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito. Assim, a cobrança pelo aluguel do equipamento decodificador, mais do que autorizada pela legislação nacional, encontra respaldo em postulados constitucionais direcionados à isonomia e à justeza social. Cumpre ressaltar, por fim, que a própria Súmula 09 da ANATEL autoriza que os consumidores possam comprar ou alugar aparelhos de terceiros, e não necessariamente das próprias operadoras, o que está em consonância com o princípio constitucional da livre concorrência (CF, art. 170, IV). Em razão do entendimento ora firmado, também deve ser provido o recurso de apelação da ANATEL, uma vez que não restou demonstrado nos autos qualquer conduta omissiva da autarquia de fiscalização sobre as atividades das operadoras de TV a Cabo. Aliás, a própria edição da Súmula 09 demonstra a sua preocupação em esclarecer as dúvidas até então existentes quanto à correta interpretação do art. 30 da Resolução nº 488/2007. Ante o exposto, nego provimento ao agravo retido e dou provimento às apelações nos termos da fundamentação supra. É como voto.
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ LAMKOWSKI MIGUEL - SP236682-N
DECLARAÇÃO DE VOTO
Apelações interpostas pela NET Serviços de Comunicação S.A., sucedida por Claro S.A. (Id 102960958 - págs. 44/65), e pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (págs. 128/156 do mesmo Id), em sede de ação civil pública, contra sentença, modificada por decisão que acolheu embargos declaratórios, que foi proferida nos seguintes termos (Id 102962439 - pág. 1 ao Id 102962440 - pág. 26 e Id 102960958 - págs. 15/18):
[...]
ISSO POSTO, julgo procedente o pedido formulado pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, reconhecendo e declarando a ilegalidade na conduta da empresa demandada e da agência reguladora e, como consequência:
1º) "a condenação da NET SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO S.A. na obrigação de não-fazer, consistente em não mais cobrar pelos pontos-extras, pontos-de-extensão e pela locação de decodificadores dos clientes que já pagam pelo ponto principal, na Subseção Judiciária Federal de Marília"; e
2°) "a condenação da ANATEL na obrigação de fazer, consistente em fiscalizar e sancionar as cobranças ileais (ponto-extra, pontos-de-extensão e locação de decodificadores) por parte das operadoras de TV a Cabo, na Subseção Judiciária Federal de Marília".
[...]
O eminente desembargador federal relator negou provimento ao agravo retido e deu provimento às apelações para reformar a sentença. Concordo no que diz respeito ao agravo e discordo no que se refere aos apelos.
A Constituição Federal é clara no sentido de que apenas a lei pode tratar de política tarifária de serviços públicos prestados sob regime de concessão ou permissão:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
[...]
III - política tarifária;
[...] [ressaltei]
Como bem examinado pelo juízo de primeiro grau, a cobrança por pontos-extras, pontos-de-extensão e locação de decodificadores dos assinantes de TV a cabo que já pagam pelo ponto principal infringe o princípio da legalidade, eis que a Lei nº 8.977/1995, que dispõe sobre essa espécie de serviço, apenas permite a exigência de tarifa pela adesão e disponibilidade do serviço, conforme seu artigo 26, com o que qualquer norma da ANATEL que disponha em sentido diverso não pode prevalecer, mesmo que interpretada por meio de súmula da agência. Destaque-se trecho da sentença (Id 102962440 - págs. 10/11):
[...]
A conclusão que se tem da exegese dos artigos legais acima citados (artigos 2, 5, 23, 26, 30), constata-se efetivamente que a lei admite a cobrança de apenas duas naturezas:
1) quando da assinatura do contrato, a título de adesão, com o escopo de cobrir os custos operacionais efetuados; e
2) outra periódica, a título de assinatura, com o fito de remunerar a disponibilidade e a utilização efetiva dos serviços.
A aludida Lei nº 8.977/95, em seu artigo 26 estabelece que "o acesso, como assinante, ao serviço de TV a cabo é assegurado a todos os que tenham suas dependências localizadas na área de prestação do serviço, mediante o pagamento pela adesão, e remuneração pela disponibilidade e utilização do serviço".
Verifica-se que a lei não inclui entre os direitos da operadora de TV a cabo o de cobrar pelo ponto-extra, ponto-de-extensão ou aluguel do aparelho decodificador, sendo que a cobrança efetuada pela ré afronta o princípio da legalidade, inserto no artigo 37 da Constituição Federal, uma vez que estabelece a cobrança de tarifa, sem a devida autorização legal.
Com fulcro na finalidade do contrato que não é outra senão disponibilizar o sinal de TV na dependência do consumidor, constata-se que a remuneração deverá incidir apenas sobre custos que extravasem os custos relativos ao transporte do sinal, revestindo-se qualquer outro tipo de remuneração de ilegalidade.
Constata-se, pois, que o contrato de concessão impõe à concessionária a obrigação de fornecer o serviço de TV a cabo a qualquer usuário que assim o desejar e que possua dependência localizada na área de prestação, que passa a ser assinante do serviço e remunera mensalmente a concessionária.
O serviço constitui na entrega do sinal de telecomunicação na dependência do usuário, sendo que a sua remuneração se dará através da taxa de adesão e da assinatura.
Nesse contexto, a concessionária afasta-se da definição do princípio da legalidade próprio ao âmbito do direito privado ("fazer tudo o que a lei não proíbe"), sujeitando-se à sua noção publicista ("fazer apenas o que a lei autoriza"). Transpondo-se essa consideração para a hipótese sub judice, não se verifica em nenhum dos atos normativos citados, ou mesmo no contrato, qualquer autorização para as cobranças impugnadas por esta ação civil pública.
Óbvio, pois, que os serviços de instalação do ponto-extra, ponto-de-extensão ou aluguel do aparelho decodificador não são compatíveis com o acréscimo que se realiza na prestação deste. E mais, o pagamento tendo como fato gerador as instalações desses serviços contribui para um ganho sem que tenha existido a prestação de serviço que o justifique (haja vista que a manutenção para um conseqüente reparo gerará um custo único, inexistindo a prestação de um serviço contínuo).
Da análise dos serviços questionados na presente ação civil pública, verifico que nenhum deles se enquadra nos conceitos fornecidos pela Lei nº 8.977/95 e pelo Decreto nº 2.206/97, para que seja considerado incluído no serviço de TV a cabo.
[...]
Por outro lado, o juízo a quo, também acertadamente, afirmou que a lei impõe à ANATEL a obrigação de fiscalizar os serviços públicos concedidos, bem como, de reprimir as infrações aos direitos dos usuários (Id 102962440 - pág. 23), com base no artigo 19 da Lei nº 9.472/1997 (especialmente seu inciso VII), que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8/1995.
A sentença deve, portanto, ser mantida.
Ante o exposto, acompanho o relator quanto ao agravo retido mas divirjo para negar provimento às apelações.
É como voto.
André Nabarrete
Desembargador Federal
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO RETIDO REITADO EM APELAÇÃO. CONHECIMENTO. PROVA PERICIAL. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. DESNECESSIDADE. CONCESSIONÁRIA DE TV POR ASSINATURA. SERVIÇO PÚBLICO. COBRANÇA PELO ALUGUEL DE EQUIPAMENTO DECODIFICADOR. RESOLUÇÃO ANATEL Nº 528/2009. SÚMULA Nº 09/ANATEL. VALIDADE.
1. A despeito de o agravo retido não ter sido recepcionado pelo CPC/2015, o recurso deve ser conhecido, tendo em vista que foi reiterado a sua apreciação em apelação, atendendo ao disposto no art. 523, § 1º, do CPC/1973, vigente à época da interposição.
2. Sob a égide do Diploma Processual de 1973, o art. 125, II, atribuía ao juiz a responsabilidade de "velar pela rápida solução do litígio". Já o art. 130, previa a competência para "determinar as provas necessárias para a instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias".
3. A questão a ser dirimida envolve a cobrança de valores supostamente indevidos do consumidor, o que demanda a estrita análise da legislação regulamentadora dos serviços de TV a Cabo. Logo, por se tratar de questão eminentemente jurídica, a análise dos documentos que instruíram os autos é suficiente para a solução da lide.
4. O art. 21, XII, "a", da CF, estabelece a competência da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão “os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.
5. Com fundamento em seu poder normativo, a ANATEL editou a Resolução nº 488, de 03 de dezembro de 2007, aprovando o “Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura”, a qual foi posteriormente alterada pela Resolução nº 528, de 17 de abril de 2009.
6. Diante da Súmula nº 09 e da Resolução nº 488/2007, alterada pela Resolução nº 528/2009, todas da ANATEL, pode-se concluir que: a) até a edição da Resolução ANATEL nº 528/2009, é cabível a cobrança pela utilização de Pontos-Extras e para Pontos-de-Extensão, conforme interpretação a contrario sensu do art. 29 da Resolução nº 488/2007; b) é cabível a cobrança pela contratação de equipamento conversor/decodificador “por meio de venda, aluguel, comodato, dentre outras, vedado o abuso do poder econômico”.
7. A cobrança pelo aluguel dos aparelhos decodificadores tem por fundamento a política tarifária elaborada pela ANATEL, criada nos termos do inciso V, do art. 29, da Lei nº 8.987/95 e no inciso VII, do art. 19, da Lei Geral de Telecomunicações.
8. Por outro lado, que o inciso I, do art. 128, da Lei Geral de Telecomunicações, preconiza que a ANATEL deve privilegiar a liberdade de atuação das operadoras, devendo ser mínima a sua intervenção para impor condicionantes administrativos.
9. Uma imposição jurisdicional para que as operadoras fornecessem tamanha tecnologia aos consumidores sem a necessária contrapartida financeira, implicaria em nítido desequilíbrio contratual. Não se mostra consentâneo com os postulados da equidade, da isonomia, da justeza, entre tantos outros, admitir que os ônus de uma determinada atividade estejam vinculados a só uma das partes, enquanto que à outra ficam todos os bônus.
10. Apelações providas. Agravo interno improvido.