Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002680-51.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARISA LUCHETTI

Advogados do(a) APELANTE: LUIZA NAGIB ELUF - SP327349-A, ARMENIO CLOVIS JOUVIN NETO - SP259639-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002680-51.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARISA LUCHETTI

Advogados do(a) APELANTE: LUIZA NAGIB ELUF - SP327349-A, ARMENIO CLOVIS JOUVIN NETO - SP259639-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de ação ordinária, intentada por filha de pais portadores de hanseníase contra a União Federal, objetivando a condenação em indenização, por danos morais ou, subsidiariamente, a concessão de benefício de pensão mensal vitalícia, nos moldes da Lei n.º 11.520/2007.

A r. sentença acolheu a preliminar de prescrição suscitada pela União em relação ao pedido de indenização por danos morais, julgando extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC. Com relação ao pedido subsidiário, julgou-o improcedente, indeferindo a pensão mensal prevista na Lei n.º 11.520/2007. Condenou a autora ao pagamento da verba honorária, fixada em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2.º, do CPC, cuja exigibilidade foi suspensa em decorrência do deferimento dos benefícios da justiça gratuita.

Nas razões de apelação, a autora sustenta a imprescritibilidade do seu direito. No mérito, argumenta com a responsabilidade objetiva do Estado. Requer a fixação da indenização por danos morais ou, subsidiariamente, a concessão da pensão.

Houve apresentação de contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002680-51.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARISA LUCHETTI

Advogados do(a) APELANTE: LUIZA NAGIB ELUF - SP327349-A, ARMENIO CLOVIS JOUVIN NETO - SP259639-A

APELADO: UNIAO FEDERAL

 

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O recurso de apelação deve ser improvido.

No tocante à prescrição, entendo que o caso concreto, em que se requer indenização por danos morais em decorrência das questões envolvendo a segregação aos portadores de hanseníase não se equipara às vítimas de tortura durante o regime militar.

Afasto, portanto, a alegação de aplicação, por analogia, da jurisprudência do C. STJ quanto à imprescritibilidade das pretensões indenizatórias nos casos de tortura.

Desta forma, considero aplicável, no caso concreto, a prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/32 e aplicável nas ações indenizatórias em desfavor da Fazenda Pública. Neste sentido, acompanho os julgados dos TRF’s da Primeira e Segunda Região:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHO DE PORTADOR DE HANSENÍASE. INTERNAÇÃO DE CARÁTER COMPULSÓRIO E SEGREGATÓRIO. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/1932. IMPRESCRITIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O apelante ajuizou ação buscando indenização por danos morais em face da União Federal e do Estado do Rio de Janeiro, ora apelados, em razão de política pública sanitarista que promoveu a internação compulsória de sua genitora, portadora de hanseníase. Segundo documento acostado aos autos, o autor foi internado no Educandário Vista Alegre da Sociedade Fluminense Eunice Weaver em 05/12/1961, tendo saído no ano de 1965. No entanto, somente propôs a presente demanda em 11/01/2018. 2. Nesse contexto, aplica-se o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça sob a sistemática dos recursos repetitivos no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto nº 20.910/32 - nas ações indenizatórias em desfavor da fazenda pública. Precedentes da 5ª, 6ª e 7ª Turmas Especializadas em Direito Administrativo desta Eg. Corte. 3. Cabe destacar que a imprescritibilidade em virtude de fatos ocorridos durante o regime militar diz respeito àquelas ações cuja causa de pedir tem motivação exclusivamente política, por atos de exceção, em nada se relacionando ao caso versado nos autos. 4. Considerando que a prescrição é instituto de fundamental importância para a estabilidade e segurança das relações sociais, deve-se interpretar restritivamente a conclusão alcançada pela jurisprudência, sendo certo que se opera o distinguishing no presente caso. Ademais, vale frisar que a fixação de lapso prescricional para a pretensão de responsabilidade civil do Estado, desde que em prazo razoável, se insere dentro da margem de discricionariedade política do legislador, sendo sua, paralelamente, a competência para excepcionar tal regra. Logo, não cabe ao Judiciário ampliar os casos de imprescritibilidade, agindo como se legislador positivo fosse (TRF 2, 0004825-37.2018.4.02.5117, Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, DJe 27/06/2018). 5. Apelações conhecida e desprovida.”

(AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0004316-39.2018.4.02.5107, JOSÉ ANTONIO NEIVA, TRF2 - 7ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)

 

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PENSÃO ESPECIAL. PORTADOR DE HANSENÍASE. LEI 11.520/2007. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E DO INSS. INTERNAÇÃO E ISOLAMENTO COMPULSÓRIOS COMPROVADOS. REQUISITOS PREENCHIDOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PARCELAS DEVIDAS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DANOS MORAIS INDEVIDOS. 1. A pensão especial às pessoas acometidas por hanseníase, de que trata o art. 1º da Lei n. 11.520/2007, é devida mediante comprovação do (i) acometimento pela hanseníase e da (ii) internação compulsória em hospitais colônias, até 31/12/1986. 2. No que se refere à legitimidade passiva para a demanda, compete à União a concessão da pensão pleiteada (art. 1º, § 3º e art. 2º) e ao INSS, o processamento, a manutenção e o seu pagamento (art. 1º, § 4º). 3. Na hipótese, houve a apresentação de ficha epidemiológica que demonstra o diagnóstico de hanseníase em 1982 (fl. 52), bem como pareceres, fichas médicas e ofícios (fl. 52-58) quanto à internação e isolamento compulsórios na Colônia do Bomfim, em 1982. 4. As testemunhas ouvidas em Juízo confirmam, de forma uníssona e harmônica, a internação compulsória da parte-autora em regime de isolamento, em razão da ausência de liberdade para entrar e sair da internação, bem como diante da ameaça de prisão caso o paciente saísse do local. 5. O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo, respeitada a prescrição quinquenal. 6. Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 7. Na esteira da jurisprudência desta Corte, a demora na análise do pedido administrativo não enseja reparação moral, salvo se provado o dolo ou a negligência do servidor responsável pelo ato, de modo que o interessado seja prejudicado diretamente, situação que não se verifica na hipótese em apreço. 8. Apelações do INSS, da União e remessa oficial parcialmente providas, nos termos do item 7 e para que sejam observados os consectários legais.”

 (AC 0005708-38.2011.4.01.3700, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, e-DJF1 02/12/2019 PAG.)

 

Por outro lado, entendo incabível a concessão da pensão especial.

A Lei n.º 11.520/2007:

 

"Art. 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31 de dezembro de 1986, que a requererem, a título de indenização especial, correspondente a R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais)." (o destaque não é original)

 

A concessão da pensão especial exige dois requisitos cumulativos às pessoas atingidas diretamente pela hanseníase: a comprovação da moléstia e o isolamento/internação compulsória, até 31 de dezembro de 1986.

No caso concreto, a autora não é portadora de hanseníase e não teve internação compulsória, mas é filha de portadores e alega ter sido compulsoriamente separada dos pais ao nascimento.

Todavia, embora a situação relatada seja de amplo dissabor, não legitima a autora a pleitear o benefício citado, posto que a lei é específica quanto à questão dos beneficiários, não permitindo interpretação extensiva para atingir aqueles que foram indiretamente afetados pela compulsoriedade das internações.

Neste sentido, os precedentes:

 

“AÇÃO ORDINÁRIA. PENSÃO ESPECIAL. LEI Nº 11.520/2007. PORTADORES DE HANSENÍASE. PENSÃO PERSONALÍSSIMA. ILEGITIMIDADE ATIVA. DESCENDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA. I - A competência desta E. Seção advém do decidido pelo C. Órgão Especial no julgamento do CC nº 2010.03.00.016260-0, de relatoria da Exma. Des. Fed. Therezinha Cazerta, DJ de 12/11/2010. II - As provas são destinadas a convencer o juiz sobre o mérito do litígio. Logo, tendo o magistrado julgado a autora carecedora do direito de ação por ilegitimidade de parte, não há que se falar em cerceamento do direito de defesa. III - A Lei nº 11.520/2007, que dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase, tem por objetivo reparar aqueles sujeitos que foram segregados por serem portadores da moléstia. IV - A autora não é portadora de hanseníase e não foi submetida a isolamento e internação, sendo atingida indiretamente pelos efeitos da doença e pelas medidas legalmente adotadas à época ao ser privada do convívio de seus genitores (portadores da doença) logo depois do nascimento e segregada em preventórios. V - Apelação improvida."

 (ApCiv 0000693-28.2011.4.03.6127, DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/03/2013.)

 

“PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA NA PENSÃO ESPECIAL ÀS PESSOAS SUBMETIDAS À INTERNAÇÃO POR HANSENÍASE. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Ora, a legitimidade ativa para a ação que vise à pensão especial decorrente da percepção da Pensão Especial para as pessoas atingidas pela hanseníase pertence pessoa que foi vítima deste mal. De outra banda, a legitimidade passiva da ação deverá ser formada pelo INSS e pela União Federal, em litisconsórcio passivo necessário. 2. Com efeito, quem paga a futura pensão é a União Federal através do INSS que é uma autarquia federal incumbido de administrar os pagamentos efetuados por aquela. 3. Importante deixar registrado que, como se trata de uma ação personalíssima, quer dizer, só pode ser proposta exclusivamente pela vítima da hanseníase que tenha sido submetida a isolamento e internação compulsórios, não se admite que seja proposta por dependente ou mesmo eventual herdeiro. Assim, se a pessoa vitimada por esta doença tiver falecido antes da entrada em vigor da Medida Provisória 373 de 2007, a ação já nasceu morta, ou seja, deve ser extinto o feito sem análise de mérito, por absoluta falta de interesse de agir. 4. Do outro lado da lide, no polo passivo, este deverá ser formado pela União e pelo INSS, em litisconsórcio passivo necessário. O INSS, tem a incumbência de pagar mensalmente o benefício, caso concedido, e administrá-lo, daí fica justificada sua participação no feito. A União, por seu turno, é quem concede ou nega o benefício. 5. Apelação provida em parte.”

(ApCiv 0038244-37.2009.4.03.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2015.)

 

“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO ESPECIAL. HANSENÍASE. SEGURADA FALECIDA. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E AÇÃO PROPOSTA PELO ESPÓLIO APÓS O ÓBITO. DIREITO PERSONALÍSSIMO. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. Os herdeiros/sucessores não têm legitimidade ativa para pleitear direito personalíssimo não exercido em vida pelo segurado falecido, cuja situação difere da possibilidade de os herdeiros postularem eventuais diferenças pecuniárias de benefício já concedido e não pagas em vida ao segurado, conforme previsão do art. 112 da Lei 8.213/91. 2. No presente caso, em que pese a concessão do benefício na esfera administrativa, vê-se da análise dos autos que o requerimento administrativo foi formulado em 20/05/2011(fls.10), após a data do óbito da segurada, fato ocorrido em 22/09/2010 (fls. 07), donde se dessume que não foi formulado pela segurada, como decidido no julgado recorrido, mas por terceiro, que não possui legitimidade para requerer benefício em nome do titular, uma vez que intransmissível o direito à percepção do benefício de pensão especial (hanseníase), razão pela qual não faz jus o espólio ao recebimento de qualquer parcela, como consignado na sentença recorrida. 3. Apelação desprovida. Determinada a retificação da autuação para constar como apelante o Espólio de MARINALVA PASCOAL FERREIRA.”

(AC 0026447-34.2012.4.01.3300, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 29/08/2017 PAG.)

 

Assim, entendo que a r. sentença deve ser integralmente mantida.

Por fim, a fixação dos honorários advocatícios observou o disposto no art. 85 do NCPC, e levando-se em conta o não provimento do recurso de apelação, de rigor a aplicação da regra do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários advocatícios em 1%, sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, do CPC, ficando a execução dos honorários suspensa em virtude do deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita.

Por estes fundamentos, nego provimento à apelação da parte autora.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002680-51.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: MARISA LUCHETTI

Advogados do(a) APELANTE: LUIZA NAGIB ELUF - SP327349-A, ARMENIO CLOVIS JOUVIN NETO - SP259639-A

APELADO: UNIAO FEDERAL

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

Adoto, em sua integralidade, o relatório apresentado pela ilustre Desembargadora Federal Relatora Monica Nobre.

Trata-se de ação ordinária, intentada por filha de portadores de hanseníase contra a União Federal, objetivando a condenação em indenização, por danos morais ou, subsidiariamente, a concessão de benefício de pensão mensal vitalícia, nos moldes da Lei n.º 11.520/2007.

A r. sentença acolheu a preliminar de prescrição suscitada pela União em relação ao pedido de indenização por danos morais. Com relação ao pedido subsidiário, julgou-o improcedente, indeferindo a pensão mensal prevista na Lei n.º 11.520/2007.

Nas razões de apelação, a autora sustenta a imprescritibilidade do seu direito. No mérito, argumenta com a responsabilidade objetiva do Estado. Requer a fixação da indenização por danos morais ou, subsidiariamente, a concessão da pensão.

A eminente Desembargadora Federal Relatora negou provimento à apelação e majorou a verba honorária fixada na sentença em 1%.

Com a devida vênia, ouso divergir da ilustre Relatora.

A pensão especial devida aos atingidos pela Hanseníase foi prevista pelo art. 1º da Lei nº 11.520/2007:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31 de dezembro de 1986, que a requererem, a título de indenização especial, correspondente a R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais).

§ 1º A pensão especial de que trata o caput é personalíssima, não sendo transmissível a dependentes e herdeiros, e será devida a partir da entrada em vigor desta Lei.

§ 2º O valor da pensão especial será reajustado anualmente, conforme os índices concedidos aos benefícios de valor superior ao piso do Regime Geral de Previdência Social.

§ 3º O requerimento referido no caput será endereçado ao Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, nos termos do regulamento.

§ 4º Caberá ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS o processamento, a manutenção e o pagamento da pensão, observado o art. 6o.

Consoante se constata do texto legal, é cabível a concessão de pensão especial àquele que foi atingido pela hanseníase e sofreu segregação compulsória até 31.12.1986. Ora, é inegável que a autora foi irremediavelmente atingido pela doença que a afastou do convívio familiar em tenra idade e a manteve em instituições denominadas preventórios, para os quais os filhos de portadores de hanseníase eram compulsoriamente encaminhados, conforme previa a Lei nº 610, de 13.01.1949:

“Artigo 15. Todo recém-nascido, filho de doente de lepra, será compulsória e imediatamente afastado da convivência dos Pais.

Artigo 16. Os filhos de pais leprosos e todos os menores que convivam com leprosos serão assistidos em meio familiar adequado ou em preventórios especiais."

Apesar de terem sido idealizados como centros de promoção de saúde infantil, na prática os preventórios não correspondiam ao que deles se esperava.

A autora ficou internada desde o nascimento em 03/05/1957 a 13/04/70 na Associação Terezinha do Menino Jesus - SP, conforme demonstra a ficha social da instituição (id 126550926), eis que seus pais tinham hanseníase. Em 13/04/70, foi adotada por terceiros.

Nessa situação específica, se constata violação a direitos de personalidade e dignidade humana, tais como no caso dos pais que foram internados por força da lei, razão pela qual os precedentes do STJ no sentido de que aos filhos dos doentes se aplica a prescrição quinquenal não incidem na espécie, eis que não consideraram a peculiaridade de eles também terem sido segregados.

Inegável, pois, que a autor foi atingida pela hanseníase, ainda que indiretamente, e que foi recolhido aos preventórios compulsoriamente, sem que houvesse outra opção para si ou para seus pais. Quanto à caracterização da compulsoriedade, confira-se precedente desta corte:

ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL. LEI N.º 11.520/2007. REQUISITOS. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E ISOLAMENTO. HANSENÍASE. COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. A Lei 11.520/2007 dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas por hanseníase e que foram submetidas a tratamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31/12/1986.

2. São requisitos necessários à concessão do benefício previsto no art. 1º da Lei 11.520/2007, a internação e o isolamento compulsórios.

3. Na hipótese dos autos, resta comprovado que o autor é portador de hanseníase e foi internado no Hospital São Julião em 12/11/1985, obtendo alta em 22/05/1986.

4. Incontroverso o diagnóstico da hanseníase, cabe perquirir acerca da compulsoriedade da internação. A jurisprudência dos Tribunais Regionais é firme no sentido de que a compulsoriedade do isolamento e da internação para a concessão da pensão mensal vitalícia aos portadores de hanseníase, haja vista a repulsiva política sanitária adotada à época, bem como ao estigma social a que ficavam submetidas as pessoas acometidas pela doença no mundo todo, constante, inclusive de textos bíblicos, cujo preconceito perdura até hoje, pode ser presumida diante da violência psíquica sofrida à época.

5. Assim, a comprovação da compulsoriedade do isolamento e internacão deve ser examinada, não só como coerção física imposta ao internando no intuito de privá-lo da liberdade e do convívio com sua família, mas também pela coação psicológica exercida sobre o portador da doença e seus familiares a indicar que não havia outra alternativa possível e viável ao tratamento e à cura, senão a submissão ao isolamento e internação obrigatória em hospitais-colônia.

6. Recebido o diagnóstico, não restava outra alternativa ao portador da doença, senão procurar os sanatórios e viver em isolamento social, dado que o convívio em sociedade era impossível, notadamente aos mais carentes.

7. O simples fato de não constar na ficha social da parte autora que o mesmo foi levado à força, por terceiros, não ilide a constatação da obrigatoriedade no tratamento ofertado pela política sanitária de isolamento e internação.

8. Preenchidos os requisitos necessários à concessão da pensão especial prevista na Lei 11.520/2007, razão pela qual dever ser mantida a r. sentença.

9. Apelação desprovida. (grifos nossos)

(AC 00141985020094036000, DES. FED. DIVA MALERBI, TRF3 - 6ª TURMA, e-DJF3 Judicial 1, DATA: 28/07/2017)

Por fim, cumpre ressaltar a impossibilidade de se diferenciarem juridicamente situações que têm a mesma causa e consequência: a hanseníase e a segregação compulsória que atingiu da mesma forma os doentes e os que, ainda que sadios, foram destituídos do convívio familiar em razão da enfermidade.

Destarte, por se tratar de clara violação à dignidade humana, aplicável por analogia o entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual são imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar. Precedentes: REsp 959.904/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/04/2009, DJe 29/09/2009; AgRg no Ag 970.753/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 12/11/2008; REsp 449.000/PE, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 05/06/2003, DJ 30/06/2003 p. 195. (AgRg no REsp 1160643/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 26/11/2010).

Em razão da sucumbência recíproca (artigo 86 do CPC), da natureza da causa, da sua complexidade mediana e do trabalho realizado pelos advogados impõem-se a condenação da autora  à verba honorária de 8% sobre o valor do pedido de indenização por danos morais (artigo 85, § 3º, inciso II, do CPC), cuja cobrança ficará suspensa à vista de que é beneficiária da assistência judiciária gratuita, bem como  da União no montante de 10%  sobre a soma das prestações vencidas, acrescidas de 12 prestações vincendas (artigo 85, § 3º, inciso I, e § 9º, do CPC).

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e afastar a prescrição relativa ao pedido de indenização por danos morais, bem como. julgar parcialmente procedente o pedido para condenar as rés a pagar à autora a pensão especial prevista na Lei nº 11.520/2007, e fixar os honorários, conforme a fundamentação.

É como voto.

MARCELO SARAIVA

Desembargador Federal

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Apelação interposta por MARISA LUCHETTI contra sentença, que acolheu a preliminar de prescrição suscitada pela União em relação ao pedido de indenização por danos morais. Com relação ao subsidiário, julgou-o improcedente, indeferindo a pensão mensal prevista na Lei n.º 11.520/2007.

A Desembargadora Federal Mônica nobre votou no sentido de negar provimento à apelação e majorar a verba honorária fixada na sentença em 1%. Divirjo, todavia.

Na década de 1920 o Brasil passava por uma epidemia de lepra. A leitura da exposição de motivos do projeto de medida provisória que culminou com a edição da Lei nº 11.520, de 18 de setembro de 2007, permite visualizar o panorama da época, bem como deixa claro o reconhecimento da lesão aos direitos humanos promovida pelo Estado Brasileiro ao adotar a política de exílio por motivos sanitários:

"2. A legislação sanitária brasileira da Primeira República, em conformidade com os conhecimentos científicos da época, previa o isolamento de pessoas com hanseníase em colônias construídas especificamente para esse fim. Os Decretos de nº 5.156, de 1904 (Regulamento Sanitário Federal), e nº 10.821, de 1914 dispunham sobre a matéria. O Decreto Federal nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, por sua vez, reforçou a disposição de que o isolamento de pessoas com hanseníase deveria ocorrer preferencialmente em colônias, definidas nesta norma como estabelecimentos nosocomiais.

3. Contudo, a imposição legal não podia ser cumprida à risca, uma vez que o número desses estabelecimentos no Brasil era insuficiente. Vale ressaltar que, ao final da década de vinte do século passado, havia um clima de pânico social em relação aos doentes. Marginalizados, os portadores de hanseníase não podiam trabalhar e, sem condições de subsistir, mendigavam pelas ruas.

4. No primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas (1930- 45), o combate à hanseníase foi ainda mais disciplinado e sistematizado. Reforçou-se, então, a política de isolamento compulsório que mantinha os doentes asilados em hospitais-colônia. Quando se concluiu a rede asilar do País, o isolamento forçado ocorreu em massa.

5. A maior parte dos pacientes dos hospitais-colônia foi capturada ainda na juventude. Foram separados de suas famílias de forma violenta e internados compulsoriamente. Em sua maioria, permaneceram institucionalizados por várias décadas. Muitos se casaram e tiveram filhos durante o período de internação. Os filhos, ao nascer, eram imediatamente separados dos pais e levados para instituições denominadas "preventórios". Na maioria dos casos, não tinham quase nenhum contato com os pais.

6. A disciplina nos preventórios era extremamente rígida, com aplicação habitual de castigos físicos desmesurados. As crianças eram induzidas a esquecerem de seus pais, porquanto a hanseníase era considerada uma "mancha" na família.

7. Nos hospitais, as fugas eram frequentes, mas a dificuldade de viver no mundo exterior sob o forte estigma da doença, forçava os pacientes a voltar. Os anos se passaram, e o Brasil, seguindo a tendência mundial, começou a pôr fim ao isolamento compulsório mantendo um regime de transição semiaberto. A internação compulsória foi abolida formalmente em 1962, mas há registros de casos ocorridos ainda na década de 1980.

8. Nos últimos vinte anos, com a consolidação da cura da hanseníase por meio da poliquimioterapia - tratamento com múltiplos medicamentos - realizada sem necessidade de internação, os hospitais-colônia passaram apenas a asilar antigos doentes que não possuíam mais vínculos familiares ou sociais fora de seus muros, aqueles que, mesmo curados, continuavam dependentes de tratamento por conta de sequelas, além de ex pacientes que saíram, mas retornaram por não terem condições de sobreviver fora da instituição.

9. Dos 101 hospitais-colônia outrora existentes no País, cerca de trinta e três continuam parcialmente ativos. Estima-se que existam atualmente cerca de três mil remanescentes do período de isolamento.

10. Reconhecendo a gravidade da situação, Vossa Excelência, em 24 de abril de 2006, assinou Decreto instituindo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Ex-Colônias de Hanseníase, com o duplo objetivo de proceder a levantamento da situação dos residentes nas ex-colônias e propor/articular a execução de ações interministeriais de promoção dos direitos de cidadania dessa população. O GTI desenvolveu seus trabalhos até dezembro de 2006, sob coordenação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. O Relatório Final foi recentemente concluído.

11. Dentre o amplo leque de recomendações deste Relatório, destaca-se, pela oportunidade, a criação de uma Pensão Indenizatória Vitalícia de caráter pessoal e intransferível aos ex internos, no valor de R$ 750,00. O gasto total estimado será de pouco mais de R$ 27 milhões a partir da cobertura integral dos potenciais beneficiários, com grande impacto na qualidade de vida de uma população que sofre com as graves sequelas adquiridas e a avançada idade.

12. No âmbito internacional, o Governo Japonês foi pioneiro ao reconhecer a figura do "exilado sanitário" e a estabelecer indenização para as pessoas com hanseníase que sofreram reclusão compulsória por motivos sanitários.

13. É neste contexto que se configura a importância desta Medida Provisória, restabelecendo a iniciativa do Presidente da República na reparação aos efeitos causados pela ação do Estado, ainda que embasada nas teorias científicas vigentes à época, causadora de danos irrecuperáveis. A iniciativa do Governo Brasileiro significa uma demonstração contundente do compromisso de resgatar parte da dívida que a sociedade tem com esses cidadãos."

No caso dos filhos dos doentes que eram segregados, a situação não era diferente, eis que também poderiam ser excluídos do convívio familiar e social por meio de internação em institutos de educação, conforme determinava o Decreto nº 610/49, o qual fixava normas para profilaxia da lepra:

Art. 15. Todo recém-nascido, filho de doente de lepra, será compulsória e imediatamente afastado da convivência dos Pais.

Art. 16. Os filhos de pais leprosos e todos os menores que convivam com leprosos serão assistidos em meio familiar adequado ou em preventórios especiais.

(...)

Art. 26. As crianças comunicantes de doentes de lepra, internadas em preventórios ou recebidas em lares, será proporcionada assistência social, principalmente sob a forma de instrução primária e profissional, de educação moral e cívica, e de prática de recreações apropriadas.

Esse é justamente o caso da autora, que ficou internada desde o nascimento em 03/05/1957 a 13/04/70 na Associação Terezinha do Menino Jesus - SP, conforme demonstra a ficha social da instituição (id 126550926), eis que seus pais tinham hanseníase. Em 13/04/70, foi adotada por terceiros. Nessa situação específica, se constata violação a direitos de personalidade e dignidade humana, tais como no caso dos pais que foram internados por força da lei, razão pela qual os precedentes do STJ no sentido de que aos filhos dos doentes se aplica a prescrição quinquenal não incidem na espécie, eis que não consideraram a peculiaridade de eles também terem sido segregados. Assim, não é cabível a aplicação do prazo prescricional quinquenal de que trata o art. 1.º do Decreto n.º 20.910/32 à pretensão indenizatória em questão. Quanto ao tema, filio-me à jurisprudência pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a qual aplico por analogia, segundo a qual são imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticosdurante o Regime MilitarPrecedentes: REsp 959.904/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/04/2009, DJe 29/09/2009; AgRg no Ag 970.753/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 12/11/2008; REsp 449.000/PE, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 05/06/2003, DJ 30/06/2003 p. 195. (AgRg no REsp 1160643/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 26/11/2010). O fundamento desse entendimento está na circunstância de que a tortura representa violação direta à dignidade humana, a qual, como direito humano que é, tem as características de ser inata, universal, absoluta, inalienável e imprescritível. O presente pleito cuida de clara violação à dignidade humana, de modo que plenamente possível a aplicação do precedente, em razão de seus fundamentos.

Destaque-se trecho do voto do Ministro Luiz Fux no REsp 959904/PR, julgado em 23/04/2009, DJe 29/09/2009, o qual sustenta:

À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.

Consectariamente, não há falar em prescrição de ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir correspondente ao direito inalienável à dignidade.

Outrossim, a Lei 9.140/95 que, por seu turno, criou as ações correspondentes às violações à dignidade humana perpetradas em período de supressão das liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem cominar prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil ou do Decreto n.º 20.910/32 no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física do ser humano.

À lei interna, adjuntam-se as inúmeras convenções internacionais firmadas pelo Brasil, como, v.g., Declaração Universal da ONU, Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Conveção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

A dignidade humana violentada, in casu, posto ter decorrido, consoante noticiado pelos autores da demanda em sua exordial, de perseguição política imposta ao seu genitor e prisão durante o Regime Militar de exceção, revela atos como flagrantes de atentado aos mais elementares dos direitos humanos, que segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.

A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1.º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

A dignidade da pessoa humana deflui da Constituição Federal, conforme premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.

Nesse sentido, trago à colação precedentes desta corte regional: 


E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ABALO PSICOLÓGICO VERIFICADO. PRIVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de condenação da União Federal em indenização por danos morais em favor de filho de pacientes portadores de hanseníase, afastado compulsoriamente de seus pais, em razão da política sanitária da época.
2. Em análise de prescrição, destaca-se ser amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Precedentes: REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018; AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018;AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015.
3. Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditadura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana.
4. A compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível.
5. É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção.
6. Nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.
7. Afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda.
(...)
  
(TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002761-40.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 14/06/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/06/2019)

 

 

Caso fique vencido quanto à preliminar, também divirjo da Relatora no que tange ao pedido de pensão.

Ao tratar da pensão especial, dispôs a Lei nº 11.520/2007:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31 de dezembro de 1986, que a requererem, a título de indenização especial, correspondente a R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais).

§ 1º A pensão especial de que trata o caput é personalíssima, não sendo transmissível a dependentes e herdeiros, e será devida a partir da entrada em vigor desta Lei.

§ 2º O valor da pensão especial será reajustado anualmente, conforme os índices concedidos aos benefícios de valor superior ao piso do Regime Geral de Previdência Social.

§ 3º O requerimento referido no caput será endereçado ao Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, nos termos do regulamento.

§ 4º Caberá ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS o processamento, a manutenção e o pagamento da pensão, observado o art. 6o.

Consoante se constata do texto legal, é cabível a concessão de pensão especial àquele que foi atingido pela hanseníase e sofreu segregação compulsória até 31.12.1986. Ora, é inegável que o autor foi irremediavelmente atingido pela doença que o afastou do convívio familiar em tenra idade e o manteve em instituições denominadas preventórios, para os quais os filhos de portadores de hanseníase eram compulsoriamente encaminhados.

Idealizados como centros de promoção de saúde infantil, na prática os preventórios não correspondiam ao que deles se esperava. Confira-se, a respeito, trecho do elucidativo trabalho de Luiz Augusto Curado Junior:

"Santos (2009), em sua dissertação mestrado, intitulada de Crianças indesejadas - estigma e exclusão dos filhos sadios de portadores de hanseníase internados no Preventório Santa Terezinha - 1930 - 1967, realizou estudos sobre o funcionamento do Preventório Santa Terezinha e do Preventório Jacareí, ambos localizados no Estado de São Paulo. A mestranda apontou uma série de impropriedades que distanciavam os preventórios reais daqueles tidos como ideais. As diferenças começavam pela localização dos preventórios. Segundo os mais conceituados especialistas da época, essas instituições deveriam ter praça nos centros urbanos, o que facilitaria sua administração e viabilizaria maiores possibilidades de seus egressos se socializarem e adaptarem-se melhor à vida fora dos preventórios. Mas, não foi o que aconteceu na maioria das vezes devido ao preconceito das próprias autoridades. Com o Preventório Santa Terezinha, por exemplo, a escolha do local foi de encontro a essa idéia. Esse preventório acabou sendo construído nas redondezas do Município de Carapicuíba, interior paulista, sob o argumento de que uma instituição que abrigasse filhos de leprosos deveria situar se o mais distante possível de grandes centros urbanos. Outras ocorrências negativas verificada nos preventórios, de um modo geral, eram: superlotação dos quartos de dormir das crianças e adolescentes, excesso de rigor na disciplina traduzido em violência física e mental contra os internos, maus tratos e castigos desumanos. Vale trazer trecho da dissertação de Santos (2009, p.194) em que são reveladas algumas situações de maus tratos contra os internos dos preventório Santa Terezinha:

'Em entrevista ao jornalista Hélio Siqueira do jornal A Última hora, o egresso Carlinhos Fontes de Oliveira, narrou as práticas de torturas e humilhações impostas aos menores considerados rebeldes ou insubordinados. Em seu relato afirmou que uma das práticas mais comuns de agressão às crianças com idades entre 10 e 14 anos era colocar os garotos totalmente nus dentro da capela e ali dar violentas surras de cordas, cintas e mesmo com as mãos. Muitas vezes os menores ficavam a noite inteira despidos dentro da igreja. Outra prática de tortura denunciada pelo ex-interno era introduzir a cabeça da criança dentro do vaso sanitário e em seguida acionar a descarga de água, provocando afogamento [...]. As penalidades aplicadas aos menores além de dilacerarem o físico os expunham a situações vexatórias e humilhantes, principalmente nos casos em que as crianças sofriam de incontinência urinária. Nesses casos além de humilhar as vítimas, as submetiam a torturas físicas e psicológicas extremamente traumáticas. [...] Várias irregularidades administrativas supostamente cometidas sob a direção de Margarida Galvão foram denunciadas por ex-internos no jornal A Última Hora. O desaparecimento de uma criança de um ano e seis meses ganhou destaque nas edições deste diário. Tratava-se da irmã menor do egresso Milton Méier que foi entregue à adoção sem o consentimento dos pais. A fim de eliminar as provas que a incriminassem, afirma Méier que todos os registro de internação da irmã Julia Aparecida Méier desapareceram dos arquivos da instituição.' Monteiro (1998), em seu artigo Violência e profilaxia: os preventórios paulistas para filhos de portadores de hanseníase, também revela o drama dos internos dos preventórios. A autora afirma que as correspondências enviadas dos pais aos internos eram abertas e censuradas, e só algumas poucas eram devidamente entregues aos seus destinatários, a critério da instituição. Monteiro (1998) denuncia também que, além da violação da correspondência, os internos sofriam com maus tratos, má alimentação, trabalho forçado, falta de atividades de lazer e despreocupação das instituições em adaptá-los à vida em sociedade: 'Em Jacareí havia poucas oportunidades de lazer e dentre elas destaca-se a ida ao cinema. [...] Entretanto, verifica-se ter havido grande distanciamento entre o disposto e o praticado, na medida em que as oportunidades de ensino eram extremamente limitadas e que os internados acabavam por ter acesso apenas ao curso primário [...], que era ministrado dentro da instituição. Se oportunidades de ensino fora do Preventório já eram restritas, observa-se que a situação era ainda agravada pelo não interesse da instituição em prover o mínimo necessário para o prosseguimento dos estudos dos internos. O tipo de formação educacional permitida no Preventório condicionou as possibilidades e oportunidades de vida que os menores tiveram ao sair da instituição. Desta forma, as [...] meninas acabavam por se tornarem empregadas domésticas, e os meninos saíam sem capacitação, a não ser para os trabalhos agrícolas ou para o exercício de tarefas que não necessitassem qualificação. A estrutura montada pela instituição fazia com que as crianças, ao saírem do Preventório, estivessem totalmente despreparadas para viver fora de seus muros.'

(in "Responsabilização civil do estado perante os portadores da hanseníase e seus filhos internados em preventórios". Trabalho apresentado ao Centro Universitário de Brasília como pré-requisito para obtenção de Certificado de Conclusão de Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito Administrativo Contemporâneo aplicado à Gestão Pública. Orientador: Prof. Rui M. Piscitelli, Brasília 2010, http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=1055.30387)

Vê-se que o direito à convivência familiar, constitucionalmente protegido desde a Constituição Federal de 1946 (artigo 163) e atualmente assegurado no artigo 226 da CF/1988, foi peremptoriamente negado a tais crianças. Destarte, a regra legal admite interpretação no sentido de que cada uma delas, ainda que saudável do ponto de vista físico, tenha sido atingida pela hanseníase, na medida em que afastada de seus pais justamente em razão de serem portadores da doença. Da mesma forma, a respectiva manutenção em preventórios foi compulsoriamente imposta aos descendentes dos pacientes dos hospitais-colônia. Por tais razões, entendo que a lei não impede, em seu artigo 1º, a concessão da pensão aos filhos dos segregados, mas sim trata da impossibilidade de se transmitir o benefício percebido pelos pais aos seus dependentes. Assim, a meu ver, o autor faz jus à pensão prevista na Lei nº 11.520/07.
 

Conforme restou demonstrado, a autora ficou internada em educandário desde que nasceu e nunca teve convívio com sua família. Em decorrência, faz jus ao recebimento da pensão especial prevista na Lei nº 11.520/2007.

A principal argumentação da União é a ausência dos requisitos legais para a concessão da pensão, quais sejam, o diagnóstico de hanseníase e a segregação compulsória com o recolhimento em hospitais-colônia em decorrência da doença, até 31.12.1986. A prova documental acostada aos autos é apta para demonstrar a presença da autora no centro denominado "preventório" no período citado, conforme declaração da instituição mencionada (id 8185171). De outro lado, a declaração atesta que seus  pais também ficaram internados, porém em razão da doença. 

Inegável, pois, que a autora foi atingida pela hanseníase, ainda que indiretamente, e que foi recolhida aos preventórios compulsoriamente, sem que houvesse outra opção para si ou para seus pais. Quanto à caracterização da compulsoriedade, confira-se precedente desta corte:

ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL. LEI N.º 11.520/2007. REQUISITOS. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E ISOLAMENTO. HANSENÍASE. COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. A Lei 11.520/2007 dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas por hanseníase e que foram submetidas a tratamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31/12/1986.

2. São requisitos necessários à concessão do benefício previsto no art. 1º da Lei 11.520/2007, a internação e o isolamento compulsórios.

3. Na hipótese dos autos, resta comprovado que o autor é portador de hanseníase e foi internado no Hospital São Julião em 12/11/1985, obtendo alta em 22/05/1986.

4. Incontroverso o diagnóstico da hanseníase, cabe perquirir acerca da compulsoriedade da internação. A jurisprudência dos Tribunais Regionais é firme no sentido de que a compulsoriedade do isolamento e da internação para a concessão da pensão mensal vitalícia aos portadores de hanseníase, haja vista a repulsiva política sanitária adotada à época, bem como ao estigma social a que ficavam submetidas as pessoas acometidas pela doença no mundo todo, constante, inclusive de textos bíblicos, cujo preconceito perdura até hoje, pode ser presumida diante da violência psíquica sofrida à época.

5. Assim, a comprovação da compulsoriedade do isolamento e internacão deve ser examinada, não só como coerção física imposta ao internando no intuito de privá-lo da liberdade e do convívio com sua família, mas também pela coação psicológica exercida sobre o portador da doença e seus familiares a indicar que não havia outra alternativa possível e viável ao tratamento e à cura, senão a submissão ao isolamento e internação obrigatória em hospitais-colônia.

6. Recebido o diagnóstico, não restava outra alternativa ao portador da doença, senão procurar os sanatórios e viver em isolamento social, dado que o convívio em sociedade era impossível, notadamente aos mais carentes.

7. O simples fato de não constar na ficha social da parte autora que o mesmo foi levado à força, por terceiros, não ilide a constatação da obrigatoriedade no tratamento ofertado pela política sanitária de isolamento e internação.

8. Preenchidos os requisitos necessários à concessão da pensão especial prevista na Lei 11.520/2007, razão pela qual dever ser mantida a r. sentença.

9. Apelação desprovida. (grifos nossos)

(AC 00141985020094036000, DES. FED. DIVA MALERBI, TRF3 - 6ª TURMA, e-DJF3 Judicial 1, DATA: 28/07/2017)

Por fim, cumpre ressaltar a impossibilidade de se diferenciarem juridicamente situações que têm a mesma causa e consequência: a hanseníase e a segregação compulsória que atingiu da mesma forma os doentes e os que, ainda que sadios, foram destituídos do convívio familiar em razão da enfermidade. À vista da ausência de requerimento administrativo, fixo o termo inicial do benefício na data da citação. As parcelas em atraso deverão ser corrigidas monetariamente nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal elaborado pelo Conselho da Justiça Federal-CJF e acrescidas de juros de mora, a partir da data da citação.

Em razão da sucumbência recíproca (artigo 86 do CPC), da natureza da causa, da sua complexidade mediana e do trabalho realizado pelos advogados impõem-se a condenação do autor  à verba honorária de 8% sobre o valor do pedido de indenização por danos morais (artigo 85, § 3º, inciso II, do CPC), cuja cobrança ficará suspensa à vista de que é beneficiário da assistência judiciária gratuita, bem como  da União no montante de 10%  sobre a soma das prestações vencidas, acrescidas de 12 prestações vincendas (artigo 85, § 3º, inciso I, e § 9º, do CPC).

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e afastar a prescrição relativa ao pedido de indenização por danos morais. Vencido, dou parcial provimento à apelação para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente o pedido para condenar as rés a pagar à  autora a pensão especial prevista na Lei nº 11.520/2007, nos termos da fundamentação. Honorários nos termos explicitados.

É como voto.

 

DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

 

APC                  

 

                                                E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. BENEFÍCIO DE PENSÃO ESPECIAL. FILHO DE PORTADORES DE HANSENÍASE. LEI 11.520/2007. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

- Trata-se de ação ordinária, intentada por filha de pais portadores de hanseníase contra a União Federal, objetivando a condenação em indenização, por danos morais ou, subsidiariamente, a concessão de benefício de pensão mensal vitalícia, nos moldes da Lei n.º 11.520/2007.

- No tocante à prescrição, entendo que o caso concreto, em que se requer indenização por danos morais em decorrência das questões envolvendo a segregação aos portadores de hanseníase não se equipara às vítimas de tortura durante o regime militar.

- Desta forma, considero aplicável, no caso concreto, a prescrição quinquenal prevista no Decreto nº 20.910/32 e aplicável nas ações indenizatórias em desfavor da Fazenda Pública. Precedentes.

- A concessão da pensão especial prevista pela Lei n.º 11.520/2007exige dois requisitos cumulativos às pessoas atingidas diretamente pela hanseníase: a comprovação da moléstia e o isolamento/internação compulsória, até 31 de dezembro de 1986.

- No caso concreto, a autora não é portadora de hanseníase e não teve internação compulsória, mas é filha de portadores e alega ter sido compulsoriamente separada dos pais ao nascimento.

- Todavia, embora a situação relatada seja de amplo dissabor, não legitima a autora a pleitear o benefício citado, posto que a lei é específica quanto à questão dos beneficiários, não permitindo interpretação extensiva para atingir aqueles que foram indiretamente afetados pela compulsoriedade das internações.

- Apelação improvida.

 

 

  ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, na sequência do julgamento, após o voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA no mesmo sentido da Relatora, foi proferida a seguinte decisão: A Quarta Turma, por maioria, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram as Des. Fed. DIVA MALERBI e MARLI FERREIRA. Os Des. Fed. MARCELO SARAIVA e ANDRÉ NABARRETE davam provimento à apelação para reformar a sentença e afastar a prescrição relativa ao pedido de indenização por danos morais; vencidos, davam parcial provimento à apelação para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente o pedido para condenar as rés a pagar à autora a pensão especial prevista na Lei nº 11.520/2007, honorários na forma da fundamentação. Fará declaração de voto o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. A Des. Fed. MARLI FERREIRA votou na forma do art. 942, § 1.º do CPC. A Des. Fed. DIVA MALERBI votou na forma dos artigos 53 e 260, § 1.º do RITRF3 , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.