APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001208-81.2019.4.03.6002
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: TAYRONE GARCIA DOS REIS
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001208-81.2019.4.03.6002 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: TAYRONE GARCIA DOS REIS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de TAYRONE GARCIA DOS REIS, contra a r. sentença (ID 142234127) que o condenou às penas de: i) 5 anos, 6 meses e 6 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 510 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006; ii) 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, pelo cometimento do crime do artigo 244-B da Lei 8.069/1990; e c) Segundo narra a denúncia (ID 142234015), in verbis: "No dia 1º de julho de 2019, por volta das 6h30, na Rodovia BR 163, já no perímetro urbano do Município de Nova Alvorada do Sul/MS, próximo da Pizzaria “Conexão”, TAYRONE GARCIA DOS REIS, de maneira consciente e voluntária, foi flagrado transportado 617,500 kg (seiscentos e dezessete quilos e quinhentos gramas) da substância entorpecente conhecida como maconha, após têla importado do Paraguai. Ademais, TAYRONE GARCIA DOS REIS, de maneira consciente e voluntária, corrompeu a menor Mariana Delmondes Rocha, com ela praticando a infração penal ora narrada. Nas circunstâncias acima descritas, equipe de policiais militares recebeu denúncia anônima, via 190, relatando que um veículo Chevrolet/Onix, branco, trafegava pela rodovia BR 163, sentido Rio Brilhante a Nova Alvorada do Sul/MS, aparentemente transportando drogas, devido ao seu peso e volume. Assim, os policiais procederam à abordagem do citado veículo, placa aparente PZZ-5167, no interior do qual foram encontrados 617,500 kg (seiscentos e dezessete quilos e quinhentos gramas) de maconha. Ouvido em sede policial (f. 22-23, ID 18995248), o denunciado relatou que, no início da semana anterior aos fatos, fora convidado para fazer o transporte de maconha da fronteira do Paraguai com destino a Cuiabá/MT, pelo valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais). Disse, ainda, que ficou por três dias na região de fronteira, onde recebeu o carro carregado com o entorpecente. De acordo com o Laudo de Constatação Preliminar (f. 13, ID 18995248), o resultado do teste foi positivo para a substância maconha. A prova da materialidade e os indícios de autoria estão demonstrados, por ora, pelos seguintes elementos: a) Auto de Prisão em Flagrante (f. 2-7, 10 e 17-23); b) Boletim de Ocorrência (f. 8-9); c) Laudo de Constatação Preliminar (f. 13).” A denúncia foi recebida no dia 02.09.2019 (ID 142234056). Regularmente processado o feito, sobreveio a sentença apelada (ID 142234127), que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para: “Condenar TAYRONE GARCIA DOS REIS, filho de Odair Marques dos Reis e Catarina Garcia da Silva, portador do RG 18840272 SSP/MT e CPF 066.663.771-76 como incurso nas penas dos artigos 33, caput, c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, e artigo 244-B da Lei 8.069/1990 a cumprir, incialmente, no regime semiaberto, a pena privativa de liberdade de 05 anos, 06 meses e 06 dias de reclusão para o crime de tráfico de drogas e no regime aberto, a pena privativa de liberdade de 2 anos de reclusão. TAYRONE pagará o valor correspondente a 510 DIAS-MULTA à razão de 1/30 do salário mínimo vigente, corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando do pagamento, desde a data do fato.” Sentença publicada em 24.10.2019 (ID 142234127). A Defensoria Pública da União interpôs recurso de apelação, em cujas razões recursais (ID 142234135 ) postula apenas a absolvição do apelante quanto à prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n.º 8.069/1990, sob o argumento de que “a ausência de adequada identificação civil da passageira e a insuficiência de provas para a condenação impõem a ABSOLVIÇÃO do recorrente, quanto à prática do delito de corrupção de menores, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.” Foram apresentadas contrarrazões pela acusação (ID. 142234137). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (ID 144009950), opina pelo desprovimento do apelo defensivo, com a confirmação da sentença condenatória de primeiro grau. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001208-81.2019.4.03.6002 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: TAYRONE GARCIA DOS REIS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Síntese dos fatos O recorrente foi condenado, em primeira grau, como incurso nas penas dos artigos 33, caput, c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, e artigo 244-B da Lei 8.069/1990. A Defensoria Pública da União apela postulando a absolvição de Tayrone apenas quanto à prática do crime previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990 (corrupção de menores), por ausência de provas da menoridade da adolescente que acompanhava o recorrente, quando da prática do crime de tráfico internacional de drogas. Portanto, não houve qualquer impugnação da defesa com relação ao crime de tráfico internacional de drogas, cuja condenação fica mantida nos termos da fundamentação da sentença apelada. Do crime previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990 (corrupção de menores) Com razão a defesa quanto ao pedido de absolvição do apelante da prática do crime previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990 (corrupção de menores). Segundo a peça acusatória, em 1º de julho de 2019, o recorrente Tayrone Garcia dos Reis foi flagrado transportando 617,500kg (seiscentos e dezessete quilos e quinhentos gramas) da substância entorpecente popularmente conhecida como maconha, no perímetro urbano do Município de Nova Alvorada do Sul/MS. Ainda de acordo com a denúncia, o apelante Tayrone teria corrompido a adolescente Mariana Delmonde Rocha, que o acompanhava durante a viagem no transporte da droga. A sentença apelada condenou o recorrente também pelo crime de corrupção de menores, mediante a seguinte fundamentação (ID 142234127), in verbis: “Quanto ao crime de corrupção de menores, A materialidade delitiva está evidenciada no registro policial, boletim de ocorrência 648/2019 ID 18995502, página 1, e interrogatório policial 18995248, páginas 16 e 17, comprovando que Mariana Delmondes Rocha era menor. Em sede policial, a menor Mariana Delmondes Rocha afirmou que: “a interrogada está acompanhada das Conselheiras Tutelares Mabel e Rosidalia; toma ciência dos direitos constitucionais de permanecer calada, integridade física e comunicar a família; comunicou a prisão para o padrasto através de ligação telefônica através do número 65 99293-1747; nega ter antecedentes criminais; não porta documentos de identificação; reside na cidade de Cuiabá/MS, Condomínio Brasil 21, rua 7, n. 34, Bairro Osmar Cabral, onde mora com a genitora, padrasto e irmãos; não trabalha e cursa o primeiro ano do ensino médio; conheceu Tayrone em festas em Cuiabá/MT há três semanas e desde então mantiveram contato; relata que Tayrone a chamou para ir de carro até o Paraguai e retornariam com maconha; relata que faria viagem com ele, para disfarçar que eram um casal; ganharia R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelo transporte; no dia 25/06/2019 no período da tarde Tayrone foi busca-la na casa dela e ele estava com o um carro hatch, branco e indica como o apreendido neste procedimento Chevrolet/Onjx; nega ter conhecimento que o carro era furtado ou roubado; no dia 25/06/20Í9 saíram de Cuiabá com destino ao Paraguai e chegaram no dia 27/06/2019 de madrugada; relata que estavam no Paraguai, pois as pessoas do local falavam língua estrangeira, não compreendia e devido a destino que foi informado; relata que ficou em um quarto, onde havia outros quartos com várias pessoas; relata que Tayrone utilizou o aparelho celular dela, para manter contato com os traficantes; Tayrone deixou ela no quarto no dia 27/06/2019 e saiu com o carro, retornando sem o veículo; no dia 29/06/2019 ele foi buscar o carro, que já estava carregado com a maconha; relata que ficaram no Paraguai por três dias, saindo de lá no 29/06/2019 por volta das 17:00 horas; relata que o carro estava completamente carregado com tabletes de maconha; seguiram viagem pela rodovia e diz que passaram por dois postos de pedágio; no dia 30/06/2019 no período da tarde entraram em uma estrada de chão as margens da rodovia, onde dormiram no carro; no dia 01/06/2019 por volta das 04:30 horas continuaram viagem, quando encontraram o 'batedor?; diz que após o segundo pedágio começaram a seguir um batedor?, Tayrone já sabia do batedor?; começaram a seguir o ?batedor? antes de cruzar o último posto PRF; por volta das 07:00 horas foram abordados pelos policiais militares na rodovia nas proximidades da cidade; o batedor? continuou trajeto; foram conduzidos para esta delegacia; é proprietária do aparelho celular Samsung J6 apreendido e autoriza expressamente a análise dos dados e conversas do referido aparelho celular. Alega que o aparelho foi utilizado por Tayrone.” Percebe-se que Tyrone conhecia a menor Mariana de festas e há três semanas e desde então mantiveram contato; ele a chamou para ir ao Paraguai; saíram de Cuiabá em 25/06/2019 e chegaram ao Paraguai na data de 27/06/2019; ele a deixou no quarto e foi levar o veículo; pegou o entorpecente no Paraguai, não sabendo precisar qual a cidade, mas tinha ciência que naquele país por causa do idioma e da moeda guarani; permaneceu na localidade por três dias e voltaria com o veículo carregado de entorpecente. A defesa de Tyrone sustenta que uma das testemunhas teria imaginado se tratar de uma mulher. Realmente, o policial Ronei dos Santos fala isso. O outro testemunho do outro policial Mário Cesar, contudo, precisa que imaginava por ser franzina, era uma adolescente. Alie-se a isso a circunstância não negada por Tyrone em seu interrogatório de que ficou quatro dias com a menor, algumas vezes, dividindo quarto. Nesse período conversou sobre várias coisas, sendo, pois, inverossímil o assunto da idade não ser ventilado. Vê-se que TAyrone se utilizou da menor para mascarar uma suposta união e driblar a fiscalização. Evidentemente, TYRONE conspurcou a lisura da menor Mariana Delmondes Rocha, pois a convidou para a prática de crime.” Tenho que a sentença recorrida deve ser reformada, na parte que condenou Tayrone pelo crime de corrupção de menores. Isso porque a flagranteada Mariana Delmondes Rocha não portava nenhum documento de identificação, apenas se autodeclarou menor de idade perante a autoridade policial. Todavia, a menoridade da então custodiada não foi devidamente comprovada no curso da instrução criminal. Como bem asseverou a Defensoria Pública da União, em suas razões recursais, in verbis: Nessa visão, o apurativo inquisitorial pode, sim, servir como meio de identificação civil, desde que a autoridade policial diligência no sentido de promover o adequado e o inequívoco esclarecimento sobre a pessoa investigada. A simples autodeclaração do acautelado, sem a correspondente averiguação policial, não deve ser chancelada, como ocorreu na hipótese. Caso contrário, a responsabilização criminal de custodiados que se intitulem menores de idade perante a autoridade policial restará sobejamente prejudicada. A identificação civil depende de inequívoca comprovação nos autos, não sendo suficiente a eventual prova testemunhal ou a simples autodeclaração, conforme dispõe o parágrafo único do art. 155 do Código de Processo Penal, in verbis: Art. 155 [...] Parágrafo único: Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei 11.690/2008). Nesse sentido, decisão dos Tribunais Superiores: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. IDADE. ESTADO DA PESSOA. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTO HÁBIL E IDÔNEO. SÚMULA N.º 74/STJ. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONHECIDOS, MAS REJEITADOS. 1. A menoridade tem a ver com o estado das pessoas e deve ser comprovada por documento público hábil e idôneo, não apenas a certidão de nascimento, mas qualquer outro que tenha fé pública. Cumpre anotar que não serve a mera declaração do menor perante a autoridade policial. A simples redução a termo de declaração prestada não se reveste das formalidades exigidas para a comprovação do estado das pessoas. Precedentes do STJ e STF. 2. Reafirmação da Súmula n.º 74 desta Corte: "Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do reu requer prova por documento hábil." 3. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados. (STJ, EREsp 1.763.471/DF, 3ª Seção, Rel(a). Ministra Laurita Vaz, DJe 26/8/2019; negritei) “EMENTA:HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. ART. 244-B DA LEI 8.069/1990. COMPROVAÇÃO DA MENORIDADE. ART. 155, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. PROVA ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA. 1. Para efeitos penais, a comprovação da idade, como as outras situações quanto ao estado das pessoas, há de ser realizada mediante prova documental hábil, de acordo com as restrições estabelecidas na lei civil. Inteligência do parágrafo único do art. 155 do CPP. Precedentes. 2. No caso, os pacientes foram condenados por corromper menor de18 anos (art. 244-B da Lei 8.069/1990), cuja idade, no entanto, derivou de declarações prestadas perante a Delegacia da Criança e do Adolescente, desacompanhadas de qualquer documento civil de identificação. 3. Assim, por se tratar de circunstância elementar do tipo, a ausência de base probatória idônea impede o juízo condenatório, que deve sempre estar calcado em elementos de certeza e em consonância com as regras processuais próprias. 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória.” (STF - HABEAS CORPUS 132.204 DISTRITO FEDERAL – Rel. Min. Teori Zavascki – julgado em 26/04/2016).” Negritei. Aliás, cumpre descrever trecho do voto do então Relator Min. Teori Zavaschi (referente à ementa acima citada), por ser de grande esclarecimento para o caso dos autos, in verbis: “2. Procede a irresignação da defesa. Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O parágrafo único do dispositivo, por sua vez, estabelece que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. A despeito do sistema de livre convencimento motivado eleito, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, impõe-se observar as limitações impostas pela própria lei processual. Destaca-se, dentre elas, a regra atinente à prova quanto ao estado das pessoas, devendo ser realizada de acordo com as restrições determinadas pela lei civil. É dizer que a idade do agente envolvido na empreitada criminosa depende de comprovação documental por meio de prova hábil, preferencialmente extraído do assento de nascimento civil. O fundamento dessa restrição legal, atesta a doutrina especializada, “reside no resguardo da autenticidade no que concerne ao que é relevante na vida civil. Assim, a data do nascimento deve ser demonstrada pela certidão do registro, de conformidade com que preceitua a lei civil, configurando uma ‘pré-constituição de prova, contígua ao fato’, na Lição de Serpa Lopes (Tratado de registros públicos, I/147). Nesse ponto, nossa legislação não se afastou de outras, dentre as quais a italiana (CPP, art. 308) e a espanhola (art. 375), em que a limitação à prova constitui uma reminiscência do sistema das provas legais, no dizer de Alcalá-Zamora eRicardo Levene (Derecho procesal penal, Buenos Aires, 1945, III/32). MiguelFenech, apreciando a legislação espanhola, afirma que a idade do acusado não pode ser demonstrada por meio de prova testemunhal, mas unicamente por meio de prova documental (El proceso penal, Barcelona,1956, p.121)” (JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado, 27ªed., Saraiva: SP, 2014, p. 170). Com a mesma compreensão: RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 21ª ed., Atlas: SP, 2013, p. 459; OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, 10ª ed., Lumen Juris: RJ, 2008,p. 292; NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 11ª ed., Revista dos Tribunais: SP, 2012, p. 361. O Supremo Tribunal Federal também entende que a comprovação da idade para fins penais reclama prova documental idônea, a ser realizada pelos documentos de registro civil, conforme se depreende dos seguintes julgados: HC 77278, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, PrimeiraTurma, DJ 28-08-1998; RHC 119649, Relator(a): Min. ROSA WEBER,Primeira Turma, DJe 17-12-2013; HC 88876, Relator(a): Min. JOAQUIMBARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, SegundaTurma, DJe 21-10-2014. 3. No particular, conforme registro do Ministério Público Federal, “a idade da vítima foi tida por provada exclusivamente com base em suas declarações, fornecidas tanto no boletim de ocorrência quanto em seu depoimento na delegacia da criança e do adolescente, desacompanhadas de qualquer documento civil de identificação”, de modo que, “sem prova idônea”, não há o crime de corrupção de menores. Realmente, a inexistência de prova documental atestando a idade do adolescente que acompanhava os pacientes no momento da prática do roubo não pode ser dirimida pelas declarações por ele prestadas à autoridade policial, sob pena de subversão às regras processuais probatórias. E, por se tratar de circunstância elementar do tipo de corrupção de menores, a ausência de prova inequívoca da menoridade do adolescente impede a condenação dos pacientes. Apreciando casos análogos, essa foi a compreensão adotada por esta Corte: (...) 4. Pelo exposto, concedo a ordem de habeas corpus para restabelecer asentença absolutória do Juízo da Vara Criminal de Sobradinho/DF quanto ao crime previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990. É o voto. Pelos mesmos fundamentos, entendo que a inexistência de prova documental atestando a idade da adolescente que acompanhava o apelante, no momento da prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes, não pode ser dirimida pelas declarações por ela prestadas à autoridade policial, sob pena de subversão às regras processuais probatórias. Some-se a isso o testemunho de um dos policiais, em Juízo, no sentido de que imaginava que a acompanhante do recorrente se tratava de uma mulher (e não de uma adolescente). Em suas contrarrazões recursais, a acusação argumenta no sentido de que: "Quanto à alegação de que a menoridade não teria sido devidamente comprovada nos autos, é facilmente refutável, já que, embora a menor não portasse documento de identificação no momento da abordagem, uma simples consulta a Rede Infoseg poderia esclarecer a idade da adolescente." Sublinhei. Realmente, uma simples consulta ao Infoseg, com a respectiva juntada de documento hábil nos autos, poderia facilmente comprovar a idade da menor, entretanto, a acusação não se desincumbiu deste ônus probatório. Nestes termos, por se tratar de circunstância elementar do tipo de corrupção de menores, a ausência de prova inequívoca da menoridade da adolescente impede a condenação do recorrente pela prática deste específico delito, razão pela qual o absolvo com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. De outra parte, deve ser mantida a condenação do apelante pela prática do crime de tráfico internacional de drogas, previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, nos termos da fundamentação da sentença apelada, em razão de ausência de impugnação tanto da defesa quanto da acusação, in verbis: TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS Evidencia-se a materialidade delitiva Auto de Prisão em Flagrante (ID 18995248 e 18995502); Auto de Apresentação e Apreensão (ID 18995248, pág. 11); e Laudo Preliminar de Constatação (ID 18995248, pág. 12); Laudo de Exame Toxicológico (ID 20709078, pág. 204-207. A autoria delitiva de TAYRONE da traficância esta é incontestável. A prova colhida nos autos denota que TAYRONE efetivamente transportou 617,500 kg da substância entorpecente conhecida como maconha, após importá-la do Paraguai, sendo preso em flagrante delito. TAYRONE confirmou a imputação em sede policial: receberia R$7.000,00 pelo transporte de maconha da fronteira do Paraguai; recebeu o veículo carregado de maconha e a entregaria em Cuiabá. A testemunha MARIO CESAR reforça a culpabilidade de TAYRONE na medida em que delinea que havia um ônix branco carregado com substância entorpecente; ele falou bem pouco; ele estava com uma menor; o veículo era produto de roubo; o entorpecente era maconha e estava lotado; a acompanhante dele se aparentava menor; na bolsa do carro estava no pé dele. Igualmente, RONEI WACHHOLZ DOS SANTOS nos diz, em sede policial: o veículo era objeto de furto; estava carregado com maconha; aparentava transportar drogas em face do peso e volume no veículo. Em juízo, o testemunho nos confirma a apreensão, e que o veículo era conduzido por TAYRONE. Quanto a este crime, Tayrone confessa-o quando diz: e veio esta proposta porque precisava; receberia cinco mil reais pelo frete; entregaria a droga em campo grande e voltaria a Cuiabá. Diante destas evidências, a consistência da prova testemunhal, unânime e tranquila, percebe-se que TAYRONE traficou entorpecente. Há internacionalidade da traficância, evidenciada pelos indícios relevantes, quantidade e tipo do entorpecente, nos testemunhos de que alertaram que TYRONE confessou ter ido à fronteira do Paraguai. DOSIMETRIA DA PENA Inicialmente, cumpre analisar as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, “caput”, do Código Penal, as quais fornecem os critérios necessários para a fixação da pena-base. TAYRONE não tem antecedentes. Sua conduta social não tem nada que a desabone, assim como sua personalidade. A culpabilidade é intensa, expressa no dolo. Os motivos não são justificáveis, pois dificuldades econômicas não são causa para a prática de tal crime. O comportamento da vítima é irrelevante. As circunstâncias do crime de tráfico são normais. As consequências do crime são anormais, pois houve uma grande quantidade de entorpecente. Destarte, com o fim de prevenção e repressão do delito em questão, fixa-se a pena-base para o crime de corrupção de menores em 02 anos de reclusão e 06 anos de reclusão para o crime de tráfico. TYRONE é confesso quanto ao tráfico, tanto na fase policial quanto na judicial. Reduz-se a pena em 1/6. Não se altera a pena de corrupção de menores. Há causa que agrava a pena de tráfico, internacionalidade. Aumenta-se a pena em 1/6, pois ou diminuam esta. Ainda, é impossível a aplicação da minorante do art. 33, §4º, pois conforme folha de antecedentes, TYRONE tem várias passagens em inquéritos policiais, nos crimes de furto, roubo, crimes de trânsito, ID 20244722. Portanto, a pena final de TAYRONE é 02 anos de reclusão para o crime de corrupção de menores e 05 anos e 10 meses para o crime de tráfico. Igualmente, quanto à pena de multa, segundo as circunstâncias judiciais acima expostas, fixa-se a pena-base em 600 dias-multa. Eleva-se, segundo o critério trifásico, a pena para 510 dias-multa. O valor do dia-multa em 1/ 30 do salário mínimo vigente, corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando do pagamento, desde a data do fato, porque não há, nos autos, informações atualizadas acerca da situação financeira de TAYRONE. Detrai-se, na forma do §2º, do art. 387 do Código de Processo Penal, o período de prisão preventiva de TAYRONE relativo ao crime de tráfico de drogas, isto é, 03 meses e 24 dias, do cômputo total o tempo total de condenação. Assim, resta-lhe ao condenado cumprir 05 anos, 06 meses e 06 dias. O regime inicial para o cumprimento da pena será o semiaberto, na forma do art. 33, §2º, a, do Código Penal brasileiro, mediante cumprimento de condições a serem estabelecidas pelo Juízo competente para a execução penal, com progressão de regime pela regra dos crimes hediondos para o tráfico, 2/5, e pela regra geral, 1/6, o de corrupção de menores. Não há possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, porque a pena aplicada é superior ao máximo legal. Igualmente, as condições judiciais são desfavoráveis. Portanto, é PROCEDENTE a demanda penal, acolhendo a pretensão punitiva estatal vindicada na denúncia para o fim de: Condenar TAYRONE GARCIA DOS REIS, filho de Odair Marques dos Reis e Catarina Garcia da Silva, portador do RG 18840272 SSP/MT e CPF 066.663.771-76 como incurso nas penas dos artigos 33, caput, c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, e artigo 244-B da Lei 8.069/1990 a cumprir, incialmente, no regime semiaberto, a pena privativa de liberdade de 05 anos, 06 meses e 06 dias de reclusão para o crime de tráfico de drogas e no regime aberto, a pena privativa de liberdade de 2 anos de reclusão. TAYRONE pagará o valor correspondente a 510 DIAS-MULTA à razão de 1/30 do salário mínimo vigente, corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando do pagamento, desde a data do fato." Por tais razões, dou provimento à apelação da defesa para absolver TAYRONE GARCIA DOS REIS da prática do crime de corrupção de menores, previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, mantendo sua condenação pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, nos termos da fundamentação da sentença apelada. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE AMBAS AS PARTES. CONDENAÇÃO MANTIDA. CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. IDADE. ESTADO DA PESSOA. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTO HÁBIL E IDÔNEO. ART. 155, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPP. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DA MENORIDADE DA ADOLESCENTE.
1. Recorrente condenado à pena de 5 anos, 6 meses e 6 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 510 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006; bem como à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, pelo cometimento do crime previsto no artigo 244-B da Lei 8.069/1990.
2. Recurso exclusivo da defesa, com pedido único de absolvição do apelante da prática do crime previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990.
3. Procede o pedido da defesa. Nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O parágrafo único do dispositivo, por sua vez, estabelece que somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
4. A despeito do sistema de livre convencimento motivado eleito, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, impõe-se observar as limitações impostas pela própria lei processual. Dentre elas, a regra atinente à prova quanto ao estado das pessoas, devendo ser realizada de acordo com as restrições determinadas pela lei civil. É dizer que a idade do agente envolvido na empreitada criminosa depende de comprovação documental por meio de prova hábil, preferencialmente extraído do assento de nascimento civil. Precedentes do STF.
5. No caso dos autos, a adolescente flagranteada não portava nenhum documento de identificação, apenas se autodeclarou menor de idade perante a autoridade policial, e a menoridade da então custodiada não foi devidamente comprovada no curso da instrução criminal, de modo que, “sem prova idônea”, não há o crime de corrupção de menores.
6. A inexistência de prova documental atestando a idade da adolescente que acompanhava o apelante no momento da prática do crime de tráfico de entorpecentes não pode ser dirimida pelas declarações por ela prestadas à autoridade policial, sob pena de subversão às regras processuais probatórias. A acusação não se desincumbiu de seu ônus probatório.
7. Nestes termos, por se tratar de circunstância elementar do tipo de corrupção de menores, a ausência de prova inequívoca da menoridade da adolescente impede a condenação do recorrente pela prática deste específico delito.
8. Apelação da defesa provida para absolver o apelante da prática do crime de corrupção de menores, previsto no art. 244-B da Lei 8.069/1990, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, mantendo sua condenação pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, nos termos da fundamentação da sentença apelada.