Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0011831-47.2014.4.03.6301

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: JOHN LENON SOARES DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: ROBERTO LEITE DE PAULA E SILVA - SP202372

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: RAIMUNDA SOARES DE OLIVEIRA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ROBERTO LEITE DE PAULA E SILVA - SP202372

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0011831-47.2014.4.03.6301

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: JOHN LENON SOARES DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: ROBERTO LEITE DE PAULA E SILVA - SP202372

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: RAIMUNDA SOARES DE OLIVEIRA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ROBERTO LEITE DE PAULA E SILVA - SP202372

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação previdenciária ajuizada por JOHN LENON SOARES DE OLIVEIRA (representado por sua curadora, Sra. Raimunda Soares de Oliveira), objetivando a concessão de “aposentadoria por invalidez” ou, noutra hipótese, o restabelecimento de “auxílio-doença”.

 

Noticiada a interdição civil da parte autora (ID 102649768 – pág. 121/129), opinou o Ministério Público em Primeiro Grau (ID 102649768 – pág. 132).

 

A r. sentença prolatada em 17/02/2016 (ID 102651522 – pág. 03/11) julgou procedente a ação, condenando o INSS no pagamento de “aposentadoria por invalidez”, com o acréscimo de 25% previsto no art. 45 da Lei nº 8.213/91, desde 17/02/2009, incidindo correção monetária e juros de mora sobre os atrasados verificados, descontando-se valores já adiantados administrativamente, respeitando-se a prescrição quinquenal. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor apurado até a sentença, observada a letra da Súmula 111 do C. STJ. Não houve condenação em custas processuais, diante da isenção legal do INSS e dos benefícios da gratuidade conferidos à parte autora (ID 102651522 – pág. 11). Determinados o reexame obrigatório e a antecipação da tutela.

 

Irresignado, recorreu o INSS (ID 102651522 – pág. 21/34), requerendo o recebimento do recurso no efeito suspensivo, além do reexame obrigatório do julgado; ainda preliminarmente, suscitou a nulidade da sentença, porque extra petita, concedendo acréscimo de 25% sobre o benefício, pedido não postulado na exordial. Em mérito, a autarquia defende a reforma do julgado, não fazendo jus, a parte autora, ao acréscimo sobre o benefício. Afirma, outrossim, que a parte demandante não poderia perceber benefício por incapacidade em período concomitante com remuneração de trabalho, devendo ser excluídos valores da benesse, nestas circunstâncias. Se diverso, o entendimento, espera pelas: a) fixação do termo inicial na data da elaboração do laudo (09/06/2014); b) redução do percentual honorário para 5%; e c) alteração dos índices dos juros de mora e da correção monetária consoante Lei nº 11.960/09.

 

Ascenderam os autos a este Tribunal Regional Federal, sem o oferecimento de contrarrazões recursais, sobrevindo parecer da Procuradoria Regional da República (ID 102651522 – pág. 41/47).

 

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0011831-47.2014.4.03.6301

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: JOHN LENON SOARES DE OLIVEIRA

Advogado do(a) APELADO: ROBERTO LEITE DE PAULA E SILVA - SP202372

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: RAIMUNDA SOARES DE OLIVEIRA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ROBERTO LEITE DE PAULA E SILVA - SP202372

 

 

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

O reexame obrigatório da matéria, apontado pelo INSS, na introdução de seu apelo, já fora determinado no bojo da r. sentença.

 

E quanto ao pleito, de recepção do recurso em ambos os efeitos - devolutivo e suspensivo - cumpre salientar que, nesta fase processual, a análise será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso, em conjunto com a remessa determinada.

 

Da arguição preliminar

 

Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante art. 492 do CPC/2015.

 

Observa-se que o douto Magistrado a quo não se ateve aos termos do pedido inaugural, ao conceder “aposentadoria por invalidez” com o incremento de 25% sobre o benefício, pleito não formulado pelo requerente na petição inicial.


Logo, a sentença, neste aspecto, é ultra petita, extrapolando os limites do pedido, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015).

 

Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.

 

Desta forma, a r. sentença deve ser reduzida aos limites do pedido, excluindo-se a condenação do INSS no pagamento do acréscimo de 25%.

 

Acolhida em parte a preliminar arguida pelo INSS.

 

Do meritum causae

 

Dos benefícios por incapacidade

 

A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.

 

Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de “aposentadoria por invalidez” será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de “auxílio-doença”, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.

 

Ao passo que o “auxílio-doença” é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).

 

No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.

 

Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador, ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.

 

Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios.

 

É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

 

Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

 

Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de “auxílio-doença” e “aposentadoria por invalidez”.

 

Do caso concreto.

 

Da cópia de CTPS (ID 102649768 – pág. 15/17) e laudas extraídas do sistema informatizado CNIS/Plenus (ID 102649768 – pág. 149/152, 188), infere-se o ingresso da parte autora no Regime Oficial de Previdência no ano de 2007, com anotações empregatícias de 12/11/2007 a 01/03/2008, 03/03/2008 a 02/06/2008 e desde 19/05/2008, sem constar rescisão (apenas referência a recolhimento previdenciário em fevereiro/2011). Ademais, o deferimento de “auxílio-doença” desde 17/02/2009 até 20/03/2012 (sob NB 534.368.798-5).

 

O parágrafo retro revela a satisfação das exigências legais quanto à qualidade de segurado previdenciário e cumprimento da carência.

 

Referentemente à incapacidade laborativa, nota-se documentação médica acostada aos autos pela parte autora (ID 102649768 – pág. 32/35, 39/63, 82/83).

 

Na exordial, afirma padecer de Transtorno Ansioso (CID 10: F4l), Transtorno Específico da Personalidade (CID 10: F60), Psicose (CID 10: F29), Episódios Depressivos (CID 10: F32), Esquizofrenia (CID 10: F20), encontrando-se afastado das atividades profissionais.

 

E do resultado pericial datado de 09/06/2014, subscrito por especialista em psiquiatria (ID 102649768 – pág. 74/80), verifica-se que a parte autora - vendedor, contando com 24 anos à ocasião (ID 102649768 – pág. 13) - seria portadora de esquizofrenia paranoide (CID 10 – F20.0), evoluindo com persistência dos sintomas psicóticos positivos e negativos, apesar do tratamento adequado e regular, e do uso de olanzapina. Especialmente os sintomas positivos são muito intensos, com delírios de cunho persecutório e místico e alucinações auditivas e visuais frequentes. O autor não tem nenhuma crítica quanto à sua doença e à natureza patológica desses fenômenos.

 

Esclarece, quanto ao exame psíquico realizado:

 

Apresentação adequada, vigil, orientado autopsiquicamente, desorientado têmporoespacialmente, atenção espontânea e voluntária preservadas, memória de fixação preservada e de evocação prejudicada, pensamento com curso e forma normais, conteúdo delirante de cunho persecutório e místico, sensopercepção sem alterações, humor eutímico, afeto distanciado, volição prejudicada, psicomotricidade normal, crítica e noção de doença ausentes, pragmatismo prejudicado.

 

Em resposta a quesitos formulados (ID 102649768 – pág. 09), afirmou o perito que o autor se encontra total e permanentemente incapaz para o trabalho, e totalmente incapaz para os atos da vida civil. Necessita da assistência contínua de terceiros, inclusive para supervisionar seu comportamento, a tomada de medicamentos e sua alimentação.

 

A data de início da incapacidade coincidiria com 14/10/2008.

 

Assevero que o Juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.

 

Dessa forma, tenho que a parte demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, o que enseja a concessão de “aposentadoria por invalidez”, tese reforçada ante o informativo, nos autos, acerca da interdição civil do autor-segurado.

 

Por sua vez, nem se alegue que o fato de a parte requerente ter trabalhado, após a DIB estabelecida em sentença ou até mesmo da DII fixada pelo experto, atesta a recuperação de sua capacidade.

 

Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à “aposentadoria por invalidez”.

 

Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.

 

Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente afastar a incapacidade, como sustenta o INSS, ou admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime. Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:

 

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada doméstica, não obstante incapacitada para tal.

2. A autora, que deveria ter sido aposentada por invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em função de indevida negativa do benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto dos salários-de-contribuição sobre os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade remunerada, por falta de alternativa, para o próprio sustento, em que pese a incapacidade laborativa, no período em que a autarquia opôs-se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS tirar proveito de sua própria conduta.

3. No que tange à correção monetária, devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a partir da vigência da Lei 11.960/09.

4. Agravo parcialmente provido."

(AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013).

 

Em oportuno acréscimo, diga-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:

 

“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.

 

O julgado paradigma porta a seguinte ementa:

 

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA

1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício."

2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na fase ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade concedido judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando, ante seu caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.

3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem as seguintes hipóteses:

3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função substitutiva da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser analisado sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das duas Turmas da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão de que há incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp 1.597.369/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp 1.454.163/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.554.318/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.

3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente na fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).

RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA

4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei 8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez.

5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.

6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios por incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado que não pode trabalhar proveja seu sustento.

7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.

8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença.

9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46).

10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade. 11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com a seguinte redação (grifos acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade. § 7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas."

12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.

13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.

15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.

16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciária, pois, por culpa sua – indeferimento equivocado do benefício por incapacidade –, o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.

17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.

18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.

19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp 1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.

FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA

20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."

RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO

21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."

22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015.

CONCLUSÃO

23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.”

(REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020).

 

Acerca do termo inicial das parcelas, deve ser mantido em 17/02/2009, data do requerimento administrativo sob NB 534.368.798-5 (ID 102649768 – pág. 184), porquanto, à época, persistiria a inaptidão da parte autora, devendo, outrossim, ser compensados os valores já percebidos, junto à via administrativa, a título de “auxílio-doença.

 

A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.

 

Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.

 

Quanto ao montante honorário, resta mantido tal como ditado em sentença, eis que estipulado conforme entendimento desta Turma Julgadora.

 

Ante o exposto, acolho em parte a preliminar arguida, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS, para estabelecer que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e dou provimento parcial à remessa necessária, para assentar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E.

 

É como voto.



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ACRESCIMO DE 25%. SENTENÇA ULTRA PETITA. REDUÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO. QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. INTERDIÇÃO CIVIL DO AUTOR. PERMANÊNCIA EM ATIVIDADE. TEMA 1.013 DO STJ. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DEVIDA. DER. JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. ENTENDIMENTO DA TURMA JULGADORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRELIMINAR ACOLHIDA EM PARTE. SENTENÇA ULTRA PETITA REDUZIDA AOS LIMITES DO PEDIDO. EM MÉRITO, REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS PROVIDAS EM PARTE.

1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante art. 492 do CPC/2015.

2 - O douto Magistrado a quo não se ateve aos termos do pedido inaugural, ao conceder “aposentadoria por invalidez” com o incremento de 25% sobre o benefício, pleito não formulado pelo requerente na petição inicial.

3 - A sentença, neste aspecto, é ultra petita, extrapolando os limites do pedido, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015). A violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.

4 - Sentença reduzida aos limites do pedido, excluindo-se a condenação do INSS no pagamento do acréscimo de 25%. Acolhida em parte a preliminar arguida pelo INSS.

5 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.

6 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de “aposentadoria por invalidez” será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de “auxílio-doença”, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.

7 - O “auxílio-doença” é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).

8 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.

9 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.

10 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

11 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de “auxílio-doença” e “aposentadoria por invalidez”.

12 - Da cópia de CTPS e laudas extraídas do sistema informatizado CNIS/Plenus, infere-se o ingresso da parte autora no Regime Oficial de Previdência no ano de 2007, com anotações empregatícias de 12/11/2007 a 01/03/2008, 03/03/2008 a 02/06/2008 e desde 19/05/2008, sem constar rescisão (apenas referência a recolhimento previdenciário em fevereiro/2011). Ademais, o deferimento de “auxílio-doença” desde 17/02/2009 até 20/03/2012 (sob NB 534.368.798-5). Satisfação das exigências legais quanto à qualidade de segurado previdenciário e cumprimento da carência.

13 - Referentemente à incapacidade laborativa, nota-se documentação médica acostada aos autos pela parte autora, que na exordial afirma padecer de Transtorno Ansioso (CID 10: F4l), Transtorno Específico da Personalidade (CID 10: F60), Psicose (CID 10: F29), Episódios Depressivos (CID 10: F32), Esquizofrenia (CID 10: F20), encontrando-se afastado das atividades profissionais.

14 - Do resultado pericial datado de 09/06/2014, subscrito por especialista em psiquiatria, verifica-se que a parte autora - vendedor, contando com 24 anos à ocasião - seria portadora de esquizofrenia paranoide (CID 10 – F20.0), evoluindo com persistência dos sintomas psicóticos positivos e negativos, apesar do tratamento adequado e regular, e do uso de olanzapina. Especialmente os sintomas positivos são muito intensos, com delírios de cunho persecutório e místico e alucinações auditivas e visuais frequentes. O autor não tem nenhuma crítica quanto à sua doença e à natureza patológica desses fenômenos.

15 - Esclarece, quanto ao exame psíquico realizado: Apresentação adequada, vigil, orientado autopsiquicamente, desorientado têmporoespacialmente, atenção espontânea e voluntária preservadas, memória de fixação preservada e de evocação prejudicada, pensamento com curso e forma normais, conteúdo delirante de cunho persecutório e místico, sensopercepção sem alterações, humor eutímico, afeto distanciado, volição prejudicada, psicomotricidade normal, crítica e noção de doença ausentes, pragmatismo prejudicado.

16 - Em resposta a quesitos formulados, afirmou o perito que o autor se encontra total e permanentemente incapaz para o trabalho, e totalmente incapaz para os atos da vida civil. Necessita da assistência contínua de terceiros, inclusive para supervisionar seu comportamento, a tomada de medicamentos e sua alimentação. A data de início da incapacidade coincidiria com 14/10/2008.

17 - O Juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes.

18 - A parte demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, o que enseja a concessão de “aposentadoria por invalidez”, tese reforçada ante o informativo acerca da interdição civil do autor-segurado.

19 - Os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação e na necessidade de devolução das parcelas recebidas durante o período que o segurado auferiu renda. E os princípios que dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em relação à “aposentadoria por invalidez”.

20 - Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária de lhe conceder o benefício vindicado, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.

21 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com recolhimentos ao RGPS, não se pode simplesmente afastar a incapacidade, como sustenta o INSS, ou admitir a penalização do segurado com o desconto dos valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do regime.

22 - Termo inicial das parcelas mantido em 17/02/2009, data do requerimento administrativo sob NB 534.368.798-5, porquanto, à época, persistiria a inaptidão da parte autora, devendo, outrossim, ser compensados os valores já percebidos, junto à via administrativa, a título de “auxílio-doença.

23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.

24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.

25 - Montante honorário mantido, eis que estipulado conforme entendimento desta Turma Julgadora.

26 - Preliminar do INSS acolhida em parte. Sentença ultra petita. Redução aos limites do pedido. Em mérito, remessa necessária e apelo do INSS providos em parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu acolher em parte a preliminar arguida, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido e, no mérito, dar parcial provimento à apelação do INSS, para estabelecer que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e dar provimento parcial à remessa necessária, para assentar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.