APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004641-88.1999.4.03.6000
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: RODRIGO PENTEADO ARMSTRONG
Advogado do(a) APELANTE: FELIPE COSTA GASPARINI - MS11809-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, A.P.MATERIAIS DE CONSTRUCAO LTDA - ME, ULISSES ARMSTRONG NETO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004641-88.1999.4.03.6000
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: RODRIGO PENTEADO ARMSTRONG
Advogado do(a) APELANTE: FELIPE COSTA GASPARINI - MS11809-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, A.P.MATERIAIS DE CONSTRUCAO LTDA - ME, ULISSES ARMSTRONG NETO
R E L A T Ó R I O
Apelação interposta por Rodrigo Penteado Armstrong, terceiro interessado, contra sentença que julgou extinta a execução fiscal proposta contra A. P. Materiais de Construção LTDA. e Ulisses Armstrong Neto, em razão do pagamento da dívida, e indeferiu seu pedido de liberação da hipoteca incidente sobre o imóvel de matrícula nº 50.755 da 1ª Circunscrição de Registro de Imóveis (1ª CRI) em Campo Grande/MS, ao fundamento de que o pagamento da remição não foi adimplido (ID 91752863 - págs. 3/7).
Sustenta, em síntese (ID 91752863 - págs. 17/34), que a remição é forma originária de aquisição de bem e que houve a quitação integral da dívida por parte da devedora originária, de modo que faz jus à liberação de quaisquer gravames incidentes sobre o imóvel remido, à exceção da hipoteca relativa à própria remição, que configura garantia de adimplemento sem qualquer relação com as demais penhoras e registros existentes na matrícula do imóvel. Afirma, ainda, que pagou a integralidade dos valores a que se obrigou e que os erros cometidos no decorrer do processo e as dificuldades relacionadas às informações para a correta satisfação do acordado não lhe podem ser atribuídos, razão pela qual pleiteia a exclusão da multa de 50% e que seja mantida apenas a correção monetária pela taxa SELIC, na forma da carta de remição, sobre o saldo devedor em setembro de 2005 até a data da quitação (27.07.2012), e a concessão de prazo de, no mínimo, 10 dias para o respectivo pagamento.
O recurso foi recebido no duplo efeito (ID 91752863 - pág. 37).
Contrarrazões da União (ID 91752863 - págs. 39/43), nas quais aduz que foi solicitado o levantamento das demais penhoras que recaiam sobre o imóvel (fls. 322/325 dos autos físicos) e que deve ser mantida a hipoteca até o pagamento do débito referente ao parcelamento da remição, incluída a multa referente ao inadimplemento, razões pelas quais pugna pela manutenção da sentença.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004641-88.1999.4.03.6000
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: RODRIGO PENTEADO ARMSTRONG
Advogado do(a) APELANTE: FELIPE COSTA GASPARINI - MS11809-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, A.P.MATERIAIS DE CONSTRUCAO LTDA - ME, ULISSES ARMSTRONG NETO
V O T O
I – DOS FATOS
Trata-se de execução fiscal ajuizada pela União, em 30.07.1999, contra A. P. Materiais de Construção LTDA., para cobrança de tributos devidos pela empresa.
Determinada a citação da devedora, não foi localizada, o que ensejou pedido da União para que o responsável tributário Ulisses Armstrong Neto fosse citado para pagamento, sob pena de penhora dos imóveis objeto dos registros de matrícula nº 50.755 da 1ª CRI e 30.376, da 2ª CRI. Ausente quitação, a penhora foi efetivada, ocasião em que se constatou que ambos também estavam penhorados nos autos n° 98.1806-9, em trâmite na 1ª Vara Cível de Campo Grande/MS (ID 91752447 - pág. 69 e 74).
Requerida a liberação da penhora sobre o bem de matrícula nº 30.376, em razão da suficiência do de matrícula nº 50.755, bem como data para a venda em hasta pública deste último, avaliado em R$ 230.000,00, em agosto de 2005 (ID 91752447 – pág. 91). Designada a realização das praças e apresentadas as condições propostas pela União, inclusive no que tange à possibilidade de pagamento parcelado nos moldes da Lei nº 10.522/2002 (ID 91752447 - págs. 99/101).
Aos 28.09.2005, o imóvel foi arrematado pelo valor de R$ 171.000,00 (ID 91752448 - pág. 25) e, no dia seguinte, o ora apelante requereu, na condição de filho do executado Ulysses Armstrong Neto, a remição prevista nos artigos 787 e seguintes do CPC/73 (ID 91752448 - págs. 28/39). O pedido foi deferido pelo juízo, que determinou a lavratura da carta de remição (ID 91752448 - pág. 43), expedida em 19.12.2005, com os seguintes termos:
“Condições de Parcelamento:
O bem foi remido pelo preço de R$ 171.000,00 (cento e setenta e um mil reais) tendo sido depositado no ato do pedido de remição uma prestação no valor de R$ 74.985,63 (setenta e quatro mil, novecentos e oitenta e cinco reais e sessenta e três centavos), remanescendo um saldo atualizado de R$ 96.014,37 (noventa e seis mil e quatorze reais e trinta e sete centavos) parcelados em 59 (cinquenta e nove) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de R$ 1.627,36 (um mil, seiscentos e vinte e sete reais e trinta e seis centavos) cada parcela, observando-se as seguintes disposições:
a) As prestações serão mensais e sucessivas, vencendo-se a segunda no último dia útil do mês seguinte à data da remição e as demais sempre no último dia útil dos meses subseqüentes;
b) A exeqüente (União - Fazenda Nacional) fica como credora do remitente, constituindo o bem remido garantia do débito, sob a forma de hipoteca, servindo a presente carta de título hábil para registro de garantia;
c) Não sendo pago, qualquer das prestações mensais, o acordo de parcelamento será rescindido, vencendo-se antecipadamente o saldo devedor, remanescente, o qual será acrescido de 50% (cinqüenta por cento) a título de multa rescisória;
d) O saldo remanescente, com acréscimos legais, apurados de acordo com a legislação em vigor, será inscrito em Dívida Ativa e executado, penhorando-se o imóvel hipotecado;
e) O remitente deverá registrar no órgão competente a Hipoteca, cujas despesas correrão por sua conta;
f) Sobre o valor das prestações incidirão, por ocasião do pagamento, juros equivalentes à taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, a que se refere o art. 13 da Lei 9.065/95, acumuladas mensalmente, calculadas a partir do dia da concessão do Parcelamento até o dia do efetivo pagamento, sendo que este critério poderá ser alterado em razão de legislação superveniente;
g) Que os valores das prestações da remição serão quitados mediante DARF, que deverá ser retirado na sede da Procuradoria da Fazenda Nacional/MS, Rua Rio Desembargador Leão do Carmo, n.° 03, Parque dos Poderes, ou enviado ao endereço indicado pelo arrematante, caso manifeste esse interesse junto à Procuradoria da Fazenda Nacional/MS;
h) O parcelamento do valor da remição submeter-se-á às mesmas regras previstas para os parcelamentos administrativos de débitos tributários, conforme prescreve a Lei n 10.522/2002, ou legislação superveniente.
i) Em virtude do que foi expedida a presente Carta de Remição, para que surta seus legais efeitos.”
(ID 91752448 - págs. 56/57).
A parcela relativa a janeiro de 2006 foi entregue à União, conforme recibo aposto à mão na própria carta de remição. No mês seguinte, contudo, o remitente noticiou nos autos que se dirigiu à Procuradoria da Fazenda Nacional, em cumprimento ao disposto no item “g” do documento citado, mas não obteve as guias para pagamento em virtude da alegada impossibilidade de expedição por parte daquele órgão (ID 91752448 - pág. 59/60).
Após, requereu fosse expedido ofício ao Cartório de Registro de Imóveis da 1ª CRI de Campo Grande/MS, para que fossem retiradas todas as penhoras, hipotecas e demais gravames da matrícula do imóvel remido (ID 91750907 - pág. 6), pedido reiterado em diversas petições (pág. 44; págs. 67/68; pág. 300) e finalmente deferido, em 01.03.2007 (pág. 91).
Em 14.03.2007, o apelante noticiou a quitação do parcelamento assinalado na carta de remição (fl. 313 dos autos físicos – ID 91750907, pág. 104). A União, por sua vez, informou que os débitos desta execução já se encontravam integralmente saldados, mas que o imóvel também garantia a execução nº 98.0004635-6, de maneira que o montante remanescente deveria ser a ela destinado, e pleiteou a intimação do recorrente para pagar a diferença havida entre o valor da remição e o crédito exequendo, com a finalidade de conversão em renda da União para satisfação das inscrições cobradas no feito de nº 98.0004635-6 (ID 91750907 - págs. 119/121).
Intimado para apresentar a prova da quitação alegada (pág. 126 do ID 91750907), o apelante concordou com o equívoco apontado pelo juízo quanto ao levantamento indevido pela fazenda nacional do valor de R$ 74.985,63 por ele depositado nos autos e que lá deveria ter permanecido para satisfação de outros credores. Asseverou que pagou R$ 22.132,94 por meio de guias emitidas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, como demonstram os comprovantes às fls. 352/355 dos autos físicos, e solicitou a intimação da fazenda para apresentar o saldo a ser parcelado e as respectivas guias de pagamento, descontados os valores já pagos (fls. 349/351 dos autos físicos – ID 91750907 págs. 146/148).
O juízo, então, decidiu:
“Tendo em vista todo o ocorrido nos autos, algumas providências serão necessárias antes do pedido de extinção ser apreciado. A exeqüente levantou, indevidamente, o valor depositado à f. 200, que deverá ser posto à disposição deste Juízo, no prazo de trinta dias, devidamente corrigido. Como os valores pagos pelo remitente, à época, perfazem o total de 23.760,30 (total parcelado, mais a primeira parcela depositada em Juízo), remanesce o total de R$ 73.254,07 a ser parcelado junto à exeqüente, pelo remitente, que deverá ser intimado para assim proceder, no prazo de trinta dias. Após a devolução, por parte do exeqüente, do valor levantado à f. 229, voltem os autos conclusos para decisão de seu destino.” (fl. 356 dos autos físicos – ID 91750907/pág. 153)
A União, às fls. 377/379 dos autos físicos (ID 91750907 - págs. 178/180), afirmou que: “Compulsando os autos, verifica-se a ocorrência de sucessivos equívocos cometidos ao longo da marcha processual e um louvável esforço de Vossa Excelência no sentido de sanear o presente feito. Constata-se principalmente que, embora de maneira "atabalhoada", os créditos constantes das CDAs insertas nos autos (1999.6o.00.004641-9) foram satisfeitos na integralidade e extintos”. Fez, também, diversos requerimentos, ao que o juiz decidiu, em 09.12.2008 (fls. 381-382 dos autos físicos – ID 91750907 - págs. 182/185):
“A decisão de f. 356 é bastante esclarecedora. Houve a liberação indevida (f. 229), em favor da Fazenda Nacional, do valor depositado às f. 200. E o parcelamento do remanescente da dívida (a primeira parcela foi depositada às f. 201 e também levantada às f. 229) deveria ser feito perante a Fazenda Nacional em nome do remitente. O valor depositado às f. 200 (excedente da arrematação) poderia ser destinado à quitação de outras dívidas ou poderia ser devolvido ao executado, conforme já assentado no despacho de f. 333 e reconhecido pelo remitente às f. 350. Deveria ser devolvido e posto à disposição deste Juízo, conforme já determinado às f. 356. Ocorre que aquele valor (f. 200), cujo levantamento se dera por equívoco (f. 214 e 227), foi utilizado para o abatimento da dívida (f. 359-360). (...) Os créditos correspondentes às CDA 13 299 000009-05, 13 2 99 000010-30, 13 6 99 000016-50, 13 6 99000017-30, 13 6 99 000018-11, 13 7 99 000007-40 e 13 7 99000008-20 foram, portanto, integralmente pagos com os recursos do depósito judicial de f. 200 (levantado indevidamente) e do depósito judicial de f. 201. A quitação dessas CDA, no valor de R$-75.689,23, está registrada no quadro demonstrativo de f. 360 e nos DARF de f. 361-367. Já a dívida materializada na CDA 13 699 000019-00 foi objeto de parcelamento nos termos da Medida Provisória n° 303/2006. Essa inscrição deu origem à inscrição derivada 13 6 99 009025-33 (f. 330 e 377). O crédito consubstanciado na CDA 13 6 99 009025-33 acabou também extinto por força de pagamento efetuado através dos DARF de f. 352-355, no valor de R$- 22.132,94 (f. 350), consoante noticiado pela Fazenda Nacional às f. 378. Desse modo, toda a dívida objeto da execução fiscal restou integralmente quitada, o que se deu, em parte, por meio do aproveitamento do valor depositado às f. 200 (indevidamente liberado). Assim sendo, consoante bem posicionou a exeqüente (f. 378, "a"), ficam mesmo difíceis e demorados a operacionalização da devolução do valor indevidamente levantado e o restabelecimento formal da dívida. Posto isso, considerando os fatos acima relatados e as razões invocadas pela exeqüente, defiro, em parte, os pedidos formulados às f. 378 e 379. O pedido consubstanciado na letra "a", relativo ao abatimento dos valores pagos por meio dos DARF de f. 352-355 do valor a ser parcelado pelo remitente, deve ser deferido. É que tais valores, conforme já vimos, foram utilizados no pagamento da dívida materializada na CDA 13 699 000019-00/13 6 99 009025-33. Consoante o despacho de f. 356, o remitente já pagou R$-23.760,30. Esse valor resulta da soma do valor de R$-1.627,36, correspondente a primeira parcela depositada às f. 201 (também já levantada), e do valor de R$-22.132,94, correspondente aos DARF de f. 352-355 e utilizados no pagamento da CDA 13 6 99 000019-00/13 6 99009025-33. Deve o remitente, pois, pagar o total remanescente, a ser parcelado, na forma já determinada às f. 356. Defiro os pedidos contidos nas letras "b e "c”. O remitente deve ser intimado à Procuradoria da Fazenda Nacional para formalizar o parcelamento do saldo devedor da remição; na forma acima determinada. Registre-se que essa determinação também já constava do despacho de f. 356. As parcelas referentes à remição deverão ser depositadas mensalmente à disposição deste Juízo, cujos valores poderão ser utilizados na satisfação de outros créditos da Fazenda Nacional no Processo nº 98.0004635-6.”
Intimado, declarou o remitente (fl. 387 dos autos físicos - ID 91750908, pág. 01) que acatava integralmente a decisão ora reproduzida e que efetuaria os depósitos referentes às parcelas faltantes diretamente na conta corrente da Caixa Econômica Federal n. 3953.005.00305854-0, à disposição do juízo, conforme petição datada de 07.12.2010 (fl. 420 dos autos físicos – ID 91750908, pág. 42).
A União, por sua vez, em 22.03.2012, alegou que até aquela data o remitente não havia providenciado o adimplemento do parcelamento, de maneira a caracterizar mora, razão pela qual procedeu aos seguintes cálculos, declinados no item 6 da mencionada petição:
“6. (...) verificada a inadimplência do Remitente, procedemos os devidos cálculos do saldo devedor do parcelamento no valor de R$ 96.014,37 imputando-se nele, devidamente atualizados pela SELIC, os valores das parcelas referentes aos pagamentos dos DARFs de fls. 352/355, apurando-se um saldo devedor atualizado no valor de R$ 129.611,09 que acrescido da multa moratória de 50% estipulada na Carta de Remissão totalizou na presente data o valor de R$ 194.416,64 (cento e noventa e quatro mil, quatrocentos e dezesseis reais e sessenta e quatro centavos), conforme Planilhas anexas, REQUERENDO de Vossa Excelência, seja intimado o Remitente RODRIGO PENTEADO ARMSTRONG através de seu Advogado constituído às fis. 196 Dr. Luciano Ribeiro da Fonseca, para promover o pagamento do saldo da arrematação, acima apurado e acrescido da multa rescisória, no prazo de 5 dias, sob pena de inscrição do referido valor em Dívida Ativa da União, com a consequente deflagração da execução fiscal e conversão da hipoteca do imóvel remitido em penhora.” (fls. 423/426 dos autos físicos – ID 91750908 - págs. 46/48)
O magistrado acolheu o pedido de intimação do remitente para pagamento do valor indicado pela União (fl. 430 dos autos físicos – ID 91750908, pág. 53), ao que o apelante relatou o tumulto processual e afirmou que as dúvidas que o impediram de cumprir adequadamente a obrigação não lhe podem ser imputadas, bem como asseverou a quitação integral do saldo devedor da remição (R$ 171.000,00), conforme quadro demonstrativo que segue reproduzido, acrescentada a localização dos dois últimos pagamentos (fl. 435):
Valor | DATA | COMPROVANTE |
R$ 73.358,27 | 29.09.2005 | Fls. 200 |
R$ 1.627,36 | 29.09.2005 | Fls. 201 |
R$4.443,37 | 31.07.2006 | Fls. 355 |
R$436,92 | 31.08.2006 | Fls. 352 |
R$ 2.802,47 | 27.09.2006 | Fls. 355 |
R$ 2.831,88 | 30.10.2006 | Fls. 354 |
R$ 2.862,12 | 28.11.2006 | Fls. 354 |
R$ 2.890,42 | 12.2006 | Fls. 353 |
R$2.917,90 | 31.01.2007 | Fls. 353 |
R$ 2.947,86 | 27.02.2007 | Fls. 352 |
R$ 2.589,83 | 24.08.2007 | Fls. 439 |
R$ 71.291,60 | 27.07.2012 | Fls. 438 |
Argumentou, ainda, no item 27 da referida petição:
“27. O remitente esclarece que depositou tais quantias em razão da não apresentação por parte da Procuradoria, da diferença que havia restado após os pagamentos de fls. 352 e seguintes, o que seria necessário para corrigir a forma como emitiu as guias (valores quebrados e diversos das parcelas que deveriam ser recolhidas), o que acabou causando divergência de valores e fundada dúvida por parte do remitente acerca do saldo devedor remanescente a partir daquele momento.”
Por fim, requereu o reconhecimento dos pagamentos efetuados e a declaração de quitação da obrigação (fls. 431/436 dos autos físicos – ID 91750908, págs. 54/59).
A União (fls. 443/446 dos autos físicos – ID91750908, págs. 67/72) reconheceu o pagamento indicado na guia de fl. 438, no valor de R$ R$ 71.291,60, e rechaçou aquele à fl. 439, ao fundamento de que se trata de guia de recolhimento previdenciário que não se refere aos autos, e indicou, como saldo devedor para a data de 17.12.2012, o montante de R$ 36.310,14 (fls. 443/444), conforme quadro demonstrativo (fl. 444):
Notificado, o remitente manteve a sua argumentação no sentido de que a demora na quitação do parcelamento não lhe poderia ser atribuída e afirma que a ausência de rescisão, prevista como consequência da mora tal qual a multa, demonstra a inexistência de culpa exclusiva da sua parte, razões pelas quais pugna sejam reconhecidos os pagamentos efetuados e declarada satisfeita a obrigação, com a consequente extinção do processo e a expedição de ofício ao cartório imobiliário para proceder às baixas dos gravames sobre o bem remido (fls. 463/469 dos autos físicos – ID 91750908, págs. 91/97).
Prolatada sentença de extinção da execução fiscal em razão do pagamento integral da dívida, o magistrado manteve a multa ao fundamento de que ficou caracterizado o inadimplemento injustificável, posto que as decisões que determinaram o pagamento das parcelas faltantes, proferidas em 09.12.2008 (fls. 381/382 dos autos físicos) e em 31.07.2012 (fl. 430), não foram cumpridas tempestivamente. Em consequência, indeferiu o pedido de liberação da hipoteca, dado que considerou inadimplido o preço da remição, sentença contra a qual foi interposto o recurso que ora se examina.
II – DO MÉRITO
A remição era prevista nos artigos 787 e seguintes da redação original do CPC/73:
Art. 787. É lícito ao cônjuge, ao descendente, ou ao ascendente do devedor remir todos ou quaisquer bens penhorados, ou arrecadados no processo de insolvência, depositando o preço por que foram alienados ou adjudicados.
Parágrafo único. A remição não pode ser parcial, quando há licitante para todos os bens.
Art. 788. O direito a remir será exercido no prazo de vinte e quatro (24) horas, que mediar:
I - entre a arrematação dos bens em praça ou leilão e a assinatura do auto (art. 693);
II - entre o pedido de adjudicação e a assinatura do auto, havendo um só pretendente (art. 715, § 1º); ou entre o pedido de adjudicação e a publicação da sentença, havendo vários pretendentes (art. 715, § 2º).
Art. 789. Concorrendo à remição vários pretendentes, preferirá o que oferecer maior preço; em condições iguais de oferta, deferir-se-á na seguinte ordem:
I - ao cônjuge;
II - aos descendentes;
III - aos ascendentes.
Parágrafo único. Entre descendentes, bem como entre ascendentes, os de grau mais próximo preferem aos de grau mais remoto; em igualdade de grau, licitarão entre si os concorrentes, preferindo o que oferecer maior preço.
Referido instituto, revogado pela Lei nº 11.382/2006, tratava da possibilidade legal dada ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado, de resgatar um bem penhorado por meio do pagamento do valor da adjudicação ou arrematação, a fim de que pudessem mantê-lo no âmbito do patrimônio familiar. É, portanto, modo derivado de aquisição de propriedade, transmitida livre dos ônus que anteriormente a gravavam, em razão da troca de titularidade. Não são prejudicados, todavia, outros eventuais credores, que poderão sub-rogar-se no valor depositado para a satisfação de seu crédito. Assim, correta a liberação do bem de gravames registrados na matrícula do imóvel remido, consoante se constata do precedente do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE IMÓVEL REMIDO EM AUTOS DE EXECUÇÃO DISTINTA. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO MUCIANA. INEXISTÊNCIA.
1. A remição dos bens penhorados pelos parentes do executado (artigo 787 do CPC de 1973, que foi revogado pela Lei 11.382/2006) traduzia benefício criado pietatis causa, como consectário do comando constitucional protetivo do núcleo familiar, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, permitia-se que o bem do devedor fosse transferido para membro da família e não para estranho (terceiro arrematante ou adjudicante), mediante o pagamento do preço da avaliação constante no edital, garantindo-se, assim, a satisfação do crédito do exequente, mas, de outro lado, evitando-se a possível deterioração nas relações familiares.
2. A remição - assim como, ainda hoje, se dá com a adjudicação e a arrematação - configurava meio expropriatório voltado à conversão forçada da coisa penhorada em dinheiro, com o objetivo de satisfação do credor. Assim é que, mediante a publicação da "sentença" (na verdade, decisão interlocutória) concessiva da remição - após efetuado o depósito integral do preço do bem -, o ato expropriatório de alienação forçada consumava-se, transferindo-se a titularidade do bem ao remidor, o que era concretizado com a carta de remição para a transcrição no registro imobiliário, perfectibilizada, assim, a conversão da coisa pelo valor pecuniário correspondente.
3. Na hipótese, a remição ocorreu antes da revogação do artigo 787 do CPC de 1973. Nessa perspectiva, o bem remido não poderá mais responder por dívida do devedor, uma vez alterada sua titularidade, pouco importando o fato de a aquisição ocorrer de forma derivada e não originária. Consequentemente, eventuais dívidas do devedor, ensejadoras de outras constrições sobre o bem, deverão ser sub-rogadas no produto do ato expropriatório. Precedentes.
4. Por outro lado, o bem remido poderá ser alcançado por dívida do executado se caracterizada a chamada presunção muciana, quando, "não tendo o remidor patrimônio ou rendimentos que justifiquem a existência do dinheiro ofertado para remir, presume-se até prova contrária que ele o recebeu do próprio executado, com a consequência de que o bem remido pode voltar a ser penhorado, porque, na realidade, foi o executado que o resgatou" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. IV, 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 576).
5. Recurso especial provido para julgar procedentes os embargos de terceiro, a fim de desconstituir penhora incidente sobre bem de propriedade de pessoa diversa do executado (sociedade adquirente de imóvel anteriormente objeto de remição).
(grifo nosso)
(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1547988 2015.01.98268-0, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:30/11/2017)
Não foi outra, destaque-se, a conduta do magistrado de origem, que liberou o bem remido das demais constrições, inclusive com a determinação de afastamento de ônus estaduais e municipais, assim como das demais penhoras, consoante se constata da matrícula do imóvel, cuja cópia carreada às fls. 389/395 dos autos físicos (ID 91750908, págs. 03/13) contém a averbação de nº 27 (fl. 393v.), na qual consta o cancelamento dos registros de nº 14 e 17 (fl. 391), que tratam das penhoras realizadas em razão desta e da execução fiscal de nº 98.0094635-6. Mantida, apenas, a hipoteca em garantia da própria remição (fl. 393), porquanto não restou reconhecido o seu adimplemento. Irretocável, neste aspecto, a sentença recorrida, pois: “a remição é um ato processual complexo, cujo aperfeiçoamento dá-se somente com o pleno pagamento do credor” (STJ, 4ª Turma, AGRMC 21776, 2013.03.51857-4, Relator Min. Marco Buzzi, DJE DATA:12/11/2013)
Passo à análise do pedido de afastamento da multa de 50%.
A presente execução foi ajuizada para cobrança de débitos inscritos nas CDA nº 13799000007-40, 13699000016-50, 13299 000009-05, 13699 000017-30, 13799000008 -20, 13699000018-11, 13299 000010-30 e 13699000019-00 que, em julho de 1999, somavam R$ 64.219,07.
Arrematado o bem por R$ 171.000,00, houve o pedido de remição, com depósito inicial de R$ 73.358,27, feito em 29.09.2005 (fl. 200 dos autos físicos - ID 91752448, pág. 38), referente ao que excedia o valor atualizado e consolidado da dívida de R$ 97.641,73, em 07.07.2005 (fl. 121 dos autos físicos - ID 91752447 - pág. 103), em atendimento às imposições da União aos arrematantes, aplicáveis ao remitente, nas quais se determinava que o montante correspondente ao débito poderia ser pago parceladamente, na forma prevista para os parcelamentos administrativos de débitos tributários (Lei nº 10.522/2002), observado o depósito do excedente no ato da arrematação (fls. 117/119 dos autos físicos).
O remitente também depositou, na mesma data (fl. 201), o valor correspondente à primeira das 60 parcelas relativas ao montante do débito (R$ 97.641,73 dividido por 60 = R$ 1.627,36), cujo recebimento foi assinalado na própria carta de remição (fl. 216 dos autos físicos - ID 91752448 - págs. 56/57), expedida em 19.12.2005.
À época, portanto, a dívida do remitente correspondia a R$ 96.014,37, referente às 59 prestações mensais que seriam utilizadas para a quitação do débito perseguido na presente execução fiscal, a ser concluída em 2011, cinco anos contados de janeiro de 2006, data do recibo da União relativo à primeira parcela (fl. 216).
No mês seguinte, contudo, o remitente informou nos autos que se dirigiu à Procuradoria da Fazenda Nacional, mas que não conseguiu obter as guias para pagamento das parcelas subsequentes, em virtude da alegada impossibilidade de expedição por parte daquele órgão (ID 91752448 - pág. 59/60), e que, após diversas tentativas, recebeu algumas guias da procuradoria e as pagou por entender que se tratava do parcelamento, embora os valores não fossem condizentes com a parcela acordada. Noticiou, então, a quitação da dívida (ID 91752448 – pág. 104).
As guias, na verdade, referiam-se à parte do débito que deveria ser pago por meio do parcelamento, porquanto a maior parte já havia sido quitada indevidamente pela União, com a utilização do depósito referente ao que excedia a dívida. Destarte, como a própria União assevera à fl. 360 dos autos físicos, a maior parte foi quitada em 15.03.2006 e o restante, por meio das DARF, adimplidas pelo apelante, no período de julho de 2006 a fevereiro de 2007. Constata-se, portanto, que o valor da dívida executada já se encontrava integralmente pago em março de 2007, como fazem prova os extratos de consulta juntados em 14.03.2007, nos quais consta a extinção por pagamento de todas as inscrições que instruíram o presente feito executivo.
Após diversas manifestações das partes, finalmente o juízo de origem identificou os erros ocorridos: os débitos cobrados na execução fiscal, que deveriam ser adimplidos de forma parcelada, já estavam integralmente pagos em março de 2007, com a utilização dos valores depositados às fls. 200/201 dos autos físicos, correspondentes à parcela que excedia o débito e à primeira parcela do financiamento (R$ 74.985,63), e dos valores pagos via DARF (fls. 352/355 dos autos físicos (R$ 22.132,94). Faltava, portanto, ao remitente arcar com o valor do parcelamento, descontados a primeira parcela (R$ 1627,36) e os pagamentos das guias DARF colacionadas às fls. 352/355 dos autos físicos (R$ 22.132,94). Assim, à fl. 356 dos autos físicos, o juízo de origem concluiu que o saldo remanescente para a quitação da remição era de R$ 73.254,07, ao que o recorrente anuiu integralmente e assegurou que efetuaria os depósitos referentes às parcelas faltantes diretamente na conta corrente à disposição do juízo, em petição datada de 07.12.2010 (fl. 420 dos autos físicos – ID 91750908 - pág. 42). Não cumpriu, todavia, razão pela qual a União, em 22.03.2012 (fls. 423/429 - ID 91750908, pág. 46/52), pleiteou a aplicação da multa de 50% prevista na letra “c” da carta de remição:
c) Não sendo pago, qualquer das prestações mensais, o acordo de parcelamento será rescindido, vencendo-se antecipadamente o saldo devedor remanescente, o qual será acrescido de 50% (cinqüenta por cento) a título de multa rescisória;
Verifica-se, entretanto, que a aplicação da presente cláusula não pode ser reivindicada no caso concreto. Como se viu da descrição detalhada dos fatos, os equívocos apontados culminaram com o recebimento antecipado do crédito fazendário, de forma que o acordo de parcelamento inicial não pode mais ser rescindido. Restava apenas, ao apelante, restabelecer à disposição do juízo o saldo remanescente.
No que tange ao indeferimento da liberação do bem quanto à hipoteca, com razão o magistrado, porquanto, de fato, a remição não foi integralmente paga. Outrossim, devem ser considerados os valores já aportados pelo recorrente, relacionados pela própria fazenda à fl. 445 dos autos físicos:
Descontados tais pagamentos do valor inicial da dívida atualizado pela SELIC acumulada desde setembro de 2005 até setembro de 2012 (R$ 171.184,02), pendente o total de R$ 71.734,49, conforme os cálculos apresentados pela fazenda à fl. 444 dos autos físicos (ID 91750908 - Pág. 69). À vista de que foi efetuado pagamento de R$ 71.291,60 (fl. 438, cópia legível ID 91750908 - pág. 82), em julho de 2012, conclui-se que a soma devida deve ser a diferença entre R$ 71.734,49 e R$ 71.291,60, devidamente atualizada nos termos da carta de remição, desde a data do respectivo depósito, em 27.07.2012.
Após o trânsito em julgado, o remitente deverá ser regularmente intimado para o pagamento.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do remitente, para excluir a multa de 50% prevista na carta de remição, mantida a hipoteca até a sua quitação integral, nos termos explicitados.
É como voto.
E M E N T A
EXECUÇÃO FISCAL. APELAÇÃO DE TERCEIRO INTERESSADO. IMÓVEL REMIDO. ARTIGOS 787 E SEGUINTES DO CPC/1973. TUMULTO PROCESSUAL QUE DIFICULTOU A QUITAÇÃO DO VALOR DA REMIÇÃO. INCIDÊNCIA DE MULTA RESCISÓRIA. DESCABIMENTO. LEVANTAMENTO DA HIPOTECA SOMENTE APÓS O PAGAMENTO DO VALOR INTEGRAL. RECURSO PROVIDO.
- A remição, prevista nos artigos 787 e seguintes da redação original do CPC/73 e revogada pela Lei nº 11.382/2006, tratava da possibilidade legal dada ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado, de resgatar um bem penhorado por meio do pagamento do valor da adjudicação ou arrematação, a fim de que pudessem mantê-lo no âmbito do patrimônio familiar. É, portanto, de modo derivado de aquisição de propriedade, transmitida livre dos ônus que anteriormente a gravavam, em razão da troca de titularidade. Não são prejudicados, todavia, outros eventuais credores, que poderão sub-rogar-se no valor depositado para a satisfação de seu crédito. Correta, portanto, a liberação de gravames registrados na matrícula do imóvel remido. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1547988, DJE DATA:30/11/2017)
- Arrematado o bem para pagamento dos débitos cobrados na execução fiscal, houve o pedido de remição por parte do filho do executado, ora apelante, deferido de forma que o débito poderia ser pago parceladamente, na forma prevista para os parcelamentos administrativos de débitos tributários (Lei nº 10.522/2002), observado o depósito do excedente no ato da arrematação.
- O remitente depositou o excedente do débito, acrescido do valor referente à primeira das 60 parcelas relativas ao montante executado. Em razão de diversos erros ocorridos no curso do processo, constatou-se que os débitos cobrados na execução fiscal, que deveriam ser adimplidos de forma parcelada, já estavam integralmente pagos em março de 2007, com a utilização dos valores depositados, bem como do pagamento de algumas DARF equivocadamente emitidas pela fazenda nacional. Faltava ao apelante arcar com o saldo remanescente para a quitação da remição, já que a dívida que originou a execução fiscal estava integralmente adimplida. Constatada a demora no pagamento, a União requereu a aplicação da multa de 50% sobre tal valor, nos termos da letra "c" da carta de remição. Todavia, a aplicação da cláusula não pode ser reivindicada no caso concreto, uma vez que os equívocos apontados culminaram com o recebimento antecipado do crédito fazendário, de forma que o acordo de parcelamento inicial não pode mais ser rescindido.
- Pago o débito fiscal, restava apenas restabelecer à disposição do juízo o saldo remanescente. Considerados os valores já aportados pelo remitente, relacionados pela própria fazenda, e descontados do valor inicial da dívida atualizado pela SELIC acumulada desde setembro de 2005 até setembro de 2012 (R$ 171.184,02), pendente o total de R$ 71.734,49. A soma devida, portanto, é a diferença entre tal valor (R$ 71.734,49) e o depósito de R$ 71.291,60 feito pelo remitente, devidamente atualizada nos termos da carta de remição, desde a data do respectivo depósito, em 27.07.2012. Após o trânsito em julgado, o remitente deverá ser regularmente intimado para o respectivo pagamento.
- Apelação do terceiro interessado provida para para excluir a multa de 50% prevista na carta de remição, mantida a hipoteca até a sua quitação integral, nos termos explicitados.