Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001104-20.2000.4.03.6107

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: JOSE CARLOS RAMOS RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA ELISA FRAGA NUNES FERREIRA - SP197038

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001104-20.2000.4.03.6107

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: JOSE CARLOS RAMOS RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA ELISA FRAGA NUNES FERREIRA - SP197038

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Apelação interposta contra sentença que julgou procedentes os embargos à execução fiscal para desconstituir o título executivo que deu base à cobrança de imposto territorial rural de 1995 de imóvel rural denominado "Gleba Moinho", situado em São Felix do Araguaia, Estado de Mato Grosso, declarado domínio da União em razão de ocupação indígena permanente (ID 102274831 – págs. 149/160). Isenta de custas, foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado. Sentença sujeita ao reexame necessário.

Sustenta, em síntese (ID 102274831 – págs. 166/173), que os artigos 29 e 31 do Código Tributário Nacional determinam que o contribuinte do imposto territorial rural, cujo fato gerador é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel a qualquer título, de forma que a ausência de posse a partir de 1994 não afasta a sua sujeição passiva. Afirma, ademais, que o próprio embargante se intitulou "senhor e legítimo proprietário" do imóvel ao propor a ação de interdito proibitório em razão da ausência de posse há mais de ano e dia e que a eventual perda de um dos atributos da propriedade não exonera o titular do pagamento da exação, consoante entendimento jurisprudencial consolidado. Ressalta, por fim, que o tributo em questão se refere ao ano de 1995, data em que a sentença prolatada na mencionada ação possessória ainda não havia transitado em julgado, razão pela qual de rigor a reforma do provimento jurisdicional recorrido. Caso mantida a sentença, pugna seja reduzida a verba honorária, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC/1973.

Enquanto se aguardava o julgamento da apelação, o embargante desistiu do feito, à vista da adesão ao programa de parcelamento fiscal (ID 102274831 - pág. 194). Intimada, a União requereu a homologação da renúncia ao direito sobre o qual se fundou a ação (pág. 198/199), mas não houve manifestação do embargante, de forma que a desistência deixou de ser homologada, nos termos do § 4° do artigo 267 do CPC/1973 (pág. 208/209).

Requerido o levantamento dos valores depositados em garantia do juízo, foi indeferido, ao fundamento de que o valor depositado está à disposição do juízo de origem, ao qual caberá decidir a destinação dos depósitos após o trânsito em julgado da sentença (pág. 216).

Por fim, consulta ao sítio eletrônico da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional demonstrou que a CDA nº 80 8 98 000180-07 continua ativa.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001104-20.2000.4.03.6107

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: JOSE CARLOS RAMOS RODRIGUES

Advogado do(a) APELADO: CLAUDIA ELISA FRAGA NUNES FERREIRA - SP197038

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V O T O

Embargos à execução opostos por José Carlos Ramos Rodrigues para requerer a declaração de nulidade do lançamento relativo ao ITR/95. Argumenta que, desde 1994, não mais detinha a posse da Gleba Moinho, situada em área do Parque Indígena do Xingu e declarada de domínio da União pela Portaria do Ministério da Justiça nº1.029/97, de forma que não pode ser compelido ao pagamento do imposto territorial rural/95 e da consequente contribuição sindical compulsória, nos termos do artigo 202 do Código Tributário Nacional, à vista de que o bem pertence à União e, portanto, faltam-lhe elementos indispensáveis para a ocorrência do fato gerador, nos termos do artigo 29 do CTN.

A sentença julgou procedente o pedido com fulcro no artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, que dispõe que são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelo índios, como é o dos Índios Suyá, consoante decisão prolatada no bojo do interdito proibitório nº 95.0001396-7 (ID 102274831 – págs. 23/31), de forma que nunca houve propriedade ou posse por parte do embargante, mas mera detenção do imóvel, contra a qual o recorrente insurge-se por meio do apelo que ora se examina.

Sobre o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), o artigo 153 da Constituição Federal estabelece:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

VI – propriedade territorial rural;

§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

I – será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)  (Regulamento)

 

De outro lado, o Código Tributário Nacional dispõe:

Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.

Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário.

Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

 

Posteriormente, sobreveio a Lei nº 9.393/96 que prevê:

Art. 1º. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano.

§ 1º. O ITR incide inclusive sobre o imóvel declarado de interesse social para fins de reforma agrária, enquanto não transferida a propriedade, exceto se houver imissão prévia na posse.

§ 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município.

§ 3º. O imóvel que pertencer a mais de um município deverá ser enquadrado no município onde fique a sede do imóvel e, se esta não existir, será enquadrado no município onde se localize a maior parte do imóvel.

 

De acordo com as normas colacionadas, o ITR é instituído pela União, sujeito ao lançamento por homologação e tem como fato gerador "a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município". Seu contribuinte, portanto, "é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título". Hugo de Brito Machado, por sua vez, ensina:

"A autorização constitucional é para tributar a propriedade, e o Código Tributário Nacional facultou à lei ordinária tomar para fato gerador do tributo a propriedade, o domínio útil ou a posse, vale dizer, o direito pleno, total, que é a propriedade, ou um de seus elementos, o domínio útil, ou ainda a posse. Se a propriedade, com todos os seus elementos, está reunida em poder de uma pessoa, o tributo recai sobre ela. Se está fracionada, isto é, se ninguém é titular da propriedade plena, ou porque há enfiteuse, ou porque a posse está com pessoa diversa do proprietário, que é desconhecido, ou imune ao tributo, ou isento, então o tributo recai sobre o domínio útil, ou a posse. (...)

O art. 31 do Código Tributário Nacional não assegura opções ao legislador ordinário na escolha do contribuinte. Se há propriedade plena em poder de alguém, este será o contribuinte. Se estiver fracionada a propriedade, nos dois domínios, contribuinte será o titular do domínio útil. E se a propriedade não está formalizada, não se podendo dizer que existe um proprietário, nem um titular de domínio útil, mas alguém tem a posse do imóvel, este será o contribuinte, abrangido que está pela expressão possuidor a qualquer título."

(in "Comentários ao Código Tributário Nacional", ed. Atlas, 2003, v. I, pp. 349 e 353)

 

Vê-se que, se a propriedade não for plena, o fato gerador do tributo será o domínio útil e sujeito passivo, aquele que o detém. No caso de o proprietário perder a posse direta ou indireta, o fato gerador será a posse e sujeito passivo, o possuidor. Para se definir o sujeito passivo, portanto, é necessário buscar no Direito Civil os conceitos de posse, propriedade, domínio útil, nos termos do disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional.

O Código Civil de 1916, vigente à época do ano em que ocorreu o fato gerador do tributo, dispunha:

Livro II – Do Direito das Coisas

Título I – Da Posse

Art. 485. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.

Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

 

De outro lado, domínio útil é conceituado como:

“O vocábulo em apreço simboliza uma das manifestações do direito de propriedade em relação às coisas materiais ou corpóreas, o qual se desdobra em útil e direto. O primeiro diz respeito ao desfrute da coisa, objeto da propriedade, cujo exercício se opera de forma ampla, na qual o titular do domínio útil pode inclusive efetivar a transmissão do bem, ao passo que o domínio direto representa desdobramento do direito de propriedade em que o dominus se vê privado do gozo, uso e disposição do bem. O domínio útil, a seu turno, exprime uma das condutas que integram a hipótese de incidência do imposto sobre a propriedade territorial rural e do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, nos termos dos arts. 29 e 32 do Código Tributário Nacional”. (in Enciclopédia Jurídica, edição 2014).

Assim, tem-se que possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. O proprietário, por sua vez, é todo aquele que pode usar, gozar e dispor da coisa, bem como reavê-la de quem a detenha. O esbulho é o ato de terceiro que se apodera, ilegitimamente, da coisa alheia em decorrência de violência, clandestinidade e precariedade e o domínio útil é o ato de usar e desfrutar da coisa.

No caso dos autos, resta demonstrado que o embargante não mais detinha o domínio útil da terra ao menos desde 1994, data em que o grupo tribal indígena SUYÁ decidiu retomar a terra que sempre foi sua. Esse reconhecimento foi documentado apenas em 28.01.1998, por meio de escritura pública (ID 102274831). Tal escritura, contudo, foi o ato final do processo de identificação e delimitação da terra indígena Wawi, consoante indica a leitura do documento colacionado às fls. 73/77 dos autos físicos, cujo trecho segue a seguir reproduzido:

“A aldeia Ngosôgo foi construída em 1994. A fundação desta aldeia atendeu à disposição dos Suyá em não adiarem mais a retomada e a proteção de seu território e tentar assegurar, desta forma, a perpetuação de seus recursos naturais já muito ameaçados. (...) Os Suyá há tempos vinham pensando em instalar-se ali para proteger as águas do rio Wawi e passar a ter uma base para a fiscalização das fronteiras do Parque. (...) Sentiram-se duplamente compelidos a lutar por suas terras tradicionais: urgiam contar com reconhecimento governamental, para sua garantia e preservação, sobretudo em vista dos desmatamentos crescentes na região (...). Em abril de 1994, os Suyá descobriram que suas terras às margens do Wawi estavam sendo invadidas. Fazendeiros estavam mandado derrubar as matas nos dois lados do rio. Os Suyá reagiram abrindo a aldeia naquela região. Em vista da manifestação Suyá sobre a invasão de suas terras, em maio de 1994, os fazendeiros Hélio Salvador Russo e José Carlos Ramos Rodrigues, proprietários da Fazenda São Pedro da Mata Linda e Santo Antônio do Suyá-Miçu, respectivamente, ambas localizadas às margens do Wawi, entraram com ação de Interdito Proibitório contra o cacique Kuyussi Suyá. Seu pedido liminar foi indeferido pelo MM. Juiz Federal.” (Publicado no Diário Oficial da União n°109, 11.06.97 -Seção 01, pág. 11964/11970)

(ID 102274831 – págs. 83/88)

 

A ação possessória citada, nº 95.001396-7, foi julgada improcedente em relação aos autores que não aderiram ao acordo com a FUNAI para o reconhecimento do domínio da União sobre as áreas litigadas e o recebimento de indenização pelas benfeitorias realizadas (ID 102274831 – pág. 114/121).

Sobre as terras indígenas dispõe prevê a Constituição Federal, em seu artigo 231, §6º, a nulidade e extinção de atos relativos à ocupação, domínio e posse:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígena s só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígena s de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígena s o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

(grifo nosso)

 

Referido dispositivo constitucional reproduz comandos da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio):

Art. 18. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas.

§ 1º Nessas áreas, é vedada a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígena s a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa.

 

No caso em tela, não merece prosperar o argumento da União quanto à incidência do ITR apenas em razão da propriedade do bem imóvel, notadamente em razão de que se tratava, na verdade, de mera detenção de imóvel rural localizado em área posteriormente demarcada e homologada como território indígena, haja vista a garantia da posse permanente e a consequente inalienabilidade e indisponibilidade das terras silvícolas, nos termos do artigo 231, §4º, da CF.

Assim, descabe falar em valor fundiário do imóvel, base de cálculo do tributo prevista no artigo 30 do CTN. Destaque-se que a própria legislação correlata é clara quanto à não tributação, consoante o antigo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/ 1964), com a redação dada pela Lei nº 6.746/79, que classificava as áreas de efetiva preservação permanente como não aproveitáveis para fins do cálculo de imposto (artigos 49 e 50). A Lei nº 8.171/91, em seu artigo 104, também estabelecia a isenção de ITR para os imóveis rurais considerados de preservação permanente e de reserva legal, comando reproduzido no artigo 10 da Lei 9.393/96.

Destarte, não restam dúvidas de que, conforme prevê o artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, tal qual declaradas as glebas componentes da Fazenda Santo Antonio, situada no Município de Querência, Estado do Mato Grosso, a teor da Portaria 1.029/1997, expedida pelo Ministério da Justiça (pág. 80). Cite-se, por fim, jurisprudência desta corte sobre o tema:

ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - ANULATÓRIA E INDENIZATÓRIA - PROPRIEDADE INCLUSA EM TERRA INDÍGENA - INEXIGIBILIDADE DO itr - DANOS MORAIS IMPROCEDENTES - CULPA CONCORRENTE PELA INSTAURAÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO - APELAÇÃO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDA - REMESSA OFICIAL IMPROVIDA.

1. No caso concreto, o Decreto de 08 de setembro de 1.998, que homologou a demarcação administrativa da terra indígena "Wawi", atingiu o imóvel registrado em nome do autor, passando a posse a pertencer ao grupo indígena "Suyá" (fls. 22 e 183/188).

2. Ademais, a parte da fazenda que não está na área da terra indígena "Wawi" pertence ao parque indígena do xingu, caracterizado como de ocupação tradicional e permanente indígena pelo Decreto de 25 de janeiro de 1.991.

3. As terras tradicionalmente ocupadas por índios são bens da União (artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal).

4. Desta forma, o autor não é proprietário ou possuidor da fazenda, pelo que igualmente não poderia ser considerado contribuinte do itr . Precedentes desta Corte.

5. A União, por outro lado, confirma que as CDAS referentes aos débitos debatidos na presente ação foram extintas por cancelamento, conforme extratos juntados aos autos (fls. 325/329), pelo que não há mais discussão a respeito deles.

6. O pedido inicial de indenização por danos morais improcede. No caso concreto, houve culpa concorrente do auto na instauração indevida da execução fiscal: ao apresentar declarações de itr (fls. 95/102), o autor contribuiu de forma determinante para a cobrança do tributo questionado.

7. Tendo em vista a existência de sucumbência mínima do autor (artigo 21, parágrafo único, do CPC/73), bem como a complexidade da ação e o alto valor da causa (R$ 2.409.154,77 - fls 06), é cabível a majoração da verba honorária, fixada pela r. sentença em R$ 2.000,00 (dois mil reais), para R$ 10.000,00 (dez mil reais).

8. Apelação do autor parcialmente provida. Remessa oficial desprovida.

(TRF3, AC 2008.61.00.011290-2, Rel. Des. Fed. Fábio Prieto, 6ª Turma, DJ 18.10.2018)

 

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ITR. ÁREA INDÍGENA. PROPRIEDADE DA UNIÃO. ART. 231, § 6º, DA CF. DEMARCAÇÃO DA ÁREA. NÃO HÁ LIMITAÇÃO TEMPORAL. REMESSA OFICIAL E APELO IMPROVIDOS.

1. Remessa oficial tida por interposta, o valor da presente execução supera o limite previsto no § 2º do artigo 475, do CPC, incluído pela Lei nº 10.352/2001. Trata-se de ITR/2000, representado pela CDA n. 80.8.04.000218-30.

2. O embargante trouxe aos autos cópia da Ação Anulatória n. 2004.61.07.007920-7 em que pleiteou a anulação dos lançamentos de itr /1995, 1998 e 1999, sobre o imóvel situado no município e comarca de São Felix do Araguaia, área de 4.927 Hectares, escritura n. 16.503 - CRI Comarca de Barra do Garças/MT, posteriormente matriculado sob n. 6.344 - 1º CRI Comarca de São Felix do Araguaia.

3. O Ofício n. 78, de 21/08/2003 da FUNAI informa que referida propriedade encontra-se inserida totalmente no Parque indígena xingu, território indígena demarcado e homologado por força do Decreto Presidencial. Na matrícula do imóvel consta a averbação de que a área é inalienável e indisponível da União.

4. Verifica-se que o imóvel objeto de incidência do ITR é o mesmo em ambas as ações, com exercícios distintos. Ação Anulatória subiu a esta E. Corte, distribuída sob a minha relatoria, que em sessão da 4ª Turma negou provimento ao apelo da União (Fazenda Nacional), para reconhecer que a área pertence à União.

5. O entendimento aqui deve seguir a esteira daquele julgado. É indevida a cobrança do itr sobre terra indígena vez que sobre elas não há domínio e os atos que tenham por objeto tais terras são nulos, não produzindo efeito jurídico, nos termos do § 6º do art. 231 da Constituição Federal.

6. Frise-se que o dispositivo em comento não estabelece limitação temporal para a demarcação da área e a expedição de decreto versando sobre o tema não significa dizer que a área passou a ser indígena a partir de sua edição. As discussões acerca da ocupação da área ao arrepio da lei é matéria que deverá ser tratada em outra seara.

7. Com relação ao pedido de substituição da penhora, vale registrar que os embargos à execução têm como escopo desconstituir o título executivo. Logo, sequer há interesse de agir, tendo em vista a inadequação da via eleita (art. 13, §1º, da Lei nº 6.830/80).

8. Remessa oficial e apelo improvidos.

(TRF3, AC 2010.03.99.009340-5, Rel. Des. Fed. Marli Ferreira, 4ª Turma, DJ 06.09.2017)

Ausentes os requisitos do fato gerador do ITR, deve a sentença ser mantida inalterada.

Quanto aos honorários advocatícios, considerado o valor da causa, que em março de 2000 correspondia a R$4.958,35 e, atualizado para agosto de 2020, totaliza R$ 16.676,21, a natureza, o trabalho desempenhado e o tempo decorrido, na medida em que são 20 anos de tramitação e de acompanhamento do feito, bem como a regra tempus regit actum, aplicável ao caso concreto, e o disposto no artigo 20, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil/1973, verifica-se adequada a verba honorária fixada em sentença, equivalente a 10 % do valor da demanda atualizado, pois propicia remuneração adequada e justa ao profissional, bem como superior a 1% (um por cento do valor da causa), consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1260297/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.09.2011, DJe 19.09.2011 e AgRg no Ag 1371065/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. 25.10.2011, DJe 28.10.2011).

Ante o exposto, voto para negar provimento à apelação.

É o voto. 

 

 


 

E M E N T A

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO. ITR. IMÓVEL RURAL EM ÁREA INDÍGENA. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. PROPRIETÁRIO QUE NÃO DETÉM O DOMÍNIO OU A POSSE DOS BENS. INEXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

- Embargos à execução opostos para requerer a declaração de nulidade do lançamento relativo ao ITR/95, uma vez que o proprietário, desde 1994, não mais detinha a posse da Gleba Moinho, situada em área do Parque Indígena do Xingu e declarada de domínio da União pela Portaria do Ministério da Justiça nº1.029/97, de forma que não pode ser compelido ao pagamento do imposto territorial rural/95 e da consequente contribuição sindical compulsória, nos termos do artigo 202 do Código Tributário Nacional, à vista de que o bem pertence à União e, portanto, faltam-lhe elementos indispensáveis para a ocorrência do fato gerador, nos termos do artigo 29 do CTN.

- Previsto na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e na Lei nº 9.393/96, o ITR foi instituído pela União e tem como fato gerador "a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município". Seu contribuinte, portanto, "é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título".

- No caso dos autos, resta demonstrado que o embargante não mais detinha o domínio útil da terra ao menos desde 1994, data em que o grupo tribal indígena SUYÁ decidiu retomar a terra que sempre foi sua. Esse reconhecimento foi documentado apenas em 28.01.1998, por meio de escritura pública que constituiu o ato final do processo de identificação e delimitação da terra indígena Wawi.

- Sobre as terras indígenas dispõe prevê a Constituição Federal, em seu artigo 231, §6º, que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.”

- Conforme prevê o artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal, são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, tal qual declaradas as glebas componentes da Fazenda Santo Antonio, situada no Município de Querência, Estado do Mato Grosso, a teor da Portaria 1.029/1997, expedida pelo Ministério da Justiça. Precedentes desta corte.

- Ausentes os requisitos do fato gerador do ITR, deve a sentença ser mantida inalterada.

- Adequada a verba honorária fixada em sentença, equivalente a 10 % do valor da demanda atualizado, pois propicia remuneração adequada e justa ao profissional, bem como superior a 1% (um por cento do valor da causa), consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

-Apelação da União desprovida.


  ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram as Des. Fed. MARLI FERREIRA e MÔNICA NOBRE., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.