REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5005544-58.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
REQUERENTE: MILTON RODRIGUES DA COSTA
Advogados do(a) REQUERENTE: ROBERTO BARTOLOMEI PARENTONI - SP107187, LUIZ ANGELO CERRI NETO - SP286223
REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5005544-58.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
REQUERENTE: MILTON RODRIGUES DA COSTA
Advogados do(a) REQUERENTE: ROBERTO BARTOLOMEI PARENTONI - SP107187, LUIZ ANGELO CERRI NETO - SP286223
REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de REVISÃO CRIMINAL ajuizada por MILTON RODRIGUES DA COSTA, com fundamento no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, contra aresto proferido pela E. 11ª Turma desta Corte Regional nos autos da Apelação Criminal nº 0002418-35.2013.4.03.6110, que deu parcial provimento à apelação da defesa para absolver o acusado, ora requerente, da prática do delito definido no artigo 35 da Lei nº 11.343/06; desconsiderar parcialmente a materialidade delitiva ( 600 kg de cocaína) no crime de tráfico transnacional de drogas, de forma a reduzir a pena-base do referido delito para 1/6 (um sexto); e, de ofício, afastar a valoração negativa no tocante aos maus antecedentes, bem como a consideração de processos judiciais em andamento como indicativos da personalidade de conduta social, mantendo a condenação do réu pelo cometimento dos crimes definidos nos artigos 33 da Lei nº 11.343/06 e 333 do Código Penal, mediante concurso material ( artigo 69 do Código Penal) à pena de 14 (quatorze) anos, 05 ( cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 1.085 (mil e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 05 (cinco) vezes o salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, assim ementado:
“PROCESSUAL PENAL E PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PERÍCIA DE VOZ. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. AUTORIA COMPROVADA. MATERIALIDADE PARCIALMENTE AFASTADA. NÃO APREENSÃO DE PARTE DA DROGA. DEMAIS PROVAS INSUFICIENTES A DEMONSTRAR A MATERIALIDADE. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. CORRUPÇÃO ATIVA. PERDÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. TRANSNACIONALIDADE. RESTITUIÇÃO DOS BENS APREENDIDOS.
I.A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, ora taxada de inepta preencheu todos os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, com a descrição das condutas dos denunciados, a exposição dos fatos criminosos e de todas as suas circunstâncias, o que possibilitou o exercício da ampla defesa dos acusados.
II.A perícia de voz não é medida que se impõe impreterivelmente a todas as interceptações telefônicas, devendo ser, ao contrário, requisitada a depender de sua necessidade e utilidade no caso em concreto, devendo a defesa demonstrar a pertinência da prova por ela requerida. No presento caso, os defensores tiveram acesso às mídias contendo todos os diálogos interceptados desde antes do início do tramitar desta ação penal, tendo tido, assim, duas oportunidades processuais para pleitearem eventual realização de perícia de voz, o que não o fizeram, somente alegando, em alegações finais, a tese da não validade da prova produzida.
III.A descrição dos fatos demonstra de forma inequívoca a participação dos réus no delito de tráfico transnacional de drogas.
IV.A materialidade dos 106,7kg de cocaína apreendidos no BO lavrado pelo DENARC estariam substanciados no auto de exibição e apreensão (fls. 195/196) e o laudo de constatação nª 61547/2012, cujo resultado foi positivo para cocaína (fls. 197/201).
V.A materialidade dos demais 600 kg, entretanto, segundo a sentença, a despeito de não ter sido localizada a droga, teria sido comprovada pelas demais provas do conjunto probatória. Ainda que se considere prescindível a apreensão da droga e possível demonstração da materialidade do delito do tráfico de entorpecentes através de outras provas existentes nos autos, o conjunto probatório dos presentes autos não foi capa de esclarecer indubitavelmente a quantidade de droga armazenada pelos traficantes.
VI. No decorrer das presentes investigações, descobriu-se que ADRIANA, por intermédio de GIULIANO, conheceu os réus HEBER e JULIO CESAR na Bolívia dias antes da perpetração do tráfico de drogas e que, tendo a negociação com a cooperativa de drogas da qual os bolivianos faziam parte falhado, HEBER chamou MILTON para o Guarujá para que negociasse com os traficantes.
VII. Ao que consta, era o primeiro delito que os réus iriam perpetrar juntos, sendo que sua união mostrou-se, em realidade, mais como uma cadeia de contatos que foram acionados para a venda de drogas para o grupo de Italiano do que efetivamente uma associação criminosa com estabilidade e permanência. A comunhão dos réus deu-se, portanto, com o objetivo de perpetrar um tráfico em específico, com um objetivo único.
VIII.O réu Milton, em benefício próprio e de terceiros, no dia do flagrante do dia 23 de outubro de 2012, ofereceu dinheiro aos policiais civis presentes na ocorrência pelo menos Alexandre e Mariano, para livrar a ele, a HEBER e ADRIANA da prisão. A notícia é que o pagamento tenha sido no valor de U$1.000.000,00 (um milhão de dólares).
IX.O conjunto probatório destes autos evidencia claramente que a droga era proveniente da Bolívia e, portanto, a prática do crime de tráfico transnacional de droga.
X.A pena definitiva do réu Carlos Heber Barbieri Escalante restou fixada em 11 (onze) anos, 01 (um) mês e 19 (dezenove) dias de reclusão, e o pagamento de 1111 (mil, cento e onze) dias-multa, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
XI.A pena definitiva do réu Milton Rodrigues da Costa restou fixada em 14 (quatorze) anos, 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão e o pagamento de 1085 (mil e oitenta e cinco) dias-multa, fixado o valor unitário em 05 (cinco) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos.
XII. Perdimento foi decretado pelo fato de tais bens constituírem produto do crime, ou seja, serem fruto da atividade criminosa que rendeu a condenação dos acusados, e, quanto a isso, reputo correta a sentença, não merecendo reforma nesse ponto.
XIII. Recurso da ré Adriana Da Silva Nunes parcialmente provido para reduzir a pena-base para 7 (sete) anos, 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 763 (setecentos e sessenta e seis) dias-multa, tornando definitiva para ela a pena de 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, em regime aberto e 222 (duzentos e vinte e dois) dias-multa, ficando substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, na forma expendida, o valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade para 1 (um) salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, devidamente corrigido, e, de ofício, destinar tal prestação à União e reduzir o valor unitário do dia-multa ao mínimo legal; recursos dos réus Julio Cesar Hurtado e Giuliano Cesar Barbosa de Lima providos para reconhecer a inexistência dos requisitos de permanência e estabilidade da associação para o tráfico de entorpecentes, absolvendo os acusados do delito previsto no artigo 35 da Lei 11.346/06 e, de ofício, estendida a absolvição deste delito para os demais réus Carlos Heber e Milton; recurso do réu Carlos Heber Escalante negado; recurso do réu Milton Rodrigues da Costa parcialmente provido para desconsiderar parcialmente a materialidade (600kg de cocaína) no delito de tráfico transnacional de entorpecentes e, por tal razão, de ofício, diminuir a pena-base do delito de tráfico de drogas em 1/6 (um sexto), estendendo-a, de ofício, também ao réu Carlos Heber Escalante; de ofício, maus antecedentes afastados relativos ao réu Milton e ainda de ofício, afastada a consideração de processos judiciais em andamento como indicativos da personalidade e conduta social de Carlos Heber e Milton. Assim, mantida a condenação dos réus Carlos Heber Escalante e Milton Rodrigues da Costa relativa ao delito previstos no artigo 33 da Lei 11.343/06, e mantida também, em concurso material, a condenação de Milton com relação ao delito no artigo 333 do Código Penal, tornando definitiva a pena de 11 (onze) anos, 01 (um) mês e 19 (dezenove) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 1111 (mil, cento e onze) dias-multa, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos para Carlos e 14 (quatorze) anos, 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 1085 (mil e oitenta e cinco) dias-multa, no valor de 05 vezes o valor mínimo vigente à época dos fatos para Milton” (ID 128395179).
Opostos embargos de declaração defensivos, que restaram rejeitados (ID 128395168).
Interposto recurso especial, rejeitado pelo C. Superior Tribunal de Justiça. Dessa decisão foi interposto agravo, desprovido por decisão monocrática, que transitou em julgado em 12/11/2019 (ID 126553516).
Na presente Revisão Criminal, o requerente sustenta o cabimento do pleito revisional com fundamento no artigo 621, I, do Código de Processo Penal, aduzindo que o acórdão teria sido proferido de forma contrária ao texto expresso da lei e/ou à evidência dos autos, postulando:
a) a anulação do processo a partir do julgamento dos embargos de declaração e “(...) determinar seja realizado novo julgamento dos mesmos, apreciando-se as teses tidas por omissas, por ofensa ao artigo 621 do Código de Processo Penal”;
b) a absolvição do requerente da prática do delito de tráfico de droga ( art. 33, "caput", da Lei nº 11.343/06), com espeque no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por configurar crime impossível;
c) o afastamento da incidência da majorante disciplinada no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 e, corolário, a redução da reprimenda corporal;
d) a absolvição do requerente do cometimento do crime de corrupção ativa ( artigo 333 do CP), apontando atipicidade fática, por se tratar de flagrante preparado;
e) a diminuição da pena-base “(...) em 1/4 (um quarto) e a em relação ao entorpecente efetivamente apreendido, conforme decidido pela 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a diminuição da pena-base em 2/3 (dois terços)”;
f) o desbloqueio de todos os bens do requerente, ao argumento de que a perda em favor da União deve atingir única tão-somente os bens adquiridos com o lucro proveniente da imputação penal à qual foi condenado, não podendo atingir patrimônio lícito adquirido há mais de 20 (vinte) anos.
Determinada emenda à inicial, na forma do artigo 625, §1º, do Código de Processo Penal (ID 127542683).
Inicial emendada (ID 128395031).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento da revisão criminal (ID 134706371).
É O RELATÓRIO.
À Revisão, na forma regimental.
REVISÃO CRIMINAL (428) Nº 5005544-58.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
REQUERENTE: MILTON RODRIGUES DA COSTA
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V O T O
Do Cabimento da Revisão Criminal. Consoante reiteradas decisões deste Tribunal (v.g. RVC 00272252420104030000, Márcio Mesquita, E-DJF3 Judicial 1 Data:16.07.2013; RVC 00122644420114030000, Cotrim Guimarães, E-DJF3 Judicial 1 Data:20.12.2012; RVC 00063749020124030000, Cecilia Mello, E-DJF3 Judicial 1 Data: 29.04.2013), a efetiva ocorrência de cada uma das hipóteses de cabimento do pedido revisional, taxativamente elencadas no art. 621, incisos I, II, e III, do Código de Processo Penal, implica, necessariamente, o exame do mérito da ação.
Nessa ordem de ideias, considerando que para o conhecimento da revisão criminal basta a mera afirmação de que está ou estão presentes uma ou mais hipóteses de cabimento previstas em cada um dos incisos do artigo 621 do Código de Processo Penal, conheço do presente pedido revisional, eis que a efetiva ocorrência das referidas hipóteses é matéria reservada ao mérito da ação.
Do Mérito da Revisão Criminal. Inicialmente, insta consignar que na ação penal originária nº 0002418-35.2013.4.03.6110, o requerente foi denunciado como incurso nos artigos 33 c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006 e artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, na forma do artigo 69 do mesmo diploma legal.
Segundo consta da denúncia, trata-se de investigação denominada de "Operação Dark Side", iniciada em agosto de 2012, a partir da qual logrou-se desarticular organização criminosa voltada para o tráfico internacional de substâncias entorpecentes, integrada por Investigadores da Polícia Civil do Estado de São Paulo lotados no Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (DENARC/SP).
Após regular instrução, sobreveio sentença que condenou o acusado às penas de 24 (vinte e quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 2.722 ( dois mil, setecentos e vinte e dois) dias-multa, no valor unitário de 05 ( cinco) salários mínimos vigentes ao tempo dos fatos, e ao perdimento dos bens apreendidos em favor da União (ID 128395178).
Em sede recursal, a E. 11ª Turma desta Corte Regional, deu parcial provimento à apelação da defesa para absolver o acusado, ora requerente, da prática do delito definido no artigo 35 da Lei nº 11.343/06; desconsiderar parcialmente a materialidade ( 600 kg de cocaína) no crime de tráfico transnacional de drogas, de forma a reduzir a pena-base do referido delito para 1/6 ( um sexto); e, de ofício, afastar a valoração negativa no tocante aos maus antecedentes, bem como a consideração de processos judiciais em andamento como indicativos da personalidade de conduta social, mantendo a condenação do réu pelo cometimento dos crimes definidos nos artigos 33, "caput", c.c. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06 e 333 do Código Penal, mediante concurso material ( artigo 69 do Código Penal) à pena de 14 (quatorze) anos, 05 ( cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 1.085 (mil e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 05 (cinco) vezes o salário mínimo vigente ao tempo dos fatos (ID 128395179).
Rejeitados os embargos de declaração opostos pelo requerente (ID 128395276).
Da pretendida anulação do feito a partir do julgamento dos embargos de declaração. O requerente alega que que não restaram enfrentadas as teses defensivas relevantes postas em sede recursal e tampouco por ocasião da análise dos embargos de declaração:
“(...) A análise do v. aresto deixa clara a existência de omissão no julgado, uma vez que teses defensivas relevantes deixaram de ser apreciadas pela Turma julgadora.
(...) Assim, com o intuito de sanar o evidente vício de omissão, o peticionário opôs embargos de declaração pleiteando a apreciação das seguintes matérias:
- ofensa à Súmula n. 145 do Supremo Tribunal Federal;
- negativa de vigência aos artigos 17 e 20, §2º, todos do Código Penal;
- inaplicabilidade do art. 40, inciso I, da Lei n. 11.343/2006 (majorante relativa a transnacionalidade do delito);
- atipicidade do delito de corrupção ativa;
- ofensa ao artigo 42 da Lei n. 11.343/2006 e ao artigo 59 do Código Penal (desproporcionalidade na redução da pena);
- ofensa aos artigos 125, 130, inciso I e 156, todos do Código de Processo Penal e ao artigo 91, inciso II, alínea “b”, do Código Penal;
- ofensa ao artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal”.
Sem razão, contudo. Isso porque depreende-se do julgamento do apelo defensivo e dos embargos de declaração que todas as questões postas nos autos, inclusive aquelas apontadas relevantes, foram analisadas por esta Corte Regional.
Deveras, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, o aresto dispôs sobre as referidas teses defensivas, como se verifica, “in verbis”:
“(...) "Reconhecimento da atipicidade da conduta tipificada no art. 33, caput, da Lei n° 11.343/2006, sob o argumento de que toda a ação teria sido provocada pelos policiais civis
Impossível acolher os argumentos tecidos pelo embargante no sentido da necessidade de se reconhecer a prática de crime impossível de tráfico de entorpecentes sob o pálio do entendimento sufragado na Súmula 145/STF (segundo o qual não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação). Com efeito, o embargante postula o reconhecimento da ocorrência de flagrante preparado ou provocado no contexto da apreensão levada a efeito pelos policiais civis (na misancene orquestrada para perpetração do golpe conhecido como "puxada", que se encontra devidamente explicado no v. acórdão embargado a partir de fl. 2532) e não em razão da prisão executada pela polícia federal que deu origem a "Operação Dark Side".
Nesse diapasão, quer fazer crer o embargante que os policiais civis que então teriam levado a efeito o flagrante de mais de 100 kg de cocaína seriam agentes provocadores que teriam induzido o cometimento da mercancia de entorpecentes e, assim, a conduta de traficância somente teria sido executada em razão do "estímulo" e da "armação" daquele contexto fático por pessoas que, posteriormente, se identificaram como sendo integrantes do Estado na qualidade de policiais civis.
Ocorre, contudo, que, na realidade, tais policiais civis nunca agiram na qualidade de funcionários públicos probos e íntegros ao apreenderem os mais de 100 kg de cocaína, mas sim como verdadeiros criminosos que, utilizando-se da função oficial que ostentavam na oportunidade, lançaram mão de expediente com o escopo de ser possível a execução do tal "golpe da puxada", de modo que tais policiais civis, ao não atuarem dentro da normal e da escorreita função pública (mas sim na criminalidade), jamais poderiam ser enquadrados como agentes provocadores do flagrante tal qual o embargado almeja ver reconhecido.
Em outras palavras, pressupõe o flagrante preparado ou provocado que o agente provocador estimule a prática da infração penal somente para que o criminoso a perpetre e, assim, venha a ser preso, tendo, nesse contexto, o controle da situação de modo a não permitir a consumação do delito (tanto que o entendimento sumular anteriormente colacionado, da lavra do C. Supremo Tribunal Federal, reconhece que a conduta então levada a efeito nessas condições configurar-se-ia crime impossível com supedâneo no art. 17 do Código Penal). Importante ressaltar que tal agente provocador, caso seja funcionário público, age com esteio nas funções legitimamente conferidas pela investidura em cargo público (o que não se verifica quando analisada a conduta de cada policial civil imbricado na operação em tela). Na realidade, os policiais civis, apenas com o "revestimento" de efetivos agentes de segurança estatal, travestiram-se de verdadeiros criminosos, razão pela qual não atuaram, quando da prática da "puxada", na condição de agentes estatais, o que tem o condão de afastar qualquer ilação atinente à preparação do flagrante.
Destaque-se que os objetivos de tais policiais civis estavam na prática das infrações penais descortinadas no bojo da "Operação Dark Side", sendo que, para tanto, conveniente se mostrava a identificação (quando já bem adiantado o "golpe da puxada") como policiais civis apenas com o desiderato de continuar o intento criminoso (por meio da tentativa de obtenção do entorpecente que não fora apreendido e da exigência de vantagem financeira para que não fosse imposto o encarceramento do embargante).
Portanto, nem de longe se mostra possível cogitar-se na ocorrência de flagrante preparado ou provocado tal qual almeja o embargante nesses aclaratórios. Aliás, o v. acórdão é por demais esclarecedor em detalhar como se deu a perpetração dos delitos descritos ao longo dos diversos cadernos processuais que compõem esse feito, somente não sendo conveniente a transcrição de seus excertos (contidos às fls. 2532v/2539) com o objeto de não inflar em demasia o presente provimento judicial.
Indo adiante, ainda na tentativa de argumentar pela atipicidade do delito de tráfico, aduz o embargante que a classificação da conduta nos diversos núcleos do art. 33 da Lei n° 11.343/2006 deve se balizar pela intenção do agente de modo que, se essa intenção fosse a venda do entorpecente (o que sustenta ter ocorrido no caso vertente), eventuais verbos anteriormente praticados seriam meros atos preparatórios integrantes do iter criminis e, portanto, impuníveis. Também sob tal perspectiva as ilações aviadas no expediente ora em julgamento não merecem ser acolhidas.
Isso porque o delito de tráfico de drogas é classificado como sendo de tipo misto alternativo de modo que resta consumado quando o agente pratica qualquer um dos vários verbos descritos no preceito primário do art. 33 da Lei n° 11.343/2006, sendo, assim, impossível cogitar-se na análise apenas do último verbo perpetrado como sendo aquele que o agente tinha a intenção de executar para que os verbos anteriormente cometidos fossem tidos como meros atos preparatórios da última traficância.
Em outras palavras, ainda que o desiderato final do traficante seja a comercialização da substância entorpecente (conduta que se subsumiria no. verbo "vender" contido no art. 33 em tela), o fato de ele ter a droga em depósito e de transportá-la, de per si, já faz com que suas condutas configurem o crime de tráfico ilícito de entorpecentes na justa medida em que o preceito primário do art. 33 também elenca os verbos "ter em depósito" e "transportar", o que, evidentemente, não pode ser tido como mero ato preparatório (e, portanto, impunível) exatamente porque o legislador erigiu tais condutas como configuradoras de infração penal.
Os julgados que seguem, da lavra tanto do C. Superior Tribunal de Justiça como desta E. Corte Regional, adotam o entendimento anteriormente exposto segundo o qual o crime do art. 33 da Lei n° 11.343/2006 caracteriza-se por ser de tipo misto alternativo.
Por todo o exposto, concluindo o tópico no qual o embargante vindica o reconhecimento da atipicidade da conduta prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, impossível acolher qualquer argumentação por ele tecida, ainda mais porque o v. acórdão não padece de qualquer omissão ou obscuridade.
“(...) Reconhecimento da atipicidade da conduta tipificada no art. 333 do Código Penal tendo em vista que, se o tráfico de entorpecentes é atípico por se tratar de crime impossível nos termos da Súm. 145/STF, toda a situação dele derivada seria atípica também
Nos termos anteriormente expendidos, impossível sequer cogitar da atipicidade do tráfico em razão do reconhecimento de flagrante preparado, motivo pelo qual, sendo essa a premissa que embasa o pleito de atipicidade do crime previsto no art. 333 do Código Penal, impossível o acolhimento do suposto vício que macularia o v. acórdão arguido pelo embargante em seus aclaratórios. Nota-se, na realidade, que a intenção do embargante está no revolvimento dos aspectos fáticos-probatórios que levaram a sua condenação, o que é defeso nos estreitos limites de cabimento dos embargos de declaração."
Noutro vértice, as alegações que se pretende acolhidas na seara preliminar foram repisadas e rechaçadas por ocasião da decisão monocrática proferida pela E. Vice-Presidência desta Corte Regional que não admitiu o recurso especial (ID 128395276) confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça na seara do agravo (ID 128395280),”in verbis”:
“Cuida-se de recurso especial interposto por Milton Rodrigues da Costa com fulcro no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão deste Tribunal que: a) deu parcial provimento ao recurso da ré Adriana Da Silva Nunes; b) deu provimento aos recursos dos réus Julio Cesar Hurtado e Giuliano Cesar Barbosa de Lima para absolve-los do crime do artigo 35 da Lei 11.343/0 e, de oficio, estender a absolvição deste delito para os demais réus Carlos Heber e Milton; c) negar provimento ao recurso do réu Carlos Heber Escalante; d) dar parcial provimento ao recurso de "Milton Rodrigues da Costa para desconsiderar parcialmente a materialidade (600kg de cocaína) no delito de tráfico transnacional de entorpecentes e, por tal razão, de oficio, diminuir a pena -base do delito de tráfico de drogas em 1/6 (um sexto), estendendo-a, de oficio, também ao réu Carlos Heber; de oficio, afastar os maus antecedentes relativos ao réu Milton e ainda de oficio, afastar a consideração de processos judiciais em andamento como indicativos da personalidade e conduta social de Carlos Heber e Milton. Assim, manter a condenação dos réus Carlos Heber Escalante e Milton Rodrigues da Costa relativa ao delito previsto no artigo 33 da Lei 11.343/06, e manter também, em concurso material, a condenação de Milton com relação ao delito no artigo 333 do Código Penal". Embargos de declaração. Embargos de declaração rejeitados.
Alega-se:
a) negativa de vigência aos arts. 619 e 621, ambos do CPP, pois a turma julgadora não teria sanado os vícios apontados nos embargos declaratórios;
b) negativa de vigência aos arts. 17 e 20, §2°, ambos do CP e 386, III, do CPP, bem como à Súmula 154/STF, ante a atipicidade da conduta tipificada no art. 33, da Lei 11.343/06, por se tratar de flagrante preparado, sendo de rigor a absolvição do réu;
c) ofensa ao art. 40, I, da Lei 11.343/06, haja vista que o recorrente "possuía entorpecente em solo brasileiro", não havendo "que se falar em tráfico internacional";
d) negativa de vigência aos art. 42 da Lei 11.343/06 e ao 59 do CP, pois a personalidade e a conduta social devem ser consideradas neutras, "reduzindo-se a pena -base em 1/4", bem como deve ser reduzida a pena -base em razão da quantidade de droga;
e) negativa de vigência ao art. 42 do CP e art. 387, § 2°, do CPP, porquanto necessária à aplicação da detração penal e a fixação do regime semiaberto;
f) ofensa ao art. 91, II, "b", do CP, dada a impossibilidade de perda em favor da união de bens adquiridos em momento anterior ao fato criminoso.
Em contrarrazões, o MPF requer o não conhecimento do recurso ou seu desprovimento.
É o relatório.
Decido.
Presentes os pressupostos recursais genéricos.
Quanto à negativa de vigência aos arts. 617 e 619, ambos do CPP, verifica-se que o voto que analisou os embargos aclaratórios consignou, de modo fundamentado, a ausência dos vícios apontados pelo ora recorrente, bem como destacou o intento do recorrente de promover a rediscussão da causa.
Com efeito, a pretensão de se utilizar dos embargos declaratórios para rediscutir a matéria decidida, apoiado apenas no inconformismo com a rejeição da matéria e com o intento de reverter o resultado que lhe foi desfavorável, é medida inaceitável. No mesmo sentido, trago à colação os seguintes arestos do STJ (destaquei):
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FORMA TENTADA. VÍCIOS DOS ARTS. 619 E 620 DO cp P. AUSÊNCIA. PRETENSÃO DE SIMPLES REDISCUSSÃO DO MÉRITO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
I - São cabíveis embargos de declaração quando, no acórdão embargado, houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, a teor do disposto nos arts. 619 e 620 do Código de Processo Penal.
Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência.
II - In casu, não há qualquer vício a ser sanado. Em verdade, a parte embargante pretende a rediscussão, sob nova roupagem, da matéria já apreciada, providência vedada nos estreitos limites dos aclaratórios. Embargos de declaração rejeitados. (EDcI no AgRg no REsp 1704245/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 28/02/2018)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NA DECISÃO EMBARGADA. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. RECURSO IMPROVIDO.
1. Aclaratórios opostos com nítido caráter infringente, devem ser recebidos como agravo regimental. Precedentes.
2. Apenas se admite embargos de declaração quando evidenciada deficiência no acórdão recorrido com efetiva obscuridade, contradição, ambiguidade ou omissão, conforme o art 619 , CPP.
3. Não se prestam os embargos de declaração para rediscussão do acórdão recorrido quanto revelado mero inconformismo com o resultado do julgamento.
4. Decisão mantida pelos seus próprios fundamentos.
5. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento, além de deferida a execução provisória pleiteada, delegando-se ao Tribunal local a execução dos atos. (EDcl no AREsp 816.978/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR, COM VIOLÊNCIA PRESUMIA. SUPOSTA OFENSA AO ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 381, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, PELA NÃO APRECIAÇÃO DE TODAS AS PROVAS TRAZIDAS PELA DEFESA. MERA TESE DE INOCÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA N° 83 DO STI OFENSA AO ART. 571, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INEXISTÊNCIA. PRECLUSÃO QUE NÃO FOI RECONHECIDA. TESES ANALISADAS EM DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS. EXAME DE CORPO DE DELITO. DESCONSTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N° 07 DO STJ. LAUDO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DA VÍTIMA NA FASE INVESTIGATÓRIA. IRRELEVÂNCIA PARA O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DO RECORRENTE. LEGALIDADE. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA E DE PERÍCIA NO ÓRGÃO GENITAL DO RÉU. DESNECESSIDADE DEMONSTRADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RETIRADA DO ACUSADO DA SALA DE AUDIÊNCIA A PEDIDO DE TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO. FALTA DE PROVA DO PREJUÍZO. PAS DE NULITÉ SANS GRIEF. PLEITO DE ACAREAÇÃO INDEFERIDO. AVALIAÇÃO DA CONVENIÊNCIA E NECESSIDADE DAS DILIGÊNCIAS. EXAME INVIÁVEL NA VIA. DEGRAVAÇÃO DO ÁUDIO DAS MÍDIAS DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. DESNECESSIDADE. CARÁTER PROTELATÓRIO. NEGATIVA DOS PEDIDOS EM DECISÕES FUNDAMENTADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO
1. A suposta afronta ao art. 619 do Código de Processo Penal não subsiste, porquanto o acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas as razões que firmaram o seu convencimento. Com efeito, a pretensão de utilizar- se do instrumento aclaratório para rediscutir matéria devidamente analisada e decidida, apoiado no inconformismo com a condenação e claro intento de reverter o resultado que lhe foi desfavorável, é medida inaceitável na via dos embargos de declaração.
2. Diante da motivação apresentada pelo acórdão, não subsiste a arguida contrariedade ao art. 381, inciso III, do Código de Processo Penal, pois que a sentença e o acórdão que a manteve indicaram os motivos de fato e de direito em que se fundou a decisão condenatória.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, os julgadores não são obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão, como ocorreu na espécie. Súmula n. ° 83 do STJ. O Recorrente, ademais, sequer especifica quais seriam as provas da Defesa que não foram apreciadas durante a instrução, deixando claro que pretende mero reexame de provas, com o objetivo de ser absolvido.
4. No caso, o Juiz do processo afirmou que os teses de nulidade foram examinadas e afastadas no decorrer da ação penal, motivo pelo qual não haveria propósito em reproduzir os argumentos expendidos na sentença condenatória. E inexistindo reconhecimento de preclusão, não se vislumbra ofensa ao art. 571, inciso II, do Código de Processo Penal. (REsp 1357289/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 28/02/2014)"
Quanto à alegação de negativa de vigência aos arts. 17 e 20, §2°, todos do CP, e art. 386, III, do CPP, sob o fundamento de atipicidade da conduta, o recurso não comporta trânsito, porquanto sobressai manifesto o intento do recorrente de promover o reexame de provas e fatos.
A turma julgadora, à luz dos elementos probatórios carreados aos autos, concluiu no sentido de estar demonstrada a tipicidade da conduta imputada ao acusado (...).
Infirmar a conclusão alcançada pela turma julgadora implicaria inaceitável ingresso na órbita probatória, o que não se coaduna com o restrito espectro cognitivo da via especial, conforme prescreve o mencionado verbete sumular n° 7 do STJ, in verbis:
"A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."
(...) Noutro giro, o reclamo não comporta trânsito à instância superior no que diz respeito à pretensa violação da súmula n° 154 do STF, eis que a hipótese não se amolda às previsões que ensejam a interposição de recurso especial descritas no art. 105, III, da CF.
Nesse sentido o enunciado sumular n° 518 do Superior Tribunal de Justiça:
"Para fins do art. 105, III, "a", da Constituição Federal, não é cabível recurso especial fundado em alegada violação de enunciado de súmula."
No que pertine à dosimetria da pena, melhor sorte não socorre ao recorrente.
Nesse diapasão, não se verifica qualquer ilegalidade na primeira fase da dosagem da sanção. O acórdão reduziu as penas -base fixadas na sentença mantendo-as, todavia, acima do mínimo legal, de forma individualizada e fundamentada, de acordo com o livre convencimento motivado (...)
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a pretensão de nova valoração das circunstâncias judiciais e individualização das penas é permitida apenas nas hipóteses de flagrante erro ou ilegalidade. Desse modo, o reexame da questão, nos termos pretendidos, demanda o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula n° 07 do Superior Tribunal de Justiça.
(...) Acerca da quantidade de droga, colaciona-se a fundamentação do órgão fracionário sobre o tema:
"Reajustamento das penas aplicadas - redução da pena base ante a apreensão de 100 kg de cocaína (e não de 700 kg) desproporcionalidade da majoração levada a efeito.
Requer o embargante a redução da pena base ante a apreensão de 100 kg de cocaína (e não de 700 kg), argumentando pela desproporcionalidade da majoração levada a efeito no v. acórdão. Com efeito, da mera leitura do v. acórdão (momento em que fixada a pena para o corréu Carlos Heber, cujos critérios foram também empregados para o embargante), depreende-se que se levou em consideração, para fins de materialidade do delito de tráfico a impactar na dosimetria da reprimenda, a apreensão de 106,7 kg de cocaína (e não os 700 kg como quer fazer crer o embargante). Ademais, não houve desproporcionalidade de critério de majoração da pena, tema este também enfrentado pelo v. acórdão, na justa medida em que restou consignado que o critério empregado pelo magistrado sentenciante (não passível de ser alterado por ausência de apelo da acusação) era até mais benéfico do que o usualmente empregado pela E. 110 Turma deste C. Tribunal Regional em casos como o então em apreciação. A propósito:
(..) A redação do artigo 42 da Lei n° 11.343/2006, que configura norma especial em relação ao artigo 59 do Código Penal, orienta o magistrado a dar maior importância à natureza e à quantidade do entorpecente em relação às demais circunstâncias judiciais. Assim, o fato de o réu ser primário e não ter maus antecedentes não implica, necessariamente, na fixação da reprimenda no patamar mínimo. (..) A quantidade da droga é, pois, indicador do grau de envolvimento do agente com o tráfico, revelando a natureza de sua índole e a medida de sua personalidade perigosa. Contudo, deve a pena -base ser dosada de forma a atender aos fins de prevenção e justa retribuição do delito e sua exacerbação deve guardar razoável proporção com as circunstâncias judiciais. Baseada na elevada quantidade, qualidade da droga e o alto valor de mercado que a substância, acaso comercializada, renderia aos participantes da empreitada criminosa, a sentença a quo exasperou a pena base seguindo o seguinte cálculo: 1/3 (um terço) para lote de 250kg de cocaína traficada e 1/6 (um sexto) para a quantidade de cocaína que sobrar da conta supra, totalizando 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 916 (novecentos e dezesseis) dias -multa. Ocorre que, como mencionado anteriormente, a materialidade dos 700 kg de cocaína não restou comprovada, estando materializada tão somente a apreensão de 106,7kg de cocaína dentro da Kombi que foi apreendida com José Anacleto pelos policiais civis do DENARC. Dessa forma, a fixação da pena -base com relação à natureza e quantidade de entorpecente deve considerar tão somente a quantidade de 106 kg de cocaína. Apesar disso, o cálculo efetuado pelo juízo sentenciante não se mostra compatível com a alta quantidade de droga apreendida (mais de 100kg), sendo que, inclusive, esta C. 11ª Turma estabelece patamares mais rigorosos.
Considerando, entretanto, que não houve recurso do Ministério Público Federal, e a considerar-se que, no presente julgado, foi desconsiderada parte da droga envolvida no tráfico, entendo como razoável a diminuição da pena -base em 1/6 (um sexto) do anteriormente fixado.
Assim, no que se refere à fixação da pena -base pela natureza e quantidade de droga, esta permanecerá no patamar de 07 (sete) anos, 07 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 763 (setecentos e sessenta e' seis) dias -multa. (..) - destaque nosso - fls. 2542v/2543v.
Conforme já dito anteriormente, ante a ausência de qualquer vício a macular o r. provimento judicial embargado, denota-se a intenção do embargante de buscar novo cálculo da pena que lhe foi imposta, o que é defeso nas estreitas hipóteses de cabimento deste recurso de fundamentação vinculada."
Descabe, outrossim, a alegação de que a quantidade de droga apreendida não justifica a exasperação da pena -base, sendo imperioso salientar que a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende como legítima a exasperação da pena, inclusive em patamar superior ao fixado pelo juízo a quo, ainda que apreendida quantidade de droga inferior àquela verificada nos autos (mais de 100kg de cocaína).
(...) De outro lado, no que toca à suposta negativa de vigência ao art. 42 do CP e art. 387, § 2°, do CPP, verifica-se que, ao contrário do sustentado no reclamo, o órgão fracionário procedeu à pretendida detração, razão pela qual resta evidenciada a ausência de interesse recursal.
(...) Ademais, remanescendo pena superior a oito anos, impõe-se a fixação do regime inicial fechado, nos termos do art. 33, § 2°, "a", do Codex Penal.
Acerca da ofensa ao art. 91, II, "b", do CP, implicaria inaceitável ingresso na órbita probatória concluir a impossibilidade de perda de bens em favor da União, o que não se coaduna com o restrito espectro cognitivo da via especial, conforme prescreve a Súmula n° 7 do STJ.
(...) Desse modo, tendo o acórdão recorrido decidido fundamentadamente as questões a ele submetidas, não se configura a apontada contrariedade aos artigos 619 e 620, ambos do Código de Processo Penal (...)”.
Ainda que assim não fosse, em sede revisional descabe o enfrentamento de suposta omissão do aresto, questão afeta, “in casu”, à oposição de novos embargos de declaração, mas que restou preclusa em decorrência do trânsito em julgado do acórdão.
Como visto, todos os argumentos postos no pleito revisional – atipicidade fática dos crimes de tráfico internacional de droga e de corrupção ativa; afastamento da incidência da majorante disciplinada no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 e, corolário, a redução da reprimenda corporal; diminuição da pena-base e o desbloqueio de todos os bens do requerente, ao argumento de que a perda em favor da União deve atingir única tão-somente os bens adquiridos com o lucro proveniente da imputação penal à qual foi condenado, não podendo atingir patrimônio lícito adquirido há mais de 20 (vinte) anos – restaram sobejamente enfrentados nos autos da ação penal originária, de forma a afastar a nulidade apontada.
Do pedido de absolvição amparado em atipicidade fática. A defesa postula a absolvição do requerente da prática do delito de tráfico internacional de droga, com espeque no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por configurar crime impossível, bem como do cometimento do crime de corrupção ativa, apontando atipicidade fática, por se tratar de flagrante preparado.
A revisão criminal é ação de natureza constitutiva que tem por escopo rescindir coisa julgada em matéria criminal, nas estritas hipóteses elencadas no art. 621 do Código de Processo Penal, quais sejam: a) sentença condenatória contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; b) sentença condenatória fundamentada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; c) descoberta de novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena, após a sentença.
No que concerne ao conjunto probatório coligido, extrai-se da r. sentença minudente análise das provas produzidas. Na mesma toada, o v. acórdão rescindendo consignou a tipicidade dos crimes de tráfico internacional de droga e de corrupção ativa, como se verifica, "in verbis":
“(...) A sentença a quo condenou os réus CARLOS HEBER, ADRIANA e MILTON pelo tráfico de 700 kg de cocaína por terem transportado, pelo menos os 100 kg apreendidos no Boletim de Ocorrência de José Anacleto e mantinham em depósito mais 600 kg, tudo com o propósito de ser vendido.
A materialidade dos 106,7kg de cocaína apreendidos no BO lavrado pelo DENARC estariam substanciados no auto de exibição e apreensão (fls. 195/196) e o laudo de constatação nº 61547/2012, cujo resultado foi positivo para cocaína (fls. 197/201).
A materialidade dos demais 600 kg, entretanto, segundo a sentença, a despeito de não ter sido localizada a droga, teria sido comprovada pelas demais provas do conjunto probatório.
Entretanto, ainda que se considere prescindível a apreensão da droga e possível a demonstração da materialidade do delito do tráfico de entorpecentes através de outras provas existentes nos autos, o conjunto probatório dos presentes autos não foi capaz de esclarecer indubitavelmente a quantidade de droga armazenada pelos traficantes.
Isto porque, a despeito de existirem diversas evidências no sentido de que grande quantidade de cocaína poderia estar armazenada em Suzano e tenha sido apreendida de maneira sub-reptícia pelos policiais, não existem elementos suficientes que demonstrem a quantidade exata ali armazenada. O único elemento concreto que levou o juízo sentenciante à conclusão de que a quantidade exata eram de 600 kg de cocaína foi o depoimento de ADRIANA de que, na reunião entre MILTON, HEBER e os policiais no Guarujá, MILTON aduziu que tinha disponíveis 700kg de cocaína e os levaria em lotes de 100kg na Kombi.
Um único elemento de prova, entretanto, não pode ser o suficiente para embasar um decreto condenatório.
DESSA FORMA, a materialidade do delito de tráfico transnacional está comprovada, porém somente no que se refere aos 106kg de cocaína encontrados na Kombi com José Anacleto.
(...) DA CORRUPÇÃO ATIVA (Artigo 333 do Código Penal)
O depoimento policial e judicial de ADRIANA DA SILVA NUNES, os diálogos interceptados, em especial os já mencionados diálogos nº 28457601, 28458502, 28457403, 28482540, 28482903,28499678 e 285011101, bem como o próprio fato de que os réus, apesar de terem cometido delito de tráfico transnacional de drogas, não tenham sido presos pelos policiais do DENARC, demonstram de forma inequívoca que realmente houve um acordo entre MILTON RODRIGUES e os policiais civis.
Segundo consta, MILTON, em benefício próprio e de terceiros, no dia do flagrante do dia 23 de outubro de 2012, ofereceu dinheiro aos policias civis presentes na ocorrência, pelo menos Alexandre e Mariano, para livrar a ele, a HEBER e ADRIANA da prisão. A notícia é que o pagamento tenha sido no valor de U$1.000.000,00 (um milhão de dólares).
Frise-se aqui, apenas a título de esclarecimento, que a situação da corrupção ativa dos presentes autos difere substancialmente da corrupção ativa envolvendo os réus Rodrigo e Donizetti nos autos da ação penal nº 2014.61.10.003213-8 da mesma "Operação Dark Side". Naquela ocasião, os autos tratavam de uma corrupção de informação, hipótese aceita de maneira excepcional. Ainda, os fatos aconteceram em uma situação obscura no qual os réus foram tirados de dentro do DENARC e levados em viatura pelos policiais para outra cidade que, então, os pressionaram para a entrega da localização da droga. Naquele contexto, não restou suficientemente claro se o que estava em jogo era tão somente a "omissão de ato de ofício" ou uma efetiva chantagem e ameaça entre duas quadrilhas de traficantes.
O caso em tela, ao contrário, subsume-se perfeitamente ao tipo penal, eis que restou claro que o acusado MILTON pagou vantagem indevida (in casu, aproximadamente R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais)) a funcionários públicos (policiais civis) para determina-los a omitir ato de ofício (efetuar a prisão dos acusados).
De rigor, portanto, a condenação do réu MILTON no que se refere ao delito previsto no artigo 333 do Código Penal".
Tudo o quanto posto foi confirmado na seara dos embargos de declaração, Confira-se:
“(...) Reconhecimento da atipicidade da conduta tipificada no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, sob o argumento de que toda a ação teria sido provocada pelos policiais civis
Impossível acolher os argumentos tecidos pelo embargante no sentido da necessidade de se reconhecer a prática de crime impossível de tráfico de entorpecentes sob o pálio do entendimento sufragado na Súm. 145/STF (segundo o qual não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação). Com efeito, o embargante postula o reconhecimento da ocorrência de flagrante preparado ou provocado no contexto da apreensão levada a efeito pelos policiais civis (na misancene orquestrada para perpetração do golpe conhecido como "puxada", que se encontra devidamente explicado no v. acórdão embargado a partir de fl. 2532) e não em razão da prisão executada pela polícia federal que deu origem a "Operação Dark Side".
Nesse diapasão, quer fazer crer o embargante que os policiais civis que então teriam levado a efeito o flagrante de mais de 100 kg de cocaína seriam agentes provocadores que teriam induzido o cometimento da mercancia de entorpecentes e, assim, a conduta de traficância somente teria sido executada em razão do "estímulo" e da "armação" daquele contexto fático por pessoas que, posteriormente, se identificaram como sendo integrantes do Estado na qualidade de policiais civis.
Ocorre, contudo, que, na realidade, tais policiais civis nunca agiram na qualidade de funcionários públicos probos e íntegros ao apreenderem os mais de 100 kg de cocaína, mas sim como verdadeiros criminosos que, utilizando-se da função oficial que ostentavam na oportunidade, lançaram mão de expediente com o escopo de ser possível a execução do tal "golpe da puxada", de modo que tais policiais civis, ao não atuarem dentro da normal e da escorreita função pública (mas sim na criminalidade), jamais poderiam ser enquadrados como agentes provocadores do flagrante tal qual o embargado almeja ver reconhecido.
Em outras palavras, pressupõe o flagrante preparado ou provocado que o agente provocador estimule a prática da infração penal somente para que o criminoso a perpetre e, assim, venha a ser preso, tendo, nesse contexto, o controle da situação de modo a não permitir a consumação do delito (tanto que o entendimento sumular anteriormente colacionado, da lavra do C. Supremo Tribunal Federal, reconhece que a conduta então levada a efeito nessas condições configurar-se-ia crime impossível com supedâneo no art. 17 do Código Penal). Importante ressaltar que tal agente provocador, caso seja funcionário público, age com esteio nas funções legitimamente conferidas pela investidura em cargo público (o que não se verifica quando analisada a conduta de cada policial civil imbricado na operação em tela). Na realidade, os policiais civis, apenas com o "revestimento" de efetivos agentes de segurança estatal, travestiram-se de verdadeiros criminosos, razão pela qual não atuaram, quando da prática da "puxada", na condição de agentes estatais, o que tem o condão de afastar qualquer ilação atinente à preparação do flagrante.
Destaque-se que os objetivos de tais policiais civis estavam na prática das infrações penais descortinadas no bojo da "Operação Dark Side", sendo que, para tanto, conveniente se mostrava a identificação (quando já bem adiantado o "golpe da puxada") como policiais civis apenas com o desiderato de continuar o intento criminoso (por meio da tentativa de obtenção do entorpecente que não fora apreendido e da exigência de vantagem financeira para que não fosse imposto o encarceramento do embargante).
Portanto, nem de longe se mostra possível cogitar-se na ocorrência de flagrante preparado ou provocado tal qual almeja o embargante nesses aclaratórios. Aliás, o v. acórdão é por demais esclarecedor em detalhar como se deu a perpetração dos delitos descritos ao longo dos diversos cadernos processuais que compõem esse feito, somente não sendo conveniente a transcrição de seus excertos (contidos às fls. 2532v/2539) com o objeto de não inflar em demasia o presente provimento judicial.
Indo adiante, ainda na tentativa de argumentar pela atipicidade do delito de tráfico, aduz o embargante que a classificação da conduta nos diversos núcleos do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 deve se balizar pela intenção do agente de modo que, se essa intenção fosse a venda do entorpecente (o que sustenta ter ocorrido no caso vertente), eventuais verbos anteriormente praticados seriam meros atos preparatórios integrantes do iter criminis e, portanto, impuníveis. Também sob tal perspectiva as ilações aviadas no expediente ora em julgamento não merecem ser acolhidas.
Isso porque o delito de tráfico de drogas é classificado como sendo de tipo misto alternativo de modo que resta consumado quando o agente pratica qualquer um dos vários verbos descritos no preceito primário do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, sendo, assim, impossível cogitar-se na análise apenas do último verbo perpetrado como sendo aquele que o agente tinha a intenção de executar para que os verbos anteriormente cometidos fossem tidos como meros atos preparatórios da última traficância.
Em outras palavras, ainda que o desiderato final do traficante seja a comercialização da substância entorpecente (conduta que se subsumiria no verbo "vender" contido no art. 33 em tela), o fato de ele ter a droga em depósito e de transportá-la, de per si, já faz com que suas condutas configurem o crime de tráfico ilícito de entorpecentes na justa medida em que o preceito primário do art. 33 também elenca os verbos "ter em depósito" e "transportar", o que, evidentemente, não pode ser tido como mero ato preparatório (e, portanto, impunível) exatamente porque o legislador erigiu tais condutas como configuradoras de infração penal.
Os julgados que seguem, da lavra tanto do C. Superior Tribunal de Justiça como desta E. Corte Regional, adotam o entendimento anteriormente exposto segundo o qual o crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 caracteriza-se por ter de tipo misto alternativo.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. HIPÓTESE DE FLAGRANTE EM CRIMES PERMANENTES. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO OU AUTORIZAÇÃO (ART. 5º, XI, CF). PRECEDENTES. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA A INFRAÇÃO PENAL SUI GENERIS DO ARTIGO 28 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DE PROVAS. MERCANCIA. PRESCINDIBILIDADE. TIPO MISTO ALTERNATIVO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...) 4. O crime de tráfico de drogas é tipo misto alternativo restando consumado quando o agente pratica um dos vários verbos nucleares inserido no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, sendo a venda prescindível ao seu reconhecimento. (...) (STJ, HC 382.306/RS, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2017, DJe 10/02/2017) - destaque nosso.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. JUSTA CAUSA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA LINEU. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DE DROGA. FATO TÍPICO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO. ESPECIALIDADE. INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O tráfico de drogas é delito de tipo misto alternativo e conteúdo variado, sendo punível também a conduta de quem importa matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente que, assim, não configura mero ato preparatório. (...) (STJ, AgRg no REsp 1609752/SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 01/09/2016) - destaque nosso.
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. NATUREZA E QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA. APLICADA, DE OFÍCIO, A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006 EM GRAU MÁXIMO. APELAÇÃO DA DEFESA NÃO PROVIDA. (...) 7. O artigo 33 da Lei de Drogas representa um tipo misto alternativo, de forma que o agente, mesmo praticando mais de um dos núcleos do tipo, responde por um só delito. Dessa forma, tendo adquirido a droga, a qual foi devidamente enviada pelo correio para o endereço de sua residência, já se tem por consumado o crime, sendo desnecessário que esta seja entregue em sua residência, pois se trata de tipo penal de conteúdo múltiplo/variado, não sendo necessária a efetiva entrega da encomenda ilegal ao destinatário para a consumação do delito, sendo aquela mero exaurimento do crime. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 64122 - 0014863-66.2013.4.03.6181, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 18/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/10/2016) - destaque nosso.
Por todo o exposto, concluindo o tópico no qual o embargante vindica o reconhecimento da atipicidade da conduta prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, impossível acolher qualquer argumentação por ele tecida, ainda mais porque o v. acordão não padece de qualquer omissão ou obscuridade”.
(...) Reconhecimento da atipicidade da conduta tipificada no art. 333 do Código Penal tendo em vista que, se o tráfico de entorpecentes é atípico por se tratar de crime impossível nos termos da Súm. 145/STF, toda a situação dele derivada seria atípica também.
Nos termos anteriormente expendidos, impossível sequer cogitar da atipicidade do tráfico em razão do reconhecimento de flagrante preparado, motivo pelo qual, sendo essa a premissa que embasa o pleito de atipicidade do crime previsto no art. 333 do Código Penal, impossível o acolhimento do suposto vício que macularia o v. acórdão arguido pelo embargante em seus aclaratórios. Nota-se, na realidade, que a intenção do embargante está no revolvimento dos aspectos fáticos-probatórios que levaram a sua condenação, o que é defeso nos estreitos limites de cabimento dos embargos de declaração”.
Destarte, o aresto não é contrário à evidência dos autos, como quer fazer crer a defesa, uma vez que os fatos narrados na inicial acusatória restaram amplamente comprovados no transcorrer da instrução criminal.
É dizer: o acórdão, proferido pela Décima Primeira Turma deste Egrégio Tribunal, fundamentou a condenação de acordo com as provas contidas nos autos. Além disso, não se verifica quaisquer indícios de falsidade em relação a estas, tampouco a defesa trouxe novas provas que demonstrem a inocência do requerente.
Consigne-se, por fim, que a Jurisprudência desta E. Corte assentou que é incabível, em sede de revisão criminal, a pretensão à reapreciação de matéria probatória já decidida no processo, sem que se demonstre a ocorrência de decisão totalmente divorciada das evidências dos autos, contrária à lei ou fundada em provas falsas.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
"PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. REEXAME DE MATÉRIA JÁ DISCUTIDA. INADMISSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. ART. 59 DO CP. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PRELIMINARMENTE RECHAÇADA A PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL FALTA DE INTERESSE DE AGIR EM RAZÃO DE JÁ TER SIDO CONCEDIDO TAL PEDIDO ANTERIORMENTE. REVISÃO CRIMINAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...) A Revisão Criminal não é a sede adequada para a reapreciação do conjunto probatório, pela repetição de teses já afastadas por ocasião da condenação definitiva.
A revisão criminal não tem a natureza de apelação, já que se apresenta como verdadeira ação rescisória do julgado, não se prestando ao mero reexame de provas, já analisadas no juízo de conhecimento e, eventualmente, em segundo grau" (RVCr 200703000641411, Rel. Desembargador Federal Henrique Herkenhoff, DJF3 CJ1 de 13/08/2010)
"REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. EFEITO EXTENSIVO DOS RECURSOS. REEXAME DE PROVA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DELAÇÃO PREMIADA. PROGRESSÃO DE REGIME. REVISÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
O pedido revisional deve fazer referência a uma das hipóteses de cabimento elencadas nos incisos I a III do art. 621 do Código de Processo Penal para ser conhecido.
Foram corretamente analisadas as circunstâncias judiciais previstas no caput do art. 59 do Código Penal para a fixação da pena-base.
A contrariedade da condenação à evidência dos autos deve ser entendida com cautela, na medida em que a revisão criminal não se destina à mera reapreciação de prova já examinada em primeiro e segundo graus de jurisdição e não se trata de uma segunda apelação. O antagonismo há de ser frontal entre a fundamentação ou o dispositivo da decisão impugnada e o conjunto de provas existentes nos autos, de forma a resguardar o livre convencimento do juiz" (RVCr 200503000692422, rel. Desembargador Federal André Nekatschalow, DJF3 CJ1 de 04/05/2010)
Logo, de rigor a manutenção da condenação do requerente pela prática dos crimes descritos nos artigos 33, "caput", c.c. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006 e artigo 333 do Código Penal.
Da dosimetria. No que se refere à da redução da pena base e à apontada inaplicabilidade da causa de aumento insculpida no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, de igual forma a pretensão do recorrente não deve prosperar.
Foram corretamente analisadas as circunstâncias judiciais disciplinadas no artigo 59 do Código Penal para a fixação da pena-base.
Deveras, não há nenhuma ilegalidade no acórdão rescindendo, que assim dispôs:
“(...) NA PRIMEIRA FASE, quanto à natureza e quantidade de droga, a pena-base deve permanecer no mesmo patamar fixado ao corréu HEBER, ou seja, em 07 (sete) anos, 07 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 763 (setecentos e sessenta e seis) dias-multa. Ainda na primeira fase, o juízo sentenciante aumentou em ¼ (um quarto) pela personalidade e conduta do denunciado por ter mandado HEBER ameaçar ADRIANA, mandando 'recado para dizer que não conhecia o MILTON'. O juízo também considerou que o comportamento social do denunciado era demonstrado pelo fato de MILTON já ter se envolvido em diversas situações delituosas, nada obstante muitos dos casos tenham sido arquivados ou absolvido. Tal consideração viola diretamente o princípio da presunção de inocência e, portanto, a existência de tais apontamentos em seus Antecedentes Criminais deve ser, de ofício, desconsiderada. O aumento da pena pela consideração do fato de ter mandado ameaçar ADRIANA parece razoável por reforçar o tipo de personalidade do denunciado, não condizente com a vida pacífica em sociedade, devendo ser, portanto, o patamar de aumento ser diminuído para 1/5 (um quinto), alcançando-se a pena-base de 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 915 (novecentos e quinze) dias-multa (...)”.
Noutro vértice, a transnacionalidade do tráfico de drogas restou amplamente comprovada nos autos, de forma a incidir a causa de aumento disciplinada no inciso I do artigo 40 da Lei de Drogas.
Deveras, como consignou o acórdão impugnado, o conjunto probatório demonstrou que a droga era proveniente da Bolívia, configurando a prática do crime de tráfico transnacional de entorpecente:
“(...) As circunstâncias deixaram claro que ADRIANA esteve na Bolívia, onde manteve contato com os bolivianos HEBER CARLOS, JULIO CESAR e 'Negro' para fornecimento de cocaína para um suposto grupo de traficantes paulistas. Falhadas as negociações com a cooperativa, HEBER, então, entrou em contato com MILTON para que vendesse droga à quadrilha de Marcelo Athiê. No mesmo dia do flagrante, dia 23 de outubro de 2012, HEBER recebe mensagens provenientes da Bolívia avisando que MILTON havia sido preso. O envolvimento de MILTON com o boliviano 'Negro' fica nítido no diálogo nº28455233 entre MILTON e CARLOS HEBER. Ainda que a droga estivesse estocada em São Paulo no momento, fato é que os laços entre MILTON e os bolivianos HEBER e 'Negro' deixam claro que a cocaína traficada provém do exterior. DESSA FORMA, comprovada a transnacionalidade, deve a causa de aumento, prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, permanecer no patamar corretamente fixado pelo Juízo, na fração de 1/6 (um sexto) para todos os réus (...)”.
Cumpre ponderar que, em sede de revisão criminal, é inadmissível alterar a pena imposta de acordo com os parâmetros legais. Somente em casos excepcionais, em que manifesta a injustiça ou a violação às normas de regência, poderá ser atendido o pedido revisional, não se mostrando a revisão criminal a via adequada à simples reapreciação dos critérios da individualização da pena.
“In casu”, verifica-se que o pleito revisional intenta a reapreciação de dosimetria da pena exaustivamente analisada e fundamentada na sentença e acórdão impugnado, não refutada por novas provas, nos moldes dos requisitos do artigo 621 do Código de Processo Penal e, portanto, não prospera o pedido defensivo de diminuição da pena imposta.
Por fim, no tocante à pena de perdimento dos bens, também não se vislumbra ilegalidade ou erro crasso que justifique a modificação do “decisum” e a desconstituição da coisa julgada.
Como bem ressaltou o aresto, “in verbis”:
(...) Em relação aos bens apreendidos e tornados indisponíveis pelo juízo de origem, examinando a sentença condenatória (fls. 1.340/1.416), verifico que o juízo de origem fundamentou o perdimento dos bens no art. 91, II, 'b', do Código Penal, que dispõe: 'Art. 91 - São efeitos da condenação: II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso'. Portanto, o perdimento foi decretado pelo fato de tais bens constituírem produto do crime, ou seja, serem fruto da atividade criminosa que rendeu a condenação dos acusados, e, quanto a isso, reputo correta a sentença, não merecendo reforma nesse ponto. (...)”.
Ademais, as alegações no sentido de que os bens teriam origem lícita sequer foram comprovadas pelo requerente no bojo do processo criminal.
Ante o exposto, julgo improcedente a presente revisão criminal.
É COMO VOTO.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ARTIGOS 33, “CAPUT”, C.C. 40, I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06 E 333 DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO. DIMINUIÇÃO DA PENA. BENS APREENDIDOS. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL.
1. Consoante reiteradas decisões deste Tribunal, a efetiva ocorrência de cada uma das hipóteses de cabimento do pedido revisional, taxativamente elencadas no art. 621, incisos I, II, e III, do Código de Processo Penal, implica, necessariamente, o exame do mérito da ação.
2. Em sede revisional, a defesa pleiteou a absolvição por atipicidade fática.
3. Ao contrário do alegado, há farto conjunto probatório a comprovar a materialidade delitiva e sustentar a condenação do revisionando pela prática dos delitos descritos nos artigos 33, “caput”, c.c. 40,I, ambos da Lei nº 11.343/06 e 333 do Código Penal.
4. Além disso, tanto o Juízo de primeiro grau quanto a Egrégia Turma avaliaram todos os aspectos trazidos aos autos. Verifica-se, portanto, que não restou configurada decisão contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
5. Cumpre ponderar que, em sede de revisão criminal, é inadmissível alterar a pena imposta de acordo com os parâmetros legais. Somente em casos excepcionais, em que manifesta a injustiça ou a violação às normas de regência, poderá ser atendido o pedido revisional, não se mostrando a revisão criminal a via adequada à simples reapreciação dos critérios da individualização da pena.
6. “In casu”, verifica-se que o pleito revisional intenta a reapreciação de dosimetria da pena exaustivamente analisada e fundamentada na sentença e acórdão impugnado, não refutada por novas provas, nos moldes dos requisitos do artigo 621 do Código de Processo Penal e, portanto, não prosperando, portanto, o pedido defensivo de diminuição da pena imposta.
7. Por fim, no tocante à pena de perdimento dos bens, de igual forma não se vislumbra ilegalidade ou erro crasso que justifique a modificação do “decisum” e a desconstituição da coisa julgada.
8. Revisão Criminal improcedente.