Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

PETIÇÃO CRIMINAL (1727) Nº 5031033-97.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

REQUERENTE: TADEU RODRIGUES JORDAN

Advogados do(a) REQUERENTE: DOMENICO DONNANGELO FILHO - SP154221-A, JOAO BOSCO CAETANO DA SILVA - SP349665-A

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

PETIÇÃO CRIMINAL (1727) Nº 5031033-97.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

REQUERENTE: TADEU RODRIGUES JORDAN

Advogados do(a) REQUERENTE: DOMENICO DONNANGELO FILHO - SP154221-A, JOAO BOSCO CAETANO DA SILVA - SP349665-A

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

RELATÓRIO

 

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Trata-se de exceção de incompetência de juízo (Id. 146856007), oposta pela defesa de Tadeu Rodrigues Jordan, corréu nos autos da Ação Penal de reg. n.º 5021828-44.2020.4.03.0000, com base na seguinte fundamentação:

 

O Ministério Público Federal apresentou denúncia em desfavor de Tadeu Rodrigues Jordan e mais sete acusados (id 138531620) pois, segundo a narrativa acusatória, os agentes fariam parte de uma organização criminosa, articulada e concertada, que visava à venda de decisões judiciais e, para tanto, os acusados teriam praticado os crimes de corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e participação em associação criminosa.

Houve o oferecimento de Resposta Preliminar, seguido do recebimento da denúncia (id 138641564) e, posteriormente, apresentação de Defesa Prévia (id 145378598).

Em ambas as peças defensivas, o Excipiente arguiu, em sede preliminar, a incompetência do Órgão Especial do E. Tribunal Regional Federal para o julgamento do feito.

Na decisão que recebeu a denúncia, entretanto, esta E. Corte Regional, através de seu Órgão Especial, entendeu, em síntese, que razões de conveniência e oportunidade atestariam a competência deste r. Colegiado para o processamento e julgamento do feito, tendo em vista ser, como restou decidido, o juiz natural da causa, segundo os critérios estabelecidos na legislação de regência.

As questões postas, inclusive por corréus, analisavam a questão sob o ponto de vista da garantia do Juiz Natural. Na presente Exceção, no entanto, a questão se põe, também sob o ponto de vista do Juiz Natural, mas, principalmente, em face do duplo grau de jurisdição, tendo em vista a previsão de tal garantia, seja na Constituição Federal, seja nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil.

Excelências, com todo o respeito, é de se reconhecer a incompetência deste Órgão Especial para o julgamento do feito, sendo de rigor o desmembramento do feito e sua consequente remessa a uma das Varas Federais da Subseção Judiciária de São Paulo.

Com efeito, o fato de um corréu ser juiz federal, não implica em que todos os acusados sejam julgados por esta Corte Regional, a não ser em razão de devolução de matéria de Apelação eventualmente interposta pelas partes.

Já se disse que “o juiz natural é aquele definido segundo todos os critérios de competência, sejam previstos na Constituição, sejam definidos em leis ordinárias e nas leis de organização judiciária” (BADARÓ. Gustavo Henrique. Processo penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2020. p. 56).

O Excipiente vem sendo processado pela suposta prática dos delitos de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e participação em organização criminosa.

Quanto a este último delito, tem-se que é ínsito ao tipo penal que as condutas dos agentes sejam imbricadas, ou guardem alguma relação. Isto, por si só, não é razão suficiente para que se estabeleça a conexão de processos para que tramitem todos sob um mesmo órgão.

A regra de extensão de competência por prerrogativa de foro deve ser aplicada restritivamente, apenas nas hipóteses previstas na legislação (princípio da legalidade) e, mesmo assim, quando for imprescindível para o bom andamento do feito.

Claro está que as condutas a serem apuradas em sede de cognição não estão imbricadas de tal maneira que não se possa entender o que o Ministério Público Federal entendeu que cada agente teria feito.

De fato, o Parquet narrou “ao menos três formas de atuação” da suposta organização criminosa. E esta divisão de tarefas leva à conclusão de que não são intimamente imbricadas as supostas condutas, a ponto de fazer ser extensível a todos os demais corréus a prerrogativa de foro do Juiz federal, a fim de que seja considerado este r. Órgão Especial, o Juiz Natural da causa.

Além disso, tem-se que o reconhecimento da incompetência deste r. Órgão Especial e a remessa dos autos à Subseção Judiciária da Justiça Federal em São Paulo, permitirá que o Excipiente possa gozar de todas as garantias processuais fundamentais, como adiante se verá.

Cumpre ressaltar que a Súmula 704, do E. Supremo Tribunal Federal, não se aplica ao caso concreto. Isto porque, a jurisprudência daquela Augusta Corte tem entendido que a regra é o desmembramento, exceto quando não há possibilidade de individualização das condutas ou quando o desmembramento poderia gerar decisões conflitantes.

Aliás, no ponto, tem-se que o Código de Processo Penal prescreve, em seu artigo 80, que “será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação” (grifamos).

No caso em tela, a manutenção da competência deste Órgão Especial para o processamento do feito, viola frontalmente a garantia do juiz natural e, ao mesmo tempo, a garantia do duplo grau de jurisdição, pois elastece indevidamente as rígidas repartições de competência prescritas na Constituição Federal, na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no Código de Processo Penal, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e, inclusive, desta E. Corte Regional.

Não há falar, portanto, em espaço para discricionariedade quando normas de superior hierarquia, a saber, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIII, bem assim a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8, itens 1 e 2, e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14 n.5) expressam, entre outras, as garantias do juiz natural e do duplo grau de jurisdição.

Questões de prorrogação de competência por suposta imbricação das condutas, em tese, praticadas, não podem se sobrepor à força cogente das normas constitucionais ou dos compromissos assumidos pelo Estado perante a comunidade internacional, sobretudo se forem confrontados e violados mediante adoção de critérios de “conveniência”, “oportunidade” ou quejandos.

Com efeito, ainda que secundária, nesta sede, a discussão sobre o status das normas de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro – se têm status constitucional ou supralegal – fato é que as garantias do juiz natural, do duplo grau de jurisdição e da ampla defesa, têm previsão constitucional e convencional.

Além disso, a regra extensiva de competência por foro de prerrogativa de função tem caráter objetivo, ou seja, está atrelada ao exercício da função e não a eventuais liames subjetivos (v.g. suposta relação de hierarquia entre corréus).

Neste diapasão, jungida a análise aos fatos e atenta à culpabilidade de cada agente, seria perfeitamente possível que um perito judicial, enquanto tal, eventualmente se aproximasse de procuradores para “vender facilidades a procuradores de Exequentes”, sem que, com isso, o Órgão Especial de um Tribunal Regional fosse a autoridade competente para o processamento do feito.

Assim, eventual “liame subjetivo constatado”, segundo afirma o Ministério Público Federal, não tem o condão de dilatar a abrangência da regra extensiva de competência por prerrogativa de foro, para situações que a norma não prevê.

Tampouco cabe argumentar, ou assumir como motivação idônea, o risco (sempre abstrato) de decisões conflitantes. Cabe ressaltar que decisões conflitantes são naturais, inclusive, em Órgãos Colegiados, o que se percebe nos feitos em que a decisão é tomada por maioria de votos. Isto, por si só, não deve ser considerado para fins de extensão da competência deste Órgão Especial, pois.

Da mesma forma, o reconhecimento da incompetência deste r. Colegiado para o processamento e julgamento do feito, e a consequente remessa a uma das Varas Criminais Federais da Subseção Judiciária de São Paulo, não terão o condão de subtrair ao conhecimento desta Corte Regional eventual recurso interposto, quer pelo Ministério Público Federal, quer pelo Excipiente ou demais corréus.

Isto porque, são efeitos intrínsecos dos recursos que devolvam ao Tribunal, de forma ampla, a cognição da matéria, bem assim o efeito modificativo dos Acórdãos em relação às sentenças de mérito, ainda que confirmem o entendimento do Juízo recorrido.

Não importa em prejuízo à instrução criminal - que aliás, nem se iniciou - a remessa do presente feito à primeira instância, posto que os elementos informativos já acostados aos autos serão neles mantidos, em eventual recurso interposto pelas partes.

No mais, nos autos da Ação Penal instaurada se discute cooperação jurídica internacional. Com a devida vênia, não há sentido em argumentar eventual prejuízo à instrução ou risco à uniformidade das decisões, caso seja o feito remetido à primeira instância, posto que resguardada, em todo caso, a competência recursal desta E. Corte.

Como cediço, o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de compartilhamento de provas entre diversos Órgãos do Judiciário. Há possibilidade, portanto, de compartilhamento de provas entre este r. Órgão Especial e o Juízo de primeira instância, sem risco algum.

Mal comparando, no presente feito se discute, requereu e se executa cooperação jurídica com órgãos de outro país. Não haveria dificuldade alguma em se compartilhar provas com a primeira instância da Justiça Federal, cujas Varas são alocadas, inclusive, no quarteirão ao lado.

Em reforço, tem-se que, na atual sistemática do processo eletrônico, tais compartilhamentos, desde que devidamente autorizados, se dão em poucos cliques, pelo que não há se falar sequer em dificuldades logísticas de porte e traslado dos autos.

Em síntese, Excelências, as condutas dos réus já foram individualizadas; apenas um, de oito acusados, detém prerrogativa de foro em razão de função; a instrução processual sequer foi iniciada; e, por fim, a remessa do presente feito à primeira instância da Justiça Federal não furtará desta Corte o reexame da matéria, em sede recursal. Faltam razões, portanto, para a manutenção deste r. Colegiado para o processamento e julgamento do presente feito.

Lado outro, sobejam fundamentos jurídicos para que seja reconhecida a incompetência deste Órgão para o julgamento do Excipiente, como se passa a demonstrar.

2. DO DIREITO:

2.1. AS PREVISÕES NORMATIVAS DAS GARANTIAS DO JUIZ NATURAL E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.

Excelências, como cediço, a garantia do Juiz Natural é prevista expressamente na Constituição Federal. No que respeita à presente Exceção, é de rigor afirmar que também a garantia do duplo grau de Jurisdição encontra previsão constitucional.

Com efeito, além de prescrever que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, §2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Há, portanto, o que se convencionou chamar de direitos e garantias implícitos, à falta de previsão expressa, sendo certo que tais garantias processuais e direitos fundamentais, fariam parte de um “bloco de constitucionalidade”.

As previsões do duplo grau de jurisdição estão contidas em ao menos dois diplomas interacionais ratificados pelo Brasil: a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica” (Dec. nº 678/92) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Dec. nº 592/92).

Este Pacto prescreve, em seu artigo 14, item 5, que “Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei”.

Já a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8, item 2, alínea ‘h’, prescreve que:

“ARTIGO 8.

Garantias Judiciais.

(...)

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

(...)

h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”.

O mesmo estatuto prevê, em seu artigo 25, item 1, que “toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais”.

Assim, afora a discussão sobre a hierarquia dos tratados internacionais, tem-se que as normas que digam respeito aos direitos humanos veiculadas em tais diplomas são, todas, materialmente constitucionais. No entanto, tratados de direitos humanos que tenham sido ratificados pelo rito do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, são material e formalmente constitucionais (Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008).

No que tange aos preceitos normativos acima descritos, tem-se que, diferentemente da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que em seu Protocolo nº 7, artigo 2º, item 2 (ARTIGO 2°. Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal 1. Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei. 2. Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.), prevê limitação ao duplo grau de jurisdição em casos semelhantes ao vertente, em nenhum momento a Convenção Americana de Direitos Humanos veicula limitações ao duplo grau de jurisdição.

Se por mais não fosse, mesmo em casos de Ações Penais de competência originária, ainda que se cogitasse de conflito aparente de normas (que não há), deve ser interpretado e aplicado, no caso, o artigo 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos, a saber:

ARTIGO 29

Normas de Interpretação

Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:

a) permitir a qualquer dos Estados-Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitálos em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; e

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

De se notar que as regras de conexão e/ou continência estão previstas no Código de Processo Penal, que, como cediço, é um Decreto-Lei que foi recepcionado com status de lei federal pela Constituição Federal.

Assim, e para o que interessa ao presente feito, tem-se que disposições normativas atinentes à conexão e/ou continência têm caráter infraconstitucional, pelo que deverão ceder em face das disposições convencionais ou constitucionais, sobretudo porque, como já se afirmou, normas que se refiram a direitos humanos são, todas, materialmente constitucionais.

Não é outra a lição doutrinária (NOGUEIRA, Rafael Fecury. Foro por prerrogativa de função no processo penal: investigação, processo e duplo grau de jurisdição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 111.). Vejamos:

“Verifica-se, portanto, um conflito entre uma norma de modificação da competência e o duplo grau de jurisdição ou, por outra lente, um conflito entre o risco de decisões conflitantes e a exclusão a priori do duplo grau de jurisdição, exigindo uma análise sob a ótica da Constituição Federal que, a nosso ver, impõe a flexibilização da aplicação dessas regras. Isto porque, a reunião dos processos conexos, de quaisquer espécies, incluindo a que se analisa, advém de norma infraconstitucional (artigos 78, III e 79, do Código de Processo Penal), e não pode ter a força de afastar uma garantia processual constitucional (duplo grau de jurisdição) que o réu não detentor da prerrogativa de função tem direito diante da competência constitucional do juízo de primeira instância para o seu julgamento”.

Neste ponto, analisados a previsão e o alcance das normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos, chega-se à análise de eventual conflito aparente de normas internacionais com o direito doméstico e seus critérios de solução.

Ao final, haverá este E. Órgão Especial de, acolhendo a presente Exceção, reconhecer a incompetência deste Colegiado para o processamento do feito.

2.2. DO CONFLITO APARENTE DE NORMAS E SEUS CRITÉRIOS DE SOLUÇÃO.

2.2.1. Do critério hierárquico.

Excelências, como já afirmado, ainda que fosse o caso de eventual conflito (aparente) de normas, tem-se que nem a Constituição Federal, nem a Convenção Americana de Direitos Humanos, preveem limitações ao duplo grau de jurisdição.

Tampouco tais diplomas facultam à legislação inferior (menos ainda à jurisprudência) criar limitações, razão pela qual não há falar em conflito entre normas, mesmo porque possuem diferente hierarquia.

Fosse pouco, a Convenção Americana de Direitos Humanos é expressa em prescrever que as normas ali prescritas não serão interpretadas de modo a restringi-las o alcance, mormente em razão de eventual conflito com as disposições internas.

Em reforço, a “Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados”, estabelece, em seu artigo 26, que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé” e, no artigo posterior, prescreve que “um Estado-parte de um tratado não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.

Por esta razão, tendo em vista que, na atual interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, os tratados internacionais têm status de norma supralegal, é de rigor concluir que as disposições normativas veiculadas pelos tratados internacionais prevalecem sobre eventuais normas de conexão e continência previstas no Código de Processo Penal ou em regimentos internos dos Tribunais.

2.2.2. Do critério cronológico.

Outro critério de solução de antinomia é o critério cronológico. Cuida-se de afirmar que lei posterior derroga lei anterior.

No caso vertente, a par de indevida, eventual norma extensiva da competência deste Órgão Especial veiculada pelo Código de Processo Penal, estaria em descompasso com as normas convencionais e constitucionais.

Assim, pelo critério cronológico, tanto a Constituição Federal quanto os diplomas normativos internacionais aqui discutidos são posteriores ao Código de Processo Penal, pelo que as disposições nele prescritas, devem ser afastadas em face das normas constitucionais e convencionais.

2.2.3. Do princípio “pro homine” e do critério da máxima efetividade.

Para além dos critérios gerais de resolução de antinomias, há, ainda, outros critérios, referentes a eventuais conflitos aparentes de norma entre disposições do direito interno com aquelas do Direito Internacional.

Conforme já se observou, o Estado-parte não poderá alegar disposições de direito interno para negar vigência a um tratado internacional que tenha ratificado.

Tal disposição, por si, encontra uma única exceção: quando o direito interno de um Estado-parte preveja norma mais benéfica do que aquela prevista no Direito internacional.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 91.361/SP, de relatoria do Min. Celso de Mello, teve a oportunidade de decidir que:

“os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção Americana dos Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensarlhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupo sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. Aplicação, ao caso, do art. 7º, n. 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano” (HC 91.361, rel. Min. Celso de Mello, j. 23.9.2008, Segunda Turma, DJe de 06.02.2009).

Em reforço, tem-se que um outro critério deve ser levado em consideração pelo aplicador da norma: a máxima efetividade dos direitos humanos.

Cuida-se de garantir que, além da interpretação pro homine, em caso de antinomias, também a própria interpretação de cada regra isoladamente, seja aquela que confira à regra a maior efetividade, vedado ao intérprete estabelecer limitações onde não há, e em caso de obscuridade do texto, busque a interpretação que dote a regra da maior abrangência possível.

Assim, no caso concreto, ainda que houvesse dúvida sobre se a manutenção da competência deste r. Colegiado para o processamento do feito seria incompatível com o duplo grau de jurisdição, a interpretação pro homine¸ associada ao critério de maior efetividade das normas de direitos humanos, imporiam, como de fato impõem, que se reconheça a violação à garantia do duplo grau de jurisdição, na medida em que nega vigência plena e abrangente àquela garantia prevista dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

2.3. A GARANTIA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL E SUA INFLUÊNCIA NO DIREITO INTERNO.

Como já adiantado no tópico anterior, a jurisprudência brasileira, mormente dos Tribunais Superiores, não está alheia à aplicação das regras de direitos humanos veiculadas aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Cumpre agora, então, esclarecer que ao ratificar tais tratados, o Brasil se submete, também, à jurisdição internacional, seja perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (por força da já mencionada Convenção Americana de Direitos Humanos), seja ao Tribunal Penal Internacional (por força do “Estatuto de Roma”, ratificado pelo Brasil).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos já teve a oportunidade de analisar um caso em que um cidadão foi submetido a julgamento em única instância perante a mais alta Corte de seu país.

Cuida-se do caso conhecido como “Barreto Leiva vs Venezuela”, já citado pelo Excipiente em sede de Resposta Preliminar e Defesa Prévia.

No aludido precedente daquela Corte (doc. anexo), restou decidido que conquanto o julgamento daquele feito não tenha desrespeitado a garantia do juiz natural, violou a regra que previa o duplo grau de jurisdição, uma vez que o julgamento contestado privou aquele cidadão de recorrer, de maneira ampla, da sentença condenatória.

Vejamos, em destaque, o trecho da demanda proposta pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos perante aquela Corte (doc. anexo):

90. Embora os Estados tenham uma margem de apreciação para regular o exercício desse recurso, não podem estabelecer restrições ou requisitos que infrinjam a própria essência do direito a recorrer da decisão. O Estado pode estabelecer foros especiais para o julgamento de altos funcionários públicos, e estes foros são compatíveis, em princípio, com a Convenção Americana (par.74 supra). No entanto, ainda nestas hipóteses, o Estado deve permitir que o indivíduo submetido à justiça conte com a possibilidade de recorrer da decisão condenatória. Assim aconteceria, por exemplo, se fosse disposto que o julgamento em primeira instância estaria a cargo do Presidente ou de uma câmara do órgão colegiado superior e o conhecimento da impugnação corresponderia ao plenário deste órgão, com exclusão dos que já se pronunciaram sobre o caso.

91.Em razão do exposto, o Tribunal declara que a Venezuela violou o direito do senhor Barreto Leiva reconhecido no artigo 8.2.h da Convenção, em relação ao artigo 1.1 e 2 da mesma, já que a condenação proveio de um tribunal que conheceu do caso em única instância e o sentenciado não dispôs, em consequência, da possibilidade de impugnar a decisão. Cabe observar, por outro lado, que o senhor Barreto Leiva teria podido impugnar a sentença condenatória proferida pelo julgador que teria conhecido sua causa se não houvesse sido aplicada a conexão que acumulou o julgamento de várias pessoas por um mesmo tribunal. Neste caso, a aplicação da regra de conexão, admissível em si mesma, trouxe consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso previsto no artigo 8.2.h da Convenção.

Nos “Pontos Resolutivos” da sentença, a Corte Interamericana reconheceu que:

“5. O Estado não violou o direito reconhecido no artigo 8.1. da Convenção de ser julgado por um juiz competente, pelo motivos expostos nos parágrafos 74 a 801 (sic) desta Sentença.

6. O Estado violou o direito de recorrer da decisão, consagrado no artigo 8.2.h da Convenção, em relação aos artigos 1.1. e 2 da mesma, em detrimento do senhor Barreto Leiva, nos termos dos parágrafos 84 a 90 desta Sentença”.

A situação do Excipiente se amolda ao precedente da Corte Interamericana.

Com efeito, mesmo que não se discuta, no ponto, quem seria o juiz natural, a manutenção da competência deste r. Colegiado, aplicandose a regra da conexão, viola a garantia do duplo grau de jurisdição, uma vez que, ante eventual sentença condenatória, o Excipiente só teria direito aos recursos com função nomofilática.

Em singela paráfrase, poder-se-ia arrematar que o Excipiente “teria podido impugnar a sentença condenatória proferida pelo julgador que teria conhecido sua causa se não houvesse sido aplicada a conexão que acumulou o julgamento de várias pessoas por um mesmo tribunal. Neste caso, a aplicação da regra de conexão, admissível em si mesma, trouxe consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso previsto no artigo 8.2.h da Convenção”.

Claro está que a mera recorribilidade para uma instância diversa não satisfaz a garantia do duplo grau de jurisdição, uma vez que o direito a recorrer de uma sentença condenatória deve ser analisado de maneira ampla, mediante o critério da máxima efetividade dos direitos humanos, como visto no tópico anterior.

É neste sentido a lição doutrinária (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. pp. 84-5):

“Sobre o conteúdo ou as características do recurso assegurado pela CADH, no caso de sentença condenatória, é necessário que se trate de um meio amplo de impugnação da sentença, que admita revisão de seu conteúdo tanto sobre questões de direito, quanto sobre questões de fato, isto é, admitindo uma nova valoração da prova por parte do tribunal. O condenado deve ter a possibilidade de impugnar, perante outro juiz, tanto os errores in procedendo quanto os errores in iudicando, obtendo ‘uma’ possibilidade de obter um ‘reexame de mérito’, em que os erros possam ser verificados”

Em outro precedente, a saber, o “Caso Palamara Iribarne vs Chile” (doc. anexo), em que versava sobre a recorribilidade reduzida de procedimentos – como, por exemplo, os casos de ação penal de competência originária dos Tribunais – a Corte Interamericana estabeleceu que

“[e]sta situación se vio agravada debido a que el Código Justicia Militar solamente permite que sean apeladas muy pocas de las decisiones que adoptan las autoridades que ejercen la jurisdicción penal militar que afectan derechos fundamentales de los processados. Por ello, el señor Palamara Iribarne no pudo interponer recursos en contra de algunas de las decisiones adoptadas por las autoridades que ejercen la jurisdicción penal militar que lo afectaban, como por ejemplo la denegatória de acceder al sumario, dado que dicha decisión era inapelable”

É bem de ver que o Regimento Interno do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região também não prevê recursos de cognição ampla em face de suas decisões.

Restaria, portanto, a diminuta possibilidade de insurgência contra a r. decisão a ser exarada por este r. Órgão Especial, exclusivamente no caso de dissídio jurisprudencial, ou negativa de vigência a normas federais, convencionais ou constitucionais.

Limitado o duplo grau de jurisdição à mera recorribilidade, estará sendo negada a possibilidade do Excipiente em obter uma nova análise de fatos e provas, sobretudo quando se tem presente a incidência da Súmula 7, do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Por via reflexa, portanto, estará sendo negada a garantia do duplo grau de jurisdição em sua plenitude quando, seja por critérios normativos (ausência de limitação prevista) seja por critérios hermenêuticos (máxima efetividade dos direitos humanos), o que prescreve o ordenamento jurídico é exatamente o oposto.

Nem se diga que haveria espaço para ponderação entre distintos interesses, a saber, o interesse público e o interesse privado, consubstanciado nos direitos e garantias fundamentais do acusado.

Isto porque para que seja possível falar em ponderação, dever-se-ia estar perante bens jurídicos de igual ou semelhante densidade, o que não ocorre no caso dos autos.

Assim, mesmo nos casos em que há imputação de tipos penais a réu com prerrogativa de foro e outro(s) sem tal prerrogativa, a regra é o desmembramento do processo.

O presente feito está, é bem que se diga, na fase postulatória, pelo que não há que se cogitar em prejuízo da instrução criminal, sobretudo porque sequer fora iniciada a fase instrutória.

Tampouco haverá violação ao princípio da identidade física do juiz, uma vez que o julgador deve ser aquele que presidiu a instrução. No caso, a remessa dos autos à primeira instância não acarretará prejuízo, uma vez que toda a instrução dar-se-ia perante aquele foro.

Lado outro, a manutenção, por mera conveniência ou oportunidade, do processo e julgamento dos fatos por este r. Órgão Especial, importará em indevido cerceamento das garantias constitucionais do acusado.

A doutrina já teve oportunidade de se manifestar sobre o assunto (NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 10. ed. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2020. p. 522). Vejamos:

“Desta forma, entendemos que por força do princípio do duplo grau de jurisdição, não incidem as regras de conexão e continência quando um réu for detentor de foro por prerrogativa de função e outro não, gerando, assim, separação obrigatória. Isto porque, conduzido o corréu que não possui foro por prerrogativa a julgamento perante a instância superior, será privado de sua garantia fundamental ao duplo grau de jurisdição previsto no tratado internacional, ou seja, não terá direito ao reexame de sua condenação e de sua pena”.

Não se pode sequer cogitar, portanto, que prescrições constitucionais, convencionais e legais, que determinam a remessa do presente feito - no que tange ao processo e julgamento das imputações feitas em desfavor de corréus sem prerrogativa de foro – à primeira instância sejam confrontadas ou indevidamente afastadas por critérios de conveniência ou oportunidade, de todo inadequados, ante a sua discricionariedade.

Repita-se: o reconhecimento da incompetência deste r. Órgão Especial para o processamento e julgamento da Ação Penal não importará em subtração da análise daquele feito por esta E. Corte, que o julgará em sede recursal.

O que se pretende evitar, com a presente Exceção, é que seja negada ao Excipiente a garantia do duplo grau de jurisdição, com ampla análise de fatos e provas por Órgão diverso do sentenciante.

Cumpre notar que o Supremo Tribunal Federal, em Questão de Ordem na Ação Penal nº 470, já teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema, valendo ser citado o Voto do Eminente Ministro Ricardo Lewandowski, asseverado que:

“Preocupa-me, por fim, o fato de que, se este Supremo Tribunal persistir no julgamento único e final de réus sem prerrogativa de foro, ele estará, segundo penso, negando vigência ao mencionado art. 8º, 2, h, do Pacto de São José da Costa Rica, que lhes garante, sem qualquer restrição, o direito de recorrer, no caso de eventual condenação, a uma instância superior, insistência essa que poderá ensejar eventual reclamação perante a Comissão ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos”

Claro está que a jurisdição internacional a que se submete o Estado brasileiro, não tem o condão de servir de Cortes de revisão do julgado perante as instâncias judiciais internas, vale dizer, não absolverão, condenarão ou mesmo revisarão a eventual pena.

A abrangência da matéria a ser eventualmente apreciada por estas Cortes são limitadas à eficácia e vigência das disposições normativas internacionais. No que tange ao caso presente, das garantias processuais do Excipiente e corréus, mormente a que diz respeito ao duplo grau de jurisdição.

Neste sentido foi que aquela Corte condenou o Estado venezuelano, dentre outras, às seguintes providências:

“12. O Estado, através de seu Poder Judiciário e em conformidade com os parágrafos 128 a 130 desta Sentença, deve conceder ao senhor Barreto Leiva, se este assim solicitar, a faculdade de recorrer da sentença e revisar em sua totalidade a decisão condenatória a que se refere esta Sentença (par. 22 supra). Se o julgador decidir que a condenação esteve ajustada ao Direito, não imporá nenhuma pena adicional à vítima e reiterará que esta cumpriu todas as condenações impostas oportunamente. Se, ao contrário, o julgador decidir que o senhor Barreto Leiva é inocente ou que a condenação imposta não se ajustou ao Direito, determinará as medidas de reparação que considere adequadas pelo tempo que o senhor Barreto Leiva esteve privado de sua liberdade e por todos os prejuízos de ordem material e imaterial causados. Esta obrigação deverá ser cumprida em um prazo razoável. 13. O Estado deve, dentro de um prazo razoável e conforme os parágrafos 133 e 133 (sic) desta Sentença, adequar seu ordenamento jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das decisões condenatórias, em conformidade com o artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um ilícito penal, inclusive àquelas que gozem de foro especial”.

Com efeito, neste ponto, é de se reconhecer, com a doutrina (NOGUEIRA, Rafael Fecury. Foro por prerrogativa de função no processo penal: investigação, processo e duplo grau de jurisdição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 341), que:

“Finalmente, quanto à extensão do reexame, o duplo grau de jurisdição deve se dar de forma ampla, abrangendo o reexame por órgão jurisdicional diverso de toda a matéria fática e jurídica envolta no processo originário. Sem que se reexamine os fatos e as provas, tem-se apenas um aspecto restrito do duplo grau de jurisdição que não o concretiza como garantia judicial”

Não se pode perder de vista que a própria descrição dos fatos em tópicos e itens apartados e dissociados, sem identidade objetiva e/ou subjetiva entre si, senão àquela relativa à imputação de associação criminosa, infirmam a necessidade de manutenção do presente feito neste r. Órgão Especial.

Com efeito, mesmo que fosse procedente a imputação de organização criminosa, ao longo de toda exordial acusatória, o Ministério Público Federal teria delimitado, no texto produzido, o que entende ser o papel de cada corréu ou a contribuição de cada qual.

Assim, seja pelo fato da regra ser o desmembramento do feito em relação ao Excipiente e demais corréus sem prerrogativa de foro, seja em atenção às consequências da manutenção da extensão da regra de competência de foro por prerrogativa de função, é de rigor o desmembramento daquela Ação Penal.

O Supremo Tribunal Federal, em recente julgado, entendeu pela excepcionalidade do desmembramento, desde que presentes uma quantidade expressiva de agentes e especial imbricação de condutas investigadas.

Logo se vê que o quanto decidido no AgRg no Inq. 3.515/SP, de onde constam os critérios elencados no parágrafo anterior, não se amoldam ao caso do Excipiente.

Isto porque, na assim denominada “Operação Westminster” estão sendo processados apenas oito pessoas. A exordial acusatória, como já adiantado, conseguiu detalhar o que entende ser a conduta de cada qual, ou seja, não se trata de condutas “especialmente imbricadas”.

Podem, sim, estar imbricadas – o que decorre da própria ideia de associação criminosa - mas não “especialmente imbricadas” a ponto de justificar a manutenção deste r. Colegiado para o processamento e julgamento do feito, sobretudo quando tal manutenção menoscaba direitos e garantias do Excipiente, que estão previstos na Constituição e nos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Demais disso, a doutrina (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de direitos humanos. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 390-1) ensina que não basta ratificar e incorporar os tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico interno:

“Com efeito, após a adesão brasileira a mecanismos internacionais de averiguação de respeito a normas de direitos humanos, cabe agora compatibilizar a jurisprudência do STF sobre os diversos direitos protegidos com a posição hermenêutica dos citados órgãos internacionais. Pior, a continuar nesse caminho de ausência de diálogo, a internacionalização dos direitos humanos para o STF parece ser restrita aos textos dos tratados: a interpretação deles deve continuar a ser nacional. Esse caminho ‘nacionalista’ nega a universalidade dos direitos humanos e transforma os tratados e a Declaração Universal dos Direitos Humanos em peças de retórica, pois permite que cada país interprete o que é ‘tortura’, ‘intimidade’, ‘devido processo legal’ e outros comandos abertos dos textos de direitos humanos, gerando riscos de abuso e relativismo puro e simples. No caso brasileiro, esse caminho nacionalista é, além disso, um ‘beco sem saída’, pois o Brasil já reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e outros órgãos com poder de editar decisões vinculantes ao Estado”.

Para além de todo o exposto, não se pode deixar de observar que a prorrogação indevida da competência deste r. Órgão Colegiado para o processamento e julgamento do Excipiente e demais corréus que não gozem de prerrogativa de foro por exercício de função, acarreta prejuízo insuperável, consubstanciado na limitação indevida – ou, no limite, na total privação - da possibilidade de recorrer a uma outra instância ou Tribunal, que possa reavaliar, em cognição ampla, todos os fatos, todas as alegações e as provas carreadas aos autos.

A incompetência do Juízo, como bem sabem Vossas Excelências, configura nulidade processual, com esteio no artigo 564, inciso I, do Código de Processo Penal, anulando, inclusive, os atos decisórios, com fundamento no artigo 567, do mesmo Estatuto.

Assim, a fim de que não se argumente, posteriormente, que está preclusa a matéria (mesmo porque se trata de nulidade absoluta) ou que o Excipiente concorreu para a nulidade, ou, ainda, que não se demonstrou prejuízo ao Excipiente-acusado, é de rigor o reconhecimento da incompetência deste r. Órgão Especial para o processamento e julgamento da Ação Penal autuada sob o nº 5021828-44.2020.4.03.0000.

Por esta razão, é a presente Exceção para requerer seja reconhecida a incompetência deste E. Órgão Especial para o processo e julgamento do feito no que tange aos corréus sem prerrogativa de foro, trasladando-se cópia dos Autos da Ação Penal autuada sob o nº 5021828- 44.2020.4.03.0000 a uma das Varas Criminais da Subseção Judiciária de São Paulo, para o regular prosseguimento do feito.

Assim fazendo, este r. Órgão Especial estará atuando de maneira decisiva para a implementação de uma urgente e necessária cultura de garantia, proteção e efetivação dos direitos humanos de todas as pessoas, a todo tempo, e em todos os lugares.

 

Requer-se, portanto, “com fundamento no artigo 95, inciso II, do Código de Processo Penal, o reconhecimento - ad referendum do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região - da incompetência deste d. Órgão Especial para processar e julgar o Excipiente, ante a não prorrogação de competência por prerrogativa de foro, reconhecendo-se como juiz natural da causa uma das Varas Criminais Federais da Subseção Judiciária de São Paulo, sob pena de violação aos artigos 5º, incisos LIII, LIV e LV, bem assim artigo 5º §§ 2º e 3º, todos da Constituição Federal; dos artigos 8.2.h, e 25, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos; do artigo 14.5, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; dos artigos 76, inciso III, 80, 563 e 564, inciso I, todos do Código de Processo Penal”.

Despacho de Id. 147113453, de seguinte teor:

 

(...) abra-se vista ao Ministério Público Federal, nos termos da previsão contida no art. 108, § 1.º, do Código de Processo Penal, para manifestação, com urgência, considerando-se a existência de réus presos nos autos de reg. n.º 5021828-44.2020.4.03.0000 e a perspectiva de apresentação deste feito em mesa, na sessão do Órgão Especial programada para ocorrer em 25/11/2020.

Comunique-se eletronicamente a E. Presidência desta Corte, servindo como ofício cópia do presente decisum, indicando-se a intenção de se ter submetida a julgamento na quarta-feira da próxima semana a presente exceção de incompetência, valendo-se para tanto da sistemática por videoconferência.

Intimem-se.

 

Manifestação da Procuradoria Regional da República da 3.ª Região “pela improcedência da exceção de incompetência arguida pelo acusado TADEU RODRIGUES JORDAN (id. 146856010), nos termos da fundamentação” (Id. 147364408).

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

 

THEREZINHA CAZERTA

Desembargadora Federal Relatora

 

 


PETIÇÃO CRIMINAL (1727) Nº 5031033-97.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

REQUERENTE: TADEU RODRIGUES JORDAN

Advogados do(a) REQUERENTE: DOMENICO DONNANGELO FILHO - SP154221-A, JOAO BOSCO CAETANO DA SILVA - SP349665-A

REQUERIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). A exceção de incompetência é instrumento processual colocado à disposição da defesa no processo penal, pelo qual “pode ser arguida tanto a incompetência absoluta quanto a incompetência relativa” (Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal, 4.ª ed., 2016, ed. Juspodivm, item 3.6), garantindo-se ao jurisdicionado o direito constitucional ao juiz natural, isto é, a não ser “processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5.º, LIII, CF/88).

Segundo Julio Fabbrini Mirabete (Processo Penal, 15.ª ed., 2003, Atlas, p. 227), “a lei processual fixa vários critérios para a determinação da competência, determinando assim qual o juízo e qual o juiz que deve exercer a jurisdição nos autos do processo criminal. Todas as vezes em que não forem observados os preceitos que determinam a competência, ou seja, quando o juiz não tem jurisdição delimitada para o caso que lhe é submetido, não lhe é permitido conhecê-lo, no todo ou em parte. Incumbe-lhe julgar de sua competência: conhecer do feito quando entende que a tem e, ao contrário, declinar dele no caso oposto, remetendo os autos ao juiz que supõe competente. A questão da competência é matéria de ordem pública, vigendo a regra de que ‘todo juiz é juiz da própria competência’”.

É dizer, como o Órgão Especial mesmo já teve a oportunidade de se pronunciar, em caso trazido a julgamento sob esta relatoria, “a exceção de incompetência do juízo, concernente a prerrogativa de função, pode ser alegada e reconhecida a qualquer tempo e instância, por se tratar de matéria de ordem pública” (PET 0075036-24.2003.4.03.0000, julgado em 11/12/2003).

No mais, consoante previsto no art. 108, caput, do Código de Processo Penal, a “exceção de incompetência do juízo poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa”. Se aceita, “o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá” (art. 108, § 1.º); caso recusada, “o juiz continuará no feito, fazendo tomar por termo a declinatória, se formulada verbalmente” (art. 108, § 2.º).

No mérito propriamente dito, considerando-se até mesmo a linha argumentativa apresentada pelo excipiente, e uma vez mais servindo-se do ensinamento de Mirabete (obra citada, p. 228) – “o processo de exceção de incompetência de juízo, também denominada declinatoria fori, é regido pelos artigos 108 e 109. Dispõe o primeiro que a exceção deve ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa (...). Expirado o prazo, ocorre a preclusão, não podendo mais ser alegada. Ocorre, então, a prorrogação da competência. Deve-se entender, porém, que a preclusão só se opera quando se trata de incompetência relativa, como a ratione loci, já que a incompetência absoluta, como as referentes à prerrogativa de função, à prevalência das justiças especiais etc., pode ser alegada a qualquer tempo, inclusive por meio de pedido de habeas corpus”, o destino desta exceção de incompetência deve seguir o mesmo constante do desfecho conferido ao julgamento dos agravos regimentais interpostos por Paulo Rangel do Nascimento (petição de Id. 140326365) e por Clarice Mendroni Cavalieri (petição de Id. 140330787) nos autos do Inquérito de reg. n.º 5006468-69.2020.4.03.0000, contra a decisão de Id. 139551035, abaixo reproduzida:

 

Na cota ministerial de Id. 138531620, a Procuradoria Regional da República da 3.ª Região, à ocasião em que oferecida denúncia “em face de Leonardo Safi de Melo, Divannir Ribeiro Barile, Tadeu Rodrigues Jordan, Deise Mendroni de Menezes, Clarice Mendroni Cavalieri, Paulo Rangel do Nascimento, César Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Filho, pela prática (i) dos crimes de corrupção passiva e peculato relacionados ao Caso “Empreendimentos Litorâneos”, (ii) dos crimes de corrupção passiva e corrupção ativa relacionados ao Caso “Avanhandava”, (iii) do crime de lavagem de ativos do proveito econômico obtido com os crimes relacionados aos Casos “Empreendimentos Litorâneos” e “Avanhandava”, (iv) do crime de organização criminosa, e (v) do crime de obstrução de investigação de organização criminosa”, formulou requerimento de seguinte teor:

 

Considerando que eventual desmembramento da presente ação penal, em relação aos denunciados que não gozam de prerrogativa de foro, poderá acarretar prejuízo à instrução, inclusive com decisões díspares, o Ministério Público Federal requer que a presente ação penal, bem como os inquéritos judiciais que venham a ser instaurados sejam integralmente processados e julgados perante esse E. Órgão Especial (AP 853, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 22.5.2014).

 

Em discussão, portanto, a viabilidade do processamento integral da denúncia aqui apresentada sob Id. 138531621, integrando agora o Inquérito de registro n.º 5021828-44.2020.4.03.0000, distribuído por dependência ao presente; bem como do Inquérito de registro n.º 5022135-95.2020.4.03.0000, instaurado por conta do despacho de Id. 138641564, de conteúdo abaixo transcrito:

 

(...)
1-A) De igual modo, “considerando que o Relatório Final apresentado (id. 138043623) identificou outros casos com a possível atuação da organização criminosa, em que são veementes os indícios da prática de fatos ilícitos, e que tais fatos não se encontram em condições de imediata formação da opinio delicti e formulação das respectivas imputações penais, o Ministério Público Federal requer seja autorizada a instauração dos inquéritos judiciais abaixo relacionados, pela autoridade policial, para a continuidade das investigações, indicando, desde já, as seguintes diligências comuns a todos: i) juntada de cópia dos autos do “Inquérito Policial 2020.0018901 SR/PF/SP”; ii) juntada da totalidade dos dados correspondentes à quebra do sigilo bancário obtidos via sistema SIMBA, relacionados aos membros da organização criminosa e às interpostas pessoas por eles utilizadas para a ocultação e a dissimulação da movimentação financeira dos valores ilícitos obtidos, com suas respectivas análises; iii) juntada das informações e análises de dados fiscais obtidos com o afastamento do sigilo; iv) completo levantamento dos casos em que houve nomeação dos peritos envolvidos nos fatos sob apuração; v) oitiva das pessoas físicas e representantes das pessoas jurídicas envolvidas e testemunhas referidas; vi) juntada de cópia dos respectivos Procedimentos Administrativos Fiscais (PAF), nos casos que envolvem delitos de natureza fiscal e tributária”, ressaltando o órgão ministerial “que o requerimento para a autorização de instauração desses novos inquéritos judiciais, decorre da expressiva quantidade de fatos ilícitos revelados no presente apuratório, não incluídos na denúncia, hoje oferecida, não configurando, portanto, eventual arquivamento implícito de quaisquer dos fatos nele encontrados, de forma que, além das diligências indicadas nesta cota, outras poderão ser realizadas, oportunamente, devendo a autoridade policial realizar todas aquelas que entender necessárias e pertinentes”.
Tomando-se em consideração os exatos termos do requerimento apresentado, supra, a revelar a necessidade de prosseguimento das investigações, mais precisamente em relação, conforme referenciado pela Procuradoria Regional da República da 3.ª Região em sua manifestação, aos a) “casos com atuação de PAULO RANGEL DO NASCIMENTO” (“i. Caso “MARTINEZ DIAZ” - Francisco Martinez Diaz, Autos de Ação de Desapropriação, nº 5015729-62.2018.4.03.6100; ii. Caso “FAMÍLIA RIBAS” - Autos de Ação de Desapropriação nº 5011883-37.2018.4.03.6100 e Autos de Cumprimento Provisório da Sentença nº 0001239-63.1994.4.03.6100; iii. Caso “CHARLOTTE” - Charlote Franke de Mello, Autos de Ação de Desapropriação nº 0977336-89.1988.4.03.6100 e Autos de Cumprimento Provisório da Sentença nº 5001890-33.2019.4.03.6100; iv. Caso “MONNERAT” - Carlos Fonseca Monnerat”, Autos de Cumprimento de Sentença nº 5015672-10.2019.4.03.6100”); b) “casos com atuação de Deise Mendroni e Clarice Mendroni Cavalieri” (“i. JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO, Autos nº 5003331-15.2020.4.03.6100”, “ii. Casos com participação de PAULO HENRIQUE STOLF CESNIK”, “iii. FLAG DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO, Autos de Ação Anulatória – nº 5009828-79.2019.403.6100, em tramitação na 21a . Vara Federal”, “iv. EDUARDO MORELLO OLEA, Autos de Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 5021333-67.2019.4.03.6100, em trâmite na 21ª. Vara Federal Cível de São Paulo”, “v. NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO, CNPJ 10.848.918/0001-49, a empresa foi referida por Clarice Mendroni em seu depoimento, caso de interesse do advogado César Maurice, que teria sido tratado na reunião ocorrida no Hotel Emiliano”, “vi. FRANCISCO EUGÊNIO SAAD – empresário, sócio da empresa SOCIEDADE INTERAMERICANA DE PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA. O RELATÓRIO DE ANÁLISE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA Nº 48/2020, juntado aos autos 5017789-04.2020.4.03.000, Id. 138231694, identificou várias transferências eletrônicas entre Francisco Eugênio Saad e os membros da organização criminosa, Deise Mendroni Menezes, Clarice Mendroni Cavalieri, Divannir Ribeiro Barile e Rangel do Nascimento Advogados Associados. Ainda não foi esclarecida sua ligação com os investigados”; c) “casos com atuação do perito TADEU RODRIGUES JORDAN” (“lista com os processos remanescentes da lista original”; d) “casos com atuação do Perito MOISÉS PALOMO” (“i. Caso “MUCCIOLO” - Alessandra Mucciolo, Autos de Procedimento Comum Cível nº 5030265-78.2018.4.03.6100; ii. Caso “ SANOFI-AVENTIS” - Sanofi-Aventis Farmacêutica Ltda., autos de Mandado de Segurança Civil nº 5026107-77.2018.4.03.6100; iii. Caso “KERNEL” - Kernel Participações Ltda., Autos de Procedimento Comum Cível nº 0022676-91.2016.4.03.6100; iv. Caso “TUPY” - Tupy Distribuidora de Peças para Veículos Ltda., Autos nº 50167788-85.2018.4.03.6100; v. Caso “NEW EDGE” - NEW EDGE USA LLC contra MANOEL FERNANDO GARCIA e S/A FLUXO – COMÉRCIO E ASSESSORIA INTERNACIONAL, Autos de Ação de Cumprimento de Sentença n° 5021879-59.2018.4.03.6100”); e) “caso “CORINTHIANS”, Sport Club Corinthians Paulista, Autos de Mandado de Segurança nº 5005566-23.2018.4.03.6100 e Autos de Execução Fiscal nº 5014599- 48.2019.4.03.6182; “Luiz Phelipe Rezende Cintra”, Autos de Cumprimento de Sentença contra a Fazenda Pública nº 0025295-97.1993.4.03.6100”; f) “caso “JUREIDINI” - Lilian Chartuni Juredini, Autos de Procedimento Comum Cível nº 5013287-26.2018.4.03.6100”, autorizo a instauração de um novo inquérito, a ser distribuído, à vista do disposto no art. 76, incisos I e III, do Código de Processo Penal, c/c art. 15, § 1.º, do Regimento Interno desta Corte, por dependência a este feito e na mesma classe, com idêntico nível de publicidade.

 

De início, ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal valida que a decisão acerca do desmembramento de inquérito ou ação penal de competência originária seja tomada monocraticamente pelo relator, sem prejuízo de eventual análise colegiada a posteriori:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO PENAL. PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL. PLURALIDADE DE RÉUS. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA. DESMEMBRAMENTO PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1. O Relator pode decidir monocraticamente sobre todas as providências pertinentes ao bom andamento do processo, determinando, inclusive, a declinação da competência e o desmembramento do feito. Precedentes.

[...]

4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(AP 639 AgR, Rel. Min. Carmen Lúcia, Plenário, j. 05/06/2014)

 

Ainda preambularmente, quadra salientar que o processamento do presente inquérito (n.º 5006468-69.2020.4.03.0000), bem como dos outros dois feitos acima aludidos (n.º 5021828-44.2020.4.03.0000 n.º 5022135-95.2020.4.03.0000) e dos incidentes a eles relacionados – 5017778-72.2020.4.03.0000 (buscas e apreensões), 5017784-79.2020.4.03.0000 (indisponibilidades de bens), 5017787-34.2020.4.03.0000 (prisões) e 5017789-04.2020.4.03.0000 (quebras de sigilo bancário e fiscal) –, no âmbito do Órgão Especial do TRF3, decorre da circunstância de se ter investigado, ora denunciado, juiz federal vinculado a esta Corte, consoante se observa das razões que restaram expressas na Decisão de Id. 127452018:

 

De início, cabe reafirmar, a partir dos elementos constantes até o momento nos autos, a competência do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, por meio desta Relatoria, para análise do pedido apresentado.

Dispõe o art. 108, I, a, da Constituição Federal:

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.

Por sua vez, o art. 33, da Lei Complementar n.º 35/1979:
“Art. 33 - São prerrogativas do magistrado:
[...]
Parágrafo único - Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação”.

No caso destes autos – e, reitere-se, em juízo absolutamente preliminar, à vista dos elementos ainda iniciais coligidos neste processo – depreende-se que a solicitação refere-se a fatos relativos à suposta atuação de magistrado federal, a atrair a prerrogativa de foro e, consequentemente, a competência do Órgão Especial desta Corte.

Com efeito, nada obstante a eventual solicitação da vantagem tenha sido operacionalizada, segundo relatado, pelo Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile, há expressa menção – tanto no relatório da Polícia Federal, quanto na peça inicial, encaminhada pelos representantes da parte –, de que o servidor o fez, em tese, com o “conhecimento do ato” pelo magistrado federal:

“Divannir Ribeiro Barile assegurou que poderiam expedir ofício requisitório de precatório até o final de junho de 2020 com efetivo pagamento em 2021. Ao ser questionado pelos advogados da parte, Dr. José Halfeld Rezende Ribeiro e Dr. Pedro Paulo Wendel Gasparini, o Diretor de Secretaria da 21 º Vara Cível Federal de São Paulo, Divannir Ribeiro Barile, sugeriu que o Juiz Federal, Dr. Leonardo Safe de Melo, tinha conhecimento do ato de corrupção e que sua participação na reunião ocorria em nome dos “ingleses”, em evidente referência ao Juiz Federal”.

Há, ainda, notícia de que o magistrado teria solicitado reunião com os representantes em seu gabinete, por meio de contato realizado por servidora da unidade judiciária por ele titularizada, Nancy Matsuno Magalhães:

“Em 11/03/2020, dessa vez por meio de ligação telefônica da Assistente de Gabinete, Nancy Matsuno Magalhães, foram informados que o Juiz Federal, Dr. Leonardo Safi de Melo, solicitou uma nova reunião em seu gabinete, no Fórum Pedro Lessa. No dia 12/03/2020, os requerentes receberam mais uma ligação com o mesmo propósito”.

Verificando-se, portanto, que os elementos objeto de investigação a ser realizada pertinem, ao menos por hipótese, não só à conduta de servidor público federal, mas, no estágio presente, à atuação de magistrado federal, tem-se, por consequência, situação em que a competência do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região impõe-se de rigor.

 

Conforme dispõe o art. 80 do Código de Processo Penal, “será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação”.

Quanto ao tema, como afirma Renato Brasileiro, “o desmembramento de inquéritos ou de processos penais de competência originária dos Tribunais deve funcionar como a regra geral, admitida exceção apenas nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à prestação jurisdicional”, sendo, portanto, competência do “Tribunal de maior graduação” decidir quanto à “conveniência de desmembramento de procedimento de investigação ou persecução penal, quando houver pluralidade de investigados e um deles tiver prerrogativa de foro perante determinado Tribunal” (Manual de Processo Penal, 4.ª ed., 2016, ed. Juspodivm, item 2.10).

Trata-se de juízo de conveniência a ser concretizado pelo Órgão Especial, que detém a competência para o julgamento do magistrado investigado, único possuidor de prerrogativa de foro na hipótese.

A subsistência de regra geral, no sentido de se realizar o desmembramento sempre que deslocada a competência a tribunal justamente em razão do fenômeno da prerrogativa de foro, encontra-se sedimentada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, o encaminhamento conferido pelo Plenário daquela Augusta Corte, especificamente em caso no qual não verificada “especial imbricação entre suas condutas”, isto é, no agir dos acusados, porquanto “possível individualizar as suas respectivas participações e responsabilidades”: 

 

“Nessa linha, proponho que se estabeleça o critério de que o desmembramento seja a regra geral, admitindo-se exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que o julgamento em separado possa ocasionar prejuízo relevante à prestação jurisdicional. Como regra, essa situação tende a ser mais comum nos casos em que haja uma quantidade expressiva de envolvidos, mas esse não há de ser o parâmetro determinante. Incorporando observação feita pelo Ministro Teori Zavascki e referendada por outros membros do colegiado, acrescento que o desmembramento, como regra, deve ser determinado na primeira oportunidade possível, tão logo se possa constatar a inexistência de potencial prejuízo relevante.

[...]

Aplicando esse entendimento ao caso em exame, não verifico situação excepcional que justifique a prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal. Tal como destacou o eminente relator, Ministro Marco Aurélio, o inquérito envolve apenas dois agentes e não há elementos objetivos que demonstrem uma especial imbricação entre suas condutas, sendo perfeitamente possível individualizar as suas respectivas participações e responsabilidades”
(Inq 3.515 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 13/2/2014) 

 

Em sentido semelhante, os precedentes do STF nos autos do Inq. 4.034, Rel. Min. Rosa Weber, 1.ª turma, j. em 11/10/2016; Inq 1.871 QO, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, j. em 11/6/2003; Inq 2.443 QO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Plenário, j. em 01/07/2008.

Nesse âmbito, a revelar a necessidade de se perscrutar, em juízo de conveniência pelo tribunal competente, o nível de imbricação das condutas dos acusados e a viabilidade de sua análise processual penal independentemente, depreende-se, dos precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal, a existência de casos nos quais excepcionada a regra geral, determinando-se o não desmembramento:

 

QUESTÃO DE ORDEM. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. ARTIGO 80 DO CPP. CRITÉRIO SUBJETIVO AFASTADO. CRITÉRIO OBJETIVO. INADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO INQUÉRITO SOB JULGAMENTO DA CORTE.

Rejeitada a proposta de adoção do critério subjetivo para o desmembramento do inquérito, nos termos do artigo 80 do CPP, resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de utilidade no caso concreto, em face da complexidade do feito. Inquérito não desmembrado. Questão de ordem resolvida no sentido da permanência, sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de todas as pessoas denunciadas.

(Inq 2245 QO-QO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Plenário, j. 06/12/2006)

 

AGRAVOS REGIMENTAIS. AÇÃO PENAL. DESMEMBRAMENTO INDEFERIDO. PREJUÍZO À EXATA COMPREENSÃO DO FEITO. RECURSOS DESPROVIDOS.

1. Embora apenas um dos réus detenha prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, o desmembramento da ação penal comprometeria a prestação jurisdicional, tornando inaplicáveis os precedentes da Corte no sentido do desmembramento.

2. O julgamento do réu com foro privilegiado depende da análise das condutas imputadas aos co-réus, tendo em vista a formação coletiva da vontade no sentido da prática, em tese, criminosa.

3. Agravos regimentais desprovidos.

(AP 420 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Plenário, j. 09/09/2010)

 

1. INQUÉRITO POLICIAL. Desmembramento. Inadmissibilidade. Pluralidade reduzida de acusados, dos quais um goza de foro especial por prerrogativa de função, perante o Supremo. Delitos conexos. Impossibilidade de aplicação de critério objetivo para desmembramento. Inexistência de razão relevante. Preliminar rejeitada. Aplicação do art. 80 do CPP. Precedente. Quando o número de acusados e a conexidade dos fatos não constituam razão relevante nem conveniente, não se procede a desmembramento de inquérito policial ou de processo de ação penal. 2. AÇÃO PENAL. Denúncia. Exposição clara e objetiva dos fatos. Possibilidade de plena defesa. Recebimento. Se a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos delituosos, possibilitando plena defesa ao acusado, deve ser recebida.

(Inq 2455, Rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, j. 5/6/2020) 

 

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, também reconhecendo a excepcionalidade em epígrafe, assim decidiu diante das casuísticas abaixo descritas:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. OPERAÇÃO FAROESTE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE DINHEIRO. ESQUEMA DE NEGOCIAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS E ADMINISTRATIVAS NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA. PRELIMINARES. PEDIDOS DE DESMEMBRAMENTO DE DENUNCIADOS SEM FORO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EXISTÊNCIA DE CONEXÃO. INVESTIGAÇÕES AINDA EM CURSO. ENVOLVIMENTO DE MAGISTRADOS DE 1º E 2º GRAUS DO ESTADO DE ORIGEM. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO SIMULTANEUS PROCESSUS. REJEIÇÃO DO PEDIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ACESSO À INTEGRALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. ACESSO FRANQUEADO E RENOVAÇÃO DO PRAZO PARA DEFESA. PRELIMINAR SUPERADA. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS POR AFRONTA À SUBSIDIARIEDADE DO MEIO DE OBTENÇÃO DA PROVA. INVESTIGAÇÕES JÁ AVANÇADAS E COM JUSTA CAUSA SUFICIENTE PARA DECRETAÇÃO DA MEDIDA. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. NULIDADE DE BUSCA E APREENSÃO SEM PRESENÇA DE REPRESENTANTE DA OAB. EXTENSÃO DA GARANTIA PARA LOCAIS DIVERSOS DO ESCRITÓRIO. NECESSIDADE DE PROVA DE CARACTERIZAÇÃO DO LUGAR COMO DESTINADO PRIMORDIALMENTE AO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. OBJETOS APREENDIDOS RELACIONADOS A POSSÍVEIS CRIMES PRATICADOS PELO ADVOGADO. POSSIBILIDADE. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. ALEGAÇÕES DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. AFASTAMENTO APENAS DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 2º, § 4º, IV, DA LEI N. 12.850/2013. JUSTA CAUSA. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO SUFICIENTES AO RECEBIMENTO DA INICIAL ACUSATÓRIA. TESES DEFENSIVAS. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO PARA BLINDAR ATIVIDADE CRIMINOSA. REGISTROS TELEFÔNICOS. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO COMO INDÍCIO DE AUTORIA DIANTE DO CONTEXTO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. HIERARQUIA. ELEMENTO ACIDENTAL. EMPRÉSTIMOS. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO COMO INDÍCIO DE LAVAGEM DE DINHEIRO. DELITOS ANTECEDENTES. INDÍCIOS DA ORIGEM ILÍCITA. SUFICIÊNCIA. PESSOAS JURÍDICAS EM NOME PRÓPRIO OU DE FAMILIARES PRÓXIMOS. EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ADVOCATÍCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE LAVAGEM DE DINHEIRO. EMPRÉSTIMO DO NOME E DA POSIÇÃO JURÍDICA. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. APLICABILIDADE. ART. 29 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 - LOMAN. MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO. AFASTAMENTO CAUTELAR DAS FUNÇÕES DO CARGO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. MEDIDAS CAUTELARES REFERENDADAS PELO PRAZO DE 1 (UM) ANO, A CONTAR DA DATA DO AFASTAMENTO EM 5/2/2020. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA.

1. Trata-se de denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal como resultado parcial das investigações que deram origem à OPERAÇÃO FAROESTE e que se desenvolvem sob a supervisão desta Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, tendo revelado a existência de uma organização criminosa formada por desembargadores, magistrados, servidores, advogados e particulares, com atuação no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, voltada à negociação sistemática de decisões judiciais e administrativas, à grilagem de terras e à obtenção e lavagem de vultosas quantias pagas por produtores rurais, ameaçados de perderem a posse de suas terras, sobretudo na região conhecida como Coaceral, no oeste baiano.

2. Preliminares.

2.1. O pedido de desmembramento do feito em relação aos denunciados sem foro por prerrogativa de função deve ser rejeitado, pois, no presente caso, além da evidente conexão, tem-se o agravante de que a denúncia envolve a formação de uma organização criminosa que praticava a negociação sistemática de decisões judiciais e administrativas no âmbito do TJBA, com a participação de Desembargadores e Juízes, revelando a necessidade, ao menos por ora, de manutenção do simultaneus processus.

[...]

13. Denúncia parcialmente recebida.

(APn 940/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j.  06/05/2020)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA ELEIÇÃO PARA O CARGO DE PREFEITO. DESMEMBRAMENTO. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE A SEREM AVALIADAS PELO TRIBUNAL COMPETENTE PARA JULGAR A AUTORIDADE COM PRERROGATIVA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Esta Corte já definiu que, "constitui faculdade do Juízo processante determinar o desmembramento de processos, competindo-lhe avaliar a conveniência da separação nas hipóteses em que aplicável a regra prevista no art. 80 do Código de Processo Penal. A decisão sobre o desmembramento das investigações e sobre o levantamento do sigilo compete ao Tribunal competente para julgar a autoridade com foro por prerrogativa de função" (HC 347.944/AP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 24/5/2016).

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 1584354/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 28/04/2020)

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. RECEPTAÇÃO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU A LIBERDADE PROVISÓRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EM RAZÃO DE SE TRATAR DE REITERAÇÃO DE PEDIDO. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. COMPLEXIDADE DA CAUSA PLURALIDADE DE RÉUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA COM ATUAÇÃO EM DIVERSAS COMARCAS. PLEITO DE DESMEMBRAMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESSA PARTE DESPROVIDO.

[...]

IV - As instâncias originárias, apreciando detalhadamente a prova produzida nos autos, concluíram pelo indeferimento do pedido de desmembramento do feito. Com efeito, esta Corte Superior tem entendido que 'A necessidade de desmembramento da ação penal, nos moldes do art. 80 do CPP, exige casuística valoração de provas para aferição da necessidade, o que não pode ser revisto na via do habeas corpus' (EDcl no HC n. 364.823/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 29/11/2016). Entender de modo contrário ao estabelecido pelo Tribunal a quo, como pretende o impetrante, demandaria o revolvimento do material fático-probatório dos autos, o que é de todo inviável nesta via. Precedentes do col. Pretório Excelso e do STJ.

[...]

(RHC 105.783/ES, Rel. Min. Felix Fischer, 5.ª Turma, j. 12/03/2019) 

 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DE JOSÉ CARLOS GRATZ. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PECULATO. ART. 312 DO CP. PENA-BASE. SÚMULA 7/STJ E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. DESMEMBRAMENTO DOS AUTOS. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 545/STJ. INOVAÇÃO RECURSAL. CONDENAÇÃO BASEADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO. VERIFICAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. REDIMENSIONAMENTO DE PENA E FIXAÇÃO DE REGIME ADEQUANDO AO NOVO QUANTUM. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO DE OFÍCIO NA DOSIMETRIA. REDUÇÃO DO PATAMAR DE ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. COERÊNCIA E RAZOABILIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.

[...]

4. A orientação jurisprudencial do STF é no sentido de que o desmembramento deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerrogativa de função, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante à investigação (Inq 4.146-AgR-terceiro/DF, Rel. Min. Teori Zavaski, Plenário). O entendimento proferido pelo Tribunal a quo encontra-se na mesma linha do STF, uma vez que, conforme consignado no acórdão recorrido, há a possibilidade excepcional de processamento e julgamento conjunto de pessoas sem prerrogativa de foro, uma vez que os fatos encontram-se entrelaçados, exigindo a unicidade do julgamento, cuja cisão poderia causar prejuízo relevante na resolução da causa.

[...]

8. Agravo regimental não provido. Habeas corpus concedido de ofício, para reduzir a pena para 3 anos e 6 meses de reclusão, parâmetro que autoriza a manutenção do regime fixado pela Corte local e da substituição da pena.

(AgRg no AREsp 1362189/ES, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5.ª Turma, j. 05/02/2019) 

 

Nessa mesma linha de entendimento, julgados colhidos no âmbito do Órgão Especial desta Corte:

 

AGRAVO REGIMENTAL. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. POSSIBILIDADE.

- Fato de dentre outros investigar-se delito de quadrilha que não obsta a adoção da medida. Foro por prerrogativa de função que se reveste de excepcionalidade, admitindo-se a prorrogação da competência apenas na hipótese em que restar devidamente comprovado que a separação de feitos causará prejuízo relevante, no caso qualquer suposto prejuízo não se desvelando maior do que o de risco de prescrição. Intelecção que se aplica não só à fase processual como também à fase investigativa. Precedentes.

- Agravo regimental desprovido.

(APN n.º 0009145-41.2012.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 29/04/2015)
                                    

PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES PREVISTOS NA LEI DE LICITAÇÕES. DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO E ADVOCACIA ADMINISTRATIVA. CRIMES CAPITULADOS NO ART. 89, PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 91 DA LEI N° 8.666/93. NÃO CONFIGURAÇÃO. CRIME DE ADVOCACIA ADMINISTRATIVA. ART. 321, DO CÓDIGO PENAL. ACOLHIDA PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. REJEITADAS AS DEMAIS PRELIMINARES. AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. PRELIMINARES:

i) Rejeitada a preliminar de desmembramento desta ação penal. A competência desta Corte Regional para o processamento e julgamento desta ação penal decorre do fato de ter dentre os réus uma magistrada federal, detentora de prerrogativa de foro, de natureza constitucional e, portanto, absoluta. Igual previsão está contida nos artigos 84 e 87, do Código de Processo Penal. A prerrogativa de foro de um dos réus alcança todos os demais, que serão julgados pela mesma Corte, conforme preceituam os artigos 76, incisos I e II, 77 e 78, inciso III, do Código de Processo Penal.

[...]

xv) Ação penal improcedente, absolvição dos réus nos termos do artigo 386, inciso III, do CPP.

(APN n.º 0008497-66.2009.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Cecília Marcondes, j. 24/09/2014) 

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. GESTÃO TEMERÁRIA. ARTIGO 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. COMITÊ DE CRÉDITO DO BANESPA. OPERAÇÕES DE CONCESSÃO DE EMPRÉSTIMO, REDUÇÃO DA COMISSÃO DE REPASSE, RENOVAÇÃO E NÃO ENCAMINHAMENTO DO CASO AO DEPARTAMENTO JURÍDICO PARA AS PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS. PRELIMINARES

- Nulidade do processo em razão do não desmembramento: inconveniência da separação facultativa (artigo 80 do Código de Processo Penal) em relação aos acusados não detentores de prerrogativa de foto, dada a iminência da consumação do prazo prescricional.

(APN n.º 0082007-54.2005.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Cecília Marcondes; Rel. p/ Acórdão Des. Fed. Therezinha Cazerta, j. 29/11/2007)

 

Premissas postas, cumpre avaliar se, no caso concreto, tem-se situação excepcional que recomende, referentemente a todos os envolvidos já identificados no âmbito da Operação Westminster, a permanência dos feitos integralmente sob competência do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, consoante pleiteado pelo Ministério Público Federal; ou, então, se resta caracterizada nos autos hipótese de desmembramento, fazendo-o quer seja no que diz respeito à denúncia formulada, relativamente aos casos “Empreendimentos Litorâneos” e “Avanhandava” (respectivamente, autos n.º 5011258-66.2019.4.03.0000 e n.º 5018160-69-2018.4.03.6100), que ensejaram o inquérito autuado sob n.º 5021828-44.2018.4.03.0000; quer seja com relação às demais investigações ainda em desenvolvimento (caso “MARTINEZ DIAZ”, n.º 5015729-62.2018.4.03.6100; caso “FAMÍLIA RIBAS”, n.ºs 5011883-37.2018.4.03.6100 e 0001239-63.1994.4.03.6100; caso “CHARLOTTE”, n.ºs 0977336-89.1988.4.03.6100 e 5001890-33.2019.4.03.6100; caso “MONNERAT”, n.º 5015672-10.2019.4.03.6100”; caso “JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO”, n.º 5003331-15.2020.4.03.6100; caso “FLAG DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO”, n.º 5009828-79.2019.403.6100; caso “EDUARDO MORELLO OLEA”, n.º 5021333-67.2019.4.03.6100; caso  “NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO”; caso “FRANCISCO EUGÊNIO SAAD”; caso “MAC CARGO”, n.º 5001374-81.2017.4.03.6100; caso “MUCCIOLO”, n.º 5030265-78.2018.4.03.6100; caso “SANOFI-AVENTIS”, n.º 5026107-77.2018.4.03.6100; caso “KERNEL”, n.º 0022676-91.2016.4.03.6100; Caso “TUPY”, n.º 50167788-85.2018.4.03.6100; Caso “NEW EDGE”, n.° 5021879-59.2018.4.03.6100; caso “CORINTHIANS”, n.ºs 5005566-23.2018.4.03.6100 e 5014599- 48.2019.4.03.6182; caso “Luiz Phelipe”, n.º 0025295-97.1993.4.03.6100”; e caso “JUREIDINI”, n.º 5013287-26.2018.4.03.6100 e demais situações relatadas na cota ministerial), que ensejaram, inclusive, a distribuição do inquérito registrado sob n.º 502235-95.2020.4.03.0000.

Primeiramente, cabe sintetizar que a presente investigação teve início a partir de documento subscrito por José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro Paulo Wendel Gasparini, advogados no feito de reg. n.º 5011258-66.2019.4.03.6100, relatando-se, em síntese, que Divannir Ribeiro Barile, então diretor de secretaria da 21.ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, teria solicitado vantagem indevida – 0,9% do valor de expedição do precatório no feito em epígrafe – para que lhe fosse conferido andamento prioritário.

Consoante referido pelos aludidos procuradores, a reunião em questão havia sido solicitada por Tadeu Rodrigues Jordan – perito judicial nomeado para atuar no processo citado, em meio a contatos realizados para “tirar dúvidas sobre a legislação aplicável” (Id. 127426074):
 

No dia 05 de fevereiro de 2020, o Dr. Tadeu Rodrigues Jordan enviou nova mensagem pelo aplicativo WhatsApp para o requerente José Horário Halfeld Rezende Ribeiro desejando telefonar, o que ocorreu, novamente para tirar dúvidas sobre a legislação aplicável, sendo certo que diversos esclarecimentos foram prestados pelo aplicativo WhatsApp. (Doc. 09) 
Na mesma troca de mensagens, foi solicitado pelo Dr. Tadeu Rodrigues Jordan uma nova reunião em seu escritório, cujo agendamento se estendeu num diálogo até o dia 11 de fevereiro de 2020, tendo sido confirmada a reunião para o dia 12 de fevereiro de 2020, às 9h30, na Avenida Francisco Matarazzo, 1 752, conjunto 1021- (Doc. 09).
 

Já com o encontro em andamento, entretanto, relataram os procuradores terem sido “surpreendidos com a entrada na sala de reuniões do escritório do perito judicial do Diretor da Secretaria da 21ª. VARA CÍVEL FEDERAL DE SAO PAULO, o Bacharel Divannir Ribeiro Barile”, que, nos termos do relatado a seguir, teria oferecido uma “solução rápida”, solicitando a eles vantagem para o que “prometia uma expedição de ofício requisitório de precatório até o final de junho de 2020 para houvesse o pagamento em 2021”.

Nesse ínterim, tomando-se em consideração a gravidade concreta e a harmonia dos elementos indiciários até então reunidos, à vista de representação do Departamento de Polícia Federal (Id. 128151355) e manifestação no mesmo sentido formulada pelo Ministério Público Federal (Id. 128414010), foi deferida a interceptação de terminais telefônicos utilizados por Divannir Ribeiro Barile e por Tadeu Rodrigues Jordan (Id. 128491324), porquanto presentes os requisitos da Lei n.º 9.296/1996.

Ainda, a partir tanto dos elementos anteriormente trazidos pelos procuradores do feito de reg. n.º 5011258-66.2019.4.03.6100 (Id. 128050681) quanto de novas mensagens remetidas aos advogados pelo perito Tadeu Rodrigues Jordan, confirmou-se a realização de outra reunião, em 10/4/2020, às 11:30, no edifício Cetenco Plaza, Torre Norte, 2.º Andar, Av. Paulista, n.º 1.842 – escritório de propriedade de Pedro Paulo Wendel Gasparini –, com o objetivo de se dar continuidade às tratativas de obtenção de vantagens ilícitas, elementos que, diante de requerimento apresentado pela autoridade policial oficiante nestes autos (Id. 129171182) e pronunciamento favorável da Procuradoria Regional da República (Id. 129179368), ensejaram decisão pela qual conferida ciência à ação controlada efetuada pela Polícia Federal e deferido o pedido de captação de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos do evento, nos termos do art. 8.º-A, caput, da Lei n.º 9.296/1996.

Conforme acompanhamento prévio realizado pela autoridade policial, o então diretor de secretaria compareceu à reunião acompanhado de Tadeu Rodrigues Jordan, segundo se permite observar das seguintes imagens (Id. 129670676):

A transcrição do áudio captado na reunião (Id. 129966322), por sua vez, veio robustecer os elementos até então amealhados, no sentido da existência de suposto esquema criminoso constituído com o objetivo de comercializar decisões judiciais proferidas no juízo da 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP.

 

Nesse sentido, os seguintes excertos, em que Divannir Ribeiro Barile dá a entender que conforma a estruturação do recebimento de vantagem ilícita (Id. 129963222):
 
DIVANNIR: Só posso te adiantar o seguinte, a gente vai dividir por três frentes. Uma firma de contabilidade, uma firma de advocacia e uma firma de consultoria, aí vocês fazem a distribuição.
PEDRO PAULO: Contabilidade, uma advocacia...
DIVANNIR: De advocacia, outra de consultoria.
PEDRO PAULO: E outra de consultoria.
DIVANNIR: É.
PEDRO PAULO: Tá.
DIVANNIR: Porque daí você tem...
JOSE HORACIO: São três contratos?
PEDRO PAULO: São três contratos?
DIVANNIR: São três contratos. É até melhor, não é?
TADEU: Não, espera aí, [INCOMPREENSIVEL]
DIVANNIR. Porque o que o outro advogado está perguntando, se ele for tributarista, por que assim, ó, uma coisa é o tributo, a outra coisa...
DIVANNIR: Sim. Que eu tenho a mais ou a menos.
TADEU: Tem que ter, nessa operação, por exemplo, tem que ter solidez do assunto, mais do que o dinheiro.
PEDRO PAULO: É o substrato. É exatamente. É o substrato.
TADEU: Porque, assim, da saída da empresa para a primeira fonte de recursos tem que ser absolutamente sólido, né. Depois, da outra empresa, pronto. Então, por exemplo, pode sair de uma empresa que já existia há um tempo atrás e ali ter uma sociedade com outra participação e aí de lá fazer a divisão, porque aí ficou coisa. Então, já que ele deu uma informação importante que vem da empresa, agora a gente tem como pensar nisso, trazer uma resposta, aí nós conversamos, pronto. Porque você não pode pegar, por exemplo, uma empresa que não tenha um faturamento, vamos dizer assim expressivo, chegar um valorzão lá, COAF na hora.
 

Ato seguinte, o investigado esclarece aos interlocutores que está “sendo ‘longa manus’ do CARDEAL lá” – aspecto central para a análise do desmembramento, a ser a seguir revisitado – e que “em outros negócios que a gente fez, é, teria a possibilidade de uma parte, não importa o volume, em dinheiro?”, afirmando, em seguida, que tem “amizade com o SILVINHO, com o doleiro”, de forma que “se precisar receber pelo doleiro também da para receber”:
 

DIVANNIR - Gente eu vou deixar bem claro uma coisa, pra gente poder avançar, tudo aqui eu to sendo ‘longa manus’ do CARDEAL lá, e ele é, combinou tá combinado.
PEDRO PAULO – Mas eu quero dizer o seguinte.
DIVANNIR – uma coisa que ele sempre me pontuou, é o seguinte, em outros negócios que a gente fez é, teria a possibilidade de uma parte, não importa o volume, em dinheiro?
PEDRO PAULO – Ah isso foi conversado com o cliente, eu acho que, não posso te responder.
JOSÉ HORÁCIO – mas quanto isso é, em termos representativos?
DIVANNIR – Eu acho que pra dar uma diluída nisso aí, é 10% a 20% em dinheiro, é uma coisa que quebraria bastante essa movimentação financeira.
PEDRO PAULO – 10 A 20% CASH?
DIVANNIR – Cash, pode ser dólar ou real, e se precisar uma outra possibilidade, eu tenho amizade com o SILVINHO, com o doleiro, ta, se precisar receber pelo doleiro também da para receber.
 

Logo após, Divannir parece identificar “CARDEAL” como sendo o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, titular da 21.ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo – mencionado como “o doutor” –, e explica a seus interlocutores que “tem outros casos também”, sendo o magistrado quem “traça a estratégia, ‘ó, vamos nesse aqui e deixa’”, logo após afirmando aos advogados que se o juiz falar que é “para dar um caixão”, isto é, “acabar com o processo”, assim será feito:

 

DIVANNIR: É, porque, assim, é uma questão de lealdade, e para o CARDEAL, lá, para ajudar ele. Tá?
PEDRO PAULO: Tá.
DIVANNIR: Então, assim, estou botando...
PEDRO PAULO: Assim, eu não o conheço, o doutor é ponta firme?
TADEU: Porra.
DIVANNIR: Só ver as decisões que ele dá.
TADEU: Ele é ponta firme.
JOSÉ HORACIO: É porque a gente fica muito, a gente fica muito com a impressão, DIVANNIR, e ela, ela é uma impressão que, na verdade, se firmou quando nós tivemos o primeiro contato, não estou tirando isso de forma aleatória. Você demonstrou um conhecimento do, do uma experiência, né, na condução do processo na tramitação que nos transpareceu que, vamos dizer, que a batuta está na tua mão. Entendeu? É isso ficou muito claro, assim, desde o primeiro instante.
DIVANNIR:  A batuta do mando é dele, mas a operação é minha. Então é uma coisa assim, ele fala, ‘ó’...
JOSÉ HORACIO: Desculpa, desculpa.
DIVANNIR: É, ele que traça a estratégia ‘ó vamos nesse aqui e deixa...’ porque tem outros casos, também. Ele que faz, ele que faz a estratégia, ‘não, esse daqui, esse daqui, isso aqui esquece, isso aqui você decide assim’. Ele manda decidir, eu vou cumprir o que ele manda decidir. Se ele falar para vocês ‘é para dar um caixão’, eu vou ter que bolar um caixão, não sei comum. Entendeu, mas aí eu vou ter que pensar.
PEDRO PAULO: [INCOMPREENSÍVEL].
DIVANNIR: Caixão é quebrar o processo no meio.
PEDRO PAULO: Acabar com o processo?
DIVANNIR: É.
PEDRO PAULO: Quer dizer, eu não vou ver essa decisão nunca?
DIVANNIR: É, se ele, ele vai mandar eu fazer, eu vou fazer.
   

Em momento seguinte da investigação, captou-se, via interceptação judicialmente autorizada, ligação telefônica entre o então diretor de secretaria e o magistrado investigado, ora denunciado.

Nos termos do diálogo abaixo transcrito, ocorrido em 27/5/2020, às 19:10, Divannir menciona “aquele caso lá do EMPREENDIMENTOS LITORÂNEOS”, o que leva Leonardo Safi de Melo a questionar o servidor, à vista da petição de embargos de declaração opostos pela expropriada – isto é, pelos procuradores que estiveram na reunião em que solicitada, em tese, a vantagem –, “quer dizer, não, não rolou, então? Eles caíram fora?” (Id. 134223078):

 

DIVANNIR: Tá. Eu vou procurar lá. Não, sabe por quê? Aquele caso lá do EMPREENDIMENTOS LITORÂNEOS, eles entraram com os embargos de declaração, eles têm até razão num ponto que eu coloquei expropriante e devia ser expropriado, o resto é churumela. O mais, o que eles tão enchendo o saco é que a gente mandou intimar é...e ver dos dados do, das partes.
LEONARDO: Sei.
DIVANNIR: E então eu quero lembrar aquela parte do interrogatório, que o juiz pode convocar, enfim, e eu sei que tem um artigo expresso no CPC que manda colocar todos os dados da parte também.
LEONARDO: Uhum.
DIVANNIR: Isso acho que é oitenta e alguma coisa, então eu só queria lembrar essa parte do interrogatório.
LEONARDO: É, não, mas é no CPC, eu dou uma olhada aqui.
DIVANNIR: Tá, porque eu já tô, eu tô fazendo aqui no caderno, aí eu vou no psiquiatra às oito, dá tempo de eu voltar, digitar, aí você lembra essa parte, eu vou agregar e vai ser caixão, velório de pobre com coronavírus.
LEONARDO: Tá, então quer dizer, não, não rolou, então? Eles não...caíram fora?
DIVANNIR: Tá...eu acho que eles estão esperando esse bebê aqui pra ver o que vai fazer, né?!
LEONARDO: Sei.
DIVANNIR: Ah, e eles pediram para que o INCRA pague a perícia.
LEONARDO: Sei. Ah, os caras tão de brincadeira, DIVANNIR.
DIVANNIR: Não, mas calma. Você vai ver o chumbo que eu, educadamente, o chumbo que nós vamos dar.
LEONARDO: Tá, tá bom.

[…]

LEONARDO: Ah, DIVA, então seu sexto sentido tava certo naquele do EMPREENDIMENTOS, os caras tavam meio ressabiados.
DIVANNIR: É...uhum.
LEONARDO: Mas vai tomar um chumbão legal agora, né?
DIVANNIR: Vai tomar um tiro de doze que vai ficar esperto. (g. n.).
  

Referido aspecto guarda relevância, na medida em que as tratativas envolvendo o caso “Empreendimentos Litorâneos” tiveram continuidade em momento imediatamente posterior.

Com efeito, em 3/6/2020, “Deise Mendroni de Menezes entrou em contato telefônico com o advogado José Horário Halfeld Rezende Ribeiro, identificando-se como ex-funcionária da Justiça Federal, e informou que ‘havia recebido um recado’ para tratar de uma negociação que havia sido iniciada sobre o caso Empreendimentos Litorâneos S/A, motivo pelo qual ‘gostaria de marcar um café para conversar’” (Id. 135243236). A abordagem em questão foi noticiada à autoridade policial oficiante nestes autos por mensagem eletrônica encaminhada pelo advogado (Id. 133760183).

No mesmo contexto, foi reestabelecido o contato entre o advogado e o perito Tadeu Rodrigues Jordan, que, então, intermediou a realização de nova reunião a respeito do caso, com a presença do “JUIZ” (fl. 415, Id. 133760183):

 

T- Oi Doutor tudo bem? 
JH- Oi Doutor Tadeu. 
T- Então falei com ele lá e ele falou assim pra marcar sexta. 
JH- Pera cortou, cortou que eu não entendi. 
T- Então eu transmiti o recado e ele disse que pode ser uma reunião com a pessoa que o senhor pediu no meu escritório, na sexta-feira, entre 14, 14:30. 
JH- É, eu, eu, eu preciso ver aqui como é que eu me organizo, tá bom? 
T- Tá. 
JH- Porque eu to fora de São Paulo né, como sabe, mas deixa eu só entender o DIVANNIR disse que faz essa reunião com a presença do JUIZ. 
T- Com a pessoa lá, que o senhor, isso. 
JH- Lá com o JUIZ, certo? 
T- Certo.
 

Com a confirmação da reunião, aduziu-se representação em que conferida ciência a respeito de ação controlada realizada na ocasião, bem como requerendo a captação de sinais eletromagnéticos à oportunidade (Id. 133760183), pedido que, à vista da concordância do Ministério Público Federal (Id. 133843017), veio a ser deferido (Id. 133859183).

Consoante auto circunstanciado de ação controlada (Id. 134301595), a Polícia Federal acompanhou o deslocamento de Divannir Ribeiro Barile de sua residência até o local onde mora o magistrado federal Leonardo Safi de Melo, fotografando-os sendo recepcionados pelo perito Tadeu Rodrigues Jordan no subsolo do prédio em que realizada a reunião:
 

 

Divannir e o magistrado federal se dirigiram, então, ao local do encontro, no qual, à vista do deferimento judicial anterior, a reunião foi gravada.

Consoante imagem abaixo, Divannir Ribeiro Barile e Leonardo Safi de Melo sentam-se um ao lado do outro, antes do início da conversa:
  

 

Iniciada a reunião, Divannir afirma, quanto à “contrapartida”, que “por isso que a gente tá, tá andando, né”, e que “vamos trabalhar com essa primeira parte pro dia 25”:

 

DIVANNIR - Tá, a gente continua andando, né, então assim, vamos trabalhar até o final do mês, isso vai tá antes, antes o precatório já vai tá saindo já. 
JOSÉ HORÁCIO - Isso eu entendi, eu digo assim, da... eu imagino que da nossa parte tenha que ter uma contrapartida. 
DIVANNIR – Hum hum. Sim, mas assim, o combinado é o combinado né? Por isso que a gente tá, tá andando né? 
JOSÉ HORÁCIO - Não, então, é por isso que eu queria deixar muito claro qual é o prazo, o que a gente tem que fazer. 
PEDRO PAULO - Pensa num prazo, a gente precisa sentar com o cliente, lembra que eu expliquei, são três famílias, a mulher é uma senhora complicada... 
DIVANNIR - Então vamos trabalhar com essa primeira parte pro dia 25, por aí. Daí você tem prazo.

 

Em seguida, o magistrado federal e o então diretor de secretaria discutem com os procuradores os prazos e valores para o pagamento – dividido em três partes, a primeira em 25/6/2020, a segunda com a confirmação da inserção do requisitório na proposta orçamentária e a terceira trinta dias após o seu pagamento –, com o que o magistrado assente afirmando “por mim tudo bem”:
 

JOSÉ HORÁCIO - Então, só pra eu entender, me explica de novo DIVANNIR, a proposta inicial é um terço do valor. 
DIVANNIR - Hum hum. 
JOSÉ HORÁCIO - Um terço do zero nove. Zero nove, vamos dizer assim, a premissa é o pagamento de zero nove porcento sobre o valor que vier a ser recebido, certo? 
DIVANNIR - Isso. 
JOSÉ HORÁCIO - Não importa se vai ser agora ou mais pra frente. 
DIVANNIR - Hum hum. 
JOSÉ HORÁCIO - Desse zero nove, um terço dele é agora... 
PEDRO PAULO - É devido em 25. 
DIVANNIR - Hum hum. 
PEDRO PAULO - Quinta-feira. 25 é uma quinta-feira. 
JOSÉ HORÁCIO - 25 de junho. O próximo terço?
DIVANNIR - Quando a gente confirmar a proposta orçamentária. E o precatório tiver lá dentro. E o depois, trinta dias, tá?
[...]
PEDRO PAULO - Então doutor LEONARDO, é possível esse terceiro terço ser... porque realmente, assim, foi um clamor deles, ah, tá bom, vamos... morrendo de medo, vamos engrenar nisso pra gente, tá há trinta anos atrás desse precatório, mas a gente não consegue botar uma parte... 
JOSÉ HORÁCIO - A conversa com eles, num primeiro momento eles perguntaram se não podia ser no êxito, tudo. Aí depois, evoluíram pra um pedaço e êxito, né? 
PEDRO PAULO - Então doutor LEONARDO, é possível? 
LEONARDO - Por mim tudo bem.

 

Ato seguinte, após a saída do magistrado federal e do então diretor de secretaria do local da reunião, adentraram o recinto as advogadas Clarice Mendroni Cavalieri e Deise Mendroni de Menezes, que, de acordo com esta última, foram “pra formalizar”:

 

DEISE -Já foi mais ou menos conversado com os senhores, né? E a gente veio aqui pra... pra formalizar.
PEDRO PAULO -Hum hum.

 

A formalização referida veio a se revelar por meio de estruturação financeira, via contrato de prestação de serviços a ser firmado com escritório de advocacia de ambas, para o recebimento da vantagem – qual seja, 0,9% do valor do precatório a ser expedido –, fazendo-o nos exatos termos do anteriormente ajustado com Leonardo Safi de Melo e Divannir Ribeiro Barile:

 

DEISE –Então vamos ver para a operacionalização.
TADEU –Quer papel?
DEISE –Não, não precisa, vamos ver para a operacionalização né? Os senhores querem sugerir alguma coisa? 
PEDRO PAULO –Nós não estamos, é o seguinte, é essa é uma conversa que eu acho que tem que ser muito franca porque vai ser uma só, porque é o seguinte, eu não sei em que página nós estamos.
TADEU –Só uma coisinha, na reunião aqui que eles conversaram ficou assim, 33%. 
JOSE HORÁCIO –Na reunião com o Dr. LEONARDO e com o DIVANNIR.
TADEU –33% no dia 25, 33% quando for o orçamento e 33% quando receber.
DEISE –Certo.
TADEU –Ai “inaudível”.
DEISE –Então nós temos que fazer um contrato ou de uma parceria.
CLARICE –Ou de treinamento né?
DEISE –Porque os senhores têm “inaudível”, assim pra gente operacionalizar nós temos que fazer um contrato de prestação de serviço, o meu escritório fazendo uma prestação de serviço, ai.

 

Em 10/6/2020, Deise Mendroni de Menezes, por meio do correio eletrônico institucional de seu escritório de advocacia, encaminhou a minuta de contrato referida da conversa, dela constando como partes exatamente a “EMPREENDIMENTOS LITORÂNEOS S/A” e “STOLF CESNIK ADVOGADOS ASSOCIADOS” – firma também de titularidade da advogada – e cujo objeto era justamente o recebimento de valores correspondentes a 0,9% do valor do precatório expedido, divididos – tal como ajustado com Leonardo Safi de Melo e Divannir Ribeiro Barile – em três parcelas, a serem pagas nos momentos mencionados pelo então diretor de secretaria, isto é, em 25 de junho de 2020, no momento em que inserido o precatório na proposta orçamentária e no dia em que pago o requisitório (Id. 134301595):

 

CLÁUSULA SEGUNDA – DOS HONORÁRIOS
Sobre o VALOR INCONTROVERSO de R$ 777.684.531,37, apurado para 30/01/2020, serão devidos honorários advocatícios no percentual de 0,9% (zero vírgula nove por cento)ou seja, o valor deR$6.999.161,00 (seis milhões, novecentos e noventa e nove mil, cento e sessenta e um reais) a ser pago pela CONTRATANTE à CONTRATADA em 03 (três) parcelas da seguinte forma: 
(i) PRIMEIRA PARCELA no valor de R$ 2.309.724,00 (dois milhões, trezentos e nove mil, setecentos e vinte e quatro reais), correspondendo a 33% (trinta e três por cento) da importância devida, no dia 25/06/2020;
(ii) SEGUNDA PARCELA no valorR$2.309.724,00 (dois milhões, trezentos e nove mil, setecentos e vinte e quatro reais), também correspondente a33% (trinta e três por cento), quando da inclusão do precatório na proposta orçamentária; e 
(iii) TERCEIRA E ÚLTIMA PARCELA, no valor de R$ 2.379.715,00 (dois milhões, trezentos e setenta e nove mil, setecentos e quinze reais) correspondente a 34% (trinta e quatro por cento), quando do depósito em conta judicial do valor do precatório, tudo na forma de deposito na conta corrente n. 00000069-0, na Agência 1181/003 , do Banco 104, Caixa Econômica Federal, em nome STOLF CESNIK ADVOGADOS ASSOCIADOS ou qualquer outra conta que venha a ser indicada pela CONTRATADA.

 

Consoante sintetizadas pelo Ministério Público Federal as imputações (Id. 138531621) relacionadas à solicitação de vantagem indevida para o prosseguimento da expedição de requisitórios nos autos de n.º 5011258-66.2019.4.03.0000 (Caso “Empreendimentos Litorâneos”), “em 12-2-2020, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, de modo consciente e voluntário, em concurso e unidade de desígnios com o Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile e o perito Tadeu Rodrigues Jordan, solicitou, para si e para outrem, direta e indiretamente, em razão da função pública exercida como magistrado federal, vantagem indevida no importe equivalente a 0,9% do valor do precatório que viesse a ser expedido em favor da empresa Empreendimentos Litorâneos S/A, na execução que se processa nos autos da Liquidação Provisória nº 5011258- 66.2019.4.03.6100, originada da Ação de Desapropriação nº 0761155- 31.1987.4.03.6100, em trâmite perante a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo, totalizando a propina solicitada o importe de R$ 6.551.429,00 (seis milhões, quinhentos e cinquenta e um mil, quatrocentos e vinte e nove reais), em contraprestação à prática do ato de ofício consistente na expedição do precatório até o dia 30-6-2020, para pagamento no exercício financeiro de 2021, solicitação esta que foi por eles reafirmada em 10-4-2020 e 8-6-2020, sendo que, em razão da vantagem indevida prometida, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo praticou ato de ofício, com infração de seus deveres funcionais, consistente em decisão proferida em 24-6-2020 na Liquidação Provisória nº 5011258-66.2019.4.03.6100, motivo pelo qual incorreram na prática do crime do art. 317, caput e § 1º, c/c o art. 29, ambos do Código Penal”.

Outrossim, “em datas ainda não totalmente estabelecidas, mas certo que entre 12-3-2018 e 30-6-2020, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, o Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile, o perito Tadeu Rodrigues Jordan, a advogada Deise Mendroni de Menezes, a advogada Clarice Mendroni Cavalieri e o advogado Paulo Rangel do Nascimento, de modo consciente e voluntário, promoveram, constituíram e integraram organização criminosa, voltada à venda de decisões judiciais em demandas em trâmite perante a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo, mediante a sua associação de maneira estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com estabilidade e objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagens de natureza econômica, por meio da prática dos crimes de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), peculato (art. 312 do Código Penal), prevaricação (art. 319 do Código Penal) e lavagem de ativos (art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98), motivo pelo qual incorreram na prática do crime do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13”.

Ainda, “em 19 e 20-12-2019, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, o Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile e o perito Tadeu Rodrigues Jordan, de modo consciente e voluntário, em concurso e unidade de desígnios, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais) provenientes do crime de organização criminosa e do crime de peculato relacionado ao Caso “Empreendimentos Litorâneos”, por meio de quatro transferências bancárias estruturadas feitas a interpostas pessoas – Albina da Silva Teixeira e Flávia Roland Ribeiro Barile –, em benefício do Juiz Federal Leonardo Safi de Melo e do Diretor de Secretaria Divannir, motivo pelo qual incorreram na prática do crime do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98, c/c o art. 29 do Código Penal”.

A isso se agregou, ademais, a constatação de que, também no caso “Empreendimentos Litorâneos”, os agentes públicos e demais membros da organização criminosa teriam incorrido, em concurso com Tadeu Rodrigues Jordan, no crime de peculato, materializado, em síntese, no desvio de honorários periciais que, adimplidos ao perito por ordem do juízo, eram retornados à estrutura da organização criminosa após o seu levantamento.

Nesse sentido, o seguinte excerto da denúncia apresentada (Id. 138531621):

 

Dessa maneira, no mesmo contexto de organização criminosa, a Liquidação Provisória de Sentença nº 5011258-66.2019.4.03.6100 também foi identificada pelo Juiz Federal Leonardo Safi de Melo e pelo Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile como sendo um processo oportuno para ensejar o desvio de verbas referentes a honorários periciais, para o que o magistrado federal designou o perito Tadeu Rodrigues Jordan para a realização de uma perícia desnecessária e superfaturada, fixando a sua remuneração em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), patamar manifestamente desproporcional à complexidade dos trabalhos – que se destinavam à mera atualização de cálculos –, sendo que, em 16-12-2019, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo autorizou o levantamento de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), consistente em parte (40%) do total dos honorários periciais adiantados pela Empreendimentos Litorâneos S/A, e, em 19-12-2019, o perito Tadeu promoveu o seu levantamento, com vistas ao seu locupletamento ilícito e também à subsequente repartição de valores ajustada com o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo e o Diretor de Secretaria Divannir.

 

A retomada desses fatos é de relevo, considerando os elementos amealhados nestes autos de forma concomitante à investigação relativa ao caso “Empreendimentos Litorâneos”, bem como aqueles supervenientes – em particular à vista do recolhido no momento em que deflagrada a operação policial –, que oferecem indicativos claros no sentido de que a suposta organização criminosa não só atuava em outros casos judiciais que tramitavam na 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, como o fazia, em tese, da exata mesma forma, aspecto que impõe seja analisado conjuntamente se é o caso de se desmembrar tanto a denúncia, agora objeto dos autos de n.º 5021828-44.2018.4.03.0000, quanto as demais investigações que remanescem nestes autos e também no inquérito registrado sob n.º 502235-95.2020.4.03.0000.

Veja-se, a esse respeito, o relato trazido pelo Ministério Público Federal, relativamente ao caso “Avanhandava”, também versado na denúncia, em específico quanto ao crime de corrupção passiva:

 

Em datas ainda não estabelecidas, mas compreendidas entre 12-3-2018 e 16-6-2020, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, de modo consciente e voluntário, em concurso e unidade de desígnios com o Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile e as advogadas Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri, solicitou, para si e para outrem, direta e indiretamente, em razão da função pública exercida como magistrado federal, vantagem indevida no importe equivalente a 2% do valor dos precatórios que viessem a ser expedidos em favor da empresa Agro Imobiliária Avanhandava S.A., nos autos relativos à (i) Execução Provisória (carta de sentença) nº 5025591-57.2018.4.03.6100 (anterior nº 0012797-08.1989.4.03.6100), extraída da Ação de Desapropriação por Interesse Social para Reforma Agrária nº 0233611-91.1988.4.3.6100, e à (ii) Ação de Desapropriação por Interesse Social para Reforma Agrária nº 5018160-69.2018.4.03.6100 (anterior nº 0937369-08.1986.4.03.6100), ambas em trâmite perante a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo, estabelecendo-se um pagamento inicial de, ao menos, R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), que foi efetivamente realizado em 18 e 23-6-2020, e mais o importe de, ao menos, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a serem pagos com a liberação dos precatórios, vantagens indevidas que foram, de outro lado e modo convergente, de maneira consciente e voluntária, oferecidas e prometidas, direta e indiretamente, por César Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Filho, respectivamente advogado e acionista controlador da empresa Agro Imobiliária Avanhandava S.A., para determinar o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo a praticar atos de ofício, sendo que, em razão da vantagem indevida prometida e paga, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo praticou atos de ofício, com infração de seus deveres funcionais, consistentes em decisão proferida em 15-6-2020 na Execução Provisória (carta de sentença) nº 5025591-57.2018.4.03.6100, e, em 16-6-2020, na Ação de Desapropriação por Interesse Social para Reforma Agrária nº 5018160-69.2018.4.03.6100, motivo pelo qual o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, o Diretor de Secretaria Divannir e as advogadas Deise e Clarice incorreram, por duas vezes em concurso material, na prática do crime do art. 317, caput e § 1º, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, e o advogado César Maurice e José João Abdalla Filho incorreram, por duas vezes em concurso material, na prática do crime do art. 333, caput e parágrafo único, c/c o art. 29, ambos do Código Penal.

Anteriormente, em datas ainda não estabelecidas, mas compreendidas entre 12-3-2018 e 12-11-2018, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, de modo consciente e voluntário, em concurso e unidade de desígnios com o Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile e as advogadas Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri, solicitou, para si e para outrem, direta e indiretamente, em razão da função pública exercida como magistrado federal, vantagem indevida no importe equivalente a 2% do valor da 10ª parcela do precatório então pendente de pagamento em favor da empresa Agro Imobiliária Avanhandava S.A., nos autos relativos à Ação de Desapropriação por Interesse Social para Reforma Agrária nº 5018160-69.2018.4.03.6100 (anterior nº 0937369-08.1986.4.03.6100), em trâmite perante a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo, realizando-se um pagamento de, ao menos, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), entre 22 e 26-11-2018, vantagem indevida que foi, de outro lado e modo convergente, de maneira consciente e voluntária, oferecida e prometida, direta e indiretamente, por César Maurice Karabolad Ibrahim, advogado da Agro Imobiliária Avanhandava S.A., para determinar o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo a praticar ato de ofício, sendo que, em razão da vantagem indevida prometida, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo praticou ato de ofício, com infração de seus deveres funcionais, consistente em decisão proferida em 12-11-2018 na Ação de Desapropriação por Interesse Social para Reforma Agrária nº 5018160-69.2018.4.03.6100, motivo pelo qual o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, o Diretor de Secretaria Divannir e as advogadas Deise e Clarice incorreram na prática do crime do art. 317, caput e § 1º, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, e o advogado César Maurice incorreu na prática do crime do art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal.

 

Já no que diz respeito ao crime de lavagem de ativos, assim consignou a Procuradoria Regional da República da 3.ª Região:

 

Em 18 e 23-6-2020, o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, o Diretor de Secretaria Divannir Ribeiro Barile, a advogada Deise Mendroni de Menezes, a advogada Clarice Mendroni Cavalieri, o advogado César Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Filho, de modo consciente e voluntário, em concurso e unidade de desígnios, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) provenientes do crime de organização criminosa e dos crimes de corrupção passiva e ativa relacionados ao Caso “Avanhandava”, por meio de duas transferências bancárias feitas a interposta pessoa – a advogada Deise Mendroni de Menezes –, dos quais R$ 97.500,00 (noventa e sete mil e quinhentos reais) foram, subsequentemente, objeto de outras duas transferências bancárias feitas a interpostas pessoas – Albina da Silva Teixeira e Flávia Roland Ribeiro Barile –, em benefício do Juiz Federal Leonardo Safi de Melo e do Diretor de Secretaria Divannir, motivo pelo qual incorreram na prática do crime do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98, c/c o art. 29 do Código Penal.

 

O relato constante do exercício acusatório bem sintetiza, portanto, o resultado de investigações que indicam, no caso “Avanhandava” a adoção, pela organização criminosa, de modus operandi semelhante ao verificado no caso “Empreendimentos Litorâneos”.

Consoante trazido pelo Ministério Público Federal, Divannir Ribeiro Barile teria articulado, em nome de Leonardo Safi de Melo, o recebimento de vantagem indevida proveniente de procuradores judiciais dos autos de n.º 5025591-57.2018.4.03.6100 e 5018160-69.2018.4.03.6100, fazendo-o como contrapartida ao tratamento prioritário dos feitos em epígrafe, com trâmite perante o juízo da 21.ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, sendo que o branqueamento dos capitais provenientes da vantagem fora operacionalizado por Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri.

Essa é, por sua vez, exatamente a forma de proceder que se tem ainda sob investigação, agora no apuratório autuado sob n.º 502235-95.2020.4.03.0000, com mínimas variações – pertinentes, por exemplo, à atuação de outro membro da organização criminosa, Paulo Rangel do Nascimento; ao perito nomeado para a consecução do peculato; ao porte dos processos judiciais e a vantagem ilícita solicitada; ou mesmo ao estágio do iter em tese criminoso, que avançava mais ou menos, a depender da aceitação dos procuradores dos feitos judiciais.

Assim, lê-se na cota do Ministério Público Federal (Id. 1385331620), quanto à atuação da organização criminosa nos respectivos casos:

 

- Casos “MARTINEZ DIAZ”, n.º 5015729-62.2018.4.03.6100; “FAMÍLIA RIBAS”, n.ºs 5011883-37.2018.4.03.6100 e 0001239-63.1994.4.03.6100; “CHARLOTTE”, n.ºs 0977336-89.1988.4.03.6100 e 5001890-33.2019.4.03.6100; e “MONNERAT”, n.º 5015672-10.2019.4.03.6100”:

Nos casos Família RIBAS, MARTINEZ E CHARLOTTE atua o advogado Fábio de Oliveira Luchesi Filho, que declarou que recebeu solicitação de vantagem ilícita no caso MARTINEZ, negando sua adesão. Reconheceu, todavia, que, no final de junho de 2019, entregou a Paulo Rangel do Nascimento o valor de R$ 75.000,00, em espécie, sob a alegação de que seria pagamento por sua indicação para atuação no caso CHARLOTTE. O pagamento, no entanto, coincide, com a época em que o juiz federal Leonardo Safi de Melo rejeitou impugnação do INCRA e fixou, como definitivo, o valor de execução de R$ 164.450.981,69 (id. 18228753, autos nº 5015672-10.2019.4.03.6100), e com a época em que os precatórios do caso MARTINEZ DIAZ foram requisitados (id. 18803596, autos nº 5015672-10.2019.4.03.6100).

Vê-se, portanto, que, à exata semelhança dos casos “Empreendimentos Litorâneos” e “Avanhandava”, a suspeita é de que Leonardo Safi de Melo, mediante articulação de Divannir Barile Ribeiro e Paulo Rangel do Nascimento, teria solicitado a procurador de feitos judiciais – no caso, Fábio de Oliveira Luchesi Filho – vantagens ilícitas, favorecendo o andamento de feitos judiciais, situação em tudo semelhante à dos demais que seguem referenciados.

 

- Caso “JOSÉ JOÃO ABDALLA FILHO”, n.º 5003331-15.2020.4.03.6100:

Conforme referido pela Autoridade Policial no relatório final, a despeito da alegação de não conhecer Deise Mendroni de Menezes, José João Abdala Filho transferiu, em 09/03/2020, o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) diretamente à conta bancária de Deise, que, por sua vez, teria repassado, ao menos, R$ 17.875 (dezessete mil oitocentos e setenta e cinco reais) ao juiz Leonardo Safi de Melo, por intermédio da conta de Albina da Silva Teixeira.

 

- Caso “FLAG DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO”, n.º 5009828-79.2019.403.6100:

Autos de Ação Anulatória – nº 5009828-79.2019.403.6100, em tramitação na 21a. Vara Federal. A análise dos dados telemáticos do telefone celular de Clarice (RELATÓRIO DE ANÁLISE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA Nº 49/2020)4 identificou trocas de mensagens com Deise relacionadas ao caso, com forte indicação de que se tratava de possíveis ajustes para a prática de atos de corrupção.

 

- Caso “EDUARDO MORELLO OLEA”, n.º 5021333-67.2019.4.03.6100:

Autos de Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 5021333-67.2019.4.03.6100, em trâmite na 21ª. Vara Federal Cível de São Paulo. A análise dos equipamentos eletrônicos apreendidos com Deise encontrou “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS”, firmado entre EDUARDO MORELLO OLEA e STOLF CESNIK ADVOGADOS ASSOCIADOS, representada por DEISE MENDRONI DE MENEZES, que tem por objeto a AÇÃO CIVIL.

 

- Caso “NAVEGAÇÃO PORTO MORRINHO”:

[...] a empresa foi referida por Clarice Mendroni em seu depoimento, caso de interesse do advogado César Maurice, que teria sido tratado na reunião ocorrida no Hotel Emiliano.

 

- Caso “FRANCISCO EUGÊNIO SAAD”:

[...] empresário, sócio da empresa SOCIEDADE INTERAMERICANA DE PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA. O RELATÓRIO DE ANÁLISE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA Nº 48/2020, juntado aos autos 5017789-04.2020.4.03.000, Id. 138231694, identificou várias transferências eletrônicas entre Francisco Eugênio Saad e os membros da organização criminosa, Deise Mendroni Menezes, Clarice Mendroni Cavalieri, Divannir Ribeiro Barile e Rangel do Nascimento Advogados Associados.

 

- Caso “Mac Cargo”, n.º 5001374-81.2017.4.03.6100:

[...] relativo à empresa Mac Cargo do Brasil EIRELI, Autos de Procedimento Comum Cível nº 5001374-81.2017.4.03.6100, há indícios da prática de corrupção, sendo que o advogado Fábio do Carmo Gentil, fls. 1560/1561, reconheceu a solicitação de vantagem, por intermédio de Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri, no valor de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais).
Verificou-se a nomeação do perito Tadeu Rodrigues Jordan, com honorários periciais fixados no valor de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), que será melhor analisado com a juntada da totalidade dos dados correspondentes à quebra do sigilo bancário obtidos via sistema SIMBA, relacionados aos membros da organização criminosa e às interpostas pessoas por eles utilizadas para a dissimulação da movimentação financeira dos valores ilícitos obtidos, com suas respectivas análises.

 

-  Casos “MUCCIOLO”, n.º 5030265-78.2018.4.03.6100; “SANOFI-AVENTIS”, n.º 5026107-77.2018.4.03.6100; “KERNEL”, n.º 0022676-91.2016.4.03.6100; “TUPY”, n.º 50167788-85.2018.4.03.6100; e “NEW EDGE”, n.° 5021879-59.2018.4.03.6100:

O depoimento do perito judicial Moisés Palomo, em 22-7-2020, confirmou a prática de nomeação de peritos judiciais com a fixação de honorários em elevados valores e apropriação pelos membros da organização criminosa.
Moisés indicou 4 (quatro) casos em que foi nomeado, e em que houve exigência de divisão dos honorários por parte de Deise Mendroni de Menezes, para quem devolvia 40% dos valores líquidos fixados.

 

- Casos “CORINTHIANS”, n.ºs 5005566-23.2018.4.03.6100 e 5014599-48.2019.4.03.6182 e “Luiz Phelipe”, n.º 0025295-97.1993.4.03.6100:

Juliano Di Pietro, advogado contratado pelo Clube, Fábio Souza Trubilhano, Diretor Jurídico do Clube, Andrés Navarro Sanches, Presidente do Clube, e Alexandre Husni, seu Vice-Presidente, ouvidos no inquérito, confirmaram a solicitação de vantagem mas não o seu pagamento.
Alexandre Husni, por sua vez (fls. 2080/2081), confirmou o pagamento de vantagem indevida para o levantamento do alvará nº 3848098, expedido pelo Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, em 27/06/2018, no valor de R$ 566.638,05 (quinhentos e sessenta e seis mil seiscentos e trinta e oito reais e cinco centavos), nos autos nº 0025295-97.1993.4.03.6100 (fl. 2083).
Aguarda-se a juntada da totalidade dos dados correspondentes à quebra do sigilo bancário obtidos via sistema SIMBA, relacionados aos membros da organização criminosa e às interpostas pessoas por eles utilizadas para a dissimulação da movimentação financeira dos valores ilícitos obtidos, com as respectivas análises, bem como de cópia dos Procedimentos Administrativos Fiscais (PAF) nº 10803.720024/2011-58; nº 10803.720091/2011-72, nº 10803.720092/2011-17, 10803.720007/2012-00 e nº 10803.720008/2012-46, em tramitação junto ao CARF, e a oitiva de Luiz Phelipe Rezende

 

- Caso “JUREIDINI”, n.º 5013287-26.2018.4.03.6100:

Foram identificadas sete transferências eletrônicas da conta de Lilian para a conta de Deise Mendroni de Menezes, totalizando R$ 96.000,00, e a existência de um contrato de parceria (id. 138043614, fls 2224 do inquérito) com Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

 

É fato que a presente análise se dá a partir dos elementos amealhados até este momento, sem prejuízo de que, em eventual investigação a respeito das situações acima descritas, venham aos autos novos aspectos desconhecidos a respeito da atuação da suposta organização criminosa.

De toda sorte, tudo está a indicar, ao menos por enquanto, que a estratégia adotada no caso “Empreendimentos Litorâneos”, replicada no caso “Avanhandava”, é a mesma explicitada nos demais processos judiciais com trâmite na unidade judiciária, de que se suspeita igualmente terem sido objeto de atuação da organização criminosa, aspecto esclarecido, exemplificadamente, pelo relato de procurador dos autos n.º 5005566-23.2018.4.03.6100 e 5014599-48.2019.4.03.6182 – o caso “CORINTHIANS” – que descreveu, à autoridade policial, a ocorrência de reunião com Divannir Ribeiro Barile e Leonardo Safi de Melo em tudo assemelhada à verificada entre os agentes públicos e os procuradores José Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro Paulo Wendel Gasparini, objeto de ação controlada, como acima relatado.

Com efeito, afirmou Andres Navarro Sanchez, presidente do clube desportivo, que ele e o diretor jurídico Alexandre Husni foram “convidados para um almoço no restaurante La Trambouille”, sendo que “no local foi apresentado ao Juiz Federal LEONARDO SAFI DE MELO”, que “solicitou diretamente ao declarante valores para beneficiar o clube na ação em trâmite na 21ª Vara” (Id. 137670189):

 

QUE por intermédio do Vice-Presidente do clube ALEXANDRE HUSNI, foi convidado para um almoço no restaurante La Trambouille, situado na Av. 9 de Julho; QUE não sabia do assunto que seria tratado na reunião, sendo que no local foi apresentado ao Juiz Federal LEONARDO SAFI DE MELO; QUE não sabe dizer se ALEXANDRE HUSNI já conhecia o Juiz anteriormente; QUE além do declarante e do Vice-Presidente ALEXANDRE HUSNI, participaram do almoço o Juiz Federal LEONARDO SAFI DE MELO e um outro homem do qual não recorda o nome; QUE acredita que o acompanhante de LEONARDO SAFI também trabalhasse com o Juiz, sendo que o rapaz possuía aproximadamente 40 anos, estatura aproximada 1,70m e compleição física um pouco acima do peso; QUE o Juiz LEONARDO SAFI solicitou diretamente ao declarante valores para beneficiar o clube na ação em trâmite na 21ª Vara; QUE não se recorda ao certo o valor solicitado pelo Juiz, contudo, ao que se lembra, o Juiz teria solicitado um percentual sobre o valor da ação; QUE achou a solicitação extremamente indecente e sequer deu uma resposta ao Juiz LEONARDO SAFI sobre a solicitação de vantagem; QUE esclarece que não chegou a comentar sobre o almoço com LEONARDO SAFI a nenhum outro integrante do clube, tampouco ao advogado JULIANO DI PIETRO que defendia o clube na ação distribuída à 21ª Vara; QUE alega não ter tido nenhum outro contato com o Juiz Federal ou com seu acompanhantes QUE logo após o almoço já ajustou com o Vice-Presidente que não dariam Prosseguimento à solicitação de vantagem formulada pelo Juiz.
 

Ouvido em seguida, Alexandre Husni confirmou a versão anterior, também relatando a solicitação de vantagem ilícita, inclusive, posteriormente, mediante “alguns telefonemas de DIVANNIR cobrando uma posição do clube”:
 

QUE não se recorda exatamente a data. contudo no ano de 2018 recebeu uma ligação do diretor de secretaria da 21ª Vara solicitando ao declarante uma reunião com o Presidente do clube ANDRES NAVARRO SANCHEZ; QUE o declarante possuía conhecimento que à época o clube tinha ingressado com uma ação judicial, sendo que DIVANNIR adiantou a declarante que gostaria de falar sobre um processo em trâmite na unidade Judiciária da qual ele era diretor; QUE ante a solicitação do diretor de secretaria realizaram um almoço no restaurante La Tambouille, situado na Av. 9 de Julho, não se recordando exatamente a data; QUE se compromete a tentar recuperar a data do encontro com base na fatura de seu cartão de crédito; QUE participaram do almoço o declarante, o Presidente do Corinthians ANDRES SANCHEZ, o diretor de secretaria DIVANNIR BARILE e o Juiz Federal LEONARDO SAFI DE MELO; QUE passaram a falar de amenidades, momento em que o diretor mencionou o mandado de segurança em trâmite na 21ª Vara e solicitou aos  representantes do clube algum tipo de vantagem para que o clube obtivesse resultado favorável na demanda proposta na 21ª Vara; QUE os representantes da Justiça não chegaram a solicitar valor específico, sendo que o declarante e o Presidente ficaram com receio de negar de imediato a proposta formulada; QUE explicaram que não era costume do clube atuar dessa maneira; QUE inclusive o declarante acreditava que a questão jurídica era favorável ao clube e portanto não precisariam do auxílio do Juiz para êxito na ação; QUE pelo que se recorda a liminar concedida pelo Juiz em sede de embargos de declaração foi anterior ao almoço supramencionado; QUE acredita que o almoço foi marcado justamente para manutenção da decisão judicial concedida liminarmente; QUE após o almoço o declarante recebeu alguns telefonemas de DIVANNIR cobrando uma posição do clube, sendo que o declarante por receio foi postergando a resposta solicitada por DIVANNIR.

 

A constatação de que a atuação da suposta organização criminosa, seja nos casos que são objeto da denúncia, seja naqueles ainda sob investigação, segue a estratégia acima detalhada, permite não só a viabilidade de sua análise conjunta quanto ao desmembramento ora sob exame, mas também expõe traço particular que torna necessário que o processamento ocorra integralmente sob a competência do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região.

Com efeito, como se extrai do levantamento jurisprudencial acima sistematizado, conquanto na hipótese em que a competência para o processamento de inquérito ou ação penal é deslocada a órgão colegiado em razão de prerrogativa de foro, a regra seja o desmembramento em relação a investigados e réus desprovidos de tal condição, encontrando-se presentes situações específicas, notadamente relacionadas à conveniência da instrução e da persecução penais e ao risco de que sejam proferidas decisões contraditórias, apresenta-se possível, a juízo do órgão competente, o processamento conjunto de indivíduos não detentores da prerrogativa de foro.

In casu, os elementos trazidos nestes autos – reitere-se, tanto no que diz respeito aos casos já objeto da denúncia quanto àqueles ainda sob investigação – oferecem indicativos seguros de que o magistrado federal não apenas, em tese, atuava como parte da organização criminosa, mas a liderava e a constituía, coordenando todos os demais membros, do qual a atuação associativa dependia.

Com efeito, na presente fase investigativa, a partir do relatado pelo Ministério Público Federal, é possível se depreender que a organização criminosa se desenvolvia, ao menos, em três linhas de ação: na primeira, aproximava-se de procuradores, solicitando-se vantagens ilícitas para que fosse dado tratamento preferencial a processos judiciais; segundo, nomeava peritos em feitos nos quais desnecessário o ato instrutório, superfaturando os valores dos honorários para que fossem, em seguida, restituídos à organização; e, terceiro, branqueava os capitais decorrentes dessas atividades, cujos valores transitavam por interpostas pessoas, a exemplo de Adulcimar Teixeira Gonçalves e Albina da Silva Teixeira, mãe e avó da cônjuge de Leonardo Safi de Melo; e Flávia Roland Ribeiro Barile, genitora de Divannir Ribeiro Barile.

Acontece que, por todo o amealhado, vê-se que a presente organização criminosa, se existente, detém uma particularidade: todas as suas linhas de ação dependiam, fundamentalmente, do fato de que o detentor da prerrogativa de foro aceitava, em tese, empregar os poderes jurisdicionais que detinha, na condição de magistrado federal, em favor da associação, a revelar, por decorrência lógica e até mesmo considerando o cargo que ocupa, a posição de liderança na estrutura formada, destinada, ao que tudo indica, para a prática delitiva.

Sob outras palavras, o que os elementos agregados revelam é que o Juiz Federal Leonardo Safi de Melo empenhava a jurisdição em direcionar os feitos judiciais de forma a favorecer os procuradores que supostamente pagavam para tanto; também, por sua vez, a atuação da organização criminosa apropriando-se dos valores pagos a título de honorários periciais dependia, essencialmente, de que o magistrado – que detinha a competência para tanto – concordasse em nomear, por exemplo, Tadeu Rodrigues Jordan ou, então, Moisés Palomo; por fim, só há que se falar na existência de núcleo destinado ao branqueamento de capitais se houvesse vantagem ilícita a ser operacionalizada, a qual decorria, essencialmente, da atuação jurisdicional do magistrado.

Esses elementos constam concretamente dos autos, notadamente nas declarações feitas por Divannir Ribeiro Barile, supra, à oportunidade em que explicado o esquema aos procuradores do feito judicial de n.º 5011258-66.2019.4.03.0000, o caso “Empreendimentos Litorâneos” (Id. 129963222), em que Leonardo Safi de Melo é identificado como quem tem “a batuta de mando” e que “traça a estratégia, ‘ó, vamos nesse aqui e deixa’”.

É esse imbricamento entre as condutas sob análise, sempre centralizadas sob o ponto focal da atuação do magistrado, que, para além de caracterizar mera conexão, gera contexto fático no qual se recomenda o processamento conjunto dos fatos trazidos pelo Ministério Público Federal, sob a competência do Órgão Especial.

A questão aqui não é meramente se os elementos utilizados, por exemplo, para provar a existência ou não de fato típico, antijurídico e culpável relativamente a Leonardo Safi de Melo – detentor da prerrogativa – poderiam ser utilizados para também aferir tal situação relativamente aos demais réus – que não dispõem da mesma condição jurídico-processual –, mas sim que eventual separação dos processos gera um significativo risco de decisões contraditórias quanto aos mesmos fatos.

Assim, se, como descreve o Ministério Público Federal na denúncia que ofereceu, Leonardo Safi de Melo ofereceu vantagem ilícita aos procuradores dos autos de n.º 5011258-66.2019.4.03.0000, fazendo-o por meio de Divannir Ribeiro Barile, então diretor de secretaria da 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo, e de Tadeu Rodrigues Jordan – bem como, em outros casos, servindo-se da atuação de Paulo Rangel do Nascimento –, eventuais semelhanças ou distinções entre as situações de tais investigados devem ser analisadas, ao que tudo indica, pelo mesmo juízo, sob pena de que eventuais conclusões contraditórias sejam apresentadas sob o mesmo contexto fático, em prejuízo à persecução penal.

Da mesma forma, se o que se sustenta – tanto nos casos objeto da denúncia, quanto naqueles ainda objeto de investigação – é que Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri operavam esquema de branqueamento de capitais decorrente de vantagens ilícitas percebidas pelo magistrado federal Leonardo Safi de Melo, eventual conclusão a respeito da corrupção passiva do magistrado federal – aferível apenas pelo colegiado do Órgão Especial do TRF3 – pode se constituir, a depender dos elementos probatórios que vieram aos autos, como prejudicial a respeito da lavagem de dinheiro, cabendo supor que eventual desmembramento pode ensejar situação jurídica contraditória, na qual, por exemplo, vislumbre-se a inexistência da corrupção passiva e a existência da lavagem de dinheiro.

De igual modo, quanto à atuação dos peritos judiciais – no caso, Tadeu Rodrigues Jordan e Moisés Palomo –, vê-se que os fatos a eles imputados, igualmente relacionados a Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri, acusadas de, em tese, realizar a lavagem de dinheiro quanto à imputação de peculato, também estão absolutamente interligados com aqueles vinculados ao magistrado federal.

De fato, se o que se argumenta é que Leonardo Safi de Melo realizava a nomeação de tais peritos, superfaturando seus honorários porquanto parte deles eram devolvidos à organização criminosa – fazendo-o via Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri –, não se vislumbra como seja possível realizar conclusões jurídicas a respeito das imputações feitas a Tadeu Rodrigues Jordan e Moisés Palomo sem se ter em conta aquilo que se afirma relativamente a Leonardo Safi de Melo, novamente em prejuízo de se ter interpretação coerente a respeito dos fatos.

No exato mesmo sentido, se o que se argumenta, relativamente a determinados procuradores judiciais e partes processuais – a exemplo de César Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Filho, denunciados pelo caso “Avanhandava” –, é a participação dos causídicos nos crimes de corrupção passiva ou ativa, que dependiam, essencialmente, da atuação do magistrado federal, único com aptidão jurisdicional para proferir tais decisões, também aqui se tem quadro fático comum, a respeito do qual, caso venha a ser recebida a denúncia apresentada e instaurada ação penal, se deve fazer análise uniforme – seja, caso a caso, para absolver, ou condenar, de forma individualizada, cada um dos, em tese, participantes dos esquemas.

Não se trata, consoante convém mencionar, de dizer que o mesmo resultado condenatório ou absolutório eventualmente imposto a Leonardo Safi de Melo deve ser estendido aos demais investigados: a persecução penal é processo de aferição individualizada da culpa, que detém mecanismos próprios – a exemplo da análise da culpabilidade – para que cada conduta seja sopesada como tal, sendo perfeitamente cabível, por exemplo, que sobrevenha razão excludente aplicável, por hipótese, a apenas um dos investigados.

Importa não olvidar que os fatos estão a um tal nível relacionados, uns aos outros, que é preciso que eles sejam interpretados conjuntamente, pelo mesmo juízo, para que conclusões contraditórias – inclusive em eventual prejuízo a alguns dos investigados e/ou réus – não prevaleçam.

A razão dessa vinculação toda, repita-se, é o aspecto concretamente aferível e particular do contexto fático trazido pelo Ministério Público Federal, no sentido de que a atuação da suposta organização criminosa – relativa, como relatado, à possível existência de fatos tipificáveis como corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro – necessariamente se refere à conduta do detentor da prerrogativa de foro, o magistrado federal Leonardo Safi de Melo, porquanto único revestido do poder jurisdicional necessário para que todas as demais atividades se desenvolvessem.

Essa circunstância excepcional do processamento de organizações criminosas voltadas, em tese, à comercialização de decisões judiciais, aliada ao fato de que, em tais casos, tem-se uma sobreposição de condutas, referidas à atuação de autoridades judiciárias supostamente envolvidas em situações de tal espécie, foi recentemente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em caso semelhante ao presente, na oportunidade em que recebida a denúncia da Ação Penal n.º 940/DF, pertinente, nos termos do voto do Ministro Relator, à “existência de uma suposta organização criminosa formada por desembargadores, magistrados, servidores, advogados e particulares, com atuação no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, voltada à negociação sistemática de decisões judiciais e administrativas, à grilagem de terras e à obtenção e lavagem de vultosas quantias pagas por produtores rurais, ameaçados de perderem a posse de suas terras, sobretudo na região conhecida como Coaceral, no oeste baiano”.

Conforme referenciado na reprodução da ementa do julgado, constante do início desta decisão, em análise quanto ao pedido de desmembramento, entendeu a Corte Especial do STJ por indeferi-lo, no pressuposto de que, acerca da denúncia relativa à “formação de uma organização criminosa que praticava a negociação sistemática de decisões judiciais e administrativas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, com a participação de Desembargadores e Juízes”, “é de todo oportuno que as investigações e as ações penais delas derivadas permaneçam sob a competência desta Corte em relação a todos os envolvidos”.

Confira-se, a propósito:

 

O pedido de desmembramento deve ser, ao menos por ora e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, rejeitado.

É bem verdade que a tendência jurisprudencial, à luz do princípio republicano, é de restrição do foro por prerrogativa de função, cabendo, no entanto, ao Tribunal que detém a competência do foro mais graduado averiguar da necessidade de manutenção do simultaneus processus. Nesse sentido:

AÇÃO PENAL. QUESTÃO DE ORDEM. COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FORO. DESMEMBRAMENTO DE INVESTIGAÇÕES E AÇÕES PENAIS. PRERROGATIVA PRÓPRIA DA SUPREMA CORTE. 1. O Plenário desta Suprema Corte mais de uma vez já decidiu que 'é de ser tido por afrontoso à competência do STF o ato da autoridade reclamada que desmembrou o inquérito, deslocando o julgamento do parlamentar e prosseguindo quanto aos demais' (Rcl 1121, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2000, DJ 16-06-2000 PP-00032 EMENT VOL-01995-01 PP-00033). Nessa linha de entendimento, decidiu o Plenário também que, 'até que esta Suprema Corte procedesse à análise devida, não cabia ao Juízo de primeiro grau, ao deparar-se, nas investigações então conjuntamente realizadas, com suspeitos detentores de prerrogativa de foro - em razão das funções em que se encontravam investidos -, determinar a cisão das investigações e a remessa a esta Suprema Corte da apuração relativa a esses últimos, com o que acabou por usurpar competência que não detinha' (Rcl 7913 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2011, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00066). 2. Por outro lado, a atual jurisprudência do STF é no sentido de que as normas constitucionais sobre prerrogativa de foro devem ser interpretadas restritivamente, o que determina o desmembramento do processo criminal sempre que possível, mantendo-se sob a jurisdição especial, em regra e segundo as circunstâncias de cada caso, apenas o que envolva autoridades indicadas na Constituição (Inq 3515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2014). 3. No caso, acolhe-se a promoção do Procurador-Geral da República, para determinar o desmembramento dos procedimentos em que constam indícios de envolvimento de parlamentar federal, com a remessa dos demais à primeira instância, aí incluídas as ações penais em andamento. (AP 871 QO, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)

Esta Corte Especial adota tal entendimento e, em caso cujo objeto era também a negociação de decisões por um Desembargador, já decidiu pela manutenção de sua competência para processar e julgar todos os denunciados.

Leia-se o seguinte acórdão transcrito no trecho relevante:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. VENDA DE LIMINARES EM PLANTÕES JUDICIAIS E DE DECISÃO LIBERATÓRIA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONEXÃO INTERSUBJETIVA E INSTRUMENTAL/PROBATÓRIA. JUSTA CAUSA. PRESENÇA DE ELEMENTOS SATISFATÓRIOS AO DESENCADEAMENTO DA AÇÃO CRIMINAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA QUE ATENDE ÀS PRESCRIÇÕES DO ARTIGO 41 DO CPP. OFERECIMENTO E SOLICITAÇÃO DE VANTAGENS DEMONSTRADAS POR MENSAGENS DE TEXTO TROCADAS ENTRE OS DENUNCIADOS E ALEGADAMENTE CONFIRMADAS PELA EFETIVA CONCRETIZAÇÃO DAS DECISÕES PROMETIDAS. (...) PENAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. VENDA DE LIMINARES EM PLANTÕES JUDICIAIS E DE DECISÃO LIBERATÓRIA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONEXÃO INTERSUBJETIVA E INSTRUMENTAL/PROBATÓRIA. JUSTA CAUSA. PRESENÇA DE ELEMENTOS SATISFATÓRIOS AO DESENCADEAMENTO DA AÇÃO CRIMINAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA QUE ATENDE ÀS PRESCRIÇÕES DO ARTIGO 41 DO CPP. OFERECIMENTO E SOLICITAÇÃO DE VANTAGENS DEMONSTRADAS POR MENSAGENS DE TEXTO TROCADAS ENTRE OS DENUNCIADOS E ALEGADAMENTE CONFIRMADAS PELA EFETIVA CONCRETIZAÇÃO DAS DECISÕES PROMETIDAS. (...) PRELIMINARES INCOMPETÊNCIA DO STJ 2. Nesta Ação Penal imputa-se a dois denunciados o crime de corrupção passiva e, aos demais, corrupção ativa. Não se pode reconhecer a corrupção passiva praticada por uns sem que se reconheça a ação dos demais, de corromperem ativamente. Cuida-se de inafastável conexão objetiva-subjetiva e instrumental/probatória. Da conexão intersubjetiva, em suas várias modalidades, cuida o inciso I do art. 76 do CPP, verbis: "Se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras. Ocorrendo duas ou mais infrações, se houverem sido praticadas por duas ou mais pessoas em concurso, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, ou em tempo e lugares diversos, haverá conexão intersubjetiva por concurso". 3. O concerto prévio entre os agentes e a pluralidade de infrações por eles cometidas criam liame que exige a unidade de processo e julgamento. Assim, todos os fatos devem ser apreciados num simultaneus processus, pouco importando que alguns dos denunciados não detenham prerrogativa de foro. Portanto, as duas modalidades de conexão constatadas impõem o processamento conjunto, ao menos neste momento, razão pela qual se afasta a preliminar. (...) (APn 885/DF, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 5/12/2018, DJe 10/12/2018)
No presente caso, além da evidente conexão, tem-se o agravante de que a denúncia envolve a formação de uma organização criminosa que praticava a negociação sistemática de decisões judiciais e administrativas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, com a participação de Desembargadores e Juízes.

Nesse sentido, é de todo oportuno que as investigações e as ações penais delas derivadas permaneçam sob a competência desta Corte em relação a todos os envolvidos, não devendo, ao menos por ora, haver desmembramento e declínio de competência em favor, justamente, do Juízo de primeira ou segunda instâncias do próprio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Ainda em relação à insurgência do denunciado, deve-se aplicar ao caso o seguinte enunciado da Súmula de jurisprudência do STF:

Súmula 704-STF: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

A Suprema Corte também vem afastando a alegação de afronta ao duplo grau de jurisdição, ao entender que não se cuida de regra absoluta e que a Constituição Federal pode prever legitimamente exceções. Leia-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE CONCUSSÃO. ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. NULIDADES PROCESSUAIS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA E ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO. CONDENAÇÃO EXARADA POR FORO ESPECIAL EM DECORRÊNCIA DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA DA GARANTIA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (…) 2. A execução provisória é juridicamente possível quando a condenação, em virtude de competência especial por prerrogativa de foro, decorrer de decisão única exarada pelo órgão colegiado competente, uma vez que o duplo grau de jurisdição, inobstante sua previsão como princípio na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto n.º 678/92, art. 8°, § 2°, "h"), não se aplica aos casos de jurisdição superior originária. (…) 5. Agravo regimental desprovido. (HC-AgR - AG.REG. NO HABEAS CORPUS , LUIZ FUX, STF.) EMENTA Ação penal. (...) Desmembramento da ação penal em relação a corréus sem prerrogativa de foro. Descabimento. Alegação de ofensa aos princípios do duplo grau de jurisdição, do juiz natural e da indivisibilidade da ação penal. (...) Preliminares rejeitadas. (…) 1. Desmembramento da ação penal em relação aos corréus que não detêm foro por prerrogativa de função. Descabimento. Inexistência de ofensa ao duplo grau de jurisdição e ao juiz natural. Precedentes. Hipótese de continência por cumulação subjetiva (art. 77, I, Código de Processo Penal), em que duas ou mais pessoas são denunciadas pela mesma infração. Condutas que se imbricam indissoluvelmente e devem ser analisadas em conjunto. Providência, ademais, não ordenada no primeiro momento em que o processo aqui aportou. Instrução do feito realizada perante o Supremo Tribunal Federal. Feito pronto para julgamento, cuja cisão, na presente fase processual, prejudicaria a compreensão global dos fatos e poderia levar ao pronunciamento de decisões contraditórias, o que deve ser evitado. (...) (AP 560, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 10-09-2015 PUBLIC 11-09-2015)

No mesmo sentido é o entendimento desta Corte Especial, conforme se vê no julgado abaixo transcrito na parte que interessa:

8. Havendo indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, os autos devem ser encaminhados imediatamente ao foro prevalente, definido segundo o art. 78, III, do CPP, o qual é o único competente para resolver sobre a existência de conexão ou continência e acerca da conveniência do desmembramento do processo. (APn 856/DF, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/10/2017, DJe 6/2/2018)

Portanto, rejeito a preliminar e indefiro o pedido de desmembramento do feito formulado pelo denunciado Márcio Duarte.

Veja-se que não se trata de precedente isolado, mas que reflete linha jurisprudencial adotada pelo Superior Tribunal de Justiça pertinente a situações envolvendo o comércio de decisões judiciais, como também se fez constar em julgado relativo à Ação Penal n.º 885/DF, na qual analisada denúncia “proposta pelo Ministério Público Federal contra os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Ceará SÉRGIA MARIA MENDONÇA MIRANDA, FRANCISCO PEDROSA TEIXEIRA e VALDSEN DA SILVA ALVES PEREIRA, a quem foram imputados atos de corrupção passiva (artigo 317, caput, do Código Penal), decorrentes do alegado recebimento de vantagem pecuniária em troca de decisões judiciais favoráveis a supostos corruptores”, e na qual decidiu-se que o desmembramento não era “viável em relação àqueles que foram reunidos no grupo atinente à Desembargadora da ativa SÉRGIA MARIA MENDONÇA MIRANDA porque, aí sim, as supostas ações de corrompidos e corruptores não podem ser examinadas de forma dissociada, sob pena de eventual julgamento contraditório de condutas inter-relacionadas, tal como a Eg. Corte Especial decidiu na APn 841/DF, conexa a esta” (QO na APn 885/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 15/08/2018).

Ante todo o exposto, e sem prejuízo de eventual análise em sentido contrário que o colegiado porventura venha a fazer oportunamente, defiro o requerimento formulado pela Procuradoria Regional da República da 3.ª Região, no sentido de que o processamento e julgamento da denúncia apresentada em desfavor de Leonardo Safi de Melo, Divannir Ribeiro Barile, Tadeu Rodrigues Jordan, Deise Mendroni de Menezes, Clarice Mendroni Cavalieri, Paulo Rangel do Nascimento, Cesar Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Filho, no bojo do PJe de reg. n.º 5021828-44.2018.4.03.0000; bem como a continuidade das investigações que tramitam sob o inquérito de reg. n.º 502235-95.2020.4.03.0000, permaneçam integralmente sob a competência do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região.

Remeta-se cópia da presente decisão para ambos os feitos acima mencionados.

Dê-se ciência ao Ministério Público Federal.

Intimem-se as defesas dos investigados.

 

A competência do Órgão Especial do Tribunal, para a análise da denúncia apresentada conjuntamente em relação a todos os acusados, restou firmada por conta da apreciação, na sessão de 9/9/2020, dos agravos regimentais acima referenciados, assim resumido o acordão, em decisão tomada por unanimidade de votos à ocasião:

 

 

PENAL. PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. DECISÃO QUE DETERMINOU O PROCESSAMENTO CONJUNTO DE INQUÉRITO E DE DENÚNCIA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL. AGRAVOS REGIMENTAIS. CABIMENTO. DESMEMBRAMENTO. REGRA. EXCEPCIONALIDADE DECORRENTE DO IMBRICAMENTO ENTRE OS FATOS SOB ANÁLISE. RECURSOS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO.

1. O agravo regimental é o recurso cabível para se impugnar decisão monocrática de relator em processo de competência originária, em casuística em que analisada a adequação ou não de eventual desmembramento. Juízo positivo de admissibilidade que se extrai de pacificação jurisprudencial nesta Corte. Precedentes.

2. Decisão recorrida que se alinha à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, adotando-se, como regra, o desmembramento de procedimento criminal que tramita em Corte de Justiça em razão de prerrogativa de foro, admitindo-se, excepcionalmente, o processamento conjunto.

3. Excepcionalidades do caso concreto, notadamente relacionadas ao momento ainda inicial das investigações, bem como à circunstância de se tratar, na espécie, de organização criminosa supostamente responsável pela comercialização de decisões jurisdicionais, estreitamente dependente do detentor da prerrogativa de foro, circunstância a exigir interpretação única dos fatos, com o objetivo de se conferir resposta jurisdicional coerente. Precedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em caso semelhante.

4. Argumentos mobilizados nos regimentais que não infirmam as conclusões constantes da decisão impugnada, porquanto não fundamentada em esteios de ordem prática ou discricionária, mas, antes, na necessidade lógica de se conferir prévia interpretação concernente aos conjuntos indiciário e probatório, para que seja possível aferir eventual responsabilização penal individual dos investigados / denunciados.

5. Agravos regimentais aos quais se nega provimento.

 

De igual modo, na sessão de 30/9/2020, por conta da rejeição das correspondentes exceções de incompetência arguidas pelas defesas de Paulo Rangel do Nascimento e Clarice Mendroni Cavalieri – respectivamente, feitos registrados sob n.º 5024827-67.2020.4.03.0000 e 5024597-25.2020.4.03.0000 –, o tema voltou a ser analisado, uma vez mais decidindo-se neste colegiado, de maneira unânime, pela competência originária do Órgão Especial do TRF3 para o processamento e julgamento dos processos relativos à Operação Westminster, recebendo ambos os julgados ementa de idêntica redação (Ids. 143482980 e 143483532):

 

PENAL. PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. PROCESSAMENTO CONJUNTO DE INQUÉRITO E DE DENÚNCIA EM TRIBUNAL. DESMEMBRAMENTO. REGRA. EXCEPCIONALIDADE DECORRENTE DO IMBRICAMENTO ENTRE OS FATOS SOB ANÁLISE. EXCEÇÃO REJEITADA.

1. Decisão que se alinha à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, adotando-se, como regra, o desmembramento de procedimento criminal que tramita em Corte de Justiça em razão de prerrogativa de foro, admitindo-se, excepcionalmente, o processamento conjunto.

2. Excepcionalidades do caso concreto relacionadas ao momento ainda inicial das investigações, bem como à circunstância de se tratar de organização criminosa responsável, em tese, pela comercialização de decisões jurisdicionais, estreitamente dependente do detentor da prerrogativa de foro, circunstância a exigir interpretação única dos fatos, com o objetivo de se conferir resposta jurisdicional coerente. Precedente.

3. Argumentos da exceção de incompetência que não infirmam as conclusões constantes da decisão impugnada, porquanto não fundamentada em esteios de ordem prática ou discricionária, mas, antes, na necessidade lógica de se conferir prévia interpretação concernente aos conjuntos indiciário e probatório, para que seja possível aferir eventual responsabilização penal individual dos investigados / denunciados.

4. Rejeição do pedido formulado na exceção de incompetência.

 

Também nessa mesma sessão de 30/9/2020, desta feita quando do julgamento de recebimento da denúncia em desfavor, entre outros acusados nos autos da Ação Penal de reg. n.º 5021828-44.2020.4.03.0000, do corréu ora excipiente, referida questão competencial veio a ser enfrentada, novamente sobressaindo a esse respeito pronunciamento por unanimidade de votos deste Órgão Especial, que veio a proferir decisão de conteúdo assim registrado na correspondente certidão, valendo os destaques sublinhados (Id. 143773354):

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que a Egrégia Órgão Especial, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada em 30/09/2020, proferiu a seguinte decisão:

"Sustentações orais:

Procuradora Regional da República Isabel Cristina Groba Vieira, pelo MPF;

Leonardo Massud, OAB/SP 141981A, pelo investigado Juiz Federal Leonardo Safi de Melo; William Iliadis Janssen, OAB/SP 407.043, pelo investigado Divannir Ribeiro Barile; Rogério Luis Adolfo Cury, OAB/SP 186.605, pela investigada Clarice Mendroni Cavalieri; Rodrigo Carneiro Maia Bandieri, OAB/SP 253.517, pela investigada Deise Mendroni de Menezes; Roberto Podval, OAB/SP nº 101.458, pelo investigado Paulo Rangel do Nascimento; Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga, OAB/SP nº 125.822, pelo investigado José João Abdalla Filho e Leonardo Leal Peret Antunes, OAB/SP nº 257433, pelo investigado Cesar Maurice Karabolad Ibrahim.

Dispensada a leitura do relatório após expressa concordância da representante do Ministério Público Federal e dos advogados presentes na sessão.

O Órgão Especial, por unanimidade, rejeitou as preliminares de: incompetência deste Órgão Especial para o julgamento do feito (Tadeu Rodrigues Jordan, Deise Mendroni de Menezes e Paulo Rangel do Nascimento); cerceamento de defesa (Cesar Maurice Karabolad Ibrahim); atribuição de prazo único para as defesas (Divannir Ribeiro Barile e Paulo Rangel do Nascimento); aplicação do procedimento do art. 514 do Código de Processo Penal (Divannir Ribeiro Barile e Clarice Mendroni Cavalieri); nulidade da interceptação telefônica (Deise Mendroni de Menezes); ilegalidade da ação controlada e existência de flagrante preparado (Divannir Ribeiro Barile, Leonardo Safi de Melo, Deise Mendroni de Menezes); inépcia da denúncia em razão da ausência de acervo probatório finalizado (Deise Mendroni de Menezes); necessidade de habilitação da OAB (Deise Mendroni de Menezes); impossibilidade de oferecimento de réplica pelo órgão acusatório após a resposta da defesa (Deise Mendroni de Menezes), nos termos do voto da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Votaram os Desembargadores Federais NERY JÚNIOR, ANDRÉ NEKATSCHALOW, HÉLIO NOGUEIRA, CONSUELO YOSHIDA, SOUZA RIBEIRO, WILSON ZAUHY, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, PAULO DOMINGUES, JOHONSOM DI SALVO (convocado para compor quórum), COTRIM GUIMARÃES (convocado para compor quórum), DIVA MALERBI, BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA.

Quanto ao mérito, por maioria, recebeu parcialmente a denúncia para que se proceda à instauração de ação penal em face de: Leonardo Safi de Melo, pela suposta prática de corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução às investigações, nos exatos termos da capitulação constante da denúncia, crimes (i) do art. 317, caput e § 1º, do Código Penal, por 04 (quatro) vezes em concurso material, (ii) do art. 312, caput, do Código Penal, (iii) do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98, por 02 (duas) vezes em concurso material, (iv) do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13, e (v) do art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/13; Divannir Ribeiro Barile, pela suposta prática de corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos exatos termos da capitulação constante da denúncia, crimes (i) do art. 317, caput e §1º, c/c o artigo 327, § 2º, ambos do Código Penal, por 04 (quatro) vezes em concurso material, (ii) do art. 312, caput, c/c o artigo 327, § 2º, ambos do Código Penal, (iii) do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98, por 02 (duas) vezes em concurso material, e (iv) do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13; Tadeu Rodrigues Jordan, pela suposta prática de corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos exatos termos da capitulação constante da denúncia, crimes (i) do art. 317, caput e § 1º, do Código Penal, (ii) do art. 312, caput, do Código Penal, (iii) do art. 1º, caput e§ 4º, da Lei nº 9.613/98, e (iv) do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13; Deise Mendroni de Menezes, pela suposta prática de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos exatos termos da capitulação constante da denúncia, crimes (i) do art. 317, caput e§ 1º, do Código Penal, por 03 (três) vezes em concurso material, (ii) do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98, e (iii) do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº12.850/13; Clarice Mendroni Cavalieri, pela suposta prática de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, nos exatos termos da capitulação constante da denúncia, crimes (i) do art. 317, caput e§ 1º, do Código Penal, por 03 (três) vezes em concurso material, (ii) do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98, e (iii) do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº12.850/13; Paulo Rangel do Nascimento, pela suposta pela prática de organização criminosa, nos exatos termos da capitulação constante da denúncia, crime do art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13; César Maurice Karabolad Ibrahim, pela suposta prática de corrupção ativa, nos termos da capitulação constante da denúncia, crime do art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, por 03 (três) vezes em concurso material; e José João Abdalla Júnior, pela suposta prática de corrupção ativa, nos termos da capitulação constante da denúncia, crime do art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, por 02 (duas) vezes em concurso material, nos termos do voto da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora), no que foi acompanhada pelos Desembargadores Federais ANDRÉ NEKATSCHALOW, HÉLIO NOGUEIRA, CONSUELO YOSHIDA, SOUZA RIBEIRO, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, PAULO DOMINGUES, JOHONSOM DI SALVO (convocado para compor quórum), COTRIM GUIMARÃES (convocado para compor quórum), DIVA MALERBI, BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA.

Vencidos os Desembargadores Federais NERY JUNIOR que não recebia a denúncia relativamente à suposta prática de lavagem de dinheiro, e quanto aos réus César Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Júnior, pela suposta prática de corrupção ativa; e WILSON ZAUHY que rejeitava a denúncia: (i) no que se refere ao delito de lavagem de capitais pela atipicidade da conduta imputada aos acusados Leonardo Safi de Melo, Divannir Ribeiro Barile, Tadeu Rodrigues Jordan, Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri; (ii) quanto à imputação a Leonardo Safi de Melo de obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa, previsto no artigo 2°, § 1° da Lei n° 12.850/2013; (iii) em relação à imputação aos acusados César Maurice Karabolad Ibrahim e José João Abdalla Filho a prática do delito de corrupção ativa, nos termos do artigo 333, caput, do Código Penal; e (iv) quanto à acusação aos acusados Leonardo Safi de Melo, Divannir Ribeiro Barile e Tadeu Rodrigues Jordan do crime de peculato, previsto no artigo 312, caput, do Código Penal.

Por unanimidade, não recebeu a denúncia, com fundamento no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, em face de: César Maurice Karabolad Ibrahim, pela suposta prática de lavagem de dinheiro, nos termos da capitulação constante da inicial acusatória, crime do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98; e José João Abdalla Júnior, pela suposta prática de lavagem de dinheiro, nos termos da capitulação constante da inicial acusatória, crime do art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98).

Por unanimidade, prorrogou o afastamento de Leonardo Safi de Melo, juiz federal, Divannir Ribeiro Barile, servidor público federal, à época dos fatos ocupante do cargo em comissão de diretor de secretaria (CJ3), e Tadeu Rodrigues Jordan, perito, de suas respectivas funções, e referendou a decisão de Id. 143021694, em que prorrogada, ad cautelam, a providência, até análise deste Colegiado, a respeito do magistrado federal, nos termos do voto da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Votaram os Desembargadores Federais NERY JÚNIOR, ANDRÉ NEKATSCHALOW, HÉLIO NOGUEIRA, CONSUELO YOSHIDA, SOUZA RIBEIRO, WILSON ZAUHY, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, PAULO DOMINGUES, JOHONSOM DI SALVO (convocado para compor quórum), COTRIM GUIMARÃES (convocado para compor quórum), DIVA MALERBI, BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA.

E, por maioria, fixou o período de afastamento em 1 (um) ano, a contar da data da presente sessão, nos termos do voto da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora).

Vencido o Desembargador Federal ANDRÉ NABARRETE que o prorrogava sem fixar termo.

Por unanimidade, levantou, com fundamento nos arts. 5.º, inciso LX, e 93, inciso X, da Constituição da República, o sigilo da tramitação destes autos, adotando-se a sistemática de publicação por Diário Eletrônico para intimação das partes, salvo disposição legislativa ou jurisdicional em sentido contrário, nos termos do voto da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Votaram os Desembargadores Federais NERY JÚNIOR, ANDRÉ NEKATSCHALOW, HÉLIO NOGUEIRA, CONSUELO YOSHIDA, SOUZA RIBEIRO, WILSON ZAUHY, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, PAULO DOMINGUES, JOHONSOM DI SALVO (convocado para compor quórum), COTRIM GUIMARÃES (convocado para compor quórum), DIVA MALERBI, BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA. Fará a declaração de voto o Desembargador Federal WILSON ZAUHY.

Ausente, em virtude de suspeição, o Desembargador Federal FÁBIO PRIETO.

Ausente, justificadamente, o Desembargador Federal PEIXOTO JÚNIOR. ".

 

O acórdão em questão recebeu a ementa de teor abaixo copiado, novamente grifando-se o ponto de interesse (Id. 143482976):

 

PENAL. PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. OPERAÇÃO WESTMINSTER. ESQUEMA DE NEGOCIAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CORRUPÇÃO PASSIVA. PECULATO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. OBSTRUÇÃO ÀS INVESTIGAÇÕES. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. LAVAGEM DE DINHEIRO. REJEIÇÃO PARCIAL DA INICIAL ACUSATÓRIA. JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. MEMBRO DO PODER JUDICIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. PERITO. AFASTAMENTO CAUTELAR DAS FUNÇÕES DO CARGO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. MEDIDAS CAUTELARES REFERENDADAS PELO PRAZO DE 1 (UM) ANO.

- Competência originária do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região para apreciação da denúncia, apresentada pelo Ministério Público Federal como resultado parcial das investigações que deram origem à Operação Westminster, bem como para o processamento e julgamento do feito incriminatório, pelo fato de a inicial acusatória abarcar magistrado federal vinculado a esta Corte (arts. 108, inciso I, alínea a, da Constituição da República, 33, parágrafo único, da Lei Complementar n.º 35/1979, e 11, parágrafo único, alínea a, do Regimento Interno do TRF3).

- Precedentes do Supremo Tribunal Federal indicam que eventual configuração de nulidade no processo penal, seja ela relativa ou absoluta, exige a demonstração de prejuízo concreto pela defesa, o que não se tem na hipótese, não se configurando o alegado cerceamento de defesa.

- Ausência de nulidade decorrente de atribuição de prazo único para as defesas, bem como de não aplicação do procedimento do art. 514 do Código de Processo Penal e de ausência de acervo probatório finalizado.

- Subsistência, na época em que deferida a interceptação telefônica e em que conferida ciência à ação controlada realizada pela autoridade policial, de indícios suficientes da prática de organização criminosa, aptos a embasar a medida probatória, além da inexistência de preparação flagrancial, que levam ao afastamento das preliminares convergentes ao reconhecimento de eventual nulidade sustentada pelos denunciados.

- A exordial, como formulada, atende ao disposto no art. 41 do CPP, presentes as condições da ação e os pressupostos para o desenvolvimento válido e regular do processo.

- A denúncia descreve com suficiência as condutas que caracterizam, em tese, os delitos nela capitulados e está lastreada em documentos e outros elementos de convicção, dos quais exsurgem a prova da materialidade delitiva e os elementos indiciários relativos à autoria, não se aplicando quaisquer das hipóteses estampadas no art. 395 do mesmo diploma legal, de modo algum se permitindo falar, sobretudo, em ausência de justa causa, com exceção de parte da imputação de lavagem de ativos, formulada em relação a dois dos acusados.

- Existência de indícios de autoria e de materialidade, suficientes à justa causa penal, autorizando-se, dessa forma, o recebimento da denúncia, referentemente à acusação de prática de corrupção passiva pelo caso “Empreendimentos Litorâneos”

- Presença dos elementos necessários para tanto, o recebimento da denúncia é medida que se impõe também em relação à acusação de cometimento de peculato, relativamente ao mesmo caso “Empreendimentos Litorâneos”, permitindo-se a abertura da mais ampla instrução probatória possível, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, em que serão oportunizados às partes os meios de prova pertinentes à demonstração de suas alegações.

- Lastreada a pretensão acusatória em documentos e outros elementos de convicção, dos quais exsurgem a prova da materialidade delitiva e os elementos indiciários relativos à autoria, bastantes para dar início à persecutio criminis in judicio, descrevendo com suficiência as condutas que caracterizam, em tese, os crimes de corrupção passiva no denominado “caso Avanhandava”, em concurso material, impõe-se de rigor o recebimento da denúncia a esse respeito.

- Prevalência de indicativos de autoria e de materialidade suficientes a denotar a existência de justa causa penal para instauração da ação penal também quanto aos crimes de corrupção ativa, igualmente em concurso material (caso “Avanhandava”).

- Ocorrência de justa causa, em relação a parte dos denunciados, para o recebimento da inicial acusatória pela prática do delito previsto no art. 1.º, caput e § 4.º, da Lei n.º 9.613/1998 (caso “Avanhandava”), ausente viabilidade na imputação relacionada ao crime de lavagem de ativos a dois dos acusados, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

- Existência de elementos suficientes para início de processo-crime no que tange à imputação pela prática do delito de organização criminosa, tipificado no art. 2.º, caput e § 4.º, inciso II, da Lei n.º 12.850/13.

- Presença da materialidade delitiva e dos indícios de autoria do tipo penal previsto no art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 12.850/13, é caso de recebimento da denúncia também no que diz respeito à imputação de prática do crime de obstrução de investigação de organização criminosa

- Prorrogação, com fundamento nos arts. 319, incisos II, III e VI, do Código de Processo Penal; 2.º, § 5.º, da Lei n.º 12.850/2013; e 29 da Lei Complementar n.º 35/79, do afastamento dos agentes públicos envolvidos de suas respectivas funções, fazendo-o pelo período de 1 (um) ano a contar da data da presente sessão.

- Levantamento, com fundamento nos arts. 5.º, inciso LX, e 93, inciso X, da Constituição da República, do sigilo da tramitação destes autos, adotando-se a sistemática de publicação por Diário Eletrônico para intimação das partes, salvo disposição legislativa ou jurisdicional em sentido contrário.

- Rejeição das preliminares arguidas pelas defesas dos acusados e recebimento parcial da denúncia formulada pela Procuradoria Regional da República da 3.ª Região.

 

No voto que proferi à ocasião, por todos acompanhada neste colegiado, diante da circunstância de que “em suas respostas, os denunciados Tadeu Rodrigues Jordan e Deise Mendroni de Menezes sustentam, em síntese, a incompetência deste colegiado para a análise da denúncia, no pressuposto de somente Leonardo Safi de Melo ser detentor de prerrogativa de foro”, restou remarcado que “a competência do Órgão Especial do Tribunal, para a análise da denúncia apresentada conjuntamente em relação a todos os acusados, foi firmada por conta do julgamento realizado na sessão passada, em 9/9/2020, de agravos regimentais interpostos pelas defesas de Clarice Mendroni Cavalieri e de Paulo Rangel do Nascimento – que, a esta circunstância se referindo em suas respostas, reavivaram a questão no âmbito das exceções de incompetência registradas sob n.ºs 5024597-25.2020.4.03.0000 e 5024827-67.2020.4.03.0000, respectivamente, com temas e argumentos idênticos, nesta oportunidade também apresentadas ao colegiado – nos autos do Inquérito de reg. n.º 5006468-69.2020.4.03.0000”, seguindo-se com a reprodução da ementa do aludido acórdão, a que se fez menção acima; e do trecho do voto à ocasião proferido enquanto Relatora dos referidos agravos regimentais, nestes termos:

 

Em particular, Paulo Rangel do Nascimento requer o provimento do agravo, fazendo-o, resumidamente, sob os fundamentos de que em “se tratando de um processo de natureza penal, há apenas duas hipóteses legalmente previstas para a prorrogação da competência de um órgão judiciário: (i) a conexão (disciplinada pelo artigo 76 do Código de Processo Penal) e a (ii) continência (disciplinada pelo artigo 77 do mesmo diploma legal)” e “em relação ao caso dos autos, nenhum desses critérios se aplica para fins de prorrogação da competência objetiva em razão da qualidade da parte”; que “o desmembramento do presente feito, em relação ao agravante (diante de sua situação excepcionalíssima), não traria qualquer prejuízo processual à instrução”, porque “não há qualquer risco de prescrição, bem como à produção probatória, tendo em vista que a denúncia se ancora exclusivamente em indícios colhidos durante a fase inquisitiva e já trazidos aos autos, acrescido ao fato de que a instrução sequer teve início, do que não se pode cogitar de qualquer prejuízo pela remessa dos autos ao juiz competente, em relação a provas já eventualmente produzidas”; que “o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do AgRg no Inq 3515/SP, determinou como regra o desmembramento dos processos que envolvessem coacusados sem prerrogativa de foro, mesmo se evidenciada hipótese de conexão ou continência, comportando “exceções nos casos em que a relevância e a relação dos fatos indiquem a necessidade de julgamento único, sob pena de prejuízo à prestação jurisdicional””, mas “no caso dos presentes autos, não há a união indissociável de condutas a que alude o STF, tendo a Exma. Desembargadora Relatora”, sendo que “em se tratando de três frentes de atuação, dentro de uma mesma organização criminosa, em que supostamente cada agente possuía função definida, não é possível se cogitar de imbricamento entre suas condutas ou união indissociável”; que a “denúncia o coloca como participante de uma organização criminosa, não em razão de eventuais tratativas diretas com o juiz federal, mas sim em decorrência de um relacionamento tido como suspeito com o Diretor do Cartório”; que “no processo penal, como é cediço, a conexão revela-se entre infrações penais e não entre processos” e no “caso em comento, evidente que a resposta será negativa, já que conforme explicitado anteriormente, a acusação recai sobre diversos crimes autônomos e sem qualquer relação direta entre si” e “o juiz federal possuía função ímpar e de liderança nos fatos apurados, a aferição de sua responsabilidade independe da aferição de responsabilidade dos demais (especialmente com o agravante, em relação ao qual não se apurou qualquer relação especial de parceria), eis que suas supostas condutas não se sobrepõem”; que “responsabilidade penal é pessoal e deve ser aferida subjetivamente, em relação a cada um dos acusados, na medida de sua culpabilidade, não havendo que se falar em qualquer prejuízo em razão de “decisões contraditórias quanto aos mesmos fatos”, eis que, ainda que se tratem de fatos únicos, a medida da culpabilidade de cada um dos réus deve ser graduada isoladamente, não havendo que se falar em equivalência entre elas”.

Como se lê do recurso interposto, a irresignação se sustenta, em síntese, em um compartilhamento inicial das premissas da decisão impugnada – no sentido de que a prorrogação de competência é possível, mas excepcional –, mas que seria inviável no caso concreto porque ausente conexão ou continência.

Ocorre que, como expressamente fundamentado na decisão, a análise da excepcional prorrogação da competência no âmbito de órgão colegiado, em razão de prerrogativa de foro de um dos denunciados, que também é investigado nos autos de n.º 502235-95.2020.4.03.0000, advém da subsistência de contexto fático no qual presente imbricamento de condutas que vai além da mera conexão probatória.

O que se viu demonstrado na decisão não foi apenas a existência de situação de conexão probatória, mas sim verdadeiro nível de proximidade – isto é, de imbricamento – entre os fatos trazidos a juízo pelo Ministério Público Federal – e, por consequência, das condutas imputadas aos acusados – que recomenda a análise por um mesmo juízo, uma vez que essa é a única forma de se ter fornecida resposta jurisdicional coerente.

Isso ocorre, como fundamentado, porque o que se imputa na denúncia, a partir dos elementos colhidos na investigação, consiste em atuação dos integrantes da suposta organização criminosa, verificada de forma indissociavelmente centralizada em Leonardo Safi de Melo, magistrado federal, porque apenas ele detinha o poder necessário para, em tese, subscrever decisões jurisdicionais favoráveis às partes que cediam à abordagem dos demais denunciados, dentre eles Paulo Rangel do Nascimento.

Não há falar, nesse sentido, em núcleos independentes ou mesmo atuação que possa ser delineada como em separado, justamente porque não subsistia paralelismo entre as frentes de atuação da organização criminosa, mas antes um agir que orbitava em seu ponto focal, o magistrado federal, simplesmente porque, sem ele, não subsistia qualquer razão para realizar o achaque de procuradores judiciais; ou, então, operar o branqueamento de capitais daí decorrentes.

Essa particularidade da estruturação supostamente criminosa que consta destes autos, insista-se, mais do que suficiente para se cogitar de eventual conexão probatória, é aspecto que expõe a existência de vínculo íntimo entre as conclusões jurisdicionais que eventualmente serão tidas relativamente à atuação do detentor da prerrogativa de foro, e aquelas a respeito dos demais denunciados.

Assim, repise-se, a título exemplificativo – e tal como feito na decisão impugnada – que se eventual decisão absolutória relativamente a Leonardo Safi de Melo não implicará, necessariamente, na mesma conclusão quanto a Paulo Rangel do Nascimento – dado o caráter individualizado do processo penal –, é impossível dizer que não seja necessário, no mínimo, um cotejo das razões que teriam levado a essa conclusão quanto ao juiz, com aquelas aptas a fundamentar o juízo a ser feito quanto às condutas imputadas ao advogado.

É dizer, se sem a atuação do detentor da prerrogativa de foro, em tese, não há sentido em se falar em crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de capitais, então, de todo necessário que esse juízo seja realizado de forma unificada, porque essas conclusões impactam, de maneira fundamental, na análise a ser realizada quanto àqueles que não têm a prerrogativa de foro.

Caso contrário, seria possível se cogitar situação na qual, por exemplo, um juízo conclua por absolver o magistrado federal, firmando que não existia organização criminosa destinada à venda de decisões judiciais e que, portanto, as decisões proferidas em casos como o “Avanhandava” – autos n.º 5018160-69-2018.4.03.6100 – foram resultado de entendimentos jurisdicionais; e, outro, conceber que Paulo Rangel do Nascimento integrava organização criminosa que não só existia mas que, por meio do magistrado federal titular da 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo, comercializou as decisões por ele proferidas nos mesmos autos de n.º 5018160-69-2018.4.03.6100.

É nesse sentido, insista-se, que a unificação das análises a serem feitas tanto em relação ao detentor da prerrogativa de foro, quanto daqueles que não a detêm é necessária nos específicos casos destes autos, tratando-se do único formato capaz de garantir, processualmente, visão coerente dos fatos.

Quanto ao argumento de que o desmembramento seria conveniente, porque não há risco de prescrição, nem à produção probatória, sobretudo porque ainda se está em momento inicial da persecução penal, cabe mencionar que o pedido de processamento conjunto foi trazido a estes autos pelo Ministério Público Federal em sua denúncia e na manifestação em que solicitada a instauração dos inquéritos judiciais, cabendo a este juízo decidi-lo à vista do que, atualmente, consta nesses correspondentes autos.

Não se olvida que se tenha, em momento seguinte, no qual eventualmente melhor esclarecidas circunstâncias fáticas pertinentes à atuação dos denunciados e dos investigados, modificação a respeito desse entendimento, sem prejuízo, portanto, de reavaliação por parte do Órgão Especial.

Por sua vez, com relação ao argumento de que haveria três frentes diferentes de atuação, o que justificaria o desmembramento dos autos, dada a divisão de funções inerente à suposta organização criminosa, cabe reiterar que, diferente do observado em outros apuratórios, o que particulariza o conteúdo da denúncia do Ministério Público Federal neste caso – e, por consequência, da investigação a ser realizada nos demais – é o fato de que, sejam quantas forem as frentes, todas estabeleciam vínculo indissociável de dependência da atuação do detentor da prerrogativa de foro, o magistrado federal Leonardo Safi de Melo, orbitando-a.

Nessa direção, a circunstância de que, segundo relatado, uma das frentes da organização criminosa, responsável pelo achaque de procuradores – e da qual, em tese, faria parte o ex-magistrado Paulo Rangel do Nascimento – ter atuação paralela às demais – a exemplo da liderada, em tese, por Deise Mendroni de Menezes e Clarice Mendroni Cavalieri, responsáveis, de maneira majoritária, pelo branqueamento de capitais – não ilide a conclusão de que ambas observavam um estreito vínculo fático com a atuação do referido magistrado, dela dependendo, insista-se, porque apenas o detentor da prerrogativa de foro tinha capacidade jurisdicional para beneficiar as partes dos processos.

A seu turno, sobre o argumento de que a denúncia não imputa a Paulo Rangel do Nascimento uma relação direta com o detentor da prerrogativa de foro, isto é, o magistrado federal, mas sim com o então diretor de secretaria da 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, Divannir Barile Ribeiro, o que viabilizaria o desmembramento, tal circunstância encontra-se em franca dissonância com o conteúdo colhido até o momento nestes autos.

Isso porque, como é evidente, a existência de um vínculo entre a atuação imputada ao magistrado federal, como líder da organização criminosa, e Paulo Rangel do Nascimento, responsável, em tese, pelo achaque de procuradores judiciais, não depende de que se tenha nos autos, neste momento, elementos que indicam que ambos se encontravam presencialmente com frequência.

Com efeito, para além do aspecto de se ter situação ainda preambular, em que sequer iniciada a instrução probatória – que pode trazer novos elementos a esse respeito –, o próprio Diretor de Secretaria Divannir Barile Ribeiro afirma, textualmente, em ação controlada, a seus interlocutores, que é a “longa manus” do Cardeal, isto é, do Juiz Federal Leonardo Safi de Melo.

Veja-se, a esse respeito, transcrição que constou na decisão impugnada:

 

DIVANNIR - Gente eu vou deixar bem claro uma coisa, pra gente poder avançar, tudo aqui eu to sendo ‘longa manus’ do CARDEAL lá, e ele é, combinou tá combinado.

PEDRO PAULO – Mas eu quero dizer o seguinte.

DIVANNIR – uma coisa que ele sempre me pontuou, é o seguinte, em outros negócios que a gente fez é, teria a possibilidade de uma parte, não importa o volume, em dinheiro?

PEDRO PAULO – Ah isso foi conversado com o cliente, eu acho que, não posso te responder.

JOSÉ HORÁCIO – mas quanto isso é, em termos representativos?

DIVANNIR – Eu acho que pra dar uma diluída nisso aí, é 10% a 20% em dinheiro, é uma coisa que quebraria bastante essa movimentação financeira.

PEDRO PAULO – 10 a 20% CASH?

DIVANNIR – Cash, pode ser dólar ou real, e se precisar uma outra possibilidade, eu tenho amizade com o SILVINHO, com o doleiro, ta, se precisar receber pelo doleiro também para receber.

 

Assim, se o que se imputa a Divannir Barile Ribeiro é, na condição de principal articulador da organização criminosa, atuar em nome do Juiz Federal Leonardo Safi de Melo, é evidente que o contato realizado entre ele e Paulo Rangel do Nascimento ocorria porque o diretor de secretaria o fazia, em tese, como intermediário entre o magistrado e o advogado.

Ao menos do que se extrai da denúncia, ter contato com Divannir Barile Ribeiro se traduzia em ter contato também com Leonardo Safi de Melo, dada a estreita proximidade com que atuavam, chegando-se, insista-se, à situação em que o primeiro se designou “longa manus” do segundo.

Ora, não faz sentido dizer que a atuação imputada a Paulo Rangel do Nascimento não orbitava a do magistrado federal simplesmente porque eles não se encontravam pessoalmente, mas eram intermediados por Divannir Barile Ribeiro.

É importante mencionar, nessa direção, que nenhum dos contatos entre advogado e diretor de secretaria, a evidenciar, como constante da denúncia, a ilegalidade na atuação do primeiro, fariam sentido se o servidor não atuasse como “longa manus” do magistrado. É nessa qualidade, por exemplo, que o Ministério Público Federal imputa a Divannir Barile Ribeiro – e também a Paulo Rangel do Nascimento – a atuação no sentido de intermediar a vantagem ilícita em tese solicitada a Fábio de Oliveira Luchesi Filho:

 

Sob o pretexto de buscar orientação técnica para atuação nessas ações de desapropriação, patenteou-se que os membros da organização articularam-se com vistas à aproximação com Fábio de Oliveira Luchesi Filho, advogado que patrocina ações de desapropriação milionárias perante a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo, buscando, dessa forma, estabelecer laços com o advogado, o que foi feito, inicialmente, pelo membro da organização Paulo Rangel do Nascimento, que propôs que Fábio de Oliveira Luchesi Filho assumisse o patrocínio das ações agrárias do espólio de Charlotte.

Assim é que foram várias as reuniões realizadas com Fábio de Oliveira Luchesi Filho, e intensa a movimentação da organização, no sentido de tratar, não apenas do Caso “Charlotte”, mas também das ações patrocinadas por Fábio Luchesi perante a 21a Vara Federal Cível de São Paulo, sendo que, de várias reuniões realizadas, também participou o Diretor de Secretária Divannir. O Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 42/202064 registrou a chegada de Divannir e Paulo Rangel no escritório de Fábio Luchesi:

 

Ainda, ao contrário do que afirma o recorrente – e sem prejuízo de melhor avaliação da questão na instrução probatória, por evidente –, a denúncia relata relação próxima também entre o magistrado federal e Paulo Rangel do Nascimento, mencionando, inclusive, depoimento de servidores da 21.ª Vara Federal Cível, de que haveria relação de amizade entre ambos:

 

Os servidores Antonio Filogonio Vieira Neto e Nancy Matsuno Magalhães afirmaram que Divannir Ribeiro Barile indicou os serviços advocatícios de Paulo Rangel do Nascimento para eles. Ainda, a servidora Juliana Garcia Muller afirmou que Paulo Rangel do Nascimento frequentava a 21ª Vara Federal Cível de São Paulo e aparentava ser advogado da família de Divannir, e que o advogado acessava a sala do Diretor de Secretaria, onde ocorriam muitas reuniões a portas fechadas. Acrescentou que Paulo Rangel possuía relação de amizade com Divannir e Leonardo Safi de Melo.

 

Também não tem razão o recorrente ao afirmar que “a acusação recai sobre diversos crimes autônomos e sem relação entre si”, sobretudo porque ela incide, sobre Paulo Rangel do Nascimento, na forma do art. 2.º, caput e § 4.º, inciso II, da Lei n.º 12.850/13.

Trata-se, portanto, de imputação de que o advogado seria parte de uma organização criminosa, liderada, insista-se, pelo detentor da prerrogativa de foro, de modo que existe um evidente liame entre as acusações aduzidas em face do magistrado federal e do advogado, mesmo porque, como se sabe, trata-se de um tipo de concurso necessário – o que, por si só, não implica em processamento conjunto, mas, no caso destes autos, dado o caráter indispensável do magistrado federal para a estruturação do suposto esquema, impõe-se por decorrência lógica.

Por fim, ao contrário do argumentado pelo agravante, nenhuma das conclusões expostas na decisão e reiteradas acima entra em conflito com caráter pessoal da responsabilidade penal.

Não se discute, a esse respeito, que ela deve ser aferida de foram individualizada para cada denunciado, “na medida de sua culpabilidade”, como afirma o agravante; mas sim que, previamente a essa análise, é preciso se realizar uma interpretação única do contexto que lhe é subjacente, sem prejuízo de que, em seguida, as particularidades da atuação de cada denunciado sejam distinguidas.

O caráter pessoal da responsabilização penal, longe de ser argumento favorável ao desmembramento, ratifica a opção pelo prosseguimento do caso todo sob a competência deste Órgão Especial, viabilizando que se realize essa individualização em juízo único, não sendo possível garantir interpretação coerente a respeito dos fatos na hipótese em que eles sejam analisados por órgãos jurisdicionais distintos, dado o imbricamento com o qual se apresentam neste caso concreto.

Assim, se possível a individualização em juízo único; e se, ademais, garante ele uma interpretação coerente e única sobre os fatos que são aqui trazidos pelo Ministério Público Federal, é ele que se apresenta, no excepcional caso destes autos, como o correto para o processamento tanto da eventual ação penal, quanto das investigações atualmente em andamento.

Insubsistentes, portanto, os argumentos trazidos por Paulo Rangel do Nascimento, é o caso de se negar provimento ao recurso.

Por sua vez, Clarice Mendroni Cavalieri requer, de igual forma, a alteração da decisão que firmou a competência do Órgão Especial, dado que, entre outros argumentos, em apertada síntese, ela teria interpretado incorretamente o precedente do Supremo Tribunal Federal no AgRg n.º 3.515/SP; que ela teria sido baseada em precedente do Superior Tribunal de Justiça e “falta-lhe o requisito essencial da análise do feito sob o manto constitucional do juiz natural”; que albergou “o uso da casuística, e não de conceitos constitucionais estritos, para ampliar o foro por prerrogativa”; que “o argumento utilizado pela nobre Relatora é o de se evitar decisões conflitantes, justamente o ponto afastado na ementa e no voto condutor do leading case Inq - AgRg n.º 3515/SP”; por fim, que “o aprofundamento da análise dos elementos de informação, inclusive com menções à individualização da conduta narrada na denúncia, determina justamente a ausência de imbricação e a individualização dos fatos segundo a lógica acusatória”.

De início, a respeito da interpretação do precedente fixado pelo Supremo Tribunal Federal no AgRg n.º 3.515/SP, sustenta-se que haveria ali equívoco, porque o art. 80, do Código de Processo Penal representaria “fundamento infraconstitucional”, e que seria incabível, por meio dele, violar “o princípio constitucional do juiz natural e as regras de direito estrito que regem a competência por prerrogativa de foro”, algo abrangido pelo precedente e não pela decisão recorrida.

De início, mencione-se que o art. 80, tal como mobilizado na decisão, em nada viola o princípio do juiz natural, tratando-se, isto sim, de critério legal objetivo estabelecido no Código de Processo Penal – a exemplo de outros, como a conexão (art. 76), continência (art. 77) e prevenção (art. 83) – para se definir o juízo competente em um caso concreto.

Nesse sentido, a validade de um critério para se definir o juízo competente não é o seu caráter infraconstitucional ou constitucional – algo que impediria a existência de uma normativa pertinente à competência no Código de Processo Penal, por exemplo –, mas sim a sua objetividade, isto é, a sua capacidade de oferecer parâmetros prévios que estabeleçam quem detém a atribuição para julgar.

É exatamente isso que afirma Gustavo Badaró na citação trazida pelo recorrente: “A hipótese normativa” – constitucional ou não, anote-se – “deve fixar parâmetros objetivos que façam com que a determinação do juiz competente dependa, efetivamente, da norma preexistente, e não de uma posterior opção discricionária de um órgão administrativo ou judiciário”.

A determinação da competência a partir de critérios legais infraconstitucionais, portanto, não é, por si só, razão suficiente para que se constate a violação ao juiz natural, razão pela qual inexiste óbice à sua interpretação a tanto, a qual, pelo contrário, representa verdadeiro imperativo, sob pena de se violar a legislação federal aplicável à hipótese – daí igualmente pertinente, tal como feito na decisão, a menção a julgados do Superior Tribunal de Justiça.

O caráter constitucional da norma e mesmo o viés interpretativo a partir do quanto assentado pelo Supremo Tribunal Federal, portanto, não são requisitos para que se faça um juízo a respeito da competência penal.

Por sua vez, a inexistência de margem para “juízos discricionários” – termo não empregado na decisão – quanto à competência não impacta as conclusões recorridas, porque nenhuma delas depende de qualquer fundamento de ordem prática para subsistir.

Insista-se, como já feito na análise do coligido pelo agravante Paulo Rangel do Nascimento: aquilo que sustenta o não desmembramento do presente caso e das investigações atualmente em andamento não são “argumentos de ordem prática”, mas sim a necessidade lógica de se conferir a interpretação única aos fatos trazidos a deliberação judicial.

A questão, portanto, não diz respeito a quantas audiências terão que ser feitas; ou, então, se diligências teriam que ser empreendidas de forma concomitante por juízos de primeiro e segundo graus, e, sim, a uma particularidade destes autos: a circunstância de a suposta organização criminosa depender de tal forma da atuação do detentor da prerrogativa de foro, que conclusões a respeito de sua existência – bem como dos crimes a ela associadas – não podem ser realizadas de maneira individualizada, mas, antes, demandam interpretação única do contexto fático trazido pelo Ministério Público Federal.

É essa a “especial imbricação entre suas condutas”, mencionada na decisão impugnada, que não se confunde com “atuação conjunta dos corréus”, como equivocadamente interpreta a agravante.

Não se trata aqui, por exemplo, de se dizer que o julgamento deve ocorrer de forma conjunta porque Clarice Mendroni de Menezes atuava de forma conjunta com Leonardo Safi de Melo. O julgamento deve ocorrer de forma conjunta porque a única forma de se aferir se um ou outro detinham responsabilidade penal é se acessar, de forma interpretativa, o contexto fático que lhes é comum e que exige interpretação única, a fim de que se possa formar juízo coerente de responsabilidade penal.

Eminentes pares, ou há organização criminosa, ou não há; ou ocorreu a comercialização de decisões jurisdicionais no seio da 21.ª Vara Federal Cível de São Paulo, ou não; e esses são pontos de partida incontornáveis para que, em um segundo momento – e obedecida a particularização da responsabilidade penal – seja possível aferir se Clarice Mendroni de Menezes, juntamente dos demais denunciados, é ou não culpada daquilo que lhe imputa o Ministério Público Federal.

No mais, a utilização de argumento que compõe o acórdão do julgado e com ele consonante, nos termos do fundamentado na decisão recorrida, não significa interpretação incorreta do precedente, mas antes, representa acesso aprofundado às suas razões, sobretudo porque não houve divergência no julgamento em epígrafe, e sim convergência precisamente quanto aos fundamentos trazidos no voto do Excelentíssimo Senhor Ministro Luis Roberto Barroso – por ele ajustado “à vontade da maioria”, de onde extraído o raciocínio a respeito da “especial imbricação entre suas condutas”:

 

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Eu também acompanho o Relator e adoto, a partir de agora, a proposta do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, com as ponderações que ousei fazer.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Como eu percebi que esse é um relativo consenso, o Ministro Marco Aurélio procedeu dessa forma, o Ministro Teori sugere dessa forma, Vossa Excelência sugere dessa forma.....

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Qual seria a forma?

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – De desmembrar no primeiro momento possível, salvo alguma outra circunstância.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Sim, imediatamente, como faço invariavelmente, chegando os autos, ou, então, o processo-crime ao Supremo.

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Isso. Para que fique documentado, eu vou ajustar essa passagem da minha manifestação à vontade da maioria, para que possa funcionar um pouco como um roteiro que nós vamos ter, já tendo levantado a jurisprudência.

 

Por fim, também não procede o argumento de que o aprofundamento nos elementos de informação realizado na decisão seria um indicativo da ausência de imbricação, porque viabilizaria a individualização das condutas e, por isso, o desmembramento.

Veja-se, nesse sentido, que a agravante interpreta a “especial imbricação das condutas”, mencionada no precedente do Supremo Tribunal Federal, como uma inviabilidade de serem elas delimitadas, algo que, entretanto, carece de lógica, uma vez que, se a atuação dos denunciados não pudesse ser minimamente circunscrita, nem ao menos seria possível se falar em denúncia penal.

Ou seja, a interpretação que melhor entende a situação excepcional na qual não se deve realizar o desmembramento é a que vê, em determinados casos, situação na qual as condutas de cada um dos investigados ou denunciados são delimitáveis, mas justapostas, umas às outras, de forma que se faz necessário juízo único prévio a respeito de determinados fatos, do qual decorre análise sobre a procedência ou não da pretensão punitiva estatal.

Na linha do exposto, o grau de aprofundamento necessário para que se afira se, em determinado caso, existe ou não essa justaposição, resulta da complexidade dos fatos trazidos à análise do juízo pelo Ministério Público Federal. Quanto mais complexos os fatos, maior o aprofundamento necessário; algo que não define se, ao final, a conclusão será pelo desmembramento ou não.

Do que se permite concluir que a circunstância de a decisão ter se fundamentado extensamente nos elementos de informação, únicos até então disponíveis, bem como na individualização realizada na denúncia pelo Ministério Público Federal, é algo que expõe, no limite, apenas que o caso que se apresenta a juízo é complexo, seja em razão do número de réus, dos artifícios utilizados pela suposta organização criminosa e mesmo pela extensão de sua atuação, abrangendo, ao que tudo indica, significativo número de processos da unidade judiciária – sem que isso implique na conclusão de se ter ou não caso de desmembramento.

Isso tudo considerado, também insubsistentes os argumentos trazidos por Clarice Mendroni Cavalieri, a indicar ser caso de restar mantida integralmente a decisão como proferida, consoante proposto, inclusive, nas contrarrazões aos recursos, oferecidas pela Procuradoria Regional da República da 3.ª Região, em sua petição intercorrente de Id. 140941386.

Por fim, relativamente ao trazido em sede de memoriais pelos defensores de Paulo Rangel do Nascimento – e também aplicável aos demais agravantes –, no sentido de que “o denunciado Leonardo Safi de Melo se encontra preso preventivamente, fato este que, a despeito de em nada se relacionar com o agravante, acaba por imprimir dinâmica diversa ao feito; impondo, em relação aos demais acusados, celeridade incompatível com a complexidade das investigações e necessidade de profunda análise da prova em relação a cada um deles”, ressalte-se que a aludida circunstância, comum também a Divannir Barile Ribeiro, não guarda correspondência com a cognição a ser realizada a respeito dos elementos instrutórios aqui trazidos, demandando, isto sim, ainda mais celeridade no processamento, que, ao contrário do afirmado pelo agravante, é de todo recomendável, considerando-se o ônus que a existência do processo penal implica sobre os denunciados.

Sob outras palavras: inexiste relação lógica em se conferir tratamento prioritário a processo judicial em razão da existência de denunciados presos e violação ao direito de defesa, porquanto celeridade processual não significa redução dos meios de prova colocados à disposição dos denunciados, aspecto que, inclusive, não é sequer abordado concretamente pelo agravante, que se cingiu a trazer o argumento em sua forma abstrata.

Ademais, mencione-se que subsiste requerimento, por parte do Ministério Público Federal, para que se confira prioridade no processamento justamente em relação a Paulo Rangel do Nascimento, considerando-se, em particular, sua idade – superior a 70 anos –, e a redução do prazo prescricional disposta no art. 115 do Código Penal.

No mais, a competência, de modo geral, não pode ser definida de forma circunstancial, sobretudo à vista do caráter provisório da liberdade dos investigados, uma vez que eventual decisão a respeito da questão pode ser modificada, na medida em que prossegue o processo penal, quer seja relativamente àqueles que estão por ora recolhidos à prisão, quer seja quanto aos demais.

Ante o exposto, nego provimento aos agravos regimentais interpostos por Paulo Rangel do Nascimento e por Clarice Mendroni Cavalieri.

 

Consignou-se, ademais, isto bem importando ao julgamento da presente exceção, que, “adicionalmente, tanto Tadeu Rodrigues Jordan quanto Deise Mendroni de Menezes afirmam que a manutenção da competência deste Órgão Especial implicaria em violação ao duplo grau de jurisdição”.

Pese embora ser a competência matéria de ordem pública, sendo viável, nesse sentido, que a questão seja novamente agitada em sede da presente exceção, depreende-se que a controvérsia é idêntica à recentemente decidida por este Órgão Especial, aqui se veiculando, novamente, os argumentos que foram rebatidos naquela assentada, concluindo-se pela excepcional manutenção da análise conjunta do feito, em razão da particular imbricação da conduta dos denunciados.

Não obstante, e até para que não se venha futuramente arguir a ausência de (re)apreciação, cumpre ressaltar que as alegações ora apresentadas foram expressamente tratadas pelo Órgão Especial no julgamento que redundou na instauração da ação penal em que corréu o excipiente.

Confira-se, a propósito, trecho do voto que proferi à ocasião, por todos acompanhado na sessão de 30/9/2020:

 

Ora, a verificação, no caso concreto, de situação a ensejar a prerrogativa de foro – e eventual redução das insurgências à disposição das partes, que, no caso concreto, continuam existindo, uma vez que cabíveis recursos especial e extraordinário em face de eventual acórdão condenatório, sem prejuízo, inclusive, da possibilidade de impugnação via ação autônoma de habeas corpus – não implica em vulneração ao princípio do duplo grau de jurisdição, como têm assentado, de forma consistente, as Cortes Superiores.

Há 20 anos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal se pronunciou a respeito, afastando a aplicabilidade da disposição contida no art. 8.º, 2, h, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), por ocasião do julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 79.785-7/RJ, datado de 29 de março de 2000, publicado no DJ de 22 de novembro de 2002, de relatoria do Excelentíssimo Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, cuja ementa segue transcrita, in verbis:

 

I. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO, À LUZ DA CONSTITUIÇÃO E DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.

1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária.

2. Com esse sentido próprio – sem concessões que o desnaturem – não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal.

3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de ‘toda pessoa acusada de delito’, durante o processo, ‘de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior’.

4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação.

II. A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS: PREVALÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO QUE AFASTA A APLICABILIDADE DAS CLÁUSULAS CONVENCIONAIS ANTINÔMICAS.

1. Quando a questão – no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional – é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional – que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional – não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional.

2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b).

3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento – majoritário em recente decisão do STF (ADIn MC 1.480) – que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias.

4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadora do seu sistema, o que não é de admitir.

III. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS E DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.

1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu.

2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho – que não estão em causa – e da Justiça Militar – na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais –, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores – o STJ e o TSE – estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar.

3. À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.

 

E, ainda, julgados do Superior Tribunal de Justiça, que não destoam dessa posição:

 

CRIMINAL. RESP MINISTERIAL E DEFENSIVO. PORTE ILEGAL DE ARMA. PROMOTOR DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO. CONTRARIEDADE A DISPOSITIVO DE LEI ESTADUAL. NÃO CONHECIMENTO. NECESSIDADE DE REGISTRO DA ARMA E IMPOSSIBILIDADE DE PORTE DE ARMA DE USO RESTRITO DAS FORÇAS ARMADAS. OFENSA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO. REGIME PRISIONAL FECHADO IMPROPRIAMENTE FUNDAMENTADO NA GRAVIDADE DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PRIMARIEDADE E AUSÊNCIA DE MAUS ANTECEDENTES. DIREITO AO REGIME ABERTO. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

Tendo sido o réu julgado pelo Tribunal de Justiça, em virtude de prerrogativa de foro, não há que se falar em ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. Precedente do STF.

Recurso da defesa parcialmente conhecido e parcialmente provido, nos termos do voto do relator.

(REsp 476.461/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5.ª Turma,  julgado em 19/08/2003)

HABEAS CORPUS. PECULATO. PREFEITO MUNICIPAL. JULGAMENTO REALIZADO POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO. LEGALIDADE. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO NÃO VIOLADO. A PENDÊNCIA DE RECURSOS SEM EFEITO SUSPENSIVO (RESP E RE) NÃO OBSTA À EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. FIXADO, EM JULGAMENTO, QUE O PACIENTE INICIARIA O CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME SEMI-ABERTO, DEVE TAL REGIME SER ASSEGURADO.

A atribuição, a um dos órgãos fracionários do Tribunal de Justiça, para julgamento dos Prefeitos Municipais não afronta a competência conferida pela Constituição Federal. Precedentes.

O duplo grau de jurisdição obrigatório não se aplica às decisões nas ações penais de competência originária dos Tribunais.

Os recursos para os Tribunais Superiores (STJ e STF) possuem, de ordinário, somente efeito devolutivo, com fulcro no art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90, não configurando constrangimento ilegal a expedição de mandado de prisão para a execução provisória da condenação.

Tendo sido fixado, em julgamento, que o paciente iniciaria o cumprimento da pena em regime semi-aberto, deve ser assegurado ao mesmo que cumpra a pena provisória neste regime.

Ordem parcialmente concedida.

(HC 21.072/RS, 5ª Turma, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, j. 18.06.2002, v. u., DJ 05.08.2002, p. 368)

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. IRREGULARIDADES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPROPRIEDADE. EXAME DE PROVAS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS. CRIME PRATICADO POR PREFEITO. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. IMPROPRIEDADE. PEDIDO DE INDULTO NATALINO. JUÍZO COMPETENTE. VARA DAS EXECUÇÕES PENAIS.

- Este Tribunal consolidou o pensamento de que com a superveniência da sentença condenatória restam superadas as alegações de nulidades no inquérito policial e de inépcia da denúncia.

- A alegação de nulidade da sentença condenatória por contrariedade à prova dos autos exige, para seu deslinde, dilação probatória, providência insusceptível de apreciação e decisão no âmbito restrito do habeas corpus, remédio constitucional que não tem espaço para exame aprofundado de provas.

- O duplo grau de jurisdição obrigatório, providência que não consubstancia garantia constitucional, não se aplica às decisões exaradas nas ações penais de competência originária dos Tribunais julgadas em única instância.

- Compete ao Juízo das Execuções Penais processar e julgar pleitos relativos a execuções de sentenças penais condenatórias, tais como a concessão de indulto.

(HC 13.602/SP, 6ª Turma, relator Ministro Vicente Leal, j. 07.11.2000, v. u., DJ 27.11.2000, p. 189)

 

PROCESSUAL PENAL. CAUSA DECIDIDA NO ÂMBITO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. VIOLAÇÃO A ESTE PRINCÍPIO. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE SUBMETER AO STJ RECURSO INOMINADO NÃO CONTEMPLADO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL AO DIREITO AMBULATORIAL DA PACIENTE.

1 - A Constituição Federal consagrou os julgamentos em única instância, não havendo, por isso mesmo, se falar em violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, e muito menos malferimento a Tratado Internacional de Direitos Humanos.

2 - Não se vislumbra, por outro lado, qualquer maltrato ao direito de ir e vir da paciente, dado que o julgamento em instância única não é excludente dos recursos próprios, uma vez observadas as prescrições legais a respeito. Não se cogita de ‘qualquer recurso’, mas, sim, daquele previsto na Lei Fundamental, a abrir ensejo ao debate da matéria pela instância especial, característica básica do STJ, de uniformização da jurisprudência e não de simples revisor das decisões locais.

3 - Agravo regimental improvido.

(AgRg Pet 1.073/RJ, 6ª Turma, relator Ministro Fernando Gonçalves, j. 25.05.1999, v. u., DJ 30.08.1999, p. 74)

 

A compreensão no âmbito da jurisprudência permanece atual:

 

Ação direta de inconstitucionalidade. Constitucional. Penal. Processo Penal.

2. Competência.

3. Emenda 49/2014 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

4. Transferência da competência do Plenário para as Turmas para processar e julgar, nos crimes comuns, Deputados e Senadores. Manutenção da competência do Tribunal Pleno para julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República.

(...)

10. As Turmas, como órgãos fracionários, estão mais bem habilitadas a julgar a maior parte dos processos de índole subjetiva, em razão da maior agilidade e celeridade na prestação jurisdicional individualizada. Ausência de violação à garantia do Juiz Natural. O foro por prerrogativa de foro constitui exceção à garantia ao duplo grau de jurisdição.

11. Voto pela superação da questão preliminar e pela improcedência do pedido.

(STF, ADI 5175, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, julgado em 22/06/2020)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA EM CURSO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2º, IV, DO CÓDIGO PENAL - CP. 1) INDEVIDA APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 568 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. NÃO VERIFICAÇÃO. JULGAMENTO DE AGRAVO REGIMENTAL QUE SANA EVENTUAL VÍCIO. 2) VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE DESCABIDA EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. 3) VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 619 E 620 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. OMISSÃO SOBRE INÉPCIA DA DENÚNCIA, FALTA DE JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL E INVIABILIDADE DO REFAZIMENTO DE PROVAS. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. 3.1) OMISSÃO SOBRE NULIDADE DE PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO INQUÉRITO CONSTATADA. PREQUESTIONAMENTO CONFORME ART. 1.025 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CPC. TESE DEFENSIVA DE VIOLAÇÃO LEGAL ANALISADA NESTA CORTE. 3.2) OMISSÃO SOBRE RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA PARA RECONHECER HOMICÍDIO PRIVILEGIADO OU ATENUANTES (ART. 65, III, C, ÚLTIMA PARTE, E ART. 66, AMBOS DO CP). AUSENTE PREJUÍZO, CONFORME ART. 563 DO CPP. CAPITULAÇÃO JURÍDICA QUE NÃO INFLUENCIA NA REGRA DE COMPETÊNCIA E NO RITO PROCEDIMENTAL. RÉU QUE SE DEFENDE DOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. 3.3) CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA ENTRE VOTOS EM JULGAMENTO COLEGIADO. 4) VIOLAÇÃO AO ARTIGO 6º, CAPUT, DA LEI N. 8.038/90, E AO ARTIGO 414 DO CPP. INOCORRÊNCIA. ÓBICE DO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO, VEDADO CONFORME SÚMULA N. 7 DO STJ. 4.1) RECURSO ESPECIAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM RECURSO DE APELAÇÃO OU RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. AUSÊNCIA DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. 5) VIOLAÇÃO AO ART. 395, III, DO CPP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ÓBICE DO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO, VEDADO CONFORME SÚMULA N. 7 DO STJ. 6) VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 41 E 395, I, AMBOS DO CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO DEMONSTRADA. 7) VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 6º, I, II e VII, 157, CAPUT, e § 1º, e 158, TODOS DO CPP. IRREGULARIDADES NA FASE INVESTIGATIVA. NÃO CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ELEMENTOS QUE DEVEM SER RENOVADOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. 8) PEDIDO PARA ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO ESPECIAL. PREJUDICADO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE URGÊNCIA E DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. 9) PEDIDO DE SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO REGIMENTAL. ARTIGO 159 DO REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RISTJ. 9.1. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 610, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP, DESCABIDO. 10) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Cumpre destacar que não há que se falar em ofensa ao princípio da colegialidade em razão do julgamento monocrático do recurso especial. Isso porque, nos termos da súmula 568, desta Corte, "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".

1.1. "A decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão, como ocorre na espécie, permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante" (AgRg no HC 485.393/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 28/3/2019).

2. "A violação de preceitos, de dispositivos ou de princípios constitucionais revela-se quaestio afeta à competência do Supremo Tribunal Federal, provocado pela via do extraordinário; motivo pelo qual não se pode conhecer do recurso especial nesse aspecto, em função do disposto no art. 105, III, da Constituição Federal" (AgRg no REsp 1759904/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 26/11/2018) 3. Sem a demonstração das hipóteses de cabimento, escorreita a rejeição dos embargos de declaração pelo Tribunal de origem, notadamente quando o embargante pretende a rediscussão da questão controvertida para modificar o provimento anterior.

3.1. Conforme artigo 1.025 do Código de Processo Civil - CPC, considerada existente omissão, tem-se o prequestionamento que, via de regra, permite a análise da violação legal, inexistindo razão para retorno do feito à origem para novo julgamento dos embargos de declaração.

3.2. A omissão sobre o recebimento parcial da denúncia constatada no julgamento dos embargos de declaração pelo Tribunal de origem não ensejou prejuízo ao agravante (art. 563 do CPP) apto a determinar novo julgamento dos embargos de declaração, porque a pretensão deduzida na origem foi de emendatio libelli, medida que excepcionalmente se admite na fase de recebimento da denúncia em casos de alteração de competência ou de rito procedimental, o que não é a hipótese dos autos.

3.3. Não há também contradição no julgado, uma vez que esta só se configura entre as proposições da própria decisão, ou seja, entre os elementos que compõem a estrutura do decisum, não podendo ser estendida aos dizeres dos julgadores quando do julgamento no colegiado.

4. O pleito de improcedência da acusação, previsto no art. 6º, caput, in fine, da Lei n. 8.038/90, foi rechaçado pelo Tribunal de origem porque somente é cabível se a decisão não depender de outras provas, conforme expressa previsão legal, sendo certo que para se concluir pela improcedência da acusação nesta Corte seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7/STJ.

4.1. Cabe ressaltar que a ação penal originária, decorrente do foro especial por prerrogativa de função, não conta com o duplo grau de jurisdição, motivo pelo qual é descabido julgamento do recurso especial como se tratasse de um recurso em sentido estrito ou recurso de apelação.

5. A falta de justa causa para a ação penal foi rechaçada por maioria pelo Tribunal de origem porque presentes indícios de autoria e materialidade, notadamente diante do evento morte da vítima e da fundada dúvida sobre a autoria apta a configurar o delito de homicídio ou suicídio, sendo certo que para se concluir de modo diverso seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7/STJ.

6. "Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, não há como reconhecer a inépcia da denúncia se a descrição da pretensa conduta delituosa foi feita de forma suficiente ao exercício do direito de defesa, com a narrativa de todas as circunstâncias relevantes, permitindo a leitura da peça acusatória a compreensão da acusação, com base no artigo 41 do Código de Processo Penal" (RHC 46.570/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 20/11/2014, DJe 12/12/2014).

7. Eventuais irregularidades ocorridas na colheita de provas durante a fase investigativa não contaminam a ação penal, momento em que os elementos colhidos devem ser renovados sob o crivo do contraditório.

8. Pedido de efeito suspensivo ao recurso especial veiculado nas razões do agravo regimental fica prejudicado pela perda do objeto com o julgamento do agravo regimental que põe fim ao feito. Ainda que se entenda por cabíveis novos recursos, no caso em tela não ficou demonstrada a urgência da medida e a plausibilidade do direito.

9. Pedido de sustentação oral em agravo regimental descabido, conforme art. 159 do RISTJ.

9.1. Pedido de sustentação oral em agravo regimental por aplicação do art. 610, parágrafo único, do CPP, descabido, porquanto o julgamento do recurso especial não se equipara ao julgamento do recurso em sentido estrito, inclusive no âmbito de ação penal originária.

10. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no REsp 1737252/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 05/08/2019)

 

Superada a preliminar de incompetência apresentada por Tadeu Rodrigues Jordan e por Deise Mendroni de Menezes, segue-se com exame das questões prejudiciais à apresentação do feito nesta sessão de julgamento.

 

Do que interessa reforçar, especificamente à luz dos argumentos trazidos no bojo da presente exceção, reitere-se, como já constou em pronunciamentos anteriores que embasaram julgamentos colhidos à unanimidade por este Órgão Especial, quanto ao exato mesmo contexto fático, dado que relativos a argumentos idênticos, apresentados pelos corréus, que a restrição cognitiva recursal decorrente da prerrogativa de foro, porquanto viáveis irresignações apenas ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, e não a Corte de Apelação, não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição nem sequer o juízo natural.

Isso porque a prerrogativa de foro – e, consequentemente, o julgamento conjunto, tal como ocorre no presente caso – decorre de previsão constitucional que, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão paradigma citado nos encaminhamentos anteriores, tirado da apreciação da Ação Penal n.º 560/SC, no qual se argumentava precisamente o mesmo que o excipiente, a partir de idêntico substrato normativo, qual seja, a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos, deve ser aplicada ainda que isso implique em redução do número de instâncias pelas quais pode vir a tramitar o processo-crime correspondente.

Veja-se que, conforme citação relatada no julgado referenciado, os argumentos defensivos ali apresentados consistiam em que “a rejeição desta preliminar de incompetência do STF, violaria as garantias constitucionais do juiz natural (artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, CF) e o princípio do duplo grau de jurisdição (artigo 5º, §§ 2º e 3º, CF, combinado com o artigo 8º, n. 2, alínea ‘h’, da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica - Decreto nº 678/1992)” – fl. 1970”.

Nada obstante, o entendimento que prevaleceu no Supremo Tribunal Federal, cujos feitos que ali tramitam sob competência originária resultam em condição ainda mais restritiva, especificamente no que toca à disposição de outros graus de jurisdição, comparativamente ao processamento nesta Corte Regional, uma vez que aqui ainda viáveis recursos especial e extraordinário, tais como os que têm sido manejados pelas respectivas defesas dos corréus, foi no sentido da viabilidade da prerrogativa de foro em detrimento tanto do invocado duplo grau de jurisdição quanto da alegada prevalência do postulado do juiz natural.

Oportuna, nesse sentido, a menção à fundamentação desenvolvida no Pretório Excelso, conforme se extrai, quanto ao duplo grau de jurisdição, do voto do Excelentíssimo Senhor Relator, Ministro Dias Toffoli, por todos os demais seguido à ocasião:

 

A arguição de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, pelo fato de o Supremo Tribunal Federal julgar originariamente titulares de prerrogativa de foro e corréus que não a detenham, foi rejeitada pelo Tribunal Pleno desta Corte no julgamento do RHC nº 79.785, DJ de 22/11/02, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, em acórdão assim ementado:

I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quando a questão - no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional - é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional - que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional - não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento - majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) - que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho - que não estão em causa - e da Justiça Militar - na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores - o STJ e o TSE - estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar.

No mesmo sentido, o AI nº 601.832-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 3/4/09:

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5°, PARÁGRAFOS 1° E 3°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. GARANTIA QUE NÃO É ABSOLUTA E DEVE SE COMPATIBILIZAR COM AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Agravo que pretende exame do recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão condenatória proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência criminal originária.

2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, hierarquia constitucional.

3. Contudo, não obstante o fato de que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado no direito doméstico brasileiro, isto não significa que esse princípio revista-se de natureza absoluta.

4. A própria Constituição Federal estabelece exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Não procede, assim, a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na Constituição uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a conferir eficácia ao duplo grau de jurisdição.

(...)”.

Esse entendimento foi, recentemente, reafirmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 17/12/12, no julgamento de questão de ordem suscitada na AP 470, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 22/4/13”.

 

Por sua vez, relativamente à suposta violação ao princípio do juiz natural, válido recorrer à fundamentação que sintetiza o histórico jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal a esse respeito:

 

Também não vinga a alegação de ofensa ao princípio do juiz natural, uma vez que, nos termos da Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal, “não viola as garantias juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”.

Nesse sentido, decidiu o Plenário desta Corte por ocasião do juízo de admissibilidade da ação penal deduzida no Inquérito nº 2.224/RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, DJe de 26/3/10.

Observo que, quando do juízo de admissibilidade da denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República no Inquérito nº 2.704/RJ, em 17/10/12, foi suscitada a preliminar de incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal para julgamento dos denunciados que não detinham foro por prerrogativa de função.

Naquela ocasião, ressalvei meu posicionamento sobre o tema, no sentido de se fixar a incompetência desta Corte para julgar aqueles que não têm foro por prerrogativa de função, esclarecendo que, no julgamento da AP 470, não a reconheci por entender que a matéria já havia sido votada anteriormente pelo Colegiado.

Mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o desmembramento do feito em relação a imputados que não possuam prerrogativa de foro “deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerrogativa de função, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante” (Inq nº 2.903/AC-AgR, Pleno, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 1º/7/14, grifei).

No mesmo sentido, Inq nº 3.515/SP-AgR, Pleno, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 14/3/14; Inq nº 3.802/MG-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 17/9/14; Inq nº 2.116/RR-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 6/2/15.

No caso concreto, não há nenhum motivo razoável ou particularidade relevante que justifique, a esta altura, o desmembramento do feito, tornando-se imprescindível manter a unidade do processo e do julgamento.

 

Em linha com os precedentes acima, veja-se que o argumento do excipiente, no sentido de que “tendo em vista que, na atual interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal, os tratados internacionais têm status de norma supralegal, é de rigor concluir que as disposições normativas veiculadas pelos tratados internacionais prevalecem sobre eventuais normas de conexão e continência previstas no Código de Processo Penal ou em regimentos internos dos Tribunais”, não infirma a conclusão pela manutenção do julgamento nesta Corte, porque a regra definida da prerrogativa de foro é de nível constitucional (art. 108, I, a, CF/88) – acima, portanto, ao da supralegalidade referida.

O que se tem, nesse sentido, é que, pese embora a argumentação discorrida pelo excipiente seja, em tese, factível – dado que ensejou os precedentes internacionais citados, a exemplo do caso Barreto Leiva v. Venezuela –, não se apresenta ela aplicável ao sistema jurisdicional brasileiro, consoante vem decidindo o STF e como se evidencia pela circunstância de que a citação trazida na petição inicial relativa ao julgamento de Questão de Ordem na Ação Penal n.º 470, na Suprema Corte, feita pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ter restado vencida, prevalecendo, no caso, o entendimento de que a ausência de desmembramento não impacta nas garantias do duplo grau de jurisdição e do juiz natural (STF, AP n.º 470-QO, Plenário, Rel. Min. Joaquim Barbosa), interpretação correta e atualmente vigente a respeito da prerrogativa de foro nas Cortes do país.

De rigor, portanto, que, tal como anteriormente manifestado pelo Órgão Especial desta Corte, quer seja pela via de agravos regimentais, quer seja por meio de exceções de incompetência de outros corréus e, ainda, quer seja em preliminares do julgamento de recebimento de denúncia, reconheça-se a competência deste colegiado para processar e julgar a Ação Penal n.º 5021828-44.2020.4.03.0000 também quanto ao excipiente, rejeitando-se, por consequência, a presente arguição.

Ante o exposto, rejeito o pedido formulado pela defesa de Tadeu Rodrigues Jordan, no âmbito desta exceção de incompetência.

É o voto.

 

THEREZINHA CAZERTA

Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. PROCESSAMENTO CONJUNTO DE INQUÉRITO E DE DENÚNCIA EM TRIBUNAL. DESMEMBRAMENTO. REGRA. EXCEPCIONALIDADE DECORRENTE DO IMBRICAMENTO ENTRE OS FATOS SOB ANÁLISE. EXCEÇÃO REJEITADA.

1. Decisão que se alinha à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, adotando-se, como regra, o desmembramento de procedimento criminal que tramita em Corte de Justiça em razão de prerrogativa de foro, admitindo-se, excepcionalmente, o processamento conjunto.

2. Excepcionalidades do caso concreto relacionadas ao momento ainda inicial das investigações, bem como à circunstância de se tratar de organização criminosa responsável, em tese, pela comercialização de decisões jurisdicionais, estreitamente dependente do detentor da prerrogativa de foro, circunstância a exigir interpretação única dos fatos, com o objetivo de se conferir resposta jurisdicional coerente. Precedente.

3. Argumentos da exceção de incompetência que não infirmam as conclusões constantes da decisão impugnada, porquanto não fundamentada em esteios de ordem prática ou discricionária, mas, antes, na necessidade lógica de se conferir prévia interpretação concernente aos conjuntos indiciário e probatório, para que seja possível aferir eventual responsabilização penal individual dos investigados / denunciados.

4. A restrição cognitiva recursal decorrente da prerrogativa de foro, porquanto viáveis, no caso, irresignações apenas ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, e não a Corte de Apelação, não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição nem sequer o juízo natural. Precedentes.

5. Rejeição do pedido formulado na exceção de incompetência.

 

THEREZINHA CAZERTA

Desembargadora Federal Relatora


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, O Órgão Especial, por unanimidade, rejeitou a exceção de incompetência, nos termos do voto da Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Votaram os Desembargadores Federais NERY JÚNIOR, ANDRÉ NEKATSCHALOW, CONSUELO YOSHIDA, SOUZA RIBEIRO, MARISA SANTOS, NINO TOLDO, PAULO DOMINGUES, INÊS VIRGÍNIA, JOHONSOM DI SALVO (convocado para compor quórum), TORU YAMAMOTO (convocado para compor quórum), MARCELO SARAIVA (convocado para compor quórum), DIVA MALERBI, BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e NEWTON DE LUCCA. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais PEIXOTO JÚNIOR, HÉLIO NOGUEIRA e WILSON ZAUHY. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.