APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5970059-87.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADIMIR CAITANO TEIXEIRA
Advogados do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL - SP387686-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5970059-87.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ADIMIR CAITANO TEIXEIRA Advogados do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL - SP387686-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 06.03.2019, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar a requerida a conceder à parte autora o benefício assistencial de prestação continuada desde a data da distribuição da ação. Tendo em conta o caráter alimentar do benefício, e nos termos do artigo 300, do Novo Código de Processo Civil, concedo a tutela de urgência para determinar ao INSS a imediata implantação do benefício em favor da parte autora, oficiando-se. As parcelas vencidas deverão ser pagas de uma única vez. Os juros de mora e a correção monetária deverão ser aplicados na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal em vigor na data da presente decisão. Em virtude da sucumbência, arcará o INSS com os honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Ressalte-se que a base de cálculo sobre a qual incidirá mencionado percentual será composta das prestações vencidas entre o termo inicial do benefício e a data da sentença, em consonância com a Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, a autarquia previdenciária está isenta das custas e despesas processuais, conforme dispõe o artigo 8º, § 1º, da lei 8.621/93. P.R.I.” Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restaram comprovados os requisitos de deficiência e de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício, consoante disposto no §§2º e 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011. Subsidiariamente pleiteia a reforma do julgado no tocante ao termo inicial do benefício e correção monetária. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5970059-87.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: ADIMIR CAITANO TEIXEIRA Advogados do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL - SP387686-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º). A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento." No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos nas perícias médica e social, produzidas por peritos do Juízo, tendo se convencido restar configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se: “Assim é que a concessão do benefício está condicionada à prova de que a pessoa é portadora de deficiência ou idosa - com 65 anos de idade ou mais - e não possua outro meio de prover a própria subsistência, nem de tê-la provida por sua família. No caso em análise, o laudo de fls. 101/105 concluiu que o autor apresenta epilepsia desde os dois anos de idade e está atualmente incapacitado total e temporariamente para o trabalho. Esclarece, ainda, o perito que o autor possui impedimento de natureza física que pode gerar obstrução parcial na sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Além disso, o autor depende da atenção permanente da família para suprir os cuidados básicos consigo, encontrando-se o núcleo familiar em situação de relevante pobreza, conforme relatório social de fls. 73/80.” Da Deficiência/impedimento de longo prazo. O laudo médico pericial, elaborado em 25.09.2018 (ID 89147544), revela que a parte autora, com 27 anos de idade, apresenta quadro de epilepsia de difícil controle e concluiu que: “CONCLUSÃO. Considerando os achados do exame clínico bem como os elementos apresentados as patologias diagnosticadas, no estágio em que se encontram, geram incapacidade total e temporária para o trabalho. O autor possui impedimento de natureza física que pode gerar obstrução parcial na sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O impedimento da parte autora produz efeitos pelo prazo mínimo de 02 anos. Não há dependência de terceiros para as atividades da vida diária.” Depreende-se da leitura do laudo que a parte autora está acometida de patologias que resultam em impedimento de natureza física que pode gerar obstrução parcial na sua participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, estando caracterizada a existência de impedimento de longo prazo, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria. Da hipossuficiência/miserabilidade. O estudo social (ID 89147528), elaborado em 14.08.2018, revela que a parte autora reside com seus pais em casa própria, localizada em zona rural, de fácil acesso, “composta por cinco (5) pequenos cômodos, entre eles o banheiro. As paredes são de blocos, o chão revestido apenas com cimento queimado e o telhado é de telhas de barro, sem forro. Pontua-se que a casa demanda melhorias e ou acabamento, pois as paredes não possuem reboco e contam apenas com precária pintura no lado interno. O chão também não recebeu revestimento e o cimento queimado apresenta pequenas rachaduras e buracos. Já o madeiramento do telhado é antigo e encontra-se danificado por cupins, além disso, as telhas são bastante velhas e permitem a infiltração de água de chuva.”. A casa está guarnecida com mobiliário básico em mal estado de conservação. Quanto à renda familiar consta que: - a mãe do autor recebe aposentadoria no valor de R$ 954,00 (um salário mínimo); - o pai do autor aufere cerca de R$ 200,00/mês, exercendo atividade informal como diarista; Consta ainda que o genitor do autor cultiva feijão e mandioca para consumo próprio. Relataram despesas com supermercado (R$ 725,00 - alimentação, produtos de higiene e gás de cozinha), energia elétrica (R$ 50,00), parcela de compras em lojas do comércio local (R$ 250,00 - roupas e calçados), Transporte (R$ 40,00 - taxi), medicamentos (R$ 200,00), perfazendo total de R$ 1.265,00. Despesa na ordem de R$ 100,00 (cem reais) – por quadrimestre – com o tratamento médico realizado pelo autor no Hospital das Clínicas em São Paulo. A perita social emitiu parecer nos termos que seguem: “Situação Socioeconômica do autor – Parecer: Face ao exposto e em conformidade com o artigo 4º - inciso I e II, alínea a e b, do Decreto Federal nº. 6.135 de 26 de junho de 2007, conclui-se que o autor compõe família de baixa renda.” É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da análise do conjunto probatório apresentado, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, verifica-se que a família vive em casa própria que oferece o abrigo necessário, e conta com rendimento formal que supre as despesas básicas relatadas. Note-se que o extrato do sistema CNIS que acompanha a apelação interposta pelo INSS indica que o pai do autor também recebe aposentadoria, e assim a renda familiar, em verdade, é composta por dois benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo, mais o valor auferido com o labor informal do genitor do requerente, perfazendo total de R$ 2.108,00. Consta ainda que autora realiza tratamento médico pelo SUS. Nota-se que o laudo social não informa a existência de miserabilidade, e nem mesmo de hipossuficiência. Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade. Anoto que a mera ausência de rendimento próprio não enseja a concessão do benefício assistencial, que só deve ser concedido ante a impossibilidade de sustento pelos familiares, nos termos da legislação em vigência. Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial. Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015. Por fim, revogo a tutela antecipada. Tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a antecipação da tutela concedida na sentença, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5970059-87.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADIMIR CAITANO TEIXEIRA
Advogados do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL - SP387686-N
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITO PREENCHIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. A perícia médica judicial reconheceu a existência das doenças alegadas na inicial, e concluiu que acarretam incapacidade que configura deficiência/impedimento de longo prazo, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
4. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há comprovação da impossibilidade do sustento. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
5. Benefício assistencial indevido.
6. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do § 3º do artigo 98 do CPC/2015.
7. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores.
8. Apelação do INSS provida.