Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016676-47.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA EUNICE RIBEIRO BRAULIO

Advogado do(a) APELADO: TAKESHI SASAKI - SP48810-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016676-47.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA EUNICE RIBEIRO BRAULIO

Advogado do(a) APELADO: TAKESHI SASAKI - SP48810-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação ordinária em que se objetiva a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural e cômputo aos demais períodos de trabalho urbano.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como laborado(s) em atividade(s) rur(ais) o(s) período(s) de 23/10/1965 a 31/12/2006, determinando ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a averbação dos períodos. Condenou a parte autora ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 3º e 4º do CPC/2015, observados os benefícios da gratuidade judiciária.

Sentença não submetida ao reexame necessário.

Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, alegando que o autor não comprovou o exercício de atividade rural, sendo insuficiente o conjunto probatório produzido.

Com contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016676-47.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: MARIA EUNICE RIBEIRO BRAULIO

Advogado do(a) APELADO: TAKESHI SASAKI - SP48810-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição – requisitos

 

A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente denominada aposentadoria por tempo de contribuição, admitia a forma proporcional e a integral antes do advento da Emenda Constitucional 20/98, fazendo jus à sua percepção aqueles que comprovem tempo de serviço (25 anos para a mulher e 30 anos para o homem na forma proporcional, 30 anos para a mulher e 35 anos para o homem na forma integral) desenvolvido totalmente sob a égide do ordenamento anterior, respeitando-se, assim, o direito adquirido.

Aqueles segurados que já estavam no sistema e não preencheram o requisito temporal à época da Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998, fazem jus à aposentadoria por tempo de serviço proporcional desde que atendam às regras de transição expressas em seu art. 9º, caso em que se conjugam o requisito etário (48 anos de idade para a mulher e 53 anos de idade para o homem) e o requisito contributivo (pedágio de 40% de contribuições faltantes para completar 25 anos, no caso da mulher e para completar 30 anos, no caso do homem).

Atualmente, são requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições (30 anos para a mulher e 35 anos para o homem), ressaltando-se que o tempo de serviço prestado anteriormente à referida Emenda equivale a tempo de contribuição, a teor do art. 4º da Emenda Constitucional 20/98.

 

Tempo de serviço rural anterior e posterior à Lei de Benefícios

 

A aposentadoria do trabalhador rural apresenta algumas especificidades, em razão sobretudo da deficiência dos programas de seguridade voltados a essa categoria de trabalhadores no período anterior à Constituição Federal de 1988 e do descumprimento da legislação trabalhista no campo. Assim é que, no seu art. 55, §2º, a Lei 8.213/91 estabeleceu ser desnecessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural, exceto para efeito de carência. Neste sentido, já decidiu esta E. Corte: SÉTIMA TURMA, APELREEX 0005026-42.2014.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 21/07/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/07/2014 e TERCEIRA SEÇÃO, AR 0037095-93.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES, julgado em 28/11/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2013.)

 

Já em relação ao tempo de serviço rural trabalhado a partir da competência de novembro de 1991 (art. 55, §2º, da Lei 8.213/91 c/c o art. 60, X, do Decreto 3.048/99), ausente o recolhimento das contribuições, somente poderá ser aproveitado pelo segurado especial para obtenção dos benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91.

 

A prova do exercício de atividade rural

 

Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça.

 

"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.

 

Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.

 

É pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)

 

Idade mínima para o trabalho rural

 

Não se olvida que há jurisprudência no sentido de admitir-se o labor rural a partir dos 12 (doze) anos de idade, por ser realidade comum no campo, segundo as regras ordinárias de experiência, mormente se a prova testemunhal é robusta e reforçada por documentos que indicam a condição de lavradores dos pais do segurado.

 

O raciocínio invocado em tais decisões é o de que a norma constitucional que veda o trabalho ao menor de 16 anos visa à sua proteção, não podendo ser invocada para, ao contrário, negar-lhe direitos. (RESP 200200855336, Min. Jorge Scartezzini, STJ - Quinta Turma, DJ 02/08/2004, p. 484.).

 

Tal ponderação não é isenta de questionamentos. De fato, emprestar efeitos jurídicos para situação que envolve desrespeito a uma norma constitucional, ainda que para salvaguardar direitos imediatos, não nos parece a solução mais adequada à proposta do constituinte - que visava dar ampla e geral proteção às crianças e adolescentes, adotando a doutrina da proteção integral, negando a possibilidade do trabalho infantil.

 

Não se trata, assim, de restringir direitos ao menor que trabalha, mas sim, de evitar que se empreste efeitos jurídicos, para fins previdenciários, de trabalho realizado em desacordo com a Constituição. Considero, desta forma, o ordenamento jurídico vigente à época em que o(a) autor(a) alega ter iniciado o labor rural para admiti-lo ou não na contagem geral do tempo de serviço, para o que faço as seguintes observações:

 

As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil.

 

A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e em seu artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.

 

Por sua vez, a Constituição de 1937, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.

 

A Constituição de 1946 elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.

 

A Constituição de 1967, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.

 

Por fim, a Constituição da República de 1988, proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente, de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998, a idade mínima foi elevada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.

Entretanto, em atenção ao entendimento consolidado nesta E. 7ª Turma, no sentido de considerar as peculiaridades de um Brasil com elevado contingente populacional no meio rural antes da década de 70, admito, para o cômputo geral do tempo de serviço, o trabalho rural desenvolvido antes da Constituição de 1967, a partir dos 12 anos de idade.  A partir da Constituição Federal de 1988, todavia, prevalece a idade nela estabelecida.

 

Caso concreto - elementos probatórios

 

A parte autora, nascida em 23/10/1953, trouxe aos autos, para comprovar o exercício de atividade rural:

 

- certidão de casamento, celebrado em 25/09/1979, em que o marido da autora é qualificado como tratorista (ID 87771100, fls. 13);

- certidão de nascimento de filha, ocorrido em 24/09/1987, em que o marido da autora é qualificado como tratorista (ID 87771100, fls. 15);

- declaração de proprietário do imóvel rural, onde o autor teria atuado, datado de 2015 (ID 87771100, fls. 16);

 

Com relação às declarações do proprietário do imóvel rural, onde o autor teria atuado, pondero que estas não possuem valor probante, visto que não foram produzidas contemporaneamente ao período que se deseja provar, sendo datadas do ano de 2015.

As testemunhas, por sua vez, puderam confirmar o labor rural diário da autora, informando que a autora laborava no campo desde criança, ajudando seu pai, senhor Antonio Ribeiro, na fazenda Indaiá nos períodos trabalhados, de 1963 a 1979 e, após o casamento continuou a trabalhar como como diarista em várias fazendas , nas décadas de 1970 a 1990, razão pela qual deve ser reconhecido o trabalho rural desenvolvido pelo autor informalmente no período de 23/10/1965 a 31/10/1991, para fins de tempo de serviço, exceto para efeito de carência.

No entanto, em relação ao período de 01/11/1991 a 31/12/2006, pela análise do conjunto probatório, verifico que não é possível o reconhecimento do alegado exercício de atividade rural. Esclareço que não é possível o reconhecimento do exercício de atividade rural no período posterior a novembro de 1991, em que pese a existência de testemunho que comprova o exercício até os dias atuais, pois com relação ao período posterior à vigência da Lei 8.213/91, cabe ao segurado especial o recolhimento de contribuições previdenciárias como facultativo, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de outros benefícios que não os arrolados no inciso I do artigo 39, da Lei de Benefícios.

Dessa forma, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural no mencionado período pretendido, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a improcedência do pedido de reconhecimento do exercício de labor rural.

Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no processo previdenciário, no qual se pleiteia a concessão de aposentadoria, implica em extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à concessão do benefício pleiteado.

Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em que pese a posição contrária deste relator, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01/11/1991 a 31/12/2006.

Nesse passo, no que tange aos honorários de advogado, verifico que o INSS sucumbiu em parte mínima do pedido.

Assim, com fulcro no parágrafo único do artigo 86 do Código de Processo Civil/2015, condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado ao INSS, que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

Ante o exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01/11/1991 a 31/12/2006 e dou parcial provimento à apelação do INSS para restringir o reconhecimento do período rural entre 23/10/1965 a 31/10/1991, determinando sua averbação e expedição da respectiva certidão pelo INSS.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. AVERBAÇÃO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DO INSS.

1. Conjunto probatório insuficiente para demonstrar o exercício da atividade rural.

2. O STJ, no RE 1352721/SP, decidiu que nos processos em que se pleiteia a concessão de aposentadoria, a ausência de prova material apta a comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito.

3. Sucumbência mínima do INSS. Condenação da parte autora ao pagamento de honorários. Aplicação da regra do parágrafo único do artigo 86 do Código de Processo Civil/2015.

4. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural do período de 01/11/1991 a 31/12/2006.

5. Apelação do INSS parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o processo sem resolução de mérito em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural no período de 01/11/1991 a 31/12/2006 e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.