APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003189-73.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FATIMA APARECIDA MOURELLO
Advogado do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO DOMINGUES - SP117736-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003189-73.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: FATIMA APARECIDA MOURELLO Advogado do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO DOMINGUES - SP117736-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência. A sentença, prolatada em 10.09.2018, julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e condeno o INSS a pagar à autora FÁTIMA APARECIDA MOURELLO o benefício previsto no art. 20, da Lei no 8.742/93, no equivalente a um salário mínimo mensal, a partir data da citação (03/05/2018 fia. 129). As verbas em atraso deverão observar a Lei no 11.960/2009, nova redação ao art. 1°-F da Lei no 9.494/97 e determinou a incidência dos índices oficiais de remuneração básica e juros das cadernetas de poupança, de uma só vez, para fins de atualização e compensação da mora. Fixo a verba honorária sucumbencial em 10% do valor da condenação, englobando apenas as parcelas vencidas até a sentença, a teor do artigo 85, § 8°, do Código de Processo Civil e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, considerando a pouca complexidade da causa e a singeleza do trabalho, que importou na elaboração de poucas peças processuais. Não há custas de reembolso devido à isenção do vencido. Por consequência, extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Novo Código de Processo Civil. Por fim, sendo evidente o risco de dano, ante o caráter alimentar da pretensão, com fundamento no art. 300, do Novo Código de Processo Civil, concedo a antecipação de tutela e determino a implantação do benefício em 30 (trinta) dias, independentemente do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de multa. O ofício, que será instruído com cópia desta sentença, deverá conter nome, endereço e demais dados da autora, suficientes à implantação do benefício. Desnecessária a remessa doa autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal para reexame obrigatório (artigo496, 3°, inciso I, do Novo Código de Processo Civil). P.I.C." Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS requerendo preliminarmente a extinção do feito sem resolução do mérito por ausência de interesse de agir e o recebimento do recurso com efeito suspensivo, com suspensão da tutela de urgência. No mérito sustenta que não restou comprovada a condição de miserabilidade da parte autora, bem como sua alegada incapacidade laborativa. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas. Com a apresentação de contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso do INSS nos termos do art. 488 do CPC/15. Subsidiariamente, caso se entenda presentes os requisitos para a concessão do benefício pleiteado, manifesta-se pela extinção do feito sem julgamento do mérito, haja vista a falta de interesse de agir. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003189-73.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: FATIMA APARECIDA MOURELLO Advogado do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO DOMINGUES - SP117736-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. Da preliminar de falta de interesse de agir. Rejeitada. É verdade que o art. 5º, XXXV, da Constituição, assegura o pleno acesso ao Poder Judiciário para a proteção dos cidadãos em caso de lesão ou ameaça a direito. Contudo, essa garantia fundamental não deixa de trazer em si a exigência da existência de uma lide, justificando a atuação do Poder Judiciário como forma democrática de composição de conflitos, o que também se revela como interesse de agir (necessidade e utilidade da intervenção judicial). Existindo lide (provável ou concreta), é perfeitamente possível o acesso direto à via judicial, sem a necessidade de prévio requerimento na via administrativa. Contudo, em casos nos quais a lide não está claramente caracterizada, vale dizer, em situações nas quais é potencialmente possível que o cidadão obtenha a satisfação de seu direito perante a própria Administração Pública, é imprescindível o requerimento na via administrativa, justamente para a demonstração da necessidade da intervenção judicial e, portanto, do interesse de agir que compõe as condições da ação. Imprescindível, assim, a existência do que a doutrina processual denomina de fato contrário, a caracterizar a resistência à pretensão do autor. Deveras, de acordo com o entendimento jurisprudencial adotado por esta Corte Regional, tratando-se de ação de cunho previdenciário, ainda que não se possa condicionar a busca da prestação jurisdicional ao exaurimento da via administrativa, tem-se por razoável exigir que o autor tenha ao menos formulado um pleito administrativo - e recebido resposta negativa - de forma a demonstrar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário ante a configuração de uma pretensão resistida. Conclui-se, assim, pela aplicação aos segurados da exigência de prévia provocação da instância administrativa para obtenção do benefício e, somente diante de sua resistência, viabilizar a propositura de ação judicial. Aliás, é nesse sentido a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 631.240/MG, com repercussão geral reconhecida: "RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir." (Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso,DJe 10/11/2014) Contudo, nas ações ajuizadas em data anterior à essa decisão, há que se observar as regras de transição nele estabelecidas. No caso, o feito foi ajuizado em 30.09.2014, data anterior ao julgamento do paradigma de repercussão geral. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por sua vez, apresentou contestação, o que, consoante a modulação de efeitos ali consignada, caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à lide. Ademais, verifica-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão do autor com a concessão do benefício pretendido. Desta forma, ainda que não tenha havido o requerimento administrativo prévio, que em um primeiro momento poderia se caracterizar como um impeditivo para o prosseguimento do feito, nesta fase processual não se mostra aceitável a sua exigência, posto que mais do que constituída a lide, já foi declarado o direito. Da preliminar de suspensão da tutela. A questão se confunde com o mérito e com ele será apreciado. Passo ao exame do mérito. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º). A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento." Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido tendo se convencido restar configurada a condição de deficiência/incapacidade necessária para a concessão do benefício. Confira-se: “No caso dos autos, o laudo médico constatou que "o quadro é compatível com retardo mental leve (F 70 GID 10), que gera incapacidade na mesma em gerir a própria pessoa e seus bens, de forma independente" (considerações - item 6, fis. 104/105). Não obstante, aduz o Nobre Perito em sua conclusão que "a pericianda encontra-se com retardo mental leve, com incapacidade parcial e permanente ao trabalho" (conclusão - item 7, fis. 105).” Quanto à condição de deficiente da parte autora, o laudo médico pericial, elaborado em 25.11.2014 (ID 87775297 fls. 38/46) revela que a parte autora é portadora de retardo mental leve (fls. 40). Acrescenta ainda que: “Pericianda tem retardo mental leve e sinais de estar exercendo atividade laboral braçal. Há limitações para atividades intelectuais. Pericianda não apresenta limitação para atividade laboral braçal como trabalhadora rural, faxineira, empregada doméstica, recolhedora de recicláveis.” Conclui o expert: “CONCLUSÃO: Retardo mental leve. Ausência de incapacidade.” Em novo laudo médico pericial, realizado por médico especialista em psiquiatria, (ID 87775297 fls. 109/114), realizado em 15.08.2017, revela que a parte autora, 52 anos na data da perícia, é portadora de retardo mental leve (F 70 - CID 10). Acrescenta ainda que: “Tem condições de trabalhar em atividades de baixa complexidade e repetitivas, em vagas para deficientes.” Conclui o expert: “CONCLUSÃO: Pericianda com Retardo Mental Leve, com incapacidade parcial e permanente ao trabalho.” Informa ainda a incapacidade para tarefas complexas da vida civil. Depreende-se da leitura do laudo médico pericial que a autora apresenta restrição para o exercício de algumas funções, o que constitui apenas redução do leque de atividades que por ela podem ser exercidas, e não configura deficiência/impedimento de longo prazo no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria. Verifico que a perícia foi realizada com boa técnica, submetendo a parte autora a testes para avaliação das alegadas patologias e do seu consequente grau de limitação laborativa e deficiência, fornecendo ao Juízo os elementos necessários à análise da demanda. Por sua vez, o restante do conjunto probatório acostado aos autos não contém elementos capazes de ilidir as conclusões contidas no laudo pericial. Não demonstrada a existência de deficiência/impedimento de longo prazo, pressuposto indispensável para a concessão do benefício assistencial, resta incabível a sua concessão. Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50. Por fim, revogo a tutela antecipada. Tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título. Diante do exposto, rejeito a preliminar de falta de interesse de agir, no mérito, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente revogo a tutela antecipada concedida, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR FALTA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. FEITO CONTESTADO E SENTENCIADO COM ANÁLISE DE MÉRITO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA.
1. Preliminar de falta de interesse de agir rejeitada. Na presente demanda, todavia, verifica-se que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS apresentou contestação, o que caracteriza o interesse de agir consubstanciado na resistência à lide. RE 631.240/MG. Acrescenta-se que o feito se encontra sentenciado com análise de mérito, tendo sido julgada procedente a pretensão da parte autora com a concessão do benefício pretendido. Incabível a exigência do prévio requerimento administrativo nesta fase processual, posto que mais do que constituída a lide e já foi declarado o direito.
2. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
3. Laudo médico pericial informa a existência de restrição para o exercício de algumas funções, condição que não constitui deficiência/impedimento de longo prazo no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Inversão do ônus da sucumbência.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores.
7. Apelação do INSS provida.