Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000068-71.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA PEDROSO

Advogado do(a) APELADO: JOSE CELESTINO FERNANDES - SP173642-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000068-71.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA PEDROSO

Advogado do(a) APELADO: JOSE CELESTINO FERNANDES - SP173642-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.

A sentença, prolatada em 28.04.2017, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão/restabelecimento do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para o fim de condenar a autarquia-ré a pagar à autora, MARIA APARECIDA PEDROSO, benefício assistencial de prestação continuada no valor correspondente a 100% do salário de benefício, a partir da data da propositura da ação. Deverão as prestações vencidas, serem atualizadas a partir dos respectivos vencimentos e sobre o montante devido incidir juros legais a partir da citação. Torno definitiva a tutela antecipada acima deferida nestes autos. Condeno, ainda, a autarquia-ré no pagamento de honorários advocatícios que fixo em 15% sobre o valor da condenação, excluídas da base de cálculo as prestações vincendas, além do pagamento das despesas processuais, dentre elas, os honorários periciais que fixo em um salário mínimo, atualizado a partir da entrega do laudo, as demais despesas, se houverem, deverão ser atualizadas a partir dos respectivos desembolsos. Isenta de custas, a autarquia-ré, por força de lei. P.R.I.C.”

Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade da parte autora a amparar a concessão do benefício. Subsidiariamente, pleiteia a reforma da sentença no tocante aos honorários assistenciais.

Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000068-71.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA PEDROSO

Advogado do(a) APELADO: JOSE CELESTINO FERNANDES - SP173642-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.

O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:

“Analisemos, portanto tais condições ante as provas coligidas nos autos. A autora atualmente conta com 71 anos de idade (fis. 10), portanto, é idosa nos termos da lei, que prevê a idade mínima de 65 anos. Com o estudo social realizado junto á casa da autora, restou comprovado que o núcleo familiar é composto por três integrantes: a autora, sua filha e sua neta. Esse núcleo familiar dispõe de renda proveniente de bicos realizados pela filha da autora que totalizam o valor R$ 1000,00, o que demonstra que a renda familiar da autora é inferior a ½ salário mínimo por pessoa, sendo que assistente social descreve, ainda, que a família vive de doação e passa por necessidades de alimentação, evidenciando, assim, preencher a condição miserabilidade, requisito indispensável para a concessão do amparo social. Dessa forma, possível concluir que a autora preenche ambos os requisitos para a concessão do benefício assistencial ora pleiteado. Considerando a natureza do benefício, que é de caráter assistencial, em virtude da baixa renda do cidadão, como é a hipótese destes autos, nítido está o perigo de dano, caso não implementado de imediato o benefício em questão, pelo que antecipo os efeitos da tutela, a fim de determinar que a ré implante imediatamente o benefício por meio desta ação concedido à autora.”

Por sua vez, o estudo social (ID 87979219 – pag. 130/132), elaborado em 13.06.2016, revela que a parte autora reside com sua filha e uma neta menor de idade em imóvel alugado (R$ 700,00), de alvenaria, com dois quartos, sala, copa/cozinha, dois banheiros, garagem e quintal. A casa está pintada e conta com pisos e azulejos sem conservação, com umidade na parede da sala, cozinha e quarto. Móveis e eletrodomésticos básicos guarnecem a casa.

Informa que a renda da casa é de R$ 1.000,00, referente ao trabalho informal da filha da autora que exerce atividade de cuidadora de idosos.

Relataram despesas básicas no importe de R$ 1.157,80 (energia elétrica, alimentação, gás de cozinha, TV Sky e aluguel). Obtém vestuário por meio de doação e recebem esporadicamente cesta básica do empregador da filha da autora.

A perita social conclui que “LAUDO TÉCNICO: A situação habitacional da requerente encontra-se no momento em dificuldade, devido à ordem de despejo por falta de pagamento. A situação sócio econômica está sendo suprida com dificuldade conforme o ganho mensal da filha, que exerce a função autônoma de cuidadora de idosos. Em nosso parecer s.m.j condição sócio econômica da requerente está sendo suprida com dificuldade.”.

Da leitura do laudo social extrai-se que a parte autora apresenta-se adoentada, a família conta com rendimento informal e modesto e apresenta elevada despesa com moradia/aluguel, restando demonstrada a existência de hipossuficiência.

Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e preenchidos os requisitos necessários, de rigor a manutenção da sentença de procedência do pedido por seus próprios fundamentos.

No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.

Tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença  e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial.

Os honorários periciais devem ser mantidos no patamar fixado na decisão proferida pelo MM. Juiz a quo no ID 87979219 – pag. 137.

A Resolução nº 305/2014, do Conselho da Justiça Federal, dispõe sobre o pagamento de peritos, em casos de assistência judiciária gratuita, tanto no âmbito da jurisdição delegada quanto da Justiça Federal, os quais correrão por conta desta última.

Mencionada norma, nos termos dos artigos 25 e 28, apresenta parâmetros para o arbitramento dos honorários periciais, estabelecendo os limites mínimos e máximos.

Embora esteja o juízo a quo autorizado a ultrapassar, em até 3 vezes, o limite máximo para a fixação dos honorários do perito (artigo 28, parágrafo único da Resolução nº 305/2014 CJF), no caso, ausentes o alto grau de especialização e a excessiva complexidade do exame, que possibilitariam tal majoração.

Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS para reformar a sentença no tocante aos honorários de perito, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 



 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000068-71.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA PEDROSO

Advogado do(a) APELADO: JOSE CELESTINO FERNANDES - SP173642-N

 

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO PREENCHIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS PERICIAIS/ASSISTENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.

1. O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

2. Requisito etário preenchido.

3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se sem condições de suprir suas necessidades básicas ou de tê-las supridas por sua família.

4. Critérios de atualização do débito corrigidos de ofício.

5. Honorários periciais/assistências mantidos nos termos da decisão que arbitrou os honorários. Ausentes o alto grau de especialização e a excessiva complexidade do exame, que possibilitariam a majoração da verba.

6. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, corrigir para fixar os critérios de atualização do débito e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.