APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006027-23.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RENAN VINICIUS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: VANIA SIMONE DOS SANTOS
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006027-23.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: RENAN VINICIUS DOS SANTOS Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: VANIA SIMONE DOS SANTOS R E L A T Ó R I O Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) para pessoa portadora de deficiência previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal. A sentença, prolatada em 30.05.2016, julgou procedente o pedido conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por RENAN VINICIUS FERREIRA DOS SANTOS, o que faço para condenar o INSS a pagar-lhe o benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo mensal, desde a citação (20/01/2014).Tendo em vista o entendimento das Cortes Superiores que, por arrastamento, consideraram inconstitucional o art. 1º-F, da Lei nº 11.960/09 (Apelação/Reexame Necessário nº 0054560-87.2012.8.26.0577, 4ª Câmara de Direito Público do E. TJ-SP, julgado em 03/02/2014, Relator Desembargador Paulo Barcellos Gatti), retorna-se à aplicação da Lei nº 9.494/97, na sua redação original, incidindo o índice de atualização monetária dos débitos judiciais previsto na Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo (INPC) e juros de mora à base de 0,5% (meio por cento) ao mês, contados a partir da citação. Pela sucumbência, condeno o INSS ao pagamento da verba honorária, que arbitro em 10% das prestações vencidas, incluído nesse valor as vencidas até a sentença (Súmula 111 do E. Superior Tribunal de Justiça). Diante da concessão da tutela de urgência, oficie-se ao INSS para implantação imediata do benefício. Ciência ao Ministério Público. P. R. I. C.” Apela o INSS requerendo a improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite legal estabelecido e que o pai do autor tem obrigação alimentar. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício, honorários advocatícios e critérios de juros e correção monetária. Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS. É o relatório.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006027-23.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: RENAN VINICIUS DOS SANTOS Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: VANIA SIMONE DOS SANTOS V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação. Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência. Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado. Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam. Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição. Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil. Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade. Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições de miserabilidade necessária para a concessão do benefício. Confira-se: “O estudo social de fls.110/111 relatou que o autor vive com a mãe e os irmãos, numa casa própria localizada na cidade de Macedônia/SP. Descreveu que os móveis existentes na residência são os básicos, bem assim que a única renda familiar é proveniente do salário da genitora do autor, Vania, que trabalha como açougueira, no valor de R$ 1.000,00. Destacou que "A família não possui automóvel" e que "A renda da família é de R$ 1.000,00. E os gastos de R$ 1.050,00, sendo dividido em: R$ 45,00 de energia, R$ 30,00 de água e esgoto, R$ 600,00 de alimentação, R$ 175,00 de farmácia e R$ 200,00 de empréstimo. “Tem-se, portanto, que a renda familiar não supre todas as despesas do autor, mormente em se tratando de pessoa com problemas de saúde incuráveis. Além do mais, considerando os gastos com medicamentos, alimentação e tarifas públicas, nada lhe resta para uma vida digna, estando configurada a miserabilidade como previsto em lei.” Por sua vez, o estudo social (ID 887777214 – pag. 110/112), elaborado em 11.03.2015, revela que a parte autora vive com sua mãe e dois irmãos (menores de idade) em imóvel próprio, de alvenaria, acabamento de látex, piso de cerâmica, revestimento de azulejo na cozinha e banheiro, com três quartos, sala, cozinha e banheiro. O imóvel oferece conforto e está adequadamente guarnecido com móveis e eletrodomésticos, contando com: sofá, estante, televisão, mesa com cadeira, fogão, micro-ondas, geladeira, uma cama de casal, guarda-roupas, quatro camas de solteiros. A renda da casa advém do salário da mãe do autor que aufere mensalmente R$ 1.000,00, valor significativamente superior ao salário mínimo vigente à época (R$ 788,00). Relata despesas básicos de R$ 850,00 (energia elétrica, água/esgoto, alimentação e farmácia) e reporta também parcelas de R$ 200,00, referente a empréstimos. Consta ainda que de acordo com a representante legal do requerente, o genitor da parte autora aufere R$ 1.000,00 e reside na mesma cidade, mas no que se refere a pensão, o genitor paga quando quer e o quanto quer, pois não há um valor estipulado pelo juiz (faz acordo verbal para que a genitora do requerente não levo-o a justiça). É fato que a renda per capita superior ao limite estabelecido na legislação em vigência não constitui óbice à concessão do benefício assistencial, todavia, da leitura do laudo social, não se extrai a existência de miserabilidade. Nesse sentido, consta que a família encontra o abrigo e conforto em imóvel próprio e apresenta rendimento formal, o que, a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica. Note-se que o pai do autor, embora separado da mãe, guarda o dever legal do sustento, e nesta seara, o extrato do sistema CNIS ID 87777214 – pag. 132/133, indica que no momento da perícia social ele apresentava vínculo de trabalho formal e auferia salário de contribuição de R$ 2.163,86. Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não está comprovada a insuficiência de rendimento para suprir as necessidades básicas da parte autora. A existência de despesas temporárias com pagamento de dívidas, por si só, não enseja a concessão do benefício assistencial. Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade. Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial. Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015. Por fim, revogo a tutela antecipada. Tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta. É o voto.
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006027-23.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: RENAN VINICIUS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: ALESSANDRO DEL NERO MARTINS DE ARAUJO - SP233292-N
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO.. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela mãe, e não há comprovação de que suas necessidades básicas não possam ser supridas pelos genitores. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores.
6. Apelação do INSS provida.